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Proc. nº 388/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Nos autos de inquérito em que é arguida A, com os sinais dos autos, depois de esta ter sido interrogada na situação de arguida detida, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
'Afigura-se-nos que existem fortes indícios da prática pela arguida de vários crimes de burla qualificada p. e p. pelos artºs 217º e 218º nº 2 al. b) do CP. Em face da natureza e gravidade do ilícito indiciado, da personalidade da arguida e dos antecedentes criminais do mesmo, afigura-se-nos que, salvo naturalmente melhor opinião, existe perigo de continuação da actividade criminosa que apenas pode ser acautelada através de uma medida de coacção privativa de liberdade, que deve ser a de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, o que se promove, ao abrigo do disposto pelos artºs
193º, 201 nº 1 e 204º al. c) do CPP.'
Seguidamente, foi proferido o seguinte despacho:
'A detenção da arguida foi efectuada em situação de quase flagrante delito, tendo sido presente no prazo legal.
Indicia-se a prática dos crimes referidos na douta promoção, que justificam forte perigo de continuação criminosa em face da sua reiteração e do cadastro da arguida, razão pela qual se determina a sua prisão domiciliária com vigilância electrónica.
.......................................................................................................'
Deste despacho interpôs recurso o Ministério Público.
De acordo com a motivação então expressa discordava o magistrado recorrente da medida de coacção imposta, por entender que se não mostrava indiciado 'fortemente' o cometimento, pela arguida, de crimes de burla qualificada, uma vez que se não indiciava que a arguida fizesse da burla modo de vida; e porque a medida imposta só poderia ser aplicada, nos termos do artigo
201º nº 1 do Código de Processo Penal, se se indiciasse fortemente a prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos (sendo os crimes de burla simples puníveis com pena de prisão até três anos) violado fora aquele preceito do CPP, devendo ser aplicada a medida de coacção de apresentação periódica na esquadra da PSP da área da residência da arguida.
Sobre o recurso foi proferido despacho de não admissão nos seguintes termos:
'Não admito o recurso.
A norma do artº 401º nº 1 al a) do CPP é inconstitucional quando interpretada no sentido de que o MP pode recorrer de decisão que o MP promoveu.
Com efeito, viola os artigos 219º nº 1, 202º, 203º, 32º nº 5 e artº
2º da CRP a faculdade de o MP contrariar a qualquer momento posições processuais que foram anteriormente defendidas pelo MP, em violação da boa fé processual própria de um Estado de Direito e da legalidade democrática que obrigam o MP e o Tribunal, colocando o Tribunal refém das hesitações e contradições do MP, como coloca também o arguido refém dessas hesitações e contradições.
Se o arguido não pode tomar posições processuais contrárias às por si defendidas, sob pena de manifesto venire contra factum proprium, também o não pode o MP, pelo que a faculdade que o MP ora se arroga viola ainda e sobretudo o artigo 13º da CRP.
A hierarquia que obriga o MP não pode servir-lhe de justificação para hoje dizer uma coisa e amanhã outra oposta. Pelo exposto não aplico a norma do artº 401º nº 1 al a) do CPP por inconstitucional na parte em que permite ao MP recorrer de decisão conforme à promoção do MP e por isso não admito o recurso'.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea a) da LTC.
Nas suas alegações, o Magistrado recorrente formula as seguintes conclusões:
'1ª - Não traduz interpretação inconstitucional da norma constante do artigo 401º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal a que se traduz em outorgar ao Ministério Público legitimidade e interesse em agir no recurso de quaisquer decisões ilegais, ainda que estas hajam sido precedidas de errónea promoção, fundada em erro de qualificação jurídica que o Ministério Público, no exercício da função de defesa da legalidade – e, no caso, no interesse do próprio arguido – pretende suprir, repondo a legalidade violada e facultando ao juiz a reparação da decisão impugnada.
2ª - Termos em que deverá improceder o recurso.'
Em contra-alegações, a recorrida sustenta que o recurso merece provimento.
Cumpre decidir.
2 – A norma que o despacho recorrido recusou aplicar com fundamento na sua inconstitucionalidade resulta de uma interpretação do disposto no artigo
401º nº 1 alínea a) do CPP, que se faz no mesmo despacho, no sentido de que o Ministério Público pode recorrer de decisões judiciais que tenham acolhido o que o próprio Ministério Público requer ou promove.
Não está assim em causa a constitucionalidade da norma ínsita naquele preceito legal que permite ao Ministério Público recorrer no interesse do arguido (muito embora, no caso, isso aconteça) mas tão só a constitucionalidade da que – repete-se – faculta o recurso de decisões que, expressa ou implicitamente, deferem pretensões formuladas pelo Ministério Público; o que, porém, não deixa de abranger a que permite o recurso, no interesse do arguido, da decisão que acolhe pretensão do Ministério Público contrária a esse interesse.
3 - Antes de apreciar as razões que são especificamente atinentes á questão da constitucionalidade da norma não deixará de se ponderar algumas reflexões feitas no despacho recorrido que, muito embora não pareçam razões claramente fundantes do juízo de inconstitucionalidade, podem condicionar ou
'colorir' essas razões.
Considera-se, com efeito, no despacho recorrido, porventura como efeito perverso da admissibilidade do recurso nas referidas circunstâncias, a posição do Tribunal (e do arguido) 'como refém das hesitações e contradições do MP'.
O que se quer dizer com tal situação de 'refém' não é inteiramente claro. Mas, no contexto discursivo do despacho, parece querer salientar-se o efeito perturbador de um recurso inesperado na marcha do processo, ficando o tribunal à mercê da variação do entendimento do MP sobre determinada questão.
Não tem qualquer cabimento esta observação.
Antes do mais, o que o MP promove ou requer não é sempre e necessariamente o que o tribunal deva decidir. Sobre o promovido ou requerido o tribunal (o juiz) formula, autonomamente o seu juízo e decide, com inteira independência, pelo que o eventual deferimento não significa andar ao sabor do que o MP promove ou requer. Nem significa, também e por outro lado, a solução que a lei eventualmente imponha. Um despacho judicial, qualquer que ele seja, desde que recorrível, está sempre sujeito a ser impugnado e nunca se poderá entender como entorpecedor da acção da justiça o uso dos meios impugnatórios por qualquer das partes num processo.
Feita esta brevíssima nota preambular, passa-se a apreciação do objecto do recurso.
4 - A questão da legitimidade do Ministério Público para recorrer, em processo penal, não é inédita na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, muito embora fosse de admitir que ela estivesse definitivamente pacificada, pelo menos a partir do Acórdão nº 5/94 proferido, com unanimidade, pelo plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça (in Diário da República – I Série – A, de 16/12/94).
Este acórdão que, sem deixar de ter necessariamente em conta os preceitos constitucionais pertinentes, aprecia a questão basicamente à luz de normas de direito infraconstitucional, formulou as seguintes conclusões:
'1ª A evolução histórica no direito português da magistratura do Ministério Público revela um certo paralelismo e interpenetração relativamente à magistratura judicial como órgão integrante do tribunal e participante na administração da justiça, com funções sempre ligadas à defesa do interesse do Rei, da República e da legalidade democrática, em suma, interesses públicos, que se não compadecem com a mera defesa de interesses privados;
2ª O actual enquadramento constitucional e legal do Ministério Público impõe-lhe o exercício da acção penal e a defesa da legalidade democrática, sendo a sua autonomia caracterizada pela vinculação a critérios de legalidade e objectividade e pela exclusiva sujeição dos magistrados e agentes do Ministério Público às directivas, ordens e instruções previstas na lei.
3ª É a própria lei processual (artigo 401º, nº 1, alínea a)) que permite expressamente num caso o recurso, interposto pelo Ministério Público, de uma decisão que lhe foi favorável, isto quando o recurso for interposto no interesse do arguido;
4ª A boa-fé, o abuso de direito e outros princípios congéneres que têm a sua sede própria no direito civil não podem colocar-se relativamente à actuação do Ministério Público em processo penal, isto porque os critérios que aqui regem esta magistratura são outros e diversos, tais como a defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determinar;
5ª Assim o Ministério Público, ao recorrer de uma decisão que concordou com uma posição por si anteriormente defendida, não pratica conduta violadora dos princípios da boa-fé:
6ª O interesse em agir do Ministério Público está em correlação directa com a defesa da legalidade democrática e dos interesses que a lei determinar e pode ser também definido pela hierarquia;
7ª Se a hierarquia do Ministério Público impõe aos seus magistrados e agentes a obrigação de recorrer num determinado caso, independentemente de qualquer posição assumida anteriormente em sentido contrário, deve presumir-se o interesse em agir a que alude o nº 2 do artigo 401º do Código de Processo Penal;
8ª Da conjugação dos artigos 48º a 52º e alínea a) do nº 1 do artigo
401º do Código de Processo penal resulta que o Ministério Público poderá recorrer de quaisquer decisões sem nenhuma restrição, mesmo que no exclusivo interesse do arguido, e mesmo de decisões que lhe sejam favoráveis ou concordantes com posições anteriormente por si defendidas.
Trata-se, pois, de uma decisão do STJ assente em tese frontalmente contrariada pelo despacho recorrido com diversos fundamentos de constitucionalidade..
Atente-se, no entanto, que a questão a resolver no presente recurso, não é a de saber se, no plano do direito ordinário e sem ofensa da Constituição, se pode defender que o Ministério Público carece de legitimidade para recorrer de decisões que acolhem as suas promoções ou pareceres, mas a de apurar se solução contrária ofende a Constituição. Por outras palavras, não se trata de saber se a Constituição dá abertura à tese da ilegitimidade do Ministério Público, mas se a Constituição a impõe, em termos tais que a solução oposta seria inconstitucional.
Ora, independentemente da apreciação de cada um daqueles fundamentos, mas como pano de fundo comum á ponderação de todos eles, impõe-se definir o recorte constitucional da instituição Ministério Público. Isto porque os poderes ou poderes-deveres (entre os quais, o de interpor recursos) que a lei confere ao Ministério Público em processo penal radicam, seguramente, no modo como o legislador constituinte concebeu uma tal instituição..
Desde a sua versão original (então no artigo 224º) que a Constituição comete ao Ministério Público, entre outras funções, a de 'defender a legalidade democrática' (na versão vigente, no artigo 219º nº 1) função a que, de algum modo, correspondia no remoto Estatuto Judiciário de 1927, a de 'fiscal do cumprimento da lei'.
É dessa particular função que decorrem os poderes que, em processo penal, são atribuidos ao Ministério Público.
Escreveu, a propósito, Figueiredo Dias in O novo Código de Processo Penal – Jornadas de Direito Processual Penal' p. 25:
'O ministério público surge, no processo penal, - e é esta característica que dá unidade ao seu estatuto de intervenção – como um órgão de administração da justiça com a particular função de nas palavras do art. 53º - 1, 'colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito'.
Esta característica – a de órgão de administração da justiça ou mesmo de órgão de justiça – tem vindo, aliás, a ser sublinhada por diversos autores.
É o caso de Cunha Rodrigues quando sustenta que o conceito de órgão de justiça é
'aquele que melhor exprime a posição do Ministério Público no processo penal e também a sua natureza' ('Em nome do povo', p. 102); igualmente Cavaleiro Ferreira caracteriza o Ministério Público como 'órgão de justiça' e não como
'funcionário administrativo' (Curso de Processo Penal I, p. 97); também Germano Marques da Silva segue na mesma linha ao afirmar que 'o Ministério Público não intervém no processo, mesmo enquanto responsável pela direcção do inquérito, como parte, mas como órgão de justiça' ('Do processo penal preliminar', p. 418); como 'órgão autónomo da administração da justiça', qualifica-o ainda Laborinho Lúcio ('Sujeitos do Processo Penal' in 'Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal' , p. 52).
Também na jurisprudência dos nossos tribunais superiores diversos arestos acolhem a mesma tese, como é, desde logo, o caso do citado Acórdão do plenário das secções criminais do STJ, onde expressamente se refere o Ministério Público como 'órgão de justiça'.
Na jurisprudência do Tribunal Constitucional, nos Acórdãos nºs 398/89 e 496/89 in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol. II, p. 1121 e 14º vol. p. 217, respectivamente, cita-se e sufraga-se a tese de Figueiredo de Dias quando define o Ministério Público como 'órgão de administração da justiça'.
Esta caracterização deriva, antes do mais, do preceito constitucional que define as funções e estatuto do Ministério Público e, em particular, a função de defesa da legalidade democrática, mas conforta-se também com os preceitos estatutários relativos à autonomia daquele órgão, para que a Constituição remete (artigo 219º nº 2), onde a vinculação a critérios de 'legalidade' e de 'objectividade' constituem imperativos essenciais.
A função do Ministério Público no processo penal é assim – e consequentemente – a de 'colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade' (artigo 53º nº 1 do CPP), o que justifica as palavras de Figueiredo Dias (ob. e loc. cit. p. 25) quando este autor afirma que '(d)ada, pois, a incondicional intenção de verdade e justiça – tão incondicional como a do juiz – que preside à intervenção do ministério público no processo penal, torna-se claro que a sua atitude não é a de interessado na acusação, antes obedece a critérios de estrita legalidade e objectividade'.
E, de facto, a defesa da legalidade, num quadro estatutário autonómico, como determinação fundamental na actuação do Ministério Público, seria dificilmente
(para não dizer mais) compatível com outra configuração da sua intervenção na promoção da acção penal e ao longo de todo o processo em que esta se exercita.
Isto significa, desde logo, que se não vislumbra como o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para interpor recurso de decisões judiciais que ele considera contrárias à lei (e só por isso ele pode/deve recorrer), mesmo consentâneas com posições anteriormente assumidas, possa brigar com uma norma constitucional (a que consta do artigo 219º nº 1 da CRP e que é logo a primeira a ser considerada violada pelo despacho recorrido) que impõe ao Ministério Público a defesa da legalidade democrática.
Se óbices processuais à defesa da legalidade apenas com fundamento em posições anteriormente assumidas, que, implícita ou expressamente, o Ministério Público passou a considerar erradas, dificilmente se considerariam ajustados à Constituição (questão que se deixa em aberto), seguramente que a possibilidade dessa defesa para a reparação de um erro cometido pelo tribunal, não certamente determinado por aquelas posições, nunca poderia ser – como não é – reprovado pelo artigo 219º nº 1 da Constituição.
5 – Mas o despacho recorrido, em regra, sem qualquer fundamentação específica para cada infracção, indica ainda como preceitos constitucionais violados, os artigos 202º, 203º, 32º nº 5, 2º e 13º da CRP.
Não se vê como a norma que comete a função jurisdicional aos tribunais, a quem incumbe a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e reprimir a violação da legalidade democrática (artigo 202º nºs 1 e 2 da CRP) pode ser infringida quando na situação em causa se reconheça ao Ministério Público legitimidade para recorrer.
A definição do direito não deixa de ser feita pelos tribunais – no caso, o tribunal de recurso – permitindo, aliás, a reparação de uma eventual ilegalidade que, ademais, ofenderia a liberdade da arguida.
E é de todo incompreensível que admitir-se a legitimidade do Ministério Público ofendesse a independência dos tribunais e a sua sujeição à lei (artigo 203º da CRP)
Sendo certo que a estrutura acusatória do processo penal, assegurada pelo artigo
32º nº 5 da CRP, nada tem de contraditório com o reconhecer-se que o Ministério Público não defende, no processo, interesses próprios, não podendo estar obrigado, por força da Constituição, a sustentar a qualquer preço, a condenação dos arguidos que acusa, também se não compreende a alegada violação constitucional.
Escreveu, a propósito, Souto de Moura ('Inquérito e Instrução', in 'Jornadas de Direito Processual Penal – O novo Código de Processo Penal', p. 107), sobre a intervenção do Ministério Público::
'Em todas as intervenções processuais usará de critérios de 'estrita objectividade' e subordinará sempre a sua actuação à 'descoberta da verdade' e
'realização do direito' – cfr. artº 53º nº 1 do NCCP. Por isso se entende que o MºPº é um interveniente processual sem a natureza de parte. Estará interessado no resultado do processo enquanto tal resultado corresponder à realização da justiça, e não forçosamente porque se tenha realizado a sua pretensão'
É precisamente a não correspondência do deferimento da pretensão deduzida pelo Ministério Público á realização da justiça – que unicamente dita a actuação do Ministério Público - que confere um fundamento racional à interposição do recurso, o que a estrutura acusatória do processo penal não rejeita.
No que concerne à violação do princípio da igualdade, o despacho recorrido limita-se a invocar a desigualdade entre o arguido e o Ministério Público se a este fosse reconhecida legitimidade para recorrer na situação em causa.
A verdade é que o princípio da igualdade – que, no processo, se concretiza no chamado princípio da igualdade de armas – supõe a igualdade de situações que, no caso, se não configura.
Com efeito, o estatuto constitucional do Ministério Público, as funções que lhe são cometidas e o interesse que ele defende no processo penal dão fundamento a que, no próprio interesse do arguido (quando este é igualmente o interesse da justiça do caso), o Ministério Público possa recorrer de decisões que, na mesma situação, não seriam recorríveis pelo arguido; e, desde logo, porque essas decisões, relativamente ao Ministério Público, nunca lhe serão adversas ou favoráveis.
É, aqui e uma vez mais, a particular configuração constitucional do Ministério Público e a consequente posição processual que ele ocupa no processo penal, fazendo da defesa da lei o seu único interesse, de acordo com critérios objectivos, que deixa sem qualquer sentido um qualquer apelo ao interesse em agir fundado em posições anteriores, para revelar uma suposta discriminação entre o arguido e o Ministério Público.
O que se deixa dito vale do mesmo modo para invalidar a pretensa violação do princípio do Estado de Direito (artigo 2º da CRP).
Com efeito, não pode repugnar a tal princípio o especial tratamento que é dado ao Ministério Público em matéria de legitimidade para recorrer na situação em causa (no interesse do arguido) quando ele é ditado pela defesa da legalidade, possibilitando ao tribunal a reposição da legalidade violada. Sendo lícito o recurso interposto pelo Ministério Público no interesse de alguém que o próprio Ministério Público persegue criminalmente (o arguido) – o que nunca foi questionado em termos de constitucionalidade – incongruente seria, aliás, que a Constituição já obstasse à legitimidade do mesmo órgão apenas pela circunstância de a decisão a impugnar ser conforme a posição anterior.
Em suma, pois, improcedem todos os fundamentos de inconstitucionalidade que determinaram a recusa de aplicação da norma do artigo 401º nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal, interpretada em termos de o Ministério Público ter legitimidade para recorrer de decisões concordantes com posição anteriormente assumida no processo.
6 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se conceder provimento ao recurso, devendo o despacho recorrido ser reformado de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 3 de Julho de 2002- Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa