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Processo nº 314/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A, instaurou uma acção ordinária contra B e outros pedindo que fossem condenados no pagamento da quantia de 2.587.236$00, acrescida dos juros vincendos, correspondente a determinados fornecimentos de energia eléctrica, que foi julgada improcedente, por prescrição do crédito invocado, em 24 de Agosto de
2000. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 3 de Maio de 2001, confirmou a sentença da primeira instância, no recurso de apelação interposto. O Supremo Tribunal de Justiça, porém, por acórdão de 6 de Dezembro de 2001, de fls. 135, concedeu provimento à revista interposta pela autora, revogando o acórdão da 2ª instância e julgando a acção procedente.
2. Vieram então os autores requerer a reforma do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, alegando 'manifesto lapso na determinação da norma aplicável bem como na qualificação jurídica da norma'; e, no mesmo requerimento em que a pediram, vieram sustentar que 'o Acórdão de que se pretende a reforma viola os princípios constitucionais da igualdade de todos perante a lei, e da aplicação de norma mais favorável ao R., violando assim o artigoº 13º da Constituição da República Portuguesa, sendo tal Acórdão inconstitucional'. Pelo acórdão de 24 de Janeiro de 2002, de fls. 136, foi negada a reforma. Os autores vieram, então, 'interpor (...) recurso para uniformização de jusrisprudência nos termos do artigoº 732º-A do C.P.C.', alegando 'oposição de acórdãos desse douto tribunal sobre a mesma questão de direito', recurso que não foi admitido pelo despacho de fls. 175, porque que só poderia ter sido requerido o julgamento ampliado até à emissão do acórdão de que pretendem recorrer.
3. Inconformados de novo, os autores recorreram para o Tribunal Constitucional da decisão de não admissão, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro afirmando terem 'atempadamente
(...) levantado a questão da inconstitucionalidade da decisão e da violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o princípio da aplicação da lei mais favorável ao R. previstos no artigoº 13º da Constituição da República Portuguesa'. Não indicam, todavia, qual a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretendem que o Tribunal aprecie; apenas dizem que vêm recorrer para o Tribunal Constitucional 'por violação' dos referidos 'princípios constitucionais', nos termos já descritos. A. pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, por falta de indicação de qualquer norma que pudesse constituir o seu objecto.
4. Pelo despacho de fls. 190, não foi admitido o recurso, por duas razões distintas. Em primeiro lugar, por não ter como objecto uma norma, mas a própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça: '(...)o recurso de constitucionalidade não pode ter por objecto a inconstitucionalidade de decisões judiciais consideradas em si mesmas. Ora, in casu, é este o objecto do recurso interposto pelos Recorrentes, dado que nenhuma norma jurídica indicam para ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, do mesmo modo que não suscitaram a inconstitucionalidade de qualquer norma neste processo'. Em segundo lugar, porque, sendo o Supremo Tribunal de Justiça 'um tribunal colectivo, apenas são recorríveis, para o Tribunal Constitucional, as suas decisões, mas não os despachos do relator'. Os recorrentes reclamaram deste despacho para o Tribunal Constitucional. Não indicam nenhum motivo que possa conduzir ao deferimento da reclamação, e acrescentam que, ao não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência que interpuseram, o Supremo Tribunal de Justiça violou, ainda, 'o princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (artigo. 20º da C.R.P.'.
5. Notificado para o efeito, o Ministério Público manifestou-se no sentido da manifesta falta de fundamento da reclamação, porque, para além de não ter sido colocada pelos reclamantes qualquer questão de constitucionalidade normativa, impugnaram directamente perante o Tribunal Constitucional o despacho de não admissão, sem terem provocado previamente a formação de um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre a questão.
6. Com efeito, a presente reclamação carece, manifestamente, de fundamento. Em primeiro lugar, porque não é admissível recurso directo para o Tribunal Constitucional do despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu o recurso destinado a obter a pretendida uniformização de jurisprudência, como resulta expressamente do disposto no nº 3 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 132/95 deste Tribunal (Diário da República, II Série, de 19 de Junho de 1995). Tratando-se de um tribunal colectivo, o poder jurisdicional encontra-se, justamente, no colectivo e não no relator: 'Na verdade, de acordo com a lei processual em vigor, as decisões dos tribunais superiores que não sejam acórdãos são irrecorríveis: é o que resulta dos artigos 700º, n.ºs 3,4 e 5, 721º e 754º, todos do Código de Processo Civil (CPC). A razão de ser deste entendimento legal assenta na natureza colectiva dos tribunais superiores. De facto, nestes tribunais, como se escreveu no Acórdão n.º 517/94 (in ‘Diário da República’, IIª Série, de 16 de Dezembro de 1994) ‘em regra, as decisões definitivas são tomadas pelo próprio órgão jurisdicional colectivo, e não singularmente pelos juizes que o compõem.’ Assim, os despachos do relator que não sejam de mero expediente podem sempre ser objecto de reclamação para a conferência, recaindo acórdão sobre a matéria objecto do despacho, reapreciando-o e podendo alterar o respectivo sentido. Tal reclamação visa a obtenção de um acórdão recorrível, como refere o n.º5 do artigo 700º do CPC., o que significa que o despacho do relator não é uma decisão definitiva, apenas reclamável e não recorrível' (Acórdão nº 216/2000, não publicado).
7. Em segundo lugar, porque os recorrentes não colocaram no recurso que interpuseram nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, ou de ilegalidade de normas, susceptível de constituir o respectivo objecto, limitando-se a acusar a decisão que impugnam de ser, ela própria, inconstitucional. Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo' (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de
1996); e o mesmo se diga no que respeita aos recursos interpostos ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. Nestes termos, indefere-se a reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 5 de Junho de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida