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Procº nº 285/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 15 de Maio de 2002 lavrou o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Tendo o Licº A ... e mulher,C..., impugnado judicialmente perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referente ao ano de 1996, e tendo tal impugnação, por sentença proferida em 23 de Março de 1999, sido considerada improcedente, da mesma recorreram para o Tribunal Central Administrativo.
Na alegação então produzida, os impugnantes, inter alia, sustentaram que ‘os novos diplomas legais entretanto publicados nunca se aplicariam, de resto, à situação em apreço, por já decidido, como dos autos se infere’ e que ‘a sua aplicação, de qualquer modo, estaria vedada, por inconstitucionalidade, dado ter legislado sem autorização da Assembleia da República em matéria de sistema fiscal (benefícios fiscais) e, assim, de reserva relativa desta - ... - tudo por força das disposições conjuntas dos art. 18º, 71º, 290º, 106º e 168º, nº. 1 al. i), da Constituição então vigente (Lei Constitucional nº. 1/92, de 25 de Novembro)’ [cfr. «conclusões d) e e) da alegação de recurso então apresentada].
Tendo o Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 4 de Abril de
2000, negado provimento ao recurso, os impugnantes intentaram do mesmo recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo.
Porém, o Juiz do Tribunal Central Administrativo, por despacho de 23 de Maio de 2000, uma vez que entendeu que não havia recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, convidou os impugnantes a aperfeiçoarem o requerimento de interposição de recurso.
Na sequência desse convite, os impugnantes vieram a apresentar requerimento de interposição de recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando que o mesmo estava, relativamente ao mesmo fundamento de direito, em oposição com outros acórdãos, que exemplificaram, proferidos pelo Tribunal Central Administrativo e pelo Supremo Tribunal Administrativo.
No ponto 6 desse requerimento foi escrito:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
6. Daí se vê decidido, a final de contas - e é esta a questão fundamental sub judicie -, que o atestado médico então emitido pela Autoridade de Saúde de harmonia com as instruções veiculadas pela Circular n.º 28/90, da DGCI, de
05.05, é prova bastante para comprovar a incapacidade a que alude o EBF, ficando, perante ele, devidamente comprovado o grau de deficiência, certificando ele o acto administrativo de avaliação dessa incapacidade, a admitir, assim, o benefício fiscal previsto, no decurso de cada ano, até eventual revogação deste
(existente, legal, válido, por, entre o mais, dimanar de autoridade competente, na sequência, inclusive, daquelas directivas da AF) acto de avaliação (revogação essa, porém, proibida por lei, na falta de acordo do interessado - dado o disposto, entre o mais, nos art.º 17 al. e), do, então vigente, CPT, e artº. 140 do CPA) ou, então, até eventual alteração legislativa que, harmonizada com os ditames constitucionais (o que não se passou, sequer, com o questionado DL n.º
202/96 - e, daí, a invocada inconstitucionalidade), defina situação nova a respeito de benefícios fiscais.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Na alegação que, então, produziram, os impugnantes limitaram--se a dizer:-
‘Notificados do douto despacho de V. Exª, que admitiu o recurso, os recorrentes vêm alegar o seguinte:
1. mantém, com a devida permissão, por economia de tempo, a argumentação já constante dos dois anteriores requerimentos.
2. de facto, o Acórdão proferido nos presentes autos está em oposição com aqueles outros, designadamente com o Acórdão do TCA, de 99.02.02, em que é recorrente a FP e recorrido David Rodrigues Correia - Rec. 1.112/98, ou como Acórdão do STA, de 15.12.99 - Rec. 24.305, onde se decidiu, pelos diversos fundamentos aí indicados, que (como já se indicou nos anteriores requerimentos, aqui dados por reproduzidos) um atestado médico como o ora em causa é elemento de prova bastante, não sendo exigível outra, perante a AF, para comprovar o grau de incapacidade em causa, para efeitos de benefícios fiscais, designadamente porque, ao estatuir a sua aplicação aos processos pendentes, o n.º 2 do art.º 7 do DL n.º 202/96 refere-se aos processos de avaliação de incapacidade e não aos processos de liquidação do imposto.
E.D.’.
O Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Junho de 2001, julgou findo o recurso, uma vez que concluiu que se não verificava, in casu, uma oposição de julgados sem que não tivesse ocorrido uma alteração substancial da regulamentação jurídica.
Pode, na verdade, ler-se nesse aresto:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
No caso dos autos, como bem refere o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, o acórdão fundamento reporta-se a liquidação de I.R.S. do ano de 1995, em que a avaliação das incapacidades para tal efeito era efectuada sem ter em consideração o preceituado no Decreto-Lei n.º 202/96, de 23 de Outubro, enquanto o acórdão recorrido se pronunciou sobre incapacidade relativa do I.R.S. do ano de 1996, em que a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo tem entendido ser relevante aquele diploma.
E a alteração legislativa introduzida por aquele diploma, tem sido considerada tão relevante que a jurisprudência dominante relativa ao I.R.S., no que concerne ao valor de atestados emitidos antes de 15-12-1995, é diferente relativamente ao I.R.S. de 1995 e de 1996.
Assim, o Decreto-Lei n.º 202/96 não pode deixar de ser considerado um diploma com potencialidade para alterar o quadro jurídico em que foram apreciadas as questões nos acórdãos recorrido e fundamento.
Por isso, não se poderá entender que os acórdãos recorrido e fundamento tenham sido proferidos sem que tivesse havido alteração substancial da regulamentação jurídica, para efeitos do art. 30.º, alíneas b) e b’), do E.T.A.F..
Aliás, para comprovar a possibilidade de o Decreto-Lei n.º 202/96 poder influenciar a decisão da questão, basta constatar que ele é expressamente referido como um elemento normativo em que se baseia a decisão recorrida, que se entende aplicável à isenção relativa a 1996 (fls. 121), o que não sucede com o acórdão fundamento, em que se afastou a aplicabilidade deste diploma, referindo-se, além do mais, que «os critérios normativos especificadores dos tipos de deficiência, fiscalmente relevantes, dentro das categorias que ora enuncia o citado art. 2.º da Lei 9/98, bem como os respectivos coeficientes de graduação e o modo da sua determinação, são entre o momento da entrada em vigor do DL 341/93, de 23/10 e a entrada em vigor do DL n.º 202/96, de 23/10 os que constam da TNI por aquele aprovada» (fls. 186).
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificados do acórdão de que imediatamente acima parte se encontra transcrita, vieram os impugnantes apresentar nos autos requerimento com o seguinte teor:-
‘Os recorrentes (C... e A ..., com os demais sinais dos autos) vêm, no processo acima indicado, interpor o presente recurso para o Integérrimo e Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo do disposto, entre o mais, nos art.º 71, art.º 72 (maxime no seu n.º 2), art.º 70, b), art.º 75-A (maxime nos seus n.ºs 1 e 2), art.º 76, art.º 78 e art.º 80, todos da Lei n.º 28/82, de
15/11, com os demais termos que seguem, fundamentalmente a indicação prevista no citado art.º 75-A:
1. o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do citado art.º 70, dado que sempre, desde a primeira instância, os recorrentes suscitaram a inconstitucionalidade das normas adiante voltadas a referir e que, sempre, mormente na última decisão proferida (ora também em recurso) foram sendo aplicadas;
2. as normas em causa (cuja hipótese de inconstitucionalidade foi, aliás, já colocada, pelo STA, noutro processo: cfr. BMJ n.º 495, de Abril de
2000, pág. 197, in fine) são todas as constantes do DL n.º 202/96, de 23 de Outubro (art.ºs 1 a 7, mas, fundamentalmente, art.ºs 1 e 4), incluindo as alterações introduzidas pelo DL n.º 174/97, de 19 de Julho (todos os seus artigos: 1 a 3), quando interpretadas, como o foram, com o sentido aplicado nos autos, ou seja, de regular matéria relativa ao sistema fiscal (benefícios fiscais) e, assim, de reserva relativa de competência da Assembleia da República, por falta de autorização desta, como se vê de tais diplomas, em violação, pois, das disposições conjuntas dos art.ºs 18, 71, 106 e 168, n.º 1, al. i), da Constituição então vigente (Lei Constitucional n.º 1/92, de 25/11), a que correspondem os artº.s 18, 71, 103 e 165, n.º 1, al. i), da actual Constituição da República Portuguesa (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20/09);
3. as normas constitucionais violadas são estas acabadas de citar e, por seu turno, a questão da inconstitucionalidade foi sucessivamente suscitada pelos recorrentes, nas diversas fases processuais (impugnação judicial, recurso para o TCA e recurso para o STA).
Assim, R. a V.Ex.ª se digne admitir o presente recurso, seguindo-se os demais trâmites de lei’.
Por despacho lavrado em 3 de Outubro de 2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, o recurso não veio a ser admitido, já que as normas que os impugnantes sustentavam serem inconstitucionais não foram aplicadas no acórdão pretendido impugnar, que se limitou a ‘resolver uma questão processual, relativa à oposição entre dois acórdãos’.
Desse despacho vieram os impugnantes, por requerimento entrado na secretaria do Supremo Tribunal Administrativo em 16 de Outubro de 2001 e fundado no artº 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a apresentar reclamação para o Tribunal Constitucional. Por outro lado, por intermédio de requerimento, entrado na mesma data em tal secretaria, os mesmos impugnantes vieram formular reclamação, dirigida ao Conselheiro Relator do aludido Supremo Tribunal, solicitando a reapreciação do que, no citado despacho, fora decidido.
Em 17 do mesmo mês de Outubro, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo exarou o seguinte despacho:-
‘No requerimento que antecede é pedida uma reapreciação do decidido.
Essa reapreciação, em face do esgotamento do poder jurisdicional do Relator (artº 666º nº 3 CPC) apenas poderá ser efectuada pela conferência.
Por isso, deve entender-se que o requerimento referido tem ínsito um pedido de reapreciação a efectuar pela conferência, através dos adequados mecanismos.
Nestes termos, notifique a parte contrária nos termos do artigo 700 nº
3 do CPC’.
Por acórdão de 6 de Março de 2002, o Supremo Tribunal Administrativo revogou o despacho proferido em 3 de Outubro de 2001 pelo Conselheiro Relator daquele Alto Tribunal, admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional.
Por outro lado, o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, por despacho de 17 de Outubro de 2001, determinou que os autos de reclamação dirigidos ao Tribunal Constitucional aguardassem o que viesse a ser decidido no processo principal e, por despacho de 10 de Abril de 2002, disse que, uma vez que o recurso para o Tribunal Constitucional tinha sido admitido, ficava sem efeito a reclamação, que assim dava por finda.
2. É por demais evidente a parca ortodoxia do processamento dos vertentes autos.
Na verdade, com o proferimento do despacho de não admissão do recurso intentado interpor para o Tribunal Constitucional, esgotaram-se, quanto a esse particular, os poderes cognitivos do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, pelo que a respectiva impugnação apenas poderia ocorrer por intermédio de reclamação, endereçada a este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, como bem decorre do nº 4 do artº 76º da Lei nº
28/82 (procedimento, aliás, de que o Licº A ... e mulher lançaram mão), que, neste ponto, se não diferencia substancialmente do que se encontra prescrito no nº 1 do artº 688º do Código de Processo Civil e cuja normação é expressamente exceptuada pelo nº 3 do artº 700º deste mesmo corpo de leis [cfr., aliás, no
âmbito da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, o que se dispõe nos seus artigos 111º, nº
1, alínea f), e 9º, nº 1, alíneas l) e j), e nº 2].
Vale isto por dizer que a decisão tomada pelo acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal Administrativo em 6 de Março de 2002, no rigor das coisas, até, porventura, seria passível de ser perspectivada como algo de inexistente, por consubstanciar uma decisão tomada a non domino, já que falecia competência ao colectivo do Supremo Tribunal Administrativo para a tomar.
E, ainda, dentro dessa óptica rigorosa das coisas, porventura também, poder-se-ia, em tese, sustentar que o Tribunal Constitucional não haveria de acatar aquela decisão, pois que a deveria ter como írrita, consequencialmente devendo ter, de idêntico modo, como írrita a decisão que defluiu do despacho de
10 de Abril de 2002, prolatado pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo e que deu por finda a reclamação dirigida ao Tribunal Constitucional, desta sorte se devendo, neste último Tribunal, determinar a
«baixa» do vertente processo como recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade e a sua posterior distribuição na 4ª espécie (cfr. artº 49º da Lei nº 28/82), a fim de, em funcionamento colectivo (cfr. artº 77º, nº 1, da mesma Lei), ser apreciada a reclamação que lhe foi endereçada.
Todavia, porque uma solução como a imediatamente acima aventada se não apresenta inequivocamente líquida, cumpre proferir decisão quanto ao recurso que veio a ser admitido pelo acórdão de 6 de Maio de 2002.
3. A decisão que admitir o recurso não vincula o Tribunal Constitucional, como resulta do nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82.
Contudo, porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da dita Lei nº 28/82, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto do recurso.
Efectivamente, é, de todo, insustentável que o acórdão ora pretendido impugnar se suportou, em termos de ratio decidendi, nos normativos ínsitos no Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, quer na sua versão originária, quer na decorrente das alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 174/97, de 19 de Julho.
As referências, constantes de tal aresto, que foram feitas àquele primeiro diploma unicamente tiveram por fim sublinhar que a decisão, tomada pelo acórdão tirado no Tribunal Central Administrativo e que então era desejado impugnar perante o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, foi fundada nas prescrições constantes do indicado diploma, enquanto que o acórdão fundamento - o acórdão de 15 de Dezembro de 1999, proferido nos autos de recurso nº 24305 - se esteou, não no mesmo diploma, mas sim nos critérios normativos dos tipos de deficiência e que constam da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei nº 341/93, de 23 de Outubro, já que neste último acórdão estava em espécie uma situação fáctica ocorrida no lapso temporal que mediou entre a entrada em vigor deste Decreto-Lei e a vigência do Decreto-Lei nº 202/96, motivo porque se não podia dizer que as decisões tomadas num e noutro dos acórdãos alegadamente em oposição tivessem sido proferidas sem que tivesse havido uma substancial alteração dos normativos a valorar para o encontro da solução jurídica a conferir.
Sendo assim, como é, torna-se claro que os comandos jurídicos do Decreto-Lei não constituíram a ratio juris do decidido no acórdão ora querido colocar sob a censura deste Tribunal, porquanto a alusão àquele diploma teve por mira, e tão só, sublinhar que foram eles o suporte do decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo, o que não sucedeu com o acórdão fundamento, que se reportava a um caso em que não eram aplicáveis tais comandos, pelo que as respectivas decisões se basearam em ordenamentos jurídicos diversos, vindo o acórdão então sub specie a ser proferido após ter ocorrido uma substancial alteração do anteriormente vigente ordenamento.
Aliás, se bem se atentar, ainda que, por hipótese, o Tribunal Constitucional se viesse a pronunciar pela inconstitucionalidade dos cabidos normativos vertidos no Decreto-Lei nº 202/96, haverá que convir-se que uma tal pronúncia nenhuma repercussão haveria de acarretar no acórdão que decidiu não haver oposição de julgados. E isso, justamente, porque continuava a subsistir a razão processual impeditiva do recurso para Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, qual seja a de, efectivamente, os acórdãos invocadamente em oposição não terem sido proferidos numa situação de manutenção substancial da regulamentação jurídica, sendo que, de todo o modo, necessário é não olvidar que, na resolução daquela questão processual, não poderia o Pleno alterar a razão de decidir que foi carreada ao acórdão do Tribunal Central Administrativo.
Significa isto (e independentemente agora da questão de se saber se foi adequadamente suscitada a questão de inconstitucionalidade - do que se duvida -) que falece, na situação sub specie, um dos pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, e que consiste na aplicação, como suporte jurídico da decisão desejada impugnar perante o Tribunal Constitucional, dos normativos cuja desconformidade com a Lei Fundamental foi (ou teria sido) questionada antecedentemente à respectiva prolação.
Termos em que se não conhece do objecto do recurso, condenando-se os recorrentes, solidariamente, nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
Da transcrita decisão reclamaram os recorrentes por força do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, concluindo a peça processual consubstanciadora da reclamação com as seguintes «conclusões»:-
'I.- Como se disse supra, a publicação dos questionados diplomas e seus normativos foi (constituiu), no entender do STA, a tal alteração legislativa substancial que inviabilizou o conhecimento do recurso; a ratio decidendi, no STA foi a falta de um dos fundamentos do recurso, qual seja, a ausência de uma substancial alteração legislativa, falta essa constituída pela publicação dos diplomas questionados e seus normativos; II.- Foi, aí, em consequência dada como assente a sua validade jurídica, mormente constitucional, sem, antes, se apreciar essa mesma validade, apesar de a questão ter sido posta, previamente, também ao STA – onde, assim, se omitiu tal pronúncia, essencial para, de seguida, apreciar o relevo dessa legislação, relativamente ao objecto ‘infra-constitucional’ do recurso, ou seja, ao recurso de oposição de julgados; III - A referida ratio decidendi consistiu, assim, na aplicação dos ditos diplomas; interposto recurso ordinário - é de sublinhar, de facto, que se não tratou de recurso extraordinário (cfr. art.ºs 676 e 763 do CPC, na aplicável anterior redacção, ou os correspondentes preceitos actuais), mas, sim, de recurso ordinário (assim o apelida o Legislador), porventura necessário, de resto, no caso vertente, por força do disposto no nº 2 do citado art° 70, mas, de qualquer modo, não preclusivo da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quer por força, ainda, desse referido nº 2 (porque, inclusive, se tratava de decisão recorrível), quer do nº 6 do mesmo artigo -, por oposição de julgados, o recurso improcedeu com base nesse diploma – e, claro, nos seus normativos (cfr. Acórdão do STA). IV - Logo por isso e porque, concomitantemente, se havia suscitado, anteriormente e então, a inconstitucionalidade destes, verificado se mostra o pressuposto do recurso, previsto na alínea b) do nº 1 do citado art.º 70; V - De resto, MESMO QUE ASSIM NÃO FOSSE, ou seja, mesmo que se pudesse afirmar que a decisão do STA não se suportou, em termos de ratio decidendi, nos normativos ínsitos no Decreto-Lei nº 202/96, de 23 de Outubro, quer na sua versão originária, quer na decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 174/97, de 19 de Julho, sempre a aludida falta do pressuposto do recurso para o Tribunal Constitucional seria meramente aparente, pois que, como atrás se explicou, considerando a obrigatoriedade legal de exaustão do recurso ordinário (e foi, como se já disse, o que se fez nos autos - tudo por força do disposto nos n.ºs 2 a 4 do art.º 70 da citada Lei 28/82), considerando a aplicação dos questionados diplomas na 1ª e 2ª Instâncias e considerando o facto de os recorrentes terem suscitado a respectiva inconstitucionalidade durante o processo - e, logo, aliás, na 1ª Instância, sem, nunca mais, abandonar essa questão -, é seguramente, de concluir, atento o disposto nos referidos n.ºs 2 a
4 e, mesmo, 6 do citado artigo, pela verificação, in casu desse pressuposto do recurso, previsto na alínea b) do nº 1 de tal art.º 70. VI – Como, um dia, se escreveu, no Assento n° 12/94, do STJ, o direito deve estar ao serviço da vida, tanto quanto possível sem espartilhos conceptualísticos ou desumanizados ('1. O processo é, existencialmente, uma organização normativa de actos, cuja essência é a constituição do caminho global tendente à solução de diferendos e ao respeito pelos valores e interesses legítimos. 2. O direito, designadamente o processual, deve estar ao serviço da vida, contribuindo para a boa decisão das causas, tanto quanto possível sem espartilhos conceptualísticos e desumanizados. 3. O juiz deve ser um interventor, ressalvada a privacidade das pessoas, a imparcialidade do tribunal e, especialmente, o princípio do contraditório.' - cfr. DR, 1ª série, nº 186, de
12-8-94). Ao não se ter conhecido do recurso, foi, entre mais, violado o disposto nos nºs
1,b), e 2 a 4, do citado art° 70, e no artº 72, nº 1,b), e nº 2, da citada Lei'.
Ouvida sobre a reclamação, a Fazenda Pública nada veio dizer.
Cumpre decidir.
2. A reclamação sub iudicio não abala minimamente o que se contém na decisão ora objecto de impugnação.
Efectivamente, não logram os reclamantes demonstrar que as normas cuja apreciação intentavam submeter à apreciação deste Tribunal constituíram razão jurídica do decidido no aresto que veio a ser recorrido, decisão que se limitou a dizer que não houve oposição entre os acórdãos que, alegadamente na perspectiva dos então recorrentes, decidiram em contrário, subsistindo substancialmente a mesma regulamentação jurídica.
Como se vincou na decisão sumária em apreço, na resolução dessa questão - a de saber, e tão só, se havia oposição -, não poderia o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão em causa, alterar o decidido no acórdão lavrado no Tribunal Central Administrativo, que se fundou, bem ou mal (ainda que, quanto a este último particular, na perspectiva de o Decreto-Lei nº 202/96 padecer de vício de desconformidade com a Constituição), neste indicado diploma.
O que aquele Alto Tribunal, então, haveria de fazer, como fez, era, com base na constatação de que a decisão do Tribunal Central Administrativo se ancorou no citado Decreto-Lei, e de que o acórdão que invocadamente estava em oposição teve por base legislação anterior à edição de tal diploma, concluir que, em face desse circunstancialismo, se não estava em face de uma situação em que não houve substancial alteração da regulamentação jurídica.
Não houve, pois, desta arte, aplicação dos normativos vertidos no Decreto-Lei nº 202/96 que constituísse a razão jurídica da decisão que julgou inexistir oposição de julgados, pois que uma coisa é a verificação de que os mesmos foram o suporte jurídico da decisão de um dos arestos citados como estando em oposição com anterior jurisprudência, e outra a de formular um juízo de concordância (o que, in casu - ou seja, para decidir a questão de saber se o segundo aresto dito em oposição igualmente se fundou naqueles normativos - lhe estaria totalmente vedado) com essa decisão.
Para a resolução da questão de saber se o acórdão de que se pretendeu interpor recurso por oposição de julgados aplicou normas de um dado diploma - diverso, em termos substanciais, da regulamentação jurídica que fundou o aresto dito em oposição - não está, minimamente, implicada a formulação de um juízo sobre a compatibilidade constitucional desse mesmo diploma e, consequentemente, para a dita resolução, não pode relevar qualquer aplicação, em termos de razão de decidir sobre essa questão, dos normativos nele ínsitos
2.1. De outra banda, não se diga, como o fazem os ora reclamantes, que o recurso de constitucionalidade era cabido, porque, afinal, o acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal Administrativo e incidente sobre a invocada oposição de julgados constituiu o modo de exaustão de recursos ordinários.
É que, e desde logo, o aresto que foi pretendido impugnar perante o Tribunal Constitucional foi aquele acórdão e não o tirado no Tribunal Central Administrativo, que, este sim, se fundou nos comandos do Decreto-Lei nº 202/96 para decidir a questão que lhe fora colocada.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa,3 de Julho de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa