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Procº nº 375/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Contra P..., S.A., intentou J... e pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa acção, seguindo a forma de processo sumário, solicitando a anulação da sanção de despedimento que ele, autor, foi alvo por parte da ré e, em consequência, a sua reintegração no respectivo posto de trabalho, para além de peticionar a condenação da mesma ré a pagar-lhe todas as retribuições devidas desde Agosto de 1999 até à reintegração, a indemnizá-lo, à razão de Esc.
10.000$00 por dia, pela privação do uso de um veículo automóvel que lhe estava distribuído, e a repor-lhe a quantia de Esc. 172.097$00 a título de comissões de vendas que indevidamente lhe foi descontada.
Na sessões de audiência ocorridas em 27 de Março de 2001 e em 4 de Abril seguinte no 5º Juízo daquele Tribunal, a ré, por intermédio do seu mandatário, solicitou a realização de exame grafológicos a determinados documentos e a junção de um dado «estudo grafológico» e, tendo essa solicitação vindo a ser indeferida, dos despachos que consubstanciaram o indeferimento agravou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Tendo, por sentença proferida pela Juíza do 5º Juízo daquele Tribunal, sido a acção julgada parcialmente procedente, da mesma apelou a ré para o aludido Tribunal de 2ª instância, tendo «subido» ao mesmo este recurso e, bem assim, os de agravo acima referenciados.
Nas alegações concernentes a um e outros dos recursos, em passo algum a ré suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Dezembro de
2001, negou provimento aos agravos e confirmou, em parte, a sentença apelada.
Para o que ora releva, pode ler-se nesse aresto:-
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Desde já se adianta que o exame à letra e o estudo grafológico em causa se nos afiguram inúteis neste processo, uma vez que os seus resultados, nunca poderiam ser levados em consideração na decisão desta causa.
Na verdade, sendo esta acção uma acção de impugnação judicial de despedimento, nela, a entidade patronal, nos termos do art. 12, nº 4, da LCCT, apenas pode invocar factos constantes da decisão final do processo disciplinar e esta, por sua vez, deve conter-se sempre, em termos factuais, no âmbito da nota de culpa, pois o trabalhador arguido, não pode ser surpreendido, no fim do processo disciplinar ou ao longo da acção de impugnação de despedimento com a imputação de factos novos, de que não foi acusado na nota de culpa e em relação aos quais não teve oportunidade de se defender.
Tanto com o exame à letra no LPC, como com o ‘estudo grafológico’, a R. pretende demonstrar que as facturas em causa e as folhas que as acompanhavam foram preenchidas pelo A. com o seu próprio punho e que, por conseguinte, tais facturas são falsas, tendo sido ele quem as forjou e as apresentou a pagamento na Contabilidade da empresa.
Ora, nem na nota de culpa nem na decisão final do processo disciplinar consta que o A. tenha forjado tais facturas, preenchendo-as e rubricando-as com o seu próprio punho, ou que, com o seu próprio punho, tenha alterado o seu conteúdo original.
Na nota de culpa e na decisão final, a R. limita-se a afirmar a este respeito, não ser ‘crível’ que um restaurante aberto ao público, só passasse facturas a um cliente, naquele período, e daí concluiu que as facturas em causa são falsas.
Além de não imputar ao autor, nessas peças, qualquer falsidade, também não alega, em termos factuais, em que consistiu essa falsidade, designadamente, se foi o A. que as preencheu e rubricou, se foi ele que alterou o seu conteúdo, ou se foi ele que solicitou a alguém do restaurante Sonabrasa a emissão dessas facturas, sem no entanto, lá ter tomado as refeições correspondentes aos valores que nelas constam.
Para ser invocada nesta acção, tal imputação tinha necessariamente de figurar na nota de culpa, com a descrição clara e circunstanciada dos factos integradores da falsidade ou da falsificação, por forma a que não subsistissem quaisquer dúvidas sobre a mesma, permitindo, assim, que o autor assegurasse convenientemente a sua defesa, sobre essa matéria e sobre a infracção que a mesma integra.
Só a partir do início da audiência de discussão e julgamento é que a recorrente começou a suspeitar do autor e a invocar que, afinal, terá sido ele quem preencheu e rubricou, com o seu próprio punho, as facturas (sem especificar se todas ou apenas algumas delas, e neste caso quais), nunca lhe tendo feito anteriormente essa imputação.
Ora, se a R. não imputou ao autor, na nota de culpa e na decisão final do processo disciplinar, o preenchimento, a rubrica ou alteração das facturas em causa, não pode, agora, nesta acção, alegar e tentar demonstrar, designadamente, através das citadas diligências, que foi ele quem as forjou.
Daí que se nos afigure correcto o indeferimento do exame requerido e da junção do ‘estudo grafológico’, não merecendo os despachos impugnados a mínima censura.
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Do acórdão de que parte se encontra transcrita veio a autora arguir nulidades, arguição que foi desatendida por acórdão de 13 de Março de 2002.
Fez então a autora juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:-
'P..., S.A., com os sinais dos autos, tendo sido notificada do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 13 de Março de 2002, proferido nos autos à margem identificados e confirmativo do acórdão do mesmo Tribunal da Relação datado de 18 de Dezembro de 2001, estando em tempo e tendo legitimidade para tal e não tendo possibilidade de interpor recurso ordinário, vem interpor recurso deste, nos termos do art. 70.º, n.º 1. alíneas b) e g) da Lei do Tribunal Constitucional, para o Tribunal Constitucional. Com o presente recurso, a recorrente pretende que seja julgada a inconstitucionalidade do art. 525.º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido de que cabe ao juiz apreciar da pertinência da junção aos autos dos pareceres que as partes pretendem juntar aos autos, em violação dos art. 20,º, n.º 1, 205.º e 208.º da Constituição'.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa exarou, em
10 de Abril de 2002, despacho nos seguintes termos:-
'Está definitivamente decidido que o Tribunal não pode conhecer da matéria que a recorrente pretende esclarecer com o ‘estudo grafológico’.
A sua junção aos autos é, portanto, absolutamente inútil.
Mesmo que - como sustenta a recorrente - não caiba ao juiz apreciar da pertinência da sua junção, e que tal ‘estudo’ devesse ser junto ao processo, a sua relevância continuaria a ser nula, pois a matéria que versa esclarecer não pode ser conhecida pelo tribunal.
Portanto, fosse qual fosse o resultado do recurso que a recorrente veio interpor para o Tribunal Constitucional, tal resultado nunca poderia ter qualquer influência na decisão da causa.
Aliás, a recorrente nunca suscitou ao longo do processo a inconstitucionalidade do artº 525º do C.P.C. nem este tribunal se pronunciou sobre tal questão.
Trata-se de mais um expediente que, tal como o incidente anterior, visa apenas protelar o processo, não tendo qualquer utilidade para a causa.
Pelo exposto indefere-se o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e condena-se a recorrente nas custas do incidente a que deu causa, fixando a taxa de justiça em 2 UCs.
Notifique'.
É deste despacho que, para o Tribunal Constitucional, vem interposta a vertente reclamação, estribada, em síntese, na seguinte argumentação:-
- está por demonstrar a inutilidade da junção aos autos do «estudo grafológico»;
- o Tribunal Constitucional tem vindo a julgar inconstitucional a interpretação restritiva do artº 525º do Código de Processo Civil de harmonia com a qual é ao juiz que compete apreciar da pertinência da junção de qualquer parecer;
- o efeito útil do pretendido recurso de constitucionalidade seria o de o Tribunal Constitucional determinar a 'remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, para que seja admitida a junção do parecer e realizado novo julgamento ou, pelo menos, proferida nova sentença' que, se fosse igual ou diferente da anterior, 'pouco importa nesta sede';
- o juízo de inconstitucionalidade do artº 525º do Código de Processo Civil, na referida interpretação, foi já levado a efeito pelo Acórdão nº 934/96 do Tribunal Constitucional, pelo que o recurso deveria ter sido admitido por força da alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro;
- de qualquer modo, a questão de inconstitucionalidade da dita norma foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades junto aos autos em 15 de Janeiro de 2001 (a ora reclamante, erradamente, reporta-se a «alegações apresentadas em 14 de Janeiro de 2001», sendo que, de todo, se não extrai do processo qual fosse a peça processual nessa data apresentada pela ré).
Cumpre decidir.
2. É, desde logo, evidente que o recurso alicerçado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 não poderia ser admitido.
Efectivamente, antes da prolação do acórdão de 18 de Dezembro de
2001, a ora reclamante não suscitou, podendo tê-lo feito (já que dispôs plenamente de oportunidade processual para tanto), qualquer questão de incompatibilidade com o Diploma Básico por parte da norma ínsita no artº 525º do diploma adjectivo civil (ainda que reportadamente a uma sua qualquer dimensão interpretativa).
E nem se diga que, se acaso levou a efeito uma tal suscitação no requerimento de arguição de nulidade desse aresto, essa suscitação ainda se haveria de considerar como relevante para os efeitos de preenchimento do requisito de «suscitação durante o processo» exigido pela dita alínea b). É que, como tem sido jurisprudência tomada, sem discrepâncias, por este Tribunal, por via de regra, o questionamento da desconformidade constitucional assacado a uma norma tem de ser efectuado antes da tomada de decisão, quanto à causa, pelo tribunal a quo, não sendo, por conseguinte, tempestivo suscitar a questão pela primeira vez em requerimentos consubstanciadores de arguição de nulidades, de aclaração ou pedidos de reforma da decisão que se pretende ver censurada pelo Tribunal Constitucional (cfr., por todos e a título meramente exemplificativo, o Acórdão nº 311/90, publicado na 2ª Série do Diário da República, de 19 de Maio de 1991).
2.1. Vejamos, de outra parte se foi curial o despacho sub iudicio no tocante ao recurso esteado na alínea g) dos mesmos nº 1 e artº 70º.
Como se sabe, um tal tipo de impugnação não está sujeito ao requisito de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade, bastando que o mesmo se suporte na circunstância de a norma pretendida submeter à apreciação pelo Tribunal Constitucional já ter sido, previamente, por este julgada como desarmónica com a Lei Fundamental.
Invoca a ora reclamante, para tanto, Acórdão deste Tribunal nº
934/96.
Perante o circunstancialismo decorrente dos autos, poderá sustentar-se que o recurso fundado na alínea g) do nº 1 do artº 70º deveria ter sido admitido?
É o que se irá ver.
Em primeiro lugar, e como resulta da transcrição supra efectuada, o acórdão da Relação de Lisboa não convocou a norma vertida no artº 525º do Código de Processo Civil (conferindo-lhe a interpretação de que é ao juiz que cabe o poder de definir o critério do que deva considerar-se parecer para efeitos de avaliar e decidir sobre a junção aos autos dos pareceres que as partes pretendem juntar) para, em termos de ratio juris, negar provimento aos agravos.
Foi, na verdade, aquele sentido interpretativo o que foi fulminado com um juízo de inconstitucionalidade pelo Acórdão nº 934/96, pelo que, logo por aqui, se poderia sustentar que, in casu, se não congregava o fundamento do recurso da aludida alínea g).
2.2. Mas, ainda que porventura (o que se aceita por hipótese de raciocínio) tivesse sucedido que o aresto desejado colocar sob a censura deste Tribunal, por qualquer forma, se tivesse referido à dimensão normativa que foi julgada inconstitucional pelo mencionado Acórdão nº 934/96 (mesmo que nela se não suportando juridicamente para a decisão que tomou), o que é certo é que nem por isso é passível de crítica o despacho reclamado.
De facto, sabe-se que os recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade normativa tem um carácter instrumental, sequentemente só se revestindo de utilidade caso a decisão tomada por este órgão de administração de justiça sobre a questão de inconstitucionalidade se possa utilmente repercutir nas decisões tomadas no tribunais das ordens judiciárias de onde emanam aqueles recursos.
Ora, neste contexto, é evidente que, mesmo no raciocínio hipotético de que agora se parte, se haverá de concluir que, ainda que este Tribunal viesse a efectivar um juízo de inconstitucionalidade que recaísse sobre o sentido interpretativo que incidiu sobre o indicado preceito, esse juízo nenhuma projecção teria quanto à decisão lavrada pelo Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao agravo atinente à confirmação do despacho então recorrido que não deferiu a junção aos autos do «estudo grafológico».
É que, como deflui da transcrição acima feita, o aresto intentado impugnar apenas não admitiu a junção daquele «estudo» porque a matéria de facto que, por seu intermédio, porventura se pretenderia provar, não poderia ser atendida na causa, justamente porque nela estava vedada a apreciação de factos que não foram enunciados na nota de culpa formulada pela ora recorrente ao autor da acção, nem na decisão por aquela tomada no processo disciplinar.
Vale isso por dizer que, mesmo que, na sequência de uma eventual decisão deste Tribunal no sentido de não poder, por vício de inconstitucionalidade, ser tomada em conta a dimensão interpretativa, acima indicada, do artº 525º do Código de Processo Civil, a decisão de irrelevância para o desfecho da causa quanto ao atendimento dos factos que se pretenderiam provar com o recurso ao «estudo grafológico», manter-se-ia, já que esses factos nunca poderiam ser tidos em conta.
Desenha-se, desta arte, nitidamente, um circunstancialismo do qual decorreria que a decisão sobre a questão de inconstitucionalidade era manifestamente académica, porque não repercutível na decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
3. Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Junho de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa