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Proc. nº 188/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos autos de processo complementar de revogação de liberdade condicional nº
633-A/94, do Tribunal de Execução de Penas do Porto, o arguido (ora recorrente) A, interpôs recurso, para o Tribunal da Relação do Porto, do Despacho do Mmº. Juiz, de fls. 15 a 17, nos termos do qual lhe foi revogada a liberdade condicional que lhe havia sido concedida e determinada a consequente execução da pena de prisão. A concluir a alegação que então apresentou, disse, designadamente, o seguinte:
'1
(...)
3ª - É inconstitucional, por ofensiva do nº 4 do art. 20º, da CRP, a decisão que opte pelo reencarceramento de condenado que expiou já boa parte da pesada pena e além disso mais 18 meses imputável a [título de] dolo de comprovada baixa intensidade mas majorada pelo factor reincidência.
4ª - Aquela decisão de reencarceramento viola também o art. 40º, nº 1, do CP, por retardar injustificadamente a reintegração do recorrente na sociedade.
(...)'.
2. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 5 de Dezembro de 2001, decidiu rejeitar o recurso, por manifesta improcedência.
3. Foi desta decisão que foi interposto o presente recurso de constitucionalidade, através da apresentação de um requerimento com o seguinte teor (fls. 191):
'A, recorrente no processo em epígrafe – inconformado com o Acórdão desse Tribunal da Relação que confirmou a decisão controvertida do Exm.º Juiz do Tribunal de Execução de Penas do Porto – dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional'.
4. Na sequência foi o recorrente notificado por despacho do Relator do processo no Tribunal da Relação do Porto para, em 10 dias, 'prestar a indicação cominada nos nºs 1 a 3 do art. 75º-A', da Lei do Tribunal Constitucional.
5. Em resposta a esta solicitação do Relator, apresentou o recorrente um requerimento com o seguinte teor (fls. 195):
'A, recorrente no processo em epígrafe, notificado para prestar a indicação cominada nos nºs 1 a 3 do art. 75º-A', da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, vem esclarecer que o recurso vai interposto ao abrigo da alínea b) do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (com a redacção introduzida pela lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro) conexionada com as normas dos artigos 40º, 1, segunda parte, 56º, 1, b) e 64º, 1 e 2 do Código Penal e com o artigo 20º, 4 e 32º, 5, ambos da CRP (constituição da República Portuguesa) – conforme expendido nas Motivações do presente recurso. E detalhe a concretizar em sede de alegações, junto do Tribunal Constitucional'.
6. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso (fls. 199 a 202). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'(...) Nos termos do artigo 75º-A, nº 1 da LTC, o recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar 'a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'. Não o tendo feito, deve o juiz (no tribunal recorrido) ou o relator do processo no Tribunal Constitucional, ex vi dos nºs 5 e 6 do artigo 75º-A já referido, convidar o requerente a prestar a indicação em falta - o que, no caso dos autos, foi feito ainda no Tribunal da Relação.
6. Porém, in casu, verifica-se que mesmo após a resposta ao convite formulado na Relação para que prestasse as indicações cominadas nos nºs 1 a 3 da LTC, continua o recorrente a não indicar, em termos que possam ser considerados minimamente suficientes, a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de enunciar logo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do(s) preceito(s) que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº
269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Porém, como pode ver-se, nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta ao convite de fls. 193, que supra já transcrevemos, o recorrente identifica, da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal, a exacta dimensão normativa dos preceitos do Código Penal que refere que considera inconstitucional, limitando-se a referir, vagamente, tratar-se de uma questão 'conexionada com as normas dos artigos 40º, 1, segunda parte, 56º,
1, b) e 64º, 1 e 2 do Código Penal e com o artigo 20º, 4 e 32º, 5, ambos da CRP
(...)'. A não indicação da exacta interpretação normativa dos preceitos referidos cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC), ou seja: (i) saber se o recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa; (ii) saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada. Por tudo o exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade.
7. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que fundamentou nos seguintes termos:
'(...)
1 - O Exmo Relator do processo no Tribunal da Relação do Porto admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, na sequência do esclarecimento prestado pelo aqui recorrente.
2 - Era suposto que após essa admissão de recurso o processo seria remetido ao Tribunal Constitucional e que dessa remessa seria dado conhecimento ao recorrente para que ele produzisse alegações, posteriormente, no prazo (entre 20 e 30 dias) que lhe viesse a ser assinalado pelo Tribunal Constitucional.
3 - O Tribunal da Relação do Porto não comunicou aquela remessa do processo a esse Tribunal, razão pela qual se considera prematura a decisão sumária proferida.
4 – Ora o aqui reclamante – cfr. fls. 195 dos autos – reservou para a fase de alegações junto do Tribunal Constitucional o detalhe que bem sabia ser necessário para melhor fundamentar a sua posição.
5 – Ressaltando do contexto a concordância do Exmo Senhor Relator do processo no Tribunal da Relação do Porto com o previsível faseamento da argumentação de inconstitucionalidade.
(...)'.
8. O Representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe no seguintes termos:
'1º - A presente reclamação é manifestamente infundada.
2º - Na verdade, a argumentação do reclamante é de todo irrelevante para pôr em causa o óbvio fundamento da decisão sumária proferida nos autos: a manifesta inexistência dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
III – Fundamentação
9. A presente reclamação é manifestamente infundada, não abalando em nada os fundamentos da decisão reclamada. Vejamos. Refere o reclamante, em primeiro lugar, que 'era suposto que após essa admissão do recurso o processo seria remetido ao Tribunal Constitucional e que dessa remessa seria dado conhecimento ao recorrente para que ele produzisse alegações', pelo que, em seu entender, é 'prematura a decisão sumária proferida'. Esquece, porém, o Reclamante, que por um lado a decisão do tribunal a quo que admite o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art. 76º, nº 3 da LTC) e, por outro, que nos termos do nº 5 do artigo 78º-A da LTC, o Relator do processo no Tribunal Constitucional só deve mandar notificar o reclamante para apresentar alegações 'quando não deva aplicar-se o nº 1' do mesmo preceito, que prevê precisamente a prolação pelo relator de uma decisão sumária quando, como era o caso, não possa conhecer-se do objecto do recurso. Alega ainda que 'reservou para a fase de alegações junto do Tribunal Constitucional o detalhe que bem sabia ser necessário para melhor fundamentar a sua posição'. A verdade é que, como bem se demonstra na decisão reclamada, no requerimento de interposição do recurso não falta apenas a fundamentação detalhada da sua posição (e essa, de facto, não tinha que constar daquela peça processual) mas a própria indicação da norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pela reclamação apresentada e também porque o ora reclamante não suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo – i.e., perante o tribunal a quo - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor. III - Decisão Em face do exposto, decide-se desatender a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 27 de Maio de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida