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Proc. nº. 297/02
1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acórdão na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Nos autos de recurso supra identificados foi proferida decisão sumária nos seguintes termos:
'A. impugnou no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto a liquidação de emolumentos do registo comercial devidos pela inscrição no registo de um aumento do capital social de 82 000 000$00 para 150 000 000$00, no montante de 231
000$00, por alegada inconstitucionalidade da norma em que se fundamentou a liquidação (violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade) e na violação do artigo 10º da Directiva nº. 69/335/CEE. Por despacho judicial de 6 de Março de 2001, considerando não se mostrarem reunidas as condições para se suscitar o reenvio dos autos ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, foi indeferida a suspensão da instância, decisão que transitou em julgado (cfr. fls. 426 vº. dos autos). A impugnação da liquidação de emolumentos devidos por acto de registo comercial foi julgada improcedente por sentença de 21.05.2001, em consequência da procedência da excepção de caducidade do direito de deduzir impugnação judicial
(cfr. fls. 426 a 429 dos autos). Inconformada, a A. recorreu para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo para discutir matéria exclusivamente de direito. Em 25 de Junho de 2001 apresentou alegações no Supremo Tribunal Administrativo que concluiu do seguinte modo:
'1ª - A liquidação de emolumentos de que foi alvo a A., viola frontalmente o direito comunitário;
2ª - Com efeito, o art. 1º, nº. 3, da 'Tabela de Emolumentos do Registo Comercial', com a redacção que lhe foi dada pela Portaria nº. 883/89, enferma do vício de contrariedade ao direito comunitário, na medida em que a receita que origina é proibida por força do art. 10º, nº. 1, al. c), da Directiva 69/335/CEE do Conselho de 17 de Julho de 1969 e não pode amparar-se no art. 12º, nº. 1, al. e), por o seu montante aumentar directamente e sem limites na proporção do capital social;
3ª - A circunstância de o Estado Português se ter apoderado, de forma ilegítima da quantia de 231.000$00 a coberto do art. 1º, nº. 3, da Tabela, confere à A., o direito de ver anulado o acto de liquidação em causa e a ser reembolsada naquele mesmo montante, acrescido de juros legais, até efectivo e integral pagamento;
4ª - Os Estados-membros encontram-se obrigados a proceder à restituição das quantias que cobrem em violação do direito comunitário;
5ª - As ordens jurídicas nacionais dos Estados-membros têm competência para disciplinar o regime processual das acções destinadas a assegurar o reembolso das quantias cobradas em violação do direito comunitário;
6ª - O regime processual dessas acções tem de garantir o efectivo respeito pela aplicação do direito comunitário;
7ª - O prazo previsto na lei Portuguesa para a impugnação judicial não permite uma aplicação efectiva do direito comunitário na situação em apreço;
8ª - A douta sentença recorrida violou, pois, por errada interpretação o princípio da efectividade do direito comunitário.
9ª - Sempre que uma questão relativa à interpretação do Tratado de Roma é suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias. Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso e revogar-se a decisão recorrida, com as legais consequências. Requer-se, ainda, nos termos do art. 234º do Tratado de Roma, que a instância seja oportunamente suspensa e formulada ao TJCE a seguinte questão prejudicial: Os princípios fundamentais do ordenamento comunitário, o art. 10º do Tratado de Roma ou qualquer outra disposição de direito comunitário, impedem que um Estado-membro aplique um prazo de caducidade de 90 dias, tal como o previsto no art. 123º do C.P.T. ou no art. 102º do C.P.P.T., para apresentação de uma impugnação judicial destinada a obter a restituição de uma quantia cobrada pelo mesmo Estado-membro em violação do direito comunitário?' O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20 de Fevereiro de 2002, remetendo para a jurisprudência firmada pelo acórdão proferido em 12 de Dezembro de 2001 no processo 26 233, indeferiu o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. De novo inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, tendo dito no respectivo requerimento de interposição:
'A norma cuja inconstitucionalidade, na interpretação que lhes foi conferida pelo douto Acórdão do STA, se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, é a do art. 234º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia. A recorrente considera violado o princípio do juiz legal (ou natural), consagrado nos arts. 32º, nº. 9, 216º, nº. 1, e 217º, nº. 3, da Constituição, na medida em que a interpretação conferida pelo douto Acórdão do STA à referida norma do art. 234º do Tratado de Roma implica a negação da competência exclusiva, atribuída ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), para julgar de questões prejudiciais relativas à interpretação de normas do direito comunitário, quando as mesmas são suscitadas em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como foi o caso. O direito fundamental a que uma causa seja julgada pelo tribunal previsto como competente por lei anterior, decorrente do princípio do juiz legal, é incompatível com a referida interpretação. A recorrente tinha o direito de ver a questão prejudicial de interpretação, que suscitou no processo à margem melhor identificado, julgada pelo TJCE, e tal foi-lhe negado no douto Acórdão do STA, em virtude da interpretação inconstitucional da norma invocada. A recorrente não suscitou anteriormente a questão da inconstitucionalidade, por não ter nunca julgado verosímil a hipótese da recusa do reenvio da questão prejudicial por parte do STA, face aos termos claros e inequívocos do art. 234º do Tratado de Roma, do qual resulta a obrigatoriedade do reenvio por aquele Alto Tribunal. A tal obrigatoriedade não está sujeito, por outro lado, o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto. Assim, o facto de o mesmo não ter reenviado a questão ao TJCE não foi considerado anormal pela recorrente, nem um indicativo do que poderia suceder na instância superior, uma vez que a tal não estava o referido tribunal obrigado. Deste modo, a recorrente foi surpreendida pelo teor do douto Acórdão do STA, que interpretou inovatoriamente o art. 234º do Tratado de Roma num sentido inconstitucional, dado que o mesmo não era objectivamente previsível'. Cumpre apreciar e decidir.
2 – A Recorrente recorre para este Tribunal ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro. O recurso foi admitido no tribunal 'a quo', o que não vincula este Tribunal nos termos do artigo 76º nº 3 da LTC. Independentemente da questão – que se deixa em aberto – de saber se na competência do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC se insere a apreciação da 'constitucionalidade' de normas do Tratado de Roma (direito comunitário originário) e nos termos em que a recorrente coloca a
'questão de constitucionalidade', sempre se imporia, para que o recurso fosse admissível, a observância dos requisitos exigidos por aquele preceito Ora, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo das referidas norma e alínea está dependente da verificação, entre outros, do pressuposto processual que consiste na suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, suscitação essa que deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo processualmente adequado (artigo 72º, nº. 2 da LTC). Este pressuposto não se mostra preenchido no caso, o que se passa a demonstrar. Nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo – peça processualmente idónea para suscitar oportunamente a questão da constitucionalidade – a recorrente limita-se a argumentar, por um lado, no sentido de que a liquidação de emolumentos que lhe foi efectuada de harmonia com a Tabela de Emolumentos do Registo Comercial 'enferma do vício de contrariedade ao direito comunitário' e, por outro, no sentido de que o prazo previsto na lei portuguesa para a impugnação judicial para reaver quantias cobradas em violação do direito comunitário 'não permite uma aplicação efectiva do direito comunitário na situação em apreço'. A Recorrente termina essa sua alegação requerendo, nos termos do artigo 234º do Tratado de Roma que a instância seja oportunamente suspensa e formulada ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias uma questão prejudicial de interpretação que formula. Só no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional
– o que já não preenche o referido pressuposto processual – menciona a Recorrente uma norma legal em concreto (o artigo 234º do Tratado de Roma), relativamente à qual pretende que este Tribunal decida da sua inconstitucionalidade 'na interpretação que lhes foi conferida pelo douto Acórdão do STA', interpretação que, aliás, não explicita. Ora, do que se expôs resulta claro que ao tribunal recorrido – STA - não foi oportunamente colocada a questão de constitucionalidade para sobre ela se poder pronunciar, não se mostrando assim verificado o pressuposto processual. Tem, porém, este Tribunal entendido que o pressuposto da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo se considera também verificado naquelas situações em que o tribunal recorrido aplicou a norma ou a interpretou num sentido inovador, apresentando-se a decisão como 'surpresa', por não ser exigível ao recorrente que a prefigurasse como plausível.
É esta situação que a recorrente diz, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ocorrer no caso, tentando justificar a não suscitação da questão de constitucionalidade (previamente) perante o STA, 'por não ter julgado verosímil a hipótese de recusa do reenvio da questão prejudicial por parte do STA, face aos termos claros e inequívocos do art. 234º do Tratado de Roma, do qual resulta a obrigatoriedade do reenvio por aquele Alto Tribunal', dizendo-se ainda '(...) surpreendida pelo teor do douto Acórdão do STA, que interpretou inovatoriamente o art. 234º do Tratado de Roma num sentido inconstitucional, dado que o mesmo não era objectivamente previsível'. Mas não é assim. Com efeito, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem vindo há longos anos a aplicar e a interpretar o actual artigo 234º (ex-artigo 177º) do Tratado de Roma no sentido de que o tribunal nacional, cuja decisão não seja susceptível de recurso judicial à luz do direito interno, está dispensado de submeter a questão, a título prejudicial, ao TJCE em algumas situações, das quais se destaca a existência de anterior decisão do TJCE sobre a matéria, ainda que não haja completa identidade das questões a discutir. Ora, tal jurisprudência não só é pacífica como sobejamente conhecida dos
'operadores judiciários', constando, entre outros, dos seguintes acórdãos: a. Acórdão Da Costa, de 19 de Setembro de 1962, nºs. 28 a 30/62, in Recueil de Jurisprudence de la Cour de Justice des Communautés Européennes, 1963, em que o TJCE considerou inexistente a obrigação de reenvio quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a questão já objecto de decisão prejudicial em caso análogo; b. Acórdão CILFIT, de 6 de Outubro de 1982, nº. 283/81, in Recueil de Jurisprudence de la Cour de Justice des Communautés Européennes, 1982, p. 3415, que estabeleceu as condições da dispensa da obrigação de reenvio: necessidade de que a questão de direito resolvida por jurisprudência constante do TJCE, independentemente da natureza dos processos que se encontrem na sua origem e mesmo na falta de uma estrita identidade das questões objecto do litígio, ou de questão de interpretação evidente para o juiz nacional, se este verificar que ela também o é para as jurisdições dos outros Estados-membros e para o TJCE
(cfr. Moitinho de Almeida, O reenvio prejudicial perante o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Coimbra Editora, 1992).
Entre nós, a mais autorizada doutrina, analisando o artigo 234º do Tratado de Roma, em especial, o seu § 3º (casos de reenvio obrigatório), ensina que 'a obrigação de suscitar a questão prejudicial por parte do juiz nacional não é, contudo, absoluta' (cfr. Fausto de Quadros e Ana Guerra Martins, Contencioso comunitário, Almedina, 2002, pág. 67. Ainda no mesmo sentido, Nuno Piçarra, O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias como juiz legal e o processo do artigo 177º do Tratado CEE - As relações entre a ordem jurídica comunitária e as ordens jurídicas dos Estados-membros da perspectiva dos tribunais constitucionais, AAFDL, 1991 e Ana Guerra Martins, Efeitos dos acórdãos prejudiciais do artigo 177º do TR (CEE), AAFDL, 1988). Acrescente-se ainda que, se o juiz nacional, mesmo aquele de cuja decisão não cabe recurso à luz do direito interno, não tiver dúvidas sobre a interpretação de questão de direito comunitário ou sobre a validade da norma de direito comunitário, necessária para resolução do litígio, não está obrigado a suscitar questão prejudicial junto do TJCE, não tendo as partes qualquer 'direito de suscitação de questão prejudicial junto do TJCE'. Neste sentido, disse o TJCE - no acórdão CILFIT - que o 3º § do artigo 177º
(actual 234º do Tratado de Roma) se integra no âmbito da colaboração entre juízes nacionais - incumbidos da aplicação do direito comunitário - e o TJCE, não constituindo, pois, um expediente jurídico colocado à disposição das partes em processo pendente num órgão jurisidicional nacional. Ou seja, não basta que uma questão de interpretação seja suscitada pelas partes para que o juiz de
última instância (aquele de cuja decisão não há recurso à luz do direito interno) fique obrigado ao seu reenvio (também neste sentido, Nuno Piçarra, ob. cit.). Ora, no caso dos autos, o STA não faz mais do que apelar a essa jurisprudência firme – de muitos anos – do TJCE. E fê-lo chamando a colação o acórdão do TJCE de 17/11/98, proferido no Processo nº C-228/96, publicado em Colectânea de Jurisprudência, 1998, I-714, que largamente transcreve e que, versando sobre 'restituição de impostos nacionais indevidamente cobrados', designadamente 'restituição de impostos ou taxas cobrados em violação do direito comunitário' trata de uma situação fundamentalmente idêntica à que se discutia nos autos. E esta é precisamente uma das situações – haver anterior decisão do TJCE sobre a matéria – em que é dispensável o reenvio prejudicial Não pode, assim, considerar-se o acórdão recorrido, ao recusar o reenvio prejudicial, como decisão surpresa, em termos de ser dispensável o cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
3 – Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.'
2 – Inconformada, a A., veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº.3 do artigo 78º-A da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro, sustentando que o recurso não deveria ter sido decidido por decisão sumária por duas ordens de razões: a. a norma do artigo 78º-A, nº.1 da Lei do Tribunal Constitucional é inconstitucional por violação dos direitos constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais, de defesa e de contraditório; b. 'a recorrente, ora reclamante, tinha direito a que tal questão fosse analisada pelo T.J.C.E., tribunal considerado competente pela lei vigente (o art. 234º)', em virtude do alegado 'carácter inovatório e surpreendente da interpretação conferida pelo acórdão do STA ao art. 234º do Tratado de Roma'.
Foi notificado o Representante da Fazenda Pública, o qual não se pronunciou.
Cumpre apreciar e decidir.
3 - A presente reclamação não merece deferimento, como se passa a demonstrar.
Como primeiro fundamento para a presente reclamação, diz a reclamante que a norma do artigo 78º-A, nº. 1 da LTC é inconstitucional e 'encontra-se, portanto, em contradição com o art. 6º da Convenção' Europeia dos Direitos do Homem, considerando que 'foram violados os seus direitos constitucionais de acesso ao direito e aos tribunais, de defesa e de contraditório, pelo facto de lhe não ter sido dada oportunidade de alegar no processo'.
Como se disse no Acórdão nº. 307/01, de 3 de Julho, in Diário da República, II Série, de 19 de Novembro:
'A questão da falta de audiência prévia do recorrente quando o relator usa dos poderes conferidos pelo artigo 78º-A da Lei nº 28/82, foi já apreciada por este Tribunal como questão quer de nulidade processual (Acórdão nº 714/98) quer de inconstitucionalidade; neste último caso por suposta violação dos direitos ao recurso e de acesso aos tribunais (Acórdão nº 550/99) ou dos artigos 222º, 224 e
280º da CRP (Acórdão nº 80/99) Pese embora os diferentes parâmetros de aferição da legalidade ou constitucionalidade daquela norma nas duas primeiras decisões citadas do Tribunal Constitucional sempre esteve substancialmente em causa a aludida falta de audiência prévia do recorrente.'
A questão ora suscitada pela reclamante não é, portanto, nova para este Tribunal, salientando-se, da sua pacífica jurisprudência - que ora se mantém, não se descortinando razões para a abandonar -, entre muitos outros, os seguintes acórdãos: a. Acórdão nº. 714/98, de 16 de Dezembro de 1998:
'2 - A decisão sumária reclamada foi proferida no uso dos poderes que o artigo
78-A nº. 1 da Lei nº. 28/82, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro, confere ao relator. Este regime substituiu um outro em que o relator, verificando que se não podia conhecer do objecto do recurso ou que a questão a decidir era simples, elaborava uma sucinta exposição escrita do seu parecer e mandava ouvir cada uma das partes por cinco dias- seguidamente, o processo ou era logo julgado (pelo colégio dos juízes) ou continuado para alegações. O regime que passou a vigorar com a Lei nº. 13-A/98 visou uma maior celeridade na decisão dos recursos, sem perda dos direitos de audiência das partes. Estes direitos estão convenientemente assegurados com a faculdade que é dada às partes de reclamar para a conferência nos termos do artigo 78º-A nº. 3 da LTC, podendo, designadamente, o recorrente defender, nessa reclamação, que não deveria ter havido lugar a decisão sumária, caso em que, a obter vencimento, se seguirão os termos previstos no nº. 5 do mesmo artigo 78º-A. A própria razão de ser da norma contida no artigo 78º-A nº. 1 da Lei nº. 28/82 e o carácter provisório, ou precário, da decisão sumária (ela só se converte em definitiva se não for reclamada), afastam, pois, a aplicação do artigo 3º nº. 3 do CPC, no sentido pretendido pelo reclamante - a decisão do Tribunal, com a sua formação colegial, nunca constituirá, para o recorrente, uma decisão-surpresa.;
b) Acórdão nº. 19/99, de 13 de Janeiro, in Diário da República, II série, de
11.03:
'Na verdade, a decisão sumária, prevista no artigo 78º-A, nº. 1, da Lei do Tribunal Constitucional, refere-se apenas a questões relativas à possibilidade de conhecimento do recurso ou a questões simples, por terem sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por serem manifestamente infundadas, justificando-se por uma evidente razão de economia processual, sem qualquer diminuição do conteúdo garantístico do processo constitucional (uma vez que sempre fica aberta ao recorrente a possibilidade de reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 - apresentando as razões da discordância com a decisão sumária -, e que a decisão na conferência deve ser tomada por unanimidade dos juízes intervenientes, sob pena de a decisão caber ao pleno da secção). O artigo 78º-A, n.º 1 prossegue, assim, um objectivo de celeridade na administração da justiça - relativamente à impossibilidade de conhecimento do recurso ou a questões simples -, sem diminuição das garantias de defesa das partes, facultando-se, sempre, ao recorrente a possibilidade de reclamar para a conferência – oportunidade, essa, de resto, utilizada no presente caso pelo reclamante.'
Ainda no mesmo sentido, o Acórdão nº. 80/99, de 9 de Fevereiro, o Acórdão nº.
348/99, de 15 de Junho, o Acórdão nº. 550/99, de 14 de Outubro, o Acórdão nº.
288/01, de 27 de Junho e o Acórdão nº. 435/01, de 11 de Outubro.
Acrescente-se, tão somente, como se disse também no já supra citado Acórdão nº.
19/99, que a reclamação para a conferência da decisão sumária 'é o momento processual idóneo para o recorrente, inconformado com a decisão sumária, alegar em sentido discordante dessa decisão, e que esta possibilidade de reclamação foi utilizada no caso presente pelo recorrente – não, todavia, para alegar, apresentando razões de discordância substancial com a decisão sumária, mas para, no momento em que podia justificar esta discordância, impugnar a constitucionalidade do processo constitucional por não lhe permitir alegar. Ora, a circunstância de não se prever que o recorrente possa alegar em momento anterior ao da decisão sumária, relativa á não verificação dos pressupostos de conhecimento do recurso, não pode ser considerada diminuidora das garantias do recorrente, uma vez que se trata de uma decisão relativa apenas aos pressupostos processuais – e, portanto, de uma questão prévia relativamente ao conhecimento do recurso -, e que o recorrente pode sempre reclamar dessa decisão sumária, justificando nesse momento a sua discordância'.
Pela simples leitura da decisão sumária ora reclamada verifica-se que ela se cinge à matéria da verificação dos pressupostos processuais, maxime, o pressuposto processual da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, concluindo pela não verificação do mesmo in casu, entendendo não poder
'considerar-se o acórdão recorrido, ao recusar o reenvio prejudicial, como decisão surpresa, em termos de ser dispensável o cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo', não decidindo outras questões como sejam a de 'saber se na competência do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC se insere a apreciação da 'constitucionalidade' de normas do Tratado de Roma (direito comunitário originário) ...' Reiterando o que se decidiu nos acórdãos transcritos, tornam-se desnecessárias outras considerações para fundamentar a improcedência da arguição de inconstitucionalidade da norma do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
4 – Sob a epígrafe 'O carácter inovatório e surpreendente da interpretação conferida pelo Acórdão do STA ao art. 234º do Tratado de Roma', a ora reclamante tece vários argumentos, mas não consegue demonstrar, afinal, a verificação do pressuposto processual que motivou a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, requisito essencial para a presente reclamação ser atendida e o processo(recurso) prosseguir para alegações.
Não colhe o argumento de que este Tribunal Constitucional está a apreciar o mérito e não meros pressupostos processuais, quando afinal tudo se resume a apurar se, não tendo sido suscitada a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, a decisão que aplicou a norma do artigo 234º do Tratado de Roma e nos termos em que o fez pode constituir uma 'decisão-surpresa' com a qual a recorrente não podia razoavelmente contar.
E apenas para análise dessa 'surpresa' – leia-se, preenchimento do requisito processual – este Tribunal trouxe à colação o direito comunitário aplicado pelo TJCE, em jurisprudência pacífica, de décadas e que o acórdão recorrido, por remissão para o acórdão do mesmo STA de 12/12/2001, refere. Essa jurisprudência é, antes do mais, a que dispensa o reenvio prejudicial nos casos em que existe anterior decisão do TJCE sobre a matéria, entendendo-se que não é necessária uma completa identidade das questões decididas (Acórdão do TJCE de 6/10/82 – Pº 283/81).
E é, depois, a que se consubstancia no Acórdão do TJCE de 17/11/98 no Pº C-
228/96, relativa á questão de mérito em apreço.
Não sendo a primeira 'surpreendente', só a citação da segunda o poderia ser, enquanto no acórdão recorrido se entende que, tendo em conta a globalidade do regime, vigente no direito nacional, de impugnação de actos de liquidação das receitas tributárias violadoras do direito comunitário, com vista à restituição de impostos ou taxas ilegalmente cobrados, existe um mecanismo processual – revisão oficiosa de liquidação de tributo com fundamento em erro dos serviços
(que pode ser requerida) e subsequente faculdade de recurso de decisão desfavorável – cujos prazos de caducidade se aproximam - excedendo-o até – do prazo de três anos considerado no aresto citado do TJCS.
Ora, pesem as dúvidas que a recorrente suscita sobre a justeza desta construção, a verdade é que ela não pode deixar de ser reconhecida como 'plausível' (e foi já adoptada em diversos acórdãos do STA), o que é suficiente para se exigir do recorrente a sua previsibilidade e a suscitação prévia da questão de constitucionalidade, tendo em consideração que a dispensa de o fazer se há-de ter sempre como excepcional.
De todo o modo, convir-se-á que se não trata já aqui, em direitas contas, de uma interpretação da norma em causa do Tratado de Roma – essa é a que retira da norma as ressalvas à obrigatoriedade de reenvio prejudicial e não se configura, disse-se já, como surpreendente – mas da aplicação da jurisprudência do TJCE ao caso.
5 – Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 11 de Julho de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa