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Proc. n.º 248/01 Acórdão nº 341/02
1 Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Nos autos de expropriação por utilidade pública, em que era expropriante a Câmara Municipal de Oeiras e expropriada A, foi adjudicada à Câmara Municipal de Oeiras a propriedade de um prédio rústico identificado nos autos, nos termos do artigo 70º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, por despacho de 19 de Abril de 1982 (fls. 144 v.º e 145), proferido pelo juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras.
2. Notificada do referido despacho, a expropriada entretanto habilitada
– B.... – veio arguir a nulidade da vistoria 'ad perpetuam rei memoriam' e da arbitragem e avaliação efectuadas nos autos a uma determinada parcela que havia sido expropriada (fls. 157 e seguinte). A Câmara Municipal de Oeiras respondeu à arguição de nulidades (fls. 168 e seguintes), não suscitando na resposta qualquer questão de inconstitucionalidade. Por despacho de fls. 175 e seguintes, foi indeferida a arguição de nulidades.
3. A expropriada B. interpôs também, a fls. 160 e seguintes, recurso da decisão arbitral que lhe fixara a indemnização devida em 5.734.000$00, tendo, entre o mais, suscitado a questão da inconstitucionalidade dos artigos 6º e 9º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, bem como do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 56/75, de 23 de Fevereiro. A Câmara Municipal de Oeiras respondeu ao recurso do acórdão arbitral que havia sido interposto pela expropriada (fls. 181 e seguintes). Na sua resposta, fez referência ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/90, bem como ao disposto no artigo 22º do Código das Expropriações de 1991, mas não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
4. A fls. 328 e seguintes, a Câmara Municipal de Oeiras reclamou do laudo dos peritos que entretanto haviam procedido à avaliação. Nessa reclamação, fez referência ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 52/90, bem como a algumas normas do Código das Expropriações, mas não imputou qualquer inconstitucionalidade a qualquer norma. Os peritos responderam a esta reclamação (fls. 336 e seguintes). A fls. 363 e seguintes, a Câmara Municipal de Oeiras requereu que fossem completados os esclarecimentos prestados pelos peritos, o que motivou a resposta dos peritos de fls. 370 e seguintes. A fls. 398 e seguintes, a Câmara Municipal de Oeiras requereu a prestação de mais esclarecimentos pelos peritos, tendo nesse requerimento colocado a hipótese de o artigo 9º do Decreto-Lei n.º 576/70 ser considerado inconstitucional, nos seguintes termos:
'[...] Se o artº 9º do DL 576/70 é considerado inconstitucional, a consequência jurídica de tal inconstitucionalidade é a aplicação do regime legal revogado pela norma ou diploma revogados pela norma ou diploma declarado inconstitucional. Esse é o princípio geral, evidente para qualquer jurista médio. Ora, o regime legal aplicável é o do DL 43587, de 8/1/61 (v. preceito similar no art. 7º/3 do DL 576/70, de 24/11) e não a ausência de regras ou salada de frutos de épocas distintas que são apresentadas. Também neste ponto os Srs. peritos acabam por nada responder ou esclarecer.
[...].'
A fls. 403 e seguintes, a expropriada B. respondeu à expropriante.
5. Nas suas alegações de direito de fls. 409 e seguintes, a expropriada B. suscitou a questão da inconstitucionalidade da legislação vigente à data da declaração de utilidade pública do prédio expropriado. A Câmara Municipal de Oeiras, nas alegações que ofereceu (fls. 468 e seguintes), concluiu, para o que aqui releva, do seguinte modo:
'1ª – O princípio constitucional da justa indemnização implica o cálculo do montante da indemnização através do valor real e corrente de mercado do bem expropriado, nos termos gerais de direito, pois:
– O direito à justa indemnização em caso de expropriação consagrado no art°
62º/2 da CRP tem a natureza de direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, estando sujeito ao regime previsto no art° 18° ex vi do disposto no artº 17º do mesmo diploma;
– O pagamento da justa indemnização representa a concretização dos princípios do Estado de direito democrático (art° 2° da CRP), impõe a indemnização os actos lesivos de direito ou causadores de danos e da igualdade na repartição dos encargos públicos;
2ª – Em matéria dispositiva, regem o caso vertente as disposições dos DL 576/70, de 24/11 (antiga lei dos solos), com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 56/75, de 13/2. Complementarmente rege ainda o disposto no Decreto
43.587, de 8/4/61, que estabelecia o regime da expropriação e na Lei n° 2030, de
22/6/48, então ainda parcialmente em vigor;
3ª – Os factos relevantes para a fixação da indemnização são os referentes à data da declaração de utilidade pública, bem tendo andado o laudo arbitral e do perito da expropriante [...];
4ª – Pelo contrário, a expropriada e os laudos do seu perito e peritos do tribunal, ao pretenderem realizar a avaliação com base nos dados de 1994, incorrem na contradição insanável de, por um lado reclamar a aplicação do novo CE, e por outro violar frontalmente o disposto no seu artº 22º/2 in fine que, no seguimento do artº 2°/e) da Lei de autorização legislativa 24/91, de 16/7, manda atender às circunstâncias e factos existentes à data da declaração de utilidade pública da expropriação, e não posteriormente;
5ª – Incorrendo ainda na violação das normas dos arts. 22°/3 do actual CE, aprovado pelo DL 38/91, de 9/11; 29°/1 do DL 845/76 de 11/12; 43°/2/c) do Decreto 43.587, de 8/4/61, e 10°/3 da lei 2030, de 23/8/48, as quais contêm todas um comando análogo – a proibição da consideração de circunstâncias ulteriores à declaração de utilidade pública para efeitos de determinação do valor da indemnização;
6ª – O terreno expropriado não estava, à data da declaração de utilidade pública, situado em qualquer aglomerado urbano, não dispunha de acesso por via pública pavimentada, mas por um simples caminho de terra batida, estava situado a mais de 50 metros de uma via com aquelas características, e não era servido por qualquer das infra-estruturas urbanísticas básicas, pelo que bem andaram os Srs. árbitros, peritos e partes, em considerar a parcela como não apta para construção;
7ª – Mesmo utilizando os critérios de classificação constantes dos DL 845/76 e do actual CE, sempre seríamos forçados à conclusão de que o terreno expropriado tem de qualificar-se como apto para outros fins que não a construção;
8ª – A expropriada, seu perito e peritos do tribunal, incorreram no lapso já notado de tomar como relevante a situação de facto e de direito actual, nomeadamente as disposições do PDM de Oeiras, publicado em 1994, esquecendo-se da proibição legal e da situação de facto existente à data da declaração de utilidade pública, e do facto de as infra-estruturas urbanísticas que ora existem, ali terem sido colocadas em virtude do destino edificativo que presidiu
à expropriação;
9ª – A expropriada e o laudo pericial maioritário, violam o artº 23° do actual CE, norma interpretativa aplicável a todas situações pendentes, e que manda que o momento relevante para a avaliação seja o da declaração de utilidade pública, procedendo-se posteriormente à actualização da indemnização através da aplicação da variação do índice de preços até á decisão final;
[...].'
6. Por sentença de fls. 498 e seguintes do Tribunal de Círculo e da Comarca de Oeiras, proferida em 5 de Julho de 1999, decidiu-se, entre o mais, julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela expropriada da decisão arbitral, fixando-se em 3.560.100.000$00 o valor da indemnização a pagar pela expropriante à expropriada, devendo tal montante ser actualizado segundo os
índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE, sendo 2,8% para o ano de 1998. Pode ler-se no texto da sentença, para o que aqui releva, o seguinte:
'[...] IV. Do mérito
1. Importa nos presentes autos, e por força do recurso interposto, determinar a
«justa indemnização» que funciona como correspectivo da legitimidade estadual para proceder à expropriação realizada, como directamente decorre do art. 62° da C.R.P.. Esta justa indemnização há-de ser valorada, antes de mais, à luz dos critérios oferecidos pela lei ordinária, na medida em que sejam compatíveis com os princípios constitucionais atinentes à matéria, nomeadamente os parâmetros definidos pela igualdade e proporcionalidade. Critérios que, como é hoje pacificamente admitido, se determinam pela lei vigente ao tempo da publicação da declaração de utilidade pública
(doravante DUP), por essa publicação constituir condição de eficácia do acto que, independentemente da sua concreta natureza jurídica e efeitos, vem a criar a relação jurídica de expropriação, onerando desde logo o bem expropriado. O que conduz, no caso, à aplicação do DL 576/70, de 24/11, com as alterações introduzidas pelo DL 56/75, de 13/02 (que alterou o art. 7° daquele DL), importando, à luz do disposto nos arts. 7° e 9° desse diploma, a qualificação do terreno ora expropriado como «terreno para outros fins» ou «não considerado para construção» na terminologia legal (v. também art. 6°). Na verdade, e sabendo-se que a esta qualificação importam os elementos de facto colhidos na vistoria «ad perpetuam rei memoriam», facilmente se constata que o terreno em causa não preenche os requisitos fixados no art. 7° do DL 576/70. Deverá, assim, ser considerado no âmbito do art. 9° do mesmo diploma legal como
«terreno para outros fins», artigo este que determina que o seu valor seja fixado atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústicos. E é deste valor, rectius, da sua determinação, que essencialmente se cura neste processo. Ocorre, porém, que a inconstitucionalidade deste preceito tem sido suscitada com bases válidas, sendo inclusivé aceite pela expropriante e expropriada. Inconstitucionalidade que, embora em sede de apreciação concreta, foi já afirmada pelo Tribunal Constitucional, por tal norma, ao não atender a outros factores de valorização do prédio que não sejam a sua aptidão rústica, fixar um critério de indemnização demasiado restritivo, ofensivo do princípio da igualdade e da obrigação constitucional do pagamento da justa indemnização. Orientação que se mostra suportada ainda pela circunstância, sublinhada no próprio acórdão do TC, de a norma em apreciação corresponder com inteiro paralelismo ao disposto no art. 30º nº 1 do DL 845/76, igualmente julgada inconstitucional, por idênticas razões, e com força obrigatória geral. Face a esta patente inconstitucionalidade do citado art. 7°, impossibilitando a utilização do critério legal fixado, importa determinar o critério mobilizável na busca da «justa indemnização». Ponto onde fica liminarmente vedado o caminho à repristinação dos critérios fixados na legislação pregressa, por força do disposto no art. 282° nº 1 in fine da C.R.P., que faz depender essa repristinação de uma ainda inexistente declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. E à aplicação directa e imediata dos critérios fixados no actual Cód. das Expropriações se opõem desde logo as regras de vigência temporal das leis, e o já exposto quanto à determinação da lei aplicável. Pelo que resta sobremodo o critério constitucional da «justa indemnização», fixado no art. 62° nº 2 da CRP, enquanto parâmetro primeiro da justiça visada, e cuja operacionalidade assenta ainda na eficácia directa das normas relativas a direitos, liberdades e garantias, a que o direito em causa é análogo (v. arts.
62 nº 2 e 17° e 18° da CRP). Pese embora esse parâmetro constitucional não vincule a definição dos concretos critérios da justa indemnização, designadamente impondo a opção pelo critério do valor real ou venal ou de mercado dos bens, a verdade é que este é o que em primeira linha melhor permite preencher o fim da compensação integral do dano causado ao expropriado, ou pelo menos é um critério que detém virtualidades suficientes para alcançar esse desiderato, como reiteradamente tem sido entendido pelo TC. Na verdade, e por um lado, sabe-se que a indemnização por expropriação se conexiona intimamente com o princípio da igualdade, na medida em que visa essencialmente compensar o sacrifício imposto ao expropriado, restaurando a situação de paridade que deveria existir entre este e aqueles que não viram os seus direitos patrimoniais violados. Paridade que o critério do valor comum ou de mercado do bem expropriado é apto a alcançar, ao permitir ao expropriado ver a sua situação justamente recomposta, designadamente colocando-o em «condições de adquirir outro bem de igual natureza e valor» Ac TC 108/92, DR II 15/07/92. Por outro lado, este apelo ao valor venal tem sido recorrentemente aflorada no regime legal das expropriações, a quem cabe precisamente a concretização dos critérios determinantes da justa indemnização. Assim, o art. 8° do DL 576/70 para os terrenos para construção, ou, antes, o art. 42° nº 2 do DL 43.587 – sendo que a inconstitucionalidade das limitações opostas à justa indemnização quanto aos «terrenos para outros fins» não pode deixar de reivindicar a aplicação a estes terrenos do mesmo critério venal. Assim, importará atender, na determinação da indemnização devida, ao valor real ou venal ou de mercado do terreno expropriado, no que se deverão ter em conta todas as suas características com significado nesse mercado, e por isso com relevo na definição do seu «preço». O que ocorre com a sua natureza, características, localização e destino, bem como, iniludivelmente, com a potencialidade edificativa do terreno, ainda que se trate de terreno agrícola
[...].
[...] a) antes de mais, salienta-se que se tem por justificada a ponderação efectuada pelo laudo maioritário do factor edificativo associado ao terreno expropriado.
É aqui que reside a principal divergência da expropriada, que defende que o
«destino construtivo do terreno não existia nem era próximo», «não tendo acessos ou infraestruturas ou (a) envolvência urbana». Daí que considere ter o laudo maioritário promovido uma indevida transformação de um terreno agrícola em terreno para construção, e ao arrepio dos critérios de avaliação destes. Entende-se, porém, que se não trata de, reflexamente, transformar a natureza do terreno, mas de atender à sua capacidade edificativa, que já na altura se tinha por muito próxima, manifesta ou mesmo efectiva, pese embora a sua real utilização a não compreender. Como bem nota a expropriada, tal destino é desde logo revelado pelo fim visado pela expropriação – sem que se fale de qualquer mais valia que a expropriação introduza, e que não poderia ser valorada, tratando-se antes e apenas de considerar a finalidade dessa expropriação como um indício seguro da referida aptidão edificativa. A qual é de resto confirmada pela existência, a curta distância, de pólos de desenvolvimento urbano (Linda-A-Velha, Carnaxide e Miraflores) [...]. Foi esta capacidade que foi atendida pelos peritos em causa, lançando mão de um método coerente para fixar o valor de mercado – em que se ponderaram todas as variáveis intervenientes, nomeadamente considerando o valor das infraestruturas, que não existiam, como especial factor negativo. O que desde logo exclui a existência de uma acrítica equiparação com os terrenos para construção, em princípio já urbanizados. E método este justificado pela carência de precisos critérios legais, desencadeada pela aludida inconstitucionalidade. Ora, o relevo da potencialidade edificativa na fixação do valor de mercado dos bens está por demais assente. b) é, aliás, na sequência deste ponto de partida que se deve compreender a referência ao PDM de 1994.
É que, não existindo na altura da DUP qualquer plano de urbanização que determinasse o volume e tipo de construção admissível, importava considerar «o aproveitamento economicamente normal», ou seja, importava atender ao tipo de ocupação que o terreno expropriado comportaria em termos de normalidade ao tempo da expropriação. E o que os peritos fizeram foi apelar ao PDM entretanto surgido para calcular esse valor, recorrendo assim a um critério objectivo para fixar a utilização economicamente viável e normal, e esclarecendo que os valores colhidos nesse PDM não feriam as «perspectivas existentes à data da DUP». Pese embora tal utilização possa surgir como pouco ortodoxa, pela proximidade com uma utilização indevida de um elemento posterior à DUP, ela compreende-se enquanto procura dar mais objectividade e transparência à valoração da edificabilidade possível. Aliás, foi pelos srs. peritos explicitado que a consideração de outros factores
– bem menos transparentes ou objectivos, como as «edificações de Carnaxide, Linda-A-Velha ou Miraflores» – levaria à afirmação de valores superiores (v. fls. 253/341-2), ou que a consideração de valores existentes na área expropriada permitiria falar de índices de ocupação muito superiores (v. fls. 255). Assim, trata-se apenas de utilizar o PDM como elemento de referência, o que se tem por legítimo.
[...].'
7. Desta sentença interpôs a Câmara Municipal de Oeiras recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 517), tendo a expropriada interposto recurso subordinado (fls. 521). Nas suas alegações (fls. 535 e seguintes), que foram apresentadas em 6 de Março de 2000, a Câmara Municipal de Oeiras concluiu do seguinte modo:
'[...]
4º – O cálculo do valor da indemnização por expropriação deve ser determinado com base nas disposições legais em vigor à data da publicação da respectiva declaração de utilidade pública (d.u.p.) – no caso sub judice, em 75.07.26 (v. fls. 31-32 dos autos) –, sendo inaplicáveis normas jurídicas posteriormente publicadas (v. art. 12º do C. Civil) [...];
5º – A douta sentença recorrida considerou aplicáveis in casu, ainda que indirectamente, os critérios constantes do PDM de Oeiras – publicado dezanove anos após a publicação da d.u.p. – mas rejeitou liminarmente a aplicação dos critérios constantes do DL 356/75, de 8 de Julho – que entrou em vigor apenas três dias depois do acto expropriativo [...];
6º – Na fixação do montante indemnizatório devem considerar-se apenas os prejuízos efectivamente suportados pelo expropriado com base nos valores, condições e circunstâncias de facto existentes à data da publicação da d.u.p. da expropriação [...];
7º – Na douta sentença recorrida foram considerados os alegados valores, circunstâncias e condições actuais do terreno, não se tendo ponderado que, à data da respectiva expropriação, este estava exclusivamente afecto a fins agrícolas, estava onerado com um arrendamento rural, não confinava com qualquer via pública, dispunha apenas de um caminho de terra que permitia o acesso a explorações agrícolas, não dispunha de infra-estruturas urbanísticas, tinha cento e três construções clandestinas sem condições de habitabilidade, encontrava-se a mais de 50 metros de qualquer via pública dotado de infraestruturas e era constituído essencialmente por solos com capacidade agrícola reservada (v. fls. 93 e segs. e fls. 151 e segs. do autos) [...];
8º – Os Senhores Peritos e a aliás douta sentença recorrida classificaram unanimemente a parcela expropriada como terreno para outros fins (v. arts. 6° e
7° do DL 576/70, de 24 de Novembro) [...];
9º – A parcela expropriada dispunha apenas de capacidades agrícolas – fim a que estava e sempre esteve adstrita –, não existindo quaisquer infra-estruturas ou acessos que permitissem a sua afectação à construção, pelo que não podia deixar de ser classificada e avaliada como «terreno para outros fins» [...];
10º – As capacidades edificativas consideradas pelos Senhores Peritos do Tribunal e da Expropriada e na aliás douta sentença recorrida nunca poderiam ser aceites, pois, à data da d.u.p.: a) O terreno expropriado estava exclusivamente afecto a fins agrícolas, encontrando-se inclusivamente onerado por um arrendamento rural; b) A maioria dos seus solos tinha capacidade agrícola reservada; c) Não dispunha de quaisquer infra-estruturas urbanísticas adequadas; d) Não era marginado por qualquer via pública dotada das referidas infra-estruturas; e) Estava parcialmente ocupado por cento e três construções clandestinas, sem condições de habitabilidade [...];
11º – As capacidades edificativas de cada terreno têm de apurar-se com base na situação concreta existente à data da publicação da d.u.p. da expropriação, sendo inadmissível a aplicação de critérios e parâmetros que vierem a ser posteriormente consagrados para outros terrenos da zona, com circunstâncias, localizações, condições e aptidões diversas (v. arts. 13° e 62° da CRP) [...];
12º – A circunstância de a expropriação se destinar à construção de um empreendimento público que inclui algumas construções de interesse e utilidade pública releva apenas para se apurar o benefício alcançado pelo expropriante e não o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, não permitindo ainda a conclusão de que os terrenos abrangidos dispõem das mesmas capacidades edificativas de outros imóveis da zona, afectos à construção de edifícios habitacionais em regime de mercado livre e dotados das necessárias infra-estruturas e vias de acesso, o que não se verifica in casu [...];
13º – Na douta sentença recorrida, na esteira dos Senhores Peritos do Tribunal e da Expropriada, nem sequer se ponderou a aplicação in casu do art. 7°/4 do DL
576/70, de 24 de Novembro, que exclui a possibilidade de construção da parte do terreno que esteja afastado mais de cinquenta metros das vias existentes à data da d.u.p., o que abrangia a quase totalidade do terreno expropriado [...];
14º – O valor da indemnização deve calcular-se por referência à data da respectiva d.u.p., pelo que a aliás douta sentença recorrida enferma de manifestos erros de julgamento na parte em que considerou valores actuais [...];
15º – O PDM de Oeiras, publicado em 94.03.22, é inaplicável à presente expropriação e, além disso, o índice de ocupação considerado pelos Senhores Peritos do Tribunal e da Expropriada e fixado na douta sentença recorrida – 0,48
– não tem qualquer relação com as capacidades edificativas do terreno à data da d.u.p., ou mesmo à data da avaliação [...];
16º – O valor da construção de 170.000$00/m2 refere-se a terrenos devidamente infra-estruturados, dotados de acessos adequados e com localização e dimensões diversas das do terreno expropriado, pelo que nunca seria aplicável in casu
[...];
17º – Os Senhores Peritos do Tribunal e da Expropriada e a douta sentença recorrida não consideraram todos os elementos necessários à fixação do valor do imóvel em causa, nomeadamente os custos resultantes da demolição das barracas nele existentes, ponderando apenas, em termos conclusivos, o custo de realojamento dos respectivos habitantes, tendo violado frontalmente o disposto no art. 62° da CRP e nos arts. 6° e segs. do DL 576/70 [...];
18º – A avaliação do terreno expropriado constante da aliás douta sentença recorrida, não atendeu minimamente aos parâmetros, índices e valor de mercado da construção que era possível efectuar na parcela expropriada pelo que, não constando do processo os elementos necessários à fixação da justa indemnização devida in casu, deverão ser anuladas as diligências probatórias realizadas, ex vi do [...] art. 712° do CPC [...];
19º – A aliás douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 13° e
62° da CRP, nos arts. 6° e 7° do DL 576/70, de 26 de Novembro e nos arts. 12°,
294°, 892° e 956° do C. Civil.'
A expropriada B., nas suas alegações de recurso subordinado (fls. 591 e seguintes), concluiu que:
'[...]
11 – A douta sentença violou o disposto nos arts. 62/2º e 13/1º da CR, que consagram os princípios da justa indemnização, ao impor à expropriada os custos integrais dos realojamentos. Ao omitir a condenação em juros de mora pedidos, violou os mesmos preceitos e ainda os arts. 559º e 806º do CC.
[...].'
Nas contra-alegações que apresentou na apelação interposta pela expropriante
(fls. 607 e seguintes), a expropriada B. sustentou, entre o mais, que devia 'ser considerada inconstitucional e inaplicável a legislação em vigor à data da DUP, ou anterior ou posteriormente, que limite o direito à justa indemnização, por ofensa ao disposto nos arts. 13º/1 e 62º/2 da CRP, o que sucede, designadamente com os arts. 6º, 7º, 9º, 10º e 11º do DL 576/70 de 24/11 e 14º do DL 56/75 de
23/2, e eventualmente, outros'. A expropriada juntou um parecer jurídico de um professor universitário (fls. 643 e seguintes). Nas contra-alegações que apresentou no recurso subordinado interposto pela expropriada (fls. 715 e seguintes), a Câmara Municipal de Oeiras concluiu que:
'[...]
1ª– A existência de construções clandestinas na parcela expropriada afecta decisivamente o seu valor real e corrente de mercado, constituindo uma efectiva desvalorização da parcela em causa, pelo que não pode deixar de ser ponderada na fixação da indemnização devida in casu (v. arts. 13º e 62º da CRP; cfr. art.
562º do C. Civil) [...];
2ª– A não se considerar a desvalorização do imóvel em causa resultante da existência das referidas construções clandestinas, seria frontalmente violado o princípio da igualdade, nas suas vertentes interna e externa (v. art. 13º da CRP) [...];
[...].'
8. Por acórdão de fls. 818 e seguintes, proferido em 23 de Janeiro de
2001, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedente tanto o recurso interposto pela expropriante como o recurso interposto pela expropriada, mantendo na íntegra a sentença apelada. Lê-se no texto do acórdão:
'[...] No caso ora em apreço, é, pois, o montante da justa indemnização que está em questão. Uma vez que, à data do despacho da declaração da utilidade pública (d.u.p.) e da sua publicação no Diário da República, se encontrava em vigor o Decreto-Lei nº
576/70, de 24 de Novembro (Cód. Expropriações), é esse o diploma legal ao caso aplicável, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 56/75, de 13 de Fevereiro (que alterou o artº 7º daquele D.L.).
[...] Como já se alcança do que, nesse sentido, já acima se referiu e também é jurisprudência e doutrina dominantes, atenta a sua natureza substantiva, o cálculo da indemnização devida (no caso) à expropriação é determinado pela lei em vigor à data da publicação da declaração de utilidade pública, por esse ser o facto constitutivo da relação de expropriação.
[...] Mas, é claro, isso não significa que, para efeitos de ser encontrada e fixada a já aludida e justa indemnização, resultante da respectiva expropriação, não tenham – e não devam – de ser considerados todos os factos/elementos relevantes, quer então já existentes, quer futuros, estes desde que tidos como seguros e respeitantes a uma realidade próxima e futura, embora, naturalmente, sempre relativos ao prédio objecto dessa expropriação. A sentença apelada fundamentou-se, essencialmente, nos elementos contidos no relatório elaborado pelos Exmºs peritos maioritários, subscrito pelos quatro peritos – três do tribunal e o da expropriada.
[...] De harmonia com o preceituado no art. 6° do citado Decreto-Lei n° 576/70, de 24 de Novembro, para efeitos de expropriação, os terrenos classificam-se em terrenos para construção e terrenos para outros fins. Como se alcança do auto de vistoria «ad perpetuam rei memoriam» de fls. 93, esta levada a efeito no dia 5 de Abril de 1976 e como também já consta dos factos dados como provados, a parcela em questão fazia parte de uma quinta denominada
«Nossa Senhora da Conceição». Em conformidade com os factos/elementos constantes dessa certidão, essenciais para a qualificação do terreno/parcela expropriados, obviamente, com os consequentes reflexos, para efeitos da fixação da respectiva indemnização, verifica-se que, em princípio, aquela esta não preencheria os requisitos para que fosse considerada como «terreno para construção» (art. 7° do citado D.L. n°
576/70); por isso, foi qualificado como «terreno para outros fins» (art. 9° do mesmo diploma). Todavia, como é sabido, o n° 1 do referido art° 9° daquele D.L. foi declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional [...], por não atender a outros factores de valorização do prédio, que não sejam apenas a sua aptidão rústica, fixando um critério para apuramento da indemnização demasiado restritivo e, por isso, ofensivo do princípio da igualdade e da obrigação constitucional do pagamento da justa indemnização (art°s 13° e 62°, ambos da C.R.P.), entendimento que também se mostra suportado pela circunstância de que, como se refere no citado Acórdão do T.C., essa norma corresponde ao disposto no art° 30°, n° 1 do D.L. n° 845/76, igualmente julgada inconstitucional, por razões semelhantes, com força obrigatória geral (v. Acórdão n° 131/88 desse T.C. [...]). Assim, não sendo aplicável aquela norma, e dados os fins da expropriação, resulta daquele aresto que os terrenos expropriados devem ser avaliados em função da sua «potencial aptidão de edificabilidade». Neste sentido, também se pronunciou Osvaldo Gomes, in Expropriação por Utilidade Pública, 1997, pág. 95, onde se mostra expresso que, com fundamento em diversos Acórdãos do T.C. ali indicados, «... claro está que, se a expropriação se destina à construção de quaisquer edifícios, fica desde logo provada a ‘efectiva potencialidade edificativa’, para utilizar as palavras do Tribunal Constitucional». Em consequência, o valor da parcela deve ser calculado, como foi, não em função do rendimento rústico possível, mas em função da sua efectiva edificabilidade, tanto mais que, à data da declaração da utilidade pública, em 1975, já se perspectivava, a curto prazo, o seu aproveitamento para urbanização. E, com efeito, de acordo com o referido auto de vistoria (fls. 93), a cerca de
450 metros, já então existia a nova urbanização de Carnaxide, designadamente, na zona fronteiriça à então Clínica de Santa Cruz, a 900 metros o novo aglomerado de Linda-a-Velha, a 1.100 metros o Bairro de Miraflores, sendo a zona servida, além de outras rodovias, pela A.E., que, naquela altura, ligava Lisboa ao Estádio Nacional. Atente-se que, como se sabe, dadas as regras próprias de vigência temporal das leis, não é possível a aplicação, directa e imediata, dos critérios fixados no Código das Expropriações vigente, ou imediatamente anteriores [...]. No seguimento do que acima vem sendo sublinhado, estabelecia o art° 8° do citado D.L. n° 576/70, que, no cálculo do valor dos terrenos para construção, deve considerar-se o tipo de construção e a volumetria possível num aproveitamento economicamente normal para a zona. Por outro lado, também o Acórdão n° 359/94 do Tribunal Constitucional, de 27 de Abril de 1994 [...] declarou inconstitucionais os art°s 10° e 11° do mesmo D.L. n° 576/70, por impossibilitarem, administrativamente, em casos de expropriação, a limitação da atribuição da justa indemnização. E, como também é jurisprudência e doutrina pacíficas, a justa indemnização deverá corresponder, tanto quanto possível, ao valor do mercado dos bens (neste caso, da parcela) expropriados, assim se estabelecendo a igualdade entre quem é objecto da expropriação e aqueles que não viram os seus direitos patrimoniais idênticos violados, dessa forma podendo estes adquirir outro bem de igual natureza e valor (v. Ac. Trib. Const. n° 108/92 [...]). Dispõe o n° 1 do art° 282° da Lei Fundamental (C.R.P.) que «A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado». Por seu turno, o n° 2 do mesmo preceito dispõe que «Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta
última». Consequentemente, fica vedado o caminho à continuação da aplicação dos critérios fixados na legislação anterior (designadamente, o citado art° 9° do D.L. 576/70, declarado inconstitucional). Em síntese: na determinação do montante da indemnização devida, dever-se-á atender ao valor real ou venal ou de mercado do terreno expropriado (isto é, o preço que um comprador prudente estaria disposto a despender na aquisição desse bem), para o que devem ser tidas em conta todas as suas características com significado nesse mercado e, por isso, com relevo na definição do seu preço, designadamente, quanto à sua natureza, localização e destino, bem como, iniludivelmente, com a potencialidade edificativa do terreno, ainda que se trate de terreno agrícola [...]. Em regra, o valor devido da indemnização deve ser calculado em referência à data da d.u.p., sendo actualizada à data da decisão final. Desde então (1975), neste momento, já decorreram 25 anos, pelo que, para efeitos do respectivo cálculo da indemnização a ser fixada, os Exmºs peritos tomaram em consideração os elementos atendíveis actuais. O método adoptado pelos peritos do tribunal e da expropriada, expressos no laudo por eles apresentado, é justificado pela carência de critérios legais e precisos, desencadeada pela declaração das aludidas inconstitucionalidades. Dadas as características da parcela e a sua situação em zona de expansão urbanística, o valor do mercado dos terrenos é, óbvia e fundamentalmente, ditado por investidores imobiliários. Neste caso, o valor do terreno será um valor residual correspondente à diferença entre o preço de venda do produto final – os fogos habitacionais e espaços comerciais e de serviços – e as despesas inerentes à sua concretização. A volumetria, ou a área de pavimentação possível, é fundamental para este cálculo, visto ser na quantificação do volume de construção que terá de assentar o valor do terreno. Como também referem no seu relatório os Exmºs peritos do tribunal e da expropriada, à data da d.u.p., não se encontravam estabelecidos para aquela zona quaisquer índices de volumetria possível, embora já então a proximidade das novas edificações de Carnaxide, Linda-a-Velha e Miraflores apontasse para um
índice de ocupação elevado. Posteriormente, veio a ser ratificado o P.D.M. do concelho (de Oeiras) [...], cujos parâmetros de edificabilidade se considera que podem ser, como foram, adoptados no cálculo, visto não serem incompatíveis com as perspectivas, efectivamente, ali existentes. Com efeito, a opção desse documento oficial e orientador do ordenamento do território daquele concelho, onde se situa a parcela em causa, é preferível à aplicação no cálculo de uma hipótese menos fundamentada de edificabilidade, o que, nesse caso, até poderia levar à aplicação de critérios, ainda que aparentemente, discricionários; assim, segundo o anexo I do P.D.M., o índice de utilização bruta máximo para a zona 8 da planta de ordenamento – aglomerado de Outorela/Portela – é de 0,48.
[...] Não se verificou, portanto, na sentença apelada, a violação de qualquer das disposições legais indicadas ou quaisquer outras. Com os fundamentos apontados, que dispensam a explanação de quaisquer outros, naturalmente que, nos aspectos essenciais e relevantes, as conclusões da expropriante/apelante (C.M.O.), não se justificando, designadamente nessa parte, qualquer censura ao aludido relatório dos peritos maioritários e, assim, à sentença apelada, que, essencialmente, se fundamentou, naquele laudo, têm de improceder. Destarte, deverá improceder, como improcede, a apelação da expropriante.
[...].'
9. A Câmara Municipal de Oeiras arguiu nulidades do referido acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, por omissão de pronúncia, e, bem assim, requereu a sua reforma, com fundamento em lapso manifesto na determinação da norma aplicável e qualificação jurídica dos factos (fls. 848 e seguintes). No requerimento, apresentado em 9 de Fevereiro de 2001, disse o seguinte:
'[...] O PDM de Oeiras, considerado aplicável e aplicado in casu pelo douto aresto em análise, só foi editado dezanove anos após a publicação da declaração de utilidade pública que fundamenta a presente expropriação [...]. Na esteira de jurisprudência pacífica, pode afirmar-se que a expropriação deve reger-se pelo regime legal vigente à data da publicação no Diário da República da declaração de utilidade pública, por ser este o facto constitutivo da relação expropriativa [...]. Ora, tendo a utilidade pública da expropriação sub judice sido declarada pelo despacho do Senhor Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, de 74.07.26
(v. fls. 31-31 dos autos), o cálculo da indemnização devida in casu devia ser efectuado de acordo com as disposições legais então em vigor, nomeadamente as constantes dos arts. 7º e segs. do DL 576/70, de 24 de Novembro, sendo totalmente inaplicáveis quaisquer normas jurídicas constantes de diplomas legais editados posteriormente. Consequentemente, cremos ser possível afirmar que o douto aresto recorrido enferma de lapso manifesto na determinação da norma jurídica aplicável e qualificação jurídica dos factos (v. art. 669º do CPC). Aliás, mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir pela inaplicabilidade do regime estabelecido no PDM de Oeiras ao caso em análise, pois tal violaria frontalmente o princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrado (v. art. 62º da CRP), que impõe a consideração do valor do bem de acordo com os critérios de facto e de direito vigentes à data da declaração de utilidade pública (cfr. art. 23º do CE 91 e art. 22º do CE 99). Nesta conformidade, temos de concluir que o art. 8º do DL 576/70, de 24 de Novembro, sempre seria uma norma inconstitucional e inaplicável in casu, a entender-se que permitiria a consideração das normas do Plano Director Municipal de Oeiras e respectivo regulamento na determinação do valor da indemnização devida pela expropriação de terrenos cuja declaração de utilidade pública tenha sido editada em data anterior à da entrada em vigor daquele instrumento de planeamento territorial (v. arts. 62º e 204º da CRP). Aliás, a entender-se que as normas do referido instrumento de planeamento territorial seriam autonomamente aplicáveis in casu – o que não resulta claramente do douto acórdão sub judice –, sempre se teria de concluir pela inconstitucionalidade de tais normas, por um lado, por violação dos princípios da segurança e confiança jurídica, consagrados nos arts. 2º, 9º e 119º da CRP.
[...].'
B. respondeu à arguição de nulidade do mencionado acórdão (fls. 858 e seguintes).
10. Por acórdão de fls. 870 e seguintes, proferido em 6 de Março de 2001 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu-se indeferir o requerido, com os seguintes fundamentos:
'[...] No seguimento do que acima vem sendo mencionado, é, portanto, de sublinhar-se que o acórdão em causa pronunciou-se (quiçá exaustivamente) sobre todas as questões relevantes, invocadas pela ora requerente (apelante/expropriante), não tendo qualquer fundamento a invocação das alegadas nulidades. Quanto ao alegado «manifesto lapso» na determinação das normas aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos»: Nessa parte, também se assinala o que, expressamente, já acima se referiu, sendo que, como claramente resulta do acórdão, a respectiva legislação tomada em consideração e, concretamente, nele indicada e aplicada foi devidamente analisada, não se tratando de qualquer «lapso ou erro» na qualificação jurídica dos respectivos factos, tornando-se, naturalmente, repetitiva e mesmo sem cabimento a indicação do que, designadamente nessa parte, já consta da mesma decisão. Da análise do aludido requerimento resulta claramente que, para além do que, na oportunidade, nas suas alegações/conclusões, a apelante já havia alegado, esta insiste na apreciação e interpretação de alguns factos de forma substancialmente diferente daquela, que, na sentença recorrida e no referido acórdão, já foram objecto dessa apreciação e decisão. Ora, a faculdade concedida às partes para poderem arguir qualquer dos eventuais vícios das decisões judiciais, previstos nos artºs 667° a 670° do citado diploma legal (C.P.C.) tem um significado muito preciso e limitado, não podendo servir de expediente – como resulta do conteúdo do requerimento em questão para que aquelas venham discutir com o tribunal aspectos jurídicos da decisão e/ou da interpretação e valoração dadas à matéria de facto, assim se protelando a normal tramitação e o termo das respectivas decisões proferidas no processo. O que, de resto, seria de todo desajustado, por virtude de, após a prolação, neste caso, do acórdão, se mostrar esgotado o poder jurisdicional (artº 666°, n°
1 , aplicável por força do artº 716° do mesmo Código). Essencialmente, a requerente vem discorrer longamente sobre a discordância da decisão que lhe foi desfavorável, não existindo, contudo, quaisquer fundamentos válidos/realistas para a invocação de qualquer nulidade, por omissão de pronúncia, ou, aliás, com qualquer outro fundamento legal, como não existe qualquer «lapso na determinação de qualquer norma aplicável e/ou qualificação jurídica dos factos». Destarte, julga-se improcedente a pretensão formulada.
[...].'
11. A Câmara Municipal de Oeiras interpôs então recurso dos referidos acórdãos da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos (fls. 878 e seguinte):
'Câmara Municipal de Oeiras, recorrente no processo à margem referenciado, notificada do aliás douto acórdão de 2001.01.23, que julgou improcedente o presente recurso, bem como do acórdão de 2001.03.06, que julgou improcedente as arguições de nulidades e reforma, vem deles recorrer para o Venerando Tribunal Constitucional, com fundamento na aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo (v. art. 280º/1/b) da CRP e art. 70º/1/b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro). O presente recurso tem por objecto as questões da inconstitucionalidade do art.
8º do DL 576/70, de 24 de Novembro, por violação do art. 62º da CRP, bem como das normas do Plano Director Municipal de Oeiras, na interpretação que lhes foi dada, no sentido de serem aplicáveis ou poderem ser consideradas no cálculo da indemnização pela expropriação em análise, por violação dos arts. 2º, 9º, 62º e
119º da CRP. As referidas questões foram suscitadas, além do mais, nas conclusões 4ª, 5ª e
11ª das alegações apresentadas em 200.03.06, bem como no requerimento apresentado em 2001.02.09.
[...].'
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls. 880.
12. Já no Tribunal Constitucional, foi proferido o despacho de fls. 884 e seguinte, convidando a recorrente a identificar, com clareza e precisão, as normas do Plano Director Municipal de Oeiras aplicadas na decisão recorrida e a sua interpretação violadora da Constituição.
Em resposta ao mencionado despacho, veio a Câmara Municipal de Oeiras dizer, em síntese, o seguinte (fls. 887 e seguintes):
'[...]
5. Face ao exposto, podemos concluir que o objecto do presente recurso é constituído pelas seguintes questões jurídicas: a) Inconstitucionalidade do art. 8º do DL 576/70, de 24 de Novembro, interpretado no sentido de na fixação do valor do bem expropriado poderem ser consideradas circunstâncias de facto e de direito posteriores à declaração de utilidade pública, por violação do princípio da justa indemnização, consagrado no art. 62º da CRP; b) Inconstitucionalidade do art. 44º e Anexo I do regulamento do PDM Oeiras, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 15/94, de 94.01.27 (v. DR, I Série B, de 94.03.22), interpretados no sentido de serem aplicáveis a relações jurídicas expropriativas e processos judiciais iniciados antes da sua entrada em vigor, por violação do princípio da justa indemnização consagrado no art. 62º da CRP, bem como dos princípios da segurança e confiança jurídica consagrados nos arts. 2º, 9º e 119º da CRP.
[...].'
13. Notificada para produzir alegações, nelas concluiu a recorrente Câmara Municipal de Oeiras do seguinte modo (fls. 892 e seguintes):
'1ª. A parcela expropriada foi objecto de declaração de utilidade pública por despacho do senhor Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, de 75.07.26, sendo aplicáveis in casu as disposições então em vigor, nomeadamente as constantes do DL 576/70, de 24 de Novembro [...];
2ª. O princípio da justa indemnização constitucionalmente consagrado no art.
62º/2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) impõe que a indemnização seja fixada com base no valor normal de mercado do bem expropriado, não visando compensar o benefício alcançado pela expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação [...];
3ª. O valor do bem expropriado deve ser determinado objectivamente, tendo em conta as circunstâncias de facto existentes à data da publicação da declaração de utilidade pública (v. Acs. TC nº 314/95, de 95.06.20, in Acs. TC 31/475; nº
470/97, de 97.07,02, BMJ 469/77) [...];
4ª. Na determinação do valor dos bens não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar da declaração de utilidade pública (v. Ac TC nº 470/97, BMJ 469/77) [...];
5ª. De acordo com a interpretação adoptada pelos arestos recorridos quanto ao sentido normativo do art. 8º do DL 576/70, de 24 de Novembro, na fixação do valor da indemnização por expropriação devem ser «considerados elementos (...) futuros» relativamente à data da declaração de utilidade pública [...];
6ª. A norma do artigo 8º do DL 576/70, de 24 de Novembro, de acordo com a referida interpretação, viola frontalmente os princípios da justa indemnização, da igualdade, justiça e proporcionalidade, pois determina que a indemnização não vise apenas o ressarcimento dos prejuízos do expropriado, na medida em que são consideradas circunstâncias posteriores relativamente ao acto expropriativo (v. arts. 13º, 18º, 62º e 266º da CRP) [...];
7ª. Nos doutos arestos recorridos interpretaram-se as normas do regulamento do PDM de Oeiras, que fixam os índices urbanísticos – art. 44º e Anexo I –, no sentido de serem aplicáveis a relações jurídicas expropriativas e processos judiciais iniciados, respectivamente, dezanove e doze anos antes da sua entrada em vigor [...];
8ª. O art. 44º e Anexo I do regulamento do PDM de Oeiras, interpretadas de acordo com o referido entendimento, violam frontalmente os princípios da justa indemnização, segurança, confiança jurídica e da publicação dos actos normativos, constitucionalmente consagrados nos arts. 2º, 9º, 62º e 119º da CRP
[...].'
Com as alegações, foi junto um parecer jurídico de um professor universitário (fls. 918 e seguintes).
A recorrida B. ofereceu as contra-alegações de fls. 993 e seguintes, nas quais concluiu assim:
'1 – A admissibilidade do recurso de constitucionalidade, nos termos dos arts.
280/1º/b) da C.R.P. e 70/1°, b) da Lei do T.C. depende da verificação cumulativa de 3 requisitos: a aplicação pela decisão recorrida de norma arguida de inconstitucional durante o processo; ser essa arguição feita pelo próprio recorrente e inadmissibilidade de recurso ordinário. Assim,
2 – A inconstitucionalidade deve ser arguida de forma clara e perceptível, em momento anterior à prolação da sentença, para que o juiz tenha a possibilidade de se pronunciar e decidir essa questão.
3 – A excepção a estas regras surgirá apenas quando haja imprevisibilidade, ou seja, quando a decisão tiver aplicado, de forma imprevisível, uma norma, susceptível de discussão em sede de inconstitucionalidade – o que não é o caso dos presentes autos.
4 – Nas alegações da apelante para a Relação não é reconhecível a arguição de inconstitucionalidade, não sendo, portanto, clara e perceptível a necessidade da sua solução.
5 – Também na 1ª instância, durante o processo e antes da sentença, tal arguição não existiu da parte da recorrente, pelo que o tribunal sobre ela não se pronunciou.
6 – «O objecto do recurso é sempre a constitucionalidade ou legalidade de uma norma, não a constitucionalidade ou a legalidade de uma decisão judicial. A fixação do objecto do recurso não se opera em função do decidido pelo juiz a quo
– não é a decisão que se critica – mas sim em razão das normas ou dos princípios constitucionais nela aplicados ou desaplicados» [...].
7 – A recorrente delimita o seu recurso à inconstitucionalidade do art. 8° do DL
576/70 de 24.11 (nunca tendo sido este invocado durante o processo) e do art.
44° do PDM de Oeiras, apoiando-se nas conclusões 4ª, 5ª e 11ª das suas alegações de apelante para a Relação. Mas, nem nestas conclusões, nem nos pontos das suas alegações para que remetem, não colocou – de forma explicita e clara – a questão da constitucionalidade – que como tal não foi entendida, nem resolvida no acórdão [...].
8 – A apelante apenas colocou questões de discordância quanto ao fundo da decisão da 1ª instância – tendo apontado diversos erros de julgamento – que foram apreciados pelo acórdão – mas que não representavam uma relação de desconformidade com as normas constitucionais, estabelecida pela recorrente, durante o processo [...].
9 – Só depois de esgotado o poder jurisdicional – quer na 1ª, quer na 2ª instância – ou seja, só no requerimento de arguição de nulidades do acórdão e no de interposição de recurso, é que a recorrente veio colocar questões de inconstitucionalidade – quando o tribunal já não as poderia decidir, portanto
[...].
10 – Assim, não deve ser admitido o presente recurso, não sendo de conhecer as alegadas inconstitucionalidades, por respeito aos dispositivos legais pertinente e referidos.
11 – O esvaziamento da legislação ordinária vigente à data da DUP, considerada inconstitucional, deixou um vazio legal, quanto à determinação do valor da indemnização, atenta a potencialidade edificativa do terreno, como elemento essencial.
12 – Na impossibilidade legal de aplicar outros critérios (dada a inconstitucionalidade dos arts. 6°, 7° e 9° do DL 576/70), o preenchimento dos critérios do art. 8° do DL 576/70 de 24.11 (o qual não foi alegado pela recorrente, muito menos arguido de inconstitucional «durante o processo») para determinação do valor real e corrente do terreno, atendendo a um aproveitamento normal e a sua potencialidade edificativa, foram considerados razoáveis os
índices médios de construção consentidos pelo PDM de Oeiras.
13 – A interpretação do art. 8° do DL 576/70 feita no acórdão recorrido, não viola o conceito de justa indemnização do art. 62 da CPR, nem os princípios da igualdade e da proporcionalidade [...].
14 – Nos autos – haveria 3 critérios possíveis para quantificar a potencialidade edificativa – o da expropriante que não concretizava a potencialidade edificativa, embora a admitisse e valorizando o terreno como agrícola, apenas. O que resultava das novas urbanizações existentes à data da DUP e próximas – as de Miraflores, Carnaxide e Linda a Velha. Por último, o critério que resulta da comparação com os índices médios de construção constantes do PDM de Oeiras, para o local, o qual contém o único enquadramento legal existente, desde sempre
[...].
15 – O critério da expropriante era e é inaplicável, por razões óbvias. O da volumetria das novas urbanizações próximas, então existentes – agravaria muito o valor da indemnização, como os peritos maioritários expuserem em sucessivas respostas a dúvidas, não tinha suporte legal, nem havia então as limitações resultantes dos índices de ocupação aceites no P.D.M. de Oeiras.
16 – O critério usado pelos peritos maioritários é menos aleatório, menos gravoso para a expropriante e é o único com referência um enquadramento legal, respeitando critérios de equidade e princípios e normas ambientais e de qualidade de vida.
17 – Como expressamente consta quer das explicações dos peritos, quer da sentença, quer do acórdão, a referência aos índices médios de construção do PDM, não se traduziu em erigir este regulamento em norma aplicável à expropriação, mas tão só num apoio indirecto para colmatar um vazio legal. A potencial idade edificativa, assim concretizada, já era expectável à data da DUP e evitou a aplicação de critérios aparentemente discricionários.
18 – O acórdão não usou o art. 44° do PDM como lei reguladora da expropriação, não sendo oportuna a discussão da sua inconstitucionalidade [...].
19 – Nos termos do art. 713°/5 do CPC, o acórdão da Relação confirmou, por unanimidade, a sentença, na qual não tinham sido apreciadas quaisquer inconstitucionalidades, por não ter sido alegadas antes pela recorrente. Não podem, assim, ser alegadas inconstitucionalidades decorrentes do acórdão confirmativo da sentença.
20 – Por causa do vazio legislativo resultante das inconstitucionalidades, a justa indemnização, que consiste na concretização do valor real, de mercado e actualizado, do terreno, apoia-se na aplicação dos arts. 13°/1, 18° e 62/2° da CPR. E também nos art. 562°, 564º e 566°/2 do CC e 663º do CPC, que impõem uma indemnização integral, em relação ao momento mais próximo da sua efectivação
[...].
21 – O douto acórdão recorrido não enferma dos vícios alegados pela recorrente e deve ser confirmado.'
Com as contra-alegações, foi junto um parecer jurídico subscrito por dois professores universitários (fls. 1020 e seguinte).
14. Tendo o relator cessado funções, houve redistribuição dos presentes autos (fls. 1055 e v.º).
A fls. 1056 e seguintes, foi proferido pela relatora um despacho ordenando a notificação da recorrente para se pronunciar, atendendo à questão prévia de não conhecimento do recurso suscitada pela recorrida.
Notificada deste despacho, a recorrente Câmara Municipal de Oeiras veio, em síntese, dizer o seguinte (fls. 1057 e seguintes): a. Nos artigos 4º, 5º e 11º das alegações apresentadas em 6 de Março de
2000, a recorrente suscitou expressamente a questão jurídico-constitucional da inaplicabilidade retroactiva das normas sub judice; b. Os arestos recorridos interpretaram o artigo 8º do Decreto-Lei n.º
576/70, de 24 de Novembro, no sentido de, na fixação da justa indemnização devida pela expropriação, deverem ser considerados todos os factos ou elementos relevantes, quer então já existentes, quer futuros, estes desde que tidos como seguros e respeitantes a uma realidade próxima e futura, embora, naturalmente, sempre relativos ao prédio objecto dessa expropriação; c. Seguindo esta orientação, o acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001 fixou a indemnização devida pela expropriação considerando normas constantes do Plano Director Municipal de Oeiras, que só entrou em vigor cerca de 19 anos após a declaração de utilidade pública da expropriação; d. Assim, este acórdão desatendeu a questão da inconstitucionalidade invocada nas conclusões 4ª, 5ª e 11ª das alegações apresentadas em 6 de Março de
2000; e. Na sequência do acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, a ora recorrente invocou expressamente certas questões jurídico-constitucionais, nomeadamente a da inaplicabilidade, à luz do disposto no artigo 62º da Constituição, do regime estabelecido no Plano Director Municipal de Oeiras ao caso em análise, bem como a da inconstitucionalidade do artigo 8º do DL n.º
576/70, de 24 de Novembro; f. No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a ora recorrente invocou, de novo, a questão da inconstitucionalidade sub judice; g. Dado que as questões em análise foram suscitadas enquanto a causa se encontrava pendente, ou seja, antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, verifica-se manifestamente o pressuposto estabelecido no artigo
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
Cumpre apreciar e decidir.
II
15. Constitui pressuposto processual do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – aquele que foi interposto pela recorrente – o ter o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional.
O artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei concretiza tal pressuposto, ao estabelecer que o recurso previsto naquela alínea b) só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
No presente recurso, a recorrida levantou a questão prévia da falta de preenchimento do aludido pressuposto (supra, 13.). A recorrente, na resposta a essa questão prévia (supra, 13.), sustentou que havia suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas em vários momentos processuais: aquando da produção de alegações perante o tribunal ora recorrido, isto é, no momento da apresentação das alegações de 6 de Março de 2000 (supra, 7.); aquando da arguição de nulidades por omissão de pronúncia e do requerimento de reforma do acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, isto é, antes de proferido o acórdão da Relação de Lisboa que indeferiu tal arguição e tal requerimento, e do qual, aliás, a recorrente também agora recorre para o Tribunal Constitucional (supra, 9. a 11.); finalmente, aquando do requerimento de interposição do presente recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 11.).
16. Como é evidente, a circunstância de a recorrente ter suscitado as questões de inconstitucionalidade que pretende ver apreciadas no próprio requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional em nada influi na questão de saber se a recorrente suscitou atempadamente tais questões. Tendo o tribunal ora recorrido mantido na íntegra a decisão da 1ª instância
(supra, 8.), nunca poderia a recorrente sustentar que só lhe tinha sido possível suscitar as questões de inconstitucionalidade depois da pronúncia do tribunal recorrido e, como tal, nunca lhe bastaria suscitar tais questões no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Do mesmo modo, é irrelevante a circunstância de a recorrente ter suscitado as questões de inconstitucionalidade aquando da arguição de nulidades por omissão de pronúncia e do requerimento de reforma do acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001. E isto porque, nos termos do artigo 666º do Código de Processo Civil, proferido este acórdão, ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional da Relação, só lhe sendo lícito alterá-lo nos estritos limites dos artigos 667º e seguintes do mesmo Código. Não lhe era lícito, nomeadamente, alterar o decidido por considerar serem inconstitucionais as normas que anteriormente aplicara. E tanto assim é que, no acórdão de 6 de Março de 2001
(supra, 10.), a Relação de Lisboa não se pronunciou sobre qualquer questão de inconstitucionalidade. Aliás, nunca a recorrente podia ter interposto um autónomo recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão, atendendo a que nele, por definição, se não julgou a matéria da causa e, consequentemente, não foram aplicadas as normas cuja conformidade constitucional é questionada
(pressuposto processual também exigido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional). Portanto, tudo se resume a saber se, antes de proferido o acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Janeiro de 2001, a recorrente suscitou as questões de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciadas. Segundo a recorrente, tê-lo-ia feito nas alegações apresentadas em 6 de Março de
2000. Simplesmente, compulsando tais alegações (supra, 7.), depreende-se que a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. Suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa, nos termos dos artigos
70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, significa, pelo menos, imputar a qualquer norma ou a qualquer norma, numa certa interpretação, a violação de um preceito ou de um princípio constitucional, imputação a que a recorrente claramente não procedeu. Assim, na conclusão 4ª de tais alegações, a recorrente limitou-se a aludir às disposições legais com base nas quais deve ser determinado o valor da indemnização por expropriação, bem como a referir o artigo 12º do Código Civil. Na conclusão 5ª, referiu que a sentença recorrida havia erradamente considerado aplicáveis os critérios constantes do Plano Director Municipal de Oeiras, sem aliás referir quaisquer das suas normas. E na conclusão 11ª reportou-se ao modo de apuramento das capacidades edificativas de um terreno, aludindo genericamente aos artigos 13º e 62º da Constituição. Em suma, as mencionadas conclusões das alegações não só não identificam qualquer norma legal (à excepção do artigo 12º do Código Civil), como também não imputam a qualquer norma legal (ou a qualquer interpretação de uma norma legal) a violação de preceitos ou princípios constitucionais. Acrescente-se, aliás, que na 19ª conclusão a recorrente expressamente imputa à própria sentença recorrida e não a qualquer norma nela aplicada a violação de determinados preceitos constitucionais (os dos artigos 13º e 62º da Constituição). O que permite dizer que, nas referenciadas alegações, a única questão de inconstitucionalidade que foi suscitada foi a de uma decisão judicial, não tendo sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma (ou de uma norma, em certa interpretação). E, como é sabido, tanto o artigo 70º, n.º 1, alínea b), como o artigo 72º, n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, quando se referem a questões de inconstitucionalidade, referem-se a questões de inconstitucionalidade de normas ou de interpretações normativas, pois que o Tribunal Constitucional não tem competência para apreciar a conformidade de uma decisão judicial, em si mesma considerada, com a Constituição. Finalmente, registe-se que em nenhum outro momento processual a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas que agora pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, como nitidamente resulta do que acima se relatou (supra, 3., 4., 5. e 7.). Não admira, pois, que na decisão ora recorrida, se não tenha resolvido qualquer problema de inconstitucionalidade relacionado com tais normas (supra, 8.). Na verdade, a Relação de Lisboa limitou-se aludir ao artigo 62º da Constituição, ao conceito de expropriação, à aplicabilidade do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro ao caso dos autos, ao conceito de justa indemnização, aos elementos que devem ser ponderados na fixação da justa indemnização, a certas normas do referido Decreto-Lei – algumas delas já declaradas inconstitucionais –, e à relevância do Plano Director Municipal de Oeiras na determinação do montante da indemnização. Não foram, na decisão recorrida, tratadas as concretas questões de inconstitucionalidade que a recorrente agora pretende ver apreciadas, justamente porque a recorrente não as suscitou antes de proferida tal decisão. Não estando preenchido um dos pressupostos processuais do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional –, não pode conhecer-se do respectivo objecto. III
17. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Lisboa, 11 de Julho de 2002- Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa