Imprimir acórdão
Processo nº 542/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.1. - C ..., Lda., com sede no Porto, deduziu oposição à execução que pelo 4º Bairro Fiscal daquela cidade lhe foi instaurada para cobrança coerciva de dívidas de I.V.A. e correspondentes juros compensatórios, baseando-se, para o efeito, em alegada inconstitucionalidade das normas da alínea g) do artigo 43º e do nº 1 do artigo 237º do Código de Processo Tributário (CPT – aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril).
Após uma primeira decisão do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, que considerou a oposição improcedente mas que, em recurso, foi julgada nula – acórdão de 9 de Março de 2000, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo –, a oposição foi novamente julgada improcedente, por sentença de 26 de Maio seguinte, e dela a executada interpôs novo recurso.
Nas alegações oportunamente apresentadas formulou as seguintes conclusões, condensando o seu ponto de vista:
'A) O processo de execução fiscal, na configuração delineada no Código de Processo Tributário, é um processo de natureza judicial. B) No processo de execução fiscal, em paralelo com actos com natureza materialmente administrativa, cabe nos poderes do Chefe da Repartição de Finanças a prática de actos materialmente jurisdicionais, como são a formulação do juízo sobre a exequibilidade do título executivo, a penhora (rectius, a decisão de penhorar) bem como a venda dos bens penhorados. C) As normas do Código de Processo Tributário, ao conferirem aos chefes das repartições de finanças poderes para a prática de tais actos, estão feridas de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da separação de poderes consagrado constitucionalmente, nomeadamente, nos artºs. 111º, n°. 2,
202°., nºs 1 e 2 , 212°, n°. 3, 268°, n°. 5, da CRP. D) As mesmas normas do Código de Processo Tributário, que conferem poderes aos chefes das repartições de finanças para a prática dos referidos actos jurisdicionais, estão feridas de inconstitucionalidade orgânica, por violação do preceituado no artº. 165°., nº 1, al. p), da CRP. E) A douta sentença sob recurso, ao não considerar verificada as arguidas inconstitucionalidades violou os invocados princípio e preceitos constitucionais.
Por sua vez, a representante da Fazenda Pública, nas respectivas contra-alegações, formulou as seguintes conclusões (por via remissiva às primeiramente apresentadas):
'a) A posição funcional do chefe da repartição de finanças em matéria de execução fiscal é definida pelo nº 2 do artigo 60º do ETAF. b) O nº 2 do artigo 60º do ETAF atribui ao chefe da repartição de finanças a posição de auxiliar do juiz. c) O ETAF foi emanado ao abrigo da autorização legislativa conferida pela Lei nº
29/83, de 8 de Setembro. d) A força executiva dos títulos de cobrança, com equiparação a decisão com trânsito em julgado, é de molde a atribuir ao acto de instauração da execução a qualificação de um acto de natureza administrativa própria de um auxiliar do juiz. e) As normas dos artigos 43º, alínea g) e 237º, nº 2 do CPT não enfermam de inconstitucionalidade material ou orgânica.'
O Ministério Público, por sua vez, emitiu parecer nos termos seguintes:
'1- Subscrevo nos seus precisos termos e para todos os efeitos legais a decisão recorrida de fls. 100 a 105, que segue a jurisprudência desta Secção do STA e que não vemos motivo para rejeitar. No sentido que é constitucionalmente admissível a atribuição à Administração Fiscal da prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal, como são os agora em apreço (os actos jurisdicionais são aqueles que vêm definidos no artº 237º, nº 2, do CPT), se pronunciou já o Tribunal Constitucional nos acórdãos nº. 465/91, de 1/12/91, in BMJ 412/103 e nº 331/92, de 1/10/92, in BMJ 420/125.
2- Nestes termos, deve ser negado provimento ao presente recurso.'
1.2. - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 2 de Maio de 2001, tirado em conferência, negou provimento ao recurso.
Para atingir este desiderato, afastaram-se as questões de inconstitucionalidade entretanto equacionadas pela recorrente, escrevendo-se a esse propósito:
'[...] Não se vê que a atribuição à Fazenda Pública da possibilidade de instaurar um processo executivo, nos limites e nos termos da lei, constitua uma qualquer inconstitucionalidade material. A possibilidade de instaurar um processo executivo comum cabe ao credor exequente (vide artºs. 45° a 54° e 801° e ss. do C PC). E não se vê qual a razão porque não há-de ser a FP a instaurar um processo executivo, quando está em causa uma dívida ao Estado, por impostos, como é o caso dos autos. Sendo que, como vimos, estão assegurados ao respectivo executado todos os meios de defesa para se insurgir, com êxito, contra qualquer decisão que ofenda os seus direitos e interesses legalmente protegidos. Repare-se aliás que nem sequer estão em causa funções administrativas do chefe da repartição de finanças, que hão-de ocorrer depois, já no decurso da execução. Está em causa, isso sim, uma questão anterior, a saber: a própria instauração da execução. Isto, como é bom de ver, quanto à primeira parte do normativo em causa. E que dizer da segunda parte do mesmo normativo? Pois bem. O que está aqui em causa são actos de natureza administrativa, e não actos jurisdicionais. Os actos jurisdicionais, que são aqueles que estão contemplados no n. 2 do art.
237°, esses são da competência do Juiz. Não tendo, como não tem, no processo executivo, funções jurisdicionais, mas sim funções meramente administrativas, o chefe da repartição de finanças não invade qualquer poder jurisdicional, Não há assim pois qualquer violação do princípio constitucional de separação de poderes. Não ocorre pois a alegada inconstitucionalidade material. E que dizer da também alegada inconstitucionalidade orgânica? Como é óbvio, também não se pode falar aqui em inconstitucionalidade orgânica. Apreciemos desde já a primeira parte do preceito em causa (al. g) do art. 43° do CPT, até porque o art. 237°, 1, do CPT, é decorrência daquele). Aqui não estão em causa os poderes do chefe da repartição de finanças no interior do processo. Está em causa isso sim a instauração do processo. Ora, qualquer que seja a sua natureza, a instauração do processo não tem nada a ver com os poderes que se contêm no seu interior, e quem os desempenha. Assim a constitucionalidade orgânica do preceito terá a ver, desde logo com a possibilidade de regular o próprio processo de execução fiscal, o que a lei autorizante expressamente consagra. Não ocorre pois a citada inconstitucionalidade orgânica. A questão, como dissemos, há-de ser vista nesta perspectiva, nada tendo a ver com os poderes do chefe da repartição de finanças, e com a fase administrativa e jurisdicional do processo de execução fiscal. Tal questão coloca-se antes daquela outra, e nada tem a ver com ela. Isto, como dissemos, quanto à primeira parte do preceito em causa. Mas que dizer quanto à função administrativa conferida ao chefe da repartição de finanças no processo executivo (2a parte do preceito em causa)? Aqui, como é óbvio, já bem dentro do processo executivo. Pois bem. Também aqui o CPT não traz nenhuma inovação, relativamente ao Código anterior
(CPCI). Com excepção óbvia das repartições de finanças de Lisboa e Porto. Na verdade, e como se vê do art. 40° do CPCI, cabia já à repartição de finanças a instauração dos processos de execução fiscal, e a realização de todos os actos a eles respeitantes, com excepção expressa dos actos jurisdicionais, que eram aqueles que aí se mencionavam expressamente. E o facto de se chamar ao chefe da repartição de finanças juiz auxiliar não lhe dava mais poderes nem outras funções que são aquelas que agora tem no CPT . E não é realmente o nome (juiz auxiliar ), que importa, mas sim a realidade que lhe está subjacente. Assim, o CPT não inovou aqui em nada. E a extensão da sua competência às cidades de Lisboa e Porto nada tem de significativo, por isso que representa apenas o estender a estas cidades de competência que os chefes da repartição de finanças já tinham relativamente ao todo nacional, havendo agora apenas a necessidade de reajustar tarefas, mas reservando sempre as funções jurisdicionais para o juiz e as funções administrativas para o chefe da repartição de finanças. Como já acontecia no domínio do CPCI. Como se disse. Não se pode assim falar em inconstitucionalidade orgânica, já que estas alterações estão cobertas pela lei autorizante. Aliás, e como bem refere o Mm. Juiz, a questão da alegada inconstitucionalidade orgânica está encadeada com a alegada inconstitucionalidade material. O recurso está pois votado ao insucesso.'
2. - Inconformada, interpôs C..., Lda., recurso do acórdão de
2 de Maio de 2001 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Pretende que sejam apreciadas:
- a inconstitucionalidade material das normas dos artigos 43º, alínea g), e 237º, nº 1, do CPT, 'por violação do princípio da separação dos poderes, com consagração constitucional, nomeadamente, nos artigos
111º, nº 2, 202º, nºs. 1 e 2, 212º, nº 3, e 268º, nº 5, da CRP';
- a inconstitucionalidade orgânica das mesmas normas
'por violação do disposto no artigo 165º, nº 1, al. p), da CRP'
Notificada para o efeito, veio a recorrente apresentar alegações, que assim concluiu:
'A) O processo de execução fiscal, na configuração delineada no Código de Processo Tributário, é um processo de natureza judicial B) No processo de execução fiscal, em paralelo com actos com natureza materialmente administrativa, cabe nos poderes do Chefe da Repartição de Finanças a prática de actos materialmente jurisdicionais, como são a formulação do juízo sobre a exequibilidade do título executivo, a penhora (rectius, a decisão de penhorar) bem como a venda dos bens penhorados C) As normas do Código de Processo Tributário, ao conferirem aos chefes das repartições de finanças poderes para a prática de tais actos, estão feridas de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da separação de poderes consagrado constitucional, nomeadamente, nos artºs 111º, nº 2, 202°, nºs
1 e 2, 212º, nº 3, 268º, nº 5, da CRP D) O douto acórdão sob recurso, como, de resto, a sentença que criticamente apreciou, ao não considerar verificada a arguida inconstitucionalidade violou os invocados princípio e preceitos constitucionais. E) As mesmas normas do Código de Processo Tributário, que conferem poderes aos chefes das repartições de finanças para a prática dos referidos actos jurisdicionais, estão feridas de inconstitucionalidade orgânica, por violação do preceituado no artº 165º, nº 1, al. p), da CRP. F) O douto acórdão sob recurso, ao não declarara tal inconstitucionalidade, violou o invocado preceito legal.'
A Fazenda Pública (Direcção-Geral dos Impostos) não contra-alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. - O objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade é limitado pelas normas constantes da alínea g) do artigo
43º e do nº 1 do artigo 237º do Código de Processo Tributário.
A primeira, respeitante à competência da Administração Fiscal, é do seguinte teor:
'Aos serviços de administração fiscal cabe:
(...) g) Instaurar os processos de execução fiscal e realizar os actos a eles respeitantes, salvo o que se dispõe no nº 2 do artigo 237º;
(...).'
Por sua vez, preceitua o nº 1 do artigo 237º, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março:
'1- É competente para o processo de execução fiscal a repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação, salvo tratando-se de coima fiscal e respectivas custas, caso em que será competente a repartição de finanças onde tiver corrido o processo da sua aplicação.
(...).'
2.1. - Alega a recorrente que as descritas normas, na medida em que conferem poderes aos chefes das repartições de finanças para a prática daqueles actos, de natureza jurisdicional, padecem de inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto na alínea p) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República (CR), que dispõe ser da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República e 'organização e competência dos Tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos'.
Na verdade, a norma correctamente convocável não é esta mas a correspondente ao parâmetro constitucional em vigor ao tempo da formação do acto normativo questionado (cfr., v.g., acórdão deste Tribunal nº 787/93, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26ª volume, págs. 243 e segs.), o que, no caso, não releva, considerando a identidade dos textos: alínea q) do nº1 do artigo 168º, oriundo da revisão operada pela Lei Constitucional nº
1/89, de 8 de Julho.
2.2. - As normas convocadas pela recorrente não deverão, no entanto, integrar, na sua totalidade, o objecto do recurso, mas sim e apenas na medida em que a decisão recorrida as tenha efectivamente aplicado.
Ora, a esta luz, o que da actuação da administração fiscal releva para a apreciação do recurso não é constituído por todo o elenco de actos descritos nas normas impugnadas.
Na verdade, o que unicamente está em causa, em sede de matéria de facto que a decisão recorrida subentendeu, não foi nenhum acto praticado pelo chefe da repartição de Finanças – ou seja um acto em que a jurisdicionalidade das matérias poderia levar a considerar-se afrontado o princípio da separação de poderes – que não fosse meramente administrativo, como o que decorre da competência prevista nas normas impugnadas relativo à instauração do processo de execução fiscal.
Ou seja, e como decorre da decisão decorrida, o que foi dado como provado, como matéria de facto, pelas instâncias, respeita à instauração contra a ora recorrente de uma execução fiscal para cobrança de IVA e juros compensatórios, no valor global de 309.395.299$00.
Deste modo se delimita o objecto do presente recurso: a conformidade constitucional das normas da alínea g) do artigo 43º e do nº 1 do artigo 237º do Código de Processo Tributário, na medida em que atribuem aos serviços da Administração Fiscal competência para instaurar processos de execução fiscal.
3.1. - A recorrente defende a tese de acordo com a qual o Governo, ao legislar nos termos em que o fez, exorbitou da credencial parlamentar que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei nº 37/90, de 10 de Agosto, para elaborar um Código de Processo Tributário, em substituição do então vigente Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Nos termos do nº 1 do artigo 2º daquele diploma, o novo Código aperfeiçoará o quadro das garantias dos contribuintes, com introdução das alterações adequadas, tendo em vista a sua harmonização com o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e com o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, dando também expressão ao que dispõe a Constituição da República Portuguesa no domínio da tutela dos direitos e interesses legítimos por meios graciosos e contenciosos, concedendo-se ao Governo, nos termos do nº 5 do mesmo artigo 2º, poderes para alterar o processo de execução fiscal, mediante 'a criação de uma fase prévia destinada a regularizar o pagamento da dívida exequenda', alargando-se, por sua vez, os fundamentos da oposição.
3.2. - Ora, o Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/01, de 23 de Abril, com expressa invocação da autorização legislativa concedida pela Lei nº 37/90, intentou, além do mais, como se lê na parte final da respectiva nota preambular , atribuir ao chefe de repartição de finanças uma intervenção no processo de execução fiscal 'de harmonia com as funções administrativas efectivamente exercidas', pondo, assim, termo à controversa figura do 'juiz auxiliar'.
Neste espírito, a norma da alínea g) do artigo 43º e a do nº 1 do artigo 237º, denotam que, não obstante a natureza judicial do processo de execução fiscal, não significam que este, na sua globalidade, seja composto só por actos materialmente jurisdicionais, uma vez que outros existem, de carácter instrumental, que apontam para a sua natureza meramente procedimental e de cariz administrativo, de tal modo que, de acordo com a observação já feita, 'só as questões de cunho jurisdicional levantadas no processo de execução fiscal é que serão decididas pelos tribunais' (cfr. Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, de Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, 2ª ed., Coimbra, 1997, pág. 489).
Por sua vez, as aludidas normas não contêm, em si, nada de inovatório: a da alínea g) do artigo 43º tem correspondência com a da alínea d) do artigo 40º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI), aprovado pelo Decreto-Lei nº 45 005, de 27 de Abril de 1963, e a do nº 1 do artigo 237º encontra equivalência na do artigo 152º deste último texto legal.
Com efeito, nesse texto, os chefes de repartição de finanças, a quem era atribuída a designação de juízes auxiliares, tinham competência para intervir na prática de actos não materialmente jurisdicionais, reservando-se aos juízes tributários a competência decisória que implicasse o dirimir de interesses (cfr. artigo 152º).
Pôde, assim, observar-se, no acórdão recorrido, que o facto de se chamar àqueles agentes funcionários 'juízes auxiliares' não lhes dava mais poderes nem outras funções do que as previstas no Código de Processo Tributário.
Ou seja, nas disposições sindicandas não se detecta uma iniciativa legislativa do Governo que seja inovadora relativamente ao anterior regime, tão só aí se encontrando reprodução do que já estabelecido fora anteriormente, 'repetindo-se' o que já então se dispunha, sem se terem introduzido inovações ou modificações relevantes na disciplina jurídica em questão. O que significa que, nesta parte, tudo continuou na mesma, como se não tivesse existido edição de um acto normativo (acórdão nº 423/87, publicado no Diário da República, I Série, de 26 de Novembro de 1987). Como se escreveu noutro aresto deste Tribunal, sempre que o legislador se limita a 'reproduzir' uma norma sem que a sua inserção no contexto do novo diploma implique a
'transformação' do seu significado e alcance, não chega a operar-se qualquer modificação da ordem jurídica: 'é como se o órgão autor dessa segunda norma, que não teria competência para produzi-la ex novo, se tivesse mantido, nesse ponto, inactivo' (acórdão nº 77/88, publicado no Diário citado, I Série, de 28 de Abril de 1988).
Assim, se bem que a matéria da organização e competência dos tribunais integre a reserva da Assembleia da República, o conteúdo de um novo diploma ou de certas normas editadas pelo Governo – mais precisamente, o carácter inovatório, ou não, desse diploma ou de tais normas – não é indiferente para se determinar se houve ou não aplicação daquele reserva.
No concreto caso, as normas sindicandas não são inovadoras, em relação à disciplina anteriormente vigente, pelo que não existe vício de inconstitucionalidade orgânica.
4.1. - Resta a questão da alegada inconstitucionalidade material, que radica em pretensa violação do princípio da separação de poderes, com afloramento e enquadramento nos artigos 111º, nº 2, 202º, nºs. 1 e 2, 212º, nº
3, e 268º, nº 5, todos da Constituição.
Tem aqui inteira pertinência o que se decidiu a este respeito noutro processo que correu termos neste Tribunal sobre questão de inequívoca similitude com a dos autos.
Referimo-nos ao acórdão nº 152/02, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Maio último, e no qual se respondeu assim à questão de saber se, ao instaurar a execução, que pressupõe um dado juízo sobre a exequibilidade do título executivo e sobre a verificação dos demais pressupostos de admissibilidade da acção executiva, a Administração Fiscal estará a desenvolver uma actividade de natureza substancialmente diversa da realizada por qualquer exequente, ao promover a execução.
Respondeu-se, então, no sentido que se passa a transcrever:
'Como se assinalou no acórdão deste Tribunal n.º 332/2001, de 10 de Julho
(publicado no Diário da República, II Série, n.º 237, de 12 de Outubro de 2001, p. 17041), proferido a propósito do artigo 272º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, mas versando sobre questão diversa daquela que agora está em análise:
'[...] Os processos de execução fiscal são, pois, instaurados pelos serviços de administração fiscal, competindo a esses mesmos serviços «realizar os actos a eles respeitantes» [cf. artigo 43º, alínea g), do mesmo Código], salvo aqueles que a lei comete aos tribunais tributários de 1ª instancia. [...] O que marca a instauração da execução é o despacho do chefe de repartição de finanças, que o deve proferir no prazo de 24 horas após o recebimento dos respectivos títulos executivos ou da relação dos mesmos (cf. o artigo 272º, n.º 2). Os títulos executivos são as certidões de dívidas fiscais, que os competentes serviços devem extrair, findo o prazo de pagamento voluntário estabelecido nas leis tributárias (cf. o citado artigo 110º, n.º s 1 e 4). Em síntese, pois: findo o prazo do pagamento voluntário do imposto estabelecido na respectiva lei tributária, extrai-se certidão de dívida (artigo 110º, n.º 1, citado), para servir de base à instauração da execução fiscal (artigo 110º, n.º 4, citado), que se inicia com o despacho do chefe de repartição de finanças, a proferir no prazo de 24 horas após o recebimento daquela certidão (artigo 272º, n.º 1, citado).' Logo por esta descrição se vê que a instauração da execução pela administração fiscal só difere da promoção da execução por qualquer outro credor que disponha de título executivo na medida em que pressupõe despacho do chefe da repartição de finanças. Ela não um juízo definitivo sobre a exequibilidade do título ou sobre a verificação dos pressupostos da acção executiva. Na verdade, o aludido despacho do chefe da repartição de finanças mais não é do que o próprio acto de promoção da execução, nada acrescentando a certificação nele contida em relação
à certificação constante do próprio título. Não se vislumbrando qualquer composição de interesses no acto de instauração da execução pelos serviços da administração fiscal, não pode naturalmente aceitar-se a sua natureza materialmente jurisdicional (no sentido de que o processo de execução fiscal envolve 'uma actividade que se enquadra ainda no exercício da função tributária, isto é, que assume fundamentalmente um carácter administrativo', sem deixar de reconhecer que esse processo 'comporta, em todo o caso, alguns momentos claramente jurisdicionais (como a oposição e a verificação e graduação de créditos)', José Manuel Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., Coimbra, 1972, p. 113-114, nota (2)).' Como tal, não tem o recorrente razão quando invoca a inconstitucionalidade material da norma objecto do presente recurso, à luz do disposto nos artigos
111º, n.º 2, 202º, n.º s 1 e 2, 212º, n.º 3 e 268º, n.º 5, todos da Constituição, preceitos esses que aludem à competência dos tribunais para o exercício da função jurisdicional [...].'
4.2. - Concorda-se, no essencial, com o decidido no citado acórdão nº 152/02 e fundamentação subjacente, razão pela qual se chega a idêntica conclusão.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucionais as normas da alínea g) do artigo 43º e do nº 1 do artigo 237º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, na redacção do artigo 2º do Decreto-Lei nº 47/95, de 10 de Março, na medida em que atribuem aos serviços da Administração Fiscal competência para instaurar os processos de execução fiscal;
b) consequentemente, negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 18 de Junho de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida