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Processo nº 467/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. foi condenado, pelo acórdão de fls. 847 da 3ª Vara Criminal de Lisboa, de
8 de Outubro de 1999, como co-autor de um crime de sequestro agravado, punido pelo artigo 160º, nºs 1 e 2, b), d) e g) e 3 do Código Penal de 1982, na pena de três anos de prisão, suspensa sob condição de, no prazo de um ano, vir ao processo provar que pagou ao ofendido determinada indemnização, acrescida de juros de mora. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de fls. 916, de 30 de Novembro de 2000, confirmou a decisão da 1ª instância. A. interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (requerimento de fls. 939). Não juntou, todavia, a correspondente motivação. O recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Pelo requerimento de fls. 946, veio requerer a junção das 'alegações de recurso', só depois tendo os autos subido ao Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 977). Por acórdão de 22 de Março de 2001, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando que o recurso se regia pela versão de 1998 do Código de Processo Penal, cujo nº
3 do artigo 411º exige que o requerimento de interposição seja sempre motivado, sob pena de não admissão, decidiu rejeitar o recurso, 'nos termos dos arts.
411º, nº 3, 414º, nº 2 e 420º, nº 1 do C.P.P. em vigor'. A. veio então arguir a nulidade deste acórdão, consistente, para o que agora interessa, em não ter cumprido 'a obrigação de conhecer da questão da inconstitucionalidade subjacente ao citado artº 411º, nº 3 do CPP, quando interpretado no sentido de que a motivação deve acompanhar o requerimento de interposição de recurso', questão que, todavia, lhe não tinha sido colocada. O Supremo Tribunal de Justiça indeferiu esta arguição, pelo acórdão de fls. 999, de 31 de Maio de 2001, nos seguintes termos: 'Quanto à questão da dita inconstitucionalidade subjacente ao artº 411º, nº 3 do C.P.P., o acórdão deste Supremo Tribunal não omitiu a sua pronúncia, precisamente por entender que podia aplicar tal normativo quando dispõe, claramente, que o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão do recurso. Efectivamente, se tal dispositivo foi aplicado ao caso por este Supremo Tribunal foi porque se considerou ser o mesmo perfeitamente constitucional. Só no caso de entender que era de recusar a aplicação do mesmo preceito, por ser inconstitucional, é que este Supremo Tribunal devia ter-se pronunciado sobre tal questão'.
2. Ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, A. recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de 2001, pretendendo que seja apreciada a
'inconstitucionalidade da norma do artº 411º, nº 3 do Código de Processo Penal, quando interpretada, como o foi no Acórdão, no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a motivação, mesmo que apresentada no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, não acompanhe o requerimento de interposição de recurso', pois que, em seu entender, tal interpretação 'viola o artº 32º, nº
1 da Constituição'. Indica ainda que suscitou a inconstitucionalidade 'no requerimento de arguição de nulidades do douto Acórdão' do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Março de
2001.
3. A fls. 1010 foi proferida a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com o fundamento de não ter sido oportunamente invocada a inconstitucionalidade. Inconformado, A. veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº
3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82. Pelo acórdão de fls. 1039, foi decidido que, existindo jurisprudência contraditória relativamente à interpretação do preceito em apreciação no presente recurso, se deve considerar oportunamente arguida a inconstitucionalidade quando o recorrente a suscitou no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
4. Notificado para o efeito, o recorrente veio confirmar as alegações que juntara após a interposição de recurso, cujas conclusões são as seguintes:
'EM CONCLUSÃO: 1 - No prazo do artº 411º, n.º 3 do CPP, o recorrente apresentou no Tribunal da Relação de Lisboa requerimento a interpor recurso de Acórdão aí proferido;
2 - O recurso foi admitido;
3 - Ainda dentro do prazo legal o recorrente motivou o seu recurso;
4 - Rejeitando o recurso com o fundamento de que a motivação não acompanhou o requerimento de interposição do mesmo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça violou o direito do recorrente ao recurso, conforme consagrado pelo artº 32º, n.º 1 da Constituição;
5 - Tendo a norma do artº 411º, n.º 3, do CPP sido interpretado e aplicado com esse condicionalismo e alcance, mostra-se ela afectada de inconstitucionalidade material. Nestes termos, deve tal norma ser julgada inconstitucional, quando interpretada e aplicada em termos de se rejeitar o recurso sempre que a motivação, apresentada no prazo do artº 411º, n.º 1, do CPP, não acompanhe o requerimento de interposição do mesmo (...)'.
Também alegou o Ministério Público. Relembrou que as diversas leis de processo escolhem momentos diferentes para a fundamentação do recurso que se pretende interpor, e que, no que toca ao processo penal, o legislador optou, tal como no processo laboral, por criar 'para o recorrente um ónus de imediata fundamentação ou motivação do recurso, que deve ser apresentada concomitantemente com a própria expressão da vontade de recorrer'; essa opção exige que o requerimento de interposição de recurso contenha a respectiva fundamentação, ou seja, 'a exposição das razões pelas quais a parte ou o sujeito processual discordam – e atacam – a decisão proferida', não ficando 'completo ou perfeito' sem ela.
Frisou ainda quais as razões desta escolha, que permite que o juízo sobre a admissibilidade do recurso seja feito perante a motivação apresentada:
'dificultar a interposição de recursos sem fundamento razoável ou sério' e prosseguir o valor da 'celeridade processual, encurtando o (autónomo) prazo para as subsequentes alegações (...)'; e observou que a solução não merece qualquer censura constitucional, não implicando 'qualquer restrição ilegítima do ‘direito ao recurso’, desde que, naturalmente (como inquestionavelmente ocorre no caso dos autos), o prazo (de 15 dias) para interpor e motivar o recurso se configure como suficiente para o exercício de tal tarefa pelo recorrente'. Assim, 'não é legítimo ao recorrente optar por cindir os actos de interposição do recurso e de motivação deste', mesmo que entregue as correspondentes peças processuais 'dentro do prazo máximo de que, em abstracto, o recorrente dispunha para cumprir o ónus que lhe assistia'. Continuou salientando que a interposição do recurso antes de terminado o prazo equivale a uma renúncia ao tempo ainda não decorrido, 'ficando (...) esgotado ou consumido o direito à prática do acto, que não pode ser alterado, renovado ou corrigido naquele prazo genérico...'. Finalmente, o Ministério Público observou que se poderia apreciar a situação de uma outra perspectiva, que se traduz 'no possível suprimento ou correcção de um desculpável erro ou lapso manifesto, realizada de forma espontânea, no prazo máximo de que abstractamente a parte dispunha para actuar no processo, e antes de os efeitos do acto praticado se terem consolidado, em consequência de uma intervenção jurisdicional ou de uma notificação à parte contrária'. Ora, 'nesta concreta e específica situação processual, consideramos que violaria efectivamente o princípio da proporcionalidade a solução que propugnasse pela irrelevância processual do espontâneo suprimento do lapso processual cometido, sem culpa grave, pela parte – e sem que tal suprimento afecte a validade de actos subsequentes ou legítimas expectativas da parte contrária'. Referindo, no entanto, que é duvidoso que esta questão possa ser conhecida pelo Tribunal Constitucional, tendo em conta a forma como o recorrente definiu o objecto do recurso, o Ministério Público concluiu da seguinte forma:
'CONCLUSÃO Nestes termos e pelo exposto conclui-se:
1º - Não viola o princípio constitucional das garantias de defesa a interpretação normativa do n.º 2 do artigo 411º do Código de Processo Penal que se traduz em considerar imposto ao arguido recorrente, em processo penal, o ónus de motivação do recurso logo no âmbito do próprio requerimento através do qual o interpõe, não lhe sendo lícito suprir ulteriormente – embora no prazo geral de
15 dias de que abstractamente beneficiava – a deficiência consistente na omissão de motivação ou fundamentação de tal recurso.
2º - Na verdade, a prática antecipada de um acto processual, sem total aproveitamento do prazo máximo de que a parte, em abstracto, beneficiava, traduz renúncia ao remanescente de tal prazo, ficando consumido ou precludido o direito efectivamente exercitado no processo.
3º - Termos em que deverá improceder o presente recurso.'
5. Constitui objecto do presente recurso a norma, contida no nº 3 do artigo 411º do Código de Processo Penal, na redacção de 1998, segundo a qual 'o recurso é rejeitado sempre que a motivação, mesmo que apresentada no prazo de 15 dias contados da notificação da decisão, não acompanhe o requerimento de interposição de recurso', que o recorrente acusa de ser inconstitucional por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição ('O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso'). Não pode o Tribunal Constitucional, como se sabe, nem conhecer senão do objecto tal como é definido pelo recorrente, como observou o Ministério Público, nem censurar, no plano estrito do direito ordinário, a interpretação do citado preceito do Código de Processo Penal; apenas lhe compete avaliar da sua conformidade (ou desconformidade) com a referida garantia constitucional.
6. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que se integra na liberdade de conformação do legislador ordinário a definição das regras relativas ao processamento dos recursos. Assim, por exemplo, no seu acórdão nº
299/93 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., p. 699 e segs.), citado em vários acórdãos posteriores, o Tribunal Constitucional observou que '(...) o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual (...)'; necessário é que essas regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais ou, mais especificamente, no que toca ao processo penal, das garantias de defesa e de recurso afirmadas no citado nº 1 do artigo 32º.
7. No que agora releva, já teve a ocasião de ponderar que, no respeito desses limites, o legislador pode escolher o momento e o modo de apresentação da motivação ou das alegações de recurso. Assim, e a propósito de regime semelhante (necessidade de incluir as alegações no requerimento de interposição de recurso) vigente do domínio do processo laboral, afirmou-se, por exemplo, no acórdão nº 51/88 , relativo ao (então vigente) nº 1 do artigo 76º do Código de Processo do Trabalho, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol., p. 597 e segs.): 'As alegações são, de um ponto de vista lógico, um momento ou fase da marcha dos recursos típicos, cujo momento de apresentação pode, cronologicamente, recair em diversas fases do processo, consoante as previsões da lei (cf., por todos, Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III – Recursos, 1982, pp.281 e segs.).
(...)
'Essa especialidade [a exigência de o requerimento de interposição de recurso conter as alegações] não coarta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o artigo. 20, nº 2 da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos'. Ainda a propósito do mesmo regime, escreveu-se no citado acórdão nº 266/93: 'A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável. Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, não se vendo que o sistema constante do art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações (cfr. art.
77º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do art.
76º, nº 1, do mesmo diploma. Acrescente-se que, em processo penal, o regime de exigência de motivação dos recursos no requerimento da sua interposição (Código de Processo Penal, art.
411º) não foi até agora posto em causa, em termos de constitucionalidade, sendo indiscutível que, no processo penal, a Constituição impõe ao legislador ordinário que assegure todas as garantias de defesa ao arguido (art. 32º, nº 1). A concessão de um prazo de 10 dias em processo penal, por contraposição aos 8 dias concedidos em processo laboral, não introduz uma alteração qualitativa relevante em matéria de juízo de constitucionalidade.2 Esta orientação foi mantida pelo Tribunal Constitucional em acórdãos posteriores, também relativos ao mesmo regime vigente em processo laboral, embora não necessariamente às mesmas normas (cfr. por exemplo, os acórdãos nº
313/2000, não publicado, o acórdão nº 403/2000, Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro de 2000, ou o acórdão nº 537/2000, também não publicado.
8. No que respeita ao formalismo dos recursos em processo penal, relativamente ao qual há que contar com o referido artigo 32º, º 1, da Constituição, o Tribunal Constitucional, recorrendo igualmente ao crivo da proporcionalidade, na sequência de julgamentos de inconstitucionalidade formulados em três casos concretos (acórdãos nºs 43/99, 417/99, publicados no Diário da República, II série, respectivamente, de 26 de Março de 1999, de 13 de Março de 2000 e 43/00, não publicado), julgou inconstitucional, 'com força obrigatória geral (...), por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, (...) a norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.' Como se tinha escrito no citado acórdão nº 417/99, tais normas impunham 'uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça'. Pelo mesmo fundamento, conjugado com o princípio da igualdade (por confronto com o prazo concedido para o efeito no processo penal comum), o Tribunal Constitucional julgou inconstitucionais 'a norma do artigo 428º, conjugada com a norma do nº 1 do artigo 431º, ambas do Código de Justiça Militar' (acórdão nº
287/99, Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1999), das quais decorriam que, em processo penal militar, sendo de 5 dias o prazo para recorrer
(artigo 428º), a alegação deve ser apresentada 'no próprio requerimento do recurso' (nº 1 do artigo 431º). No mesmo sentido havia já julgado o acórdão nº
68/98 (não publicado). Todavia, a razão do julgamento de inconstitucionalidade não foi a exigência de que a motivação fosse incluída no requerimento de interposição de recurso, mas a da exiguidade do prazo para a formular.
9. Ao regular a chamada tramitação unitária dos recursos ordinários, o Código de Processo Penal de 1987 veio introduzir diferenças significativas relativamente à lei anterior. Entre essas diferenças conta-se a regra (mantida na versão que agora interessa, resultante da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto) de que o requerimento de interposição de recurso tem de ser motivado, pelas razões, aliás, já apontadas nas alegações do Ministério Público. Essa motivação, substancialmente equivalente à alegação exigida face à lei anterior, como observa, por exemplo, MAIA GONÇALVES (Código de Processo Penal, anotado e comentado, 12ª ed., Coimbra, 2001, p. 784 e segs.), deve ser apresentada com o requerimento de interposição de recurso, nos termos do disposto na primeira parte do nº 3 do artigo 411º do Código de Processo Penal, sob pena de rejeição do recurso, como a sua actual versão afirma expressamente. Pretende manifestamente a lei, com o objectivo de conseguir uma maior celeridade no julgamento dos recursos penais (cfr., por exemplo, EDUARDO MAIA COSTA, O Regime dos Recursos no projecto de Código de Processo Penal , Jornadas de Processo Penal, Cadernos da Revista do Ministério Público, p. 151 e segs.), que o juízo sobre a própria admissibilidade do recurso se faça perante a motivação, cujos exigentes requisitos formais se destinam a evitar que prossigam 'recursos inviáveis ou em que os recorrentes não exponham com clareza sentido das suas pretensões' (MAIA GONÇALVES, loc. cit.). De 10 dias na versão originária do Código de Processo Penal de 1987, o prazo para a interposição de recurso passou para 15 dias, com a Lei nº 59/98, como forma de compensar a alteração no modo de contagem dos prazos.
10. Tendo em conta o critério atrás exposto, não pode o Tribunal Constitucional considerar que contraria as garantias constitucionais de defesa e de recurso em Processo Penal a norma que conceda ao arguido o prazo de 15 dias para recorrer e lhe imponha o ónus de apresentar a motivação com o requerimento de interposição de recurso, sob pena de rejeição do recurso, por não se tratar de nenhuma exigência injustificada, desrazoável ou desproporcionada. Também não pode entender que, como salienta o Ministério Público nas suas alegações, a apresentação do requerimento de interposição de recurso antes do termo do prazo implique que se mantenha o prazo ainda não decorrido para que o recorrente, se assim o entender, altere ou corrija aquele requerimento. Uma vez praticado o acto para o qual a parte dispõe de um determinado período de tempo, não tem sentido entender que subsiste qualquer lapso de tempo para esse efeito. Praticado o acto, terminou o prazo correspondente. Qualquer invalidade, irregularidade ou deficiência de que eventualmente sofra o acto em causa fica sujeita ao regime aplicável a esses vícios. Também não pode considerar que os princípios constitucionais referentes ao processo penal imponham o reconhecimento ao arguido do direito de, dentro do prazo de que dispõe para recorrer, apresentar separadamente as diversas partes de que, por lei, se deve compor o requerimento de interposição de recurso. A verdade, porém, é que, no presente recurso, o recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa não obstante a falta de motivação; esta admissão indicia a desculpabilidade do erro em que, objectivamente, incorreu o recorrente.
É igualmente verdade que a motivação em falta veio a ser entregue (com a designação de alegações, o que é irrelevante), não só dentro do prazo abstractamente fixado para a interposição de recurso, mas também antes da respectiva subida ao Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, antes de que, quer o relator, quer a conferência, tenham tido contacto com o mesmo. Ou seja: nenhum prejuízo se verificou, seja do ponto de vista da celeridade processual, seja da perspectiva da preparação da decisão sobre a admissibilidade ou a rejeição do recurso no Supremo Tribunal de Justiça, como consequência da correcção espontânea da falta cometida pelo recorrente. Nestes termos, não se mostra compatível, nem com a regra geral da proporcionalidade, decorrente do princípio do estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição, nem com a garantia constitucional do direito de defesa do arguido, constante no nº 1 do artigo 32º também da Constituição, a interpretação efectivamente adoptada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça agora recorrido, nos termos da qual do nº 3 do artigo 411º do Código de Processo Penal decorre que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o requerimento de recurso, ainda que a sua falta decorra de lapso objectivamente desculpável, e seja sanada antes de decorrido o prazo abstractamente fixado para recorrer e antes da subida ao tribunal de recurso. Acrescenta-se, a terminar, que esta norma se encontra contida na que foi definida pelo recorrente, não existindo, portanto, obstáculo ao conhecimento do mérito do recurso. Nestes termos, decide-se: a. Julgar inconstitucional a norma contida no nº 3 do artigo 411º do Código de Processo Penal, quando entendida no sentido de que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não acompanhe o requerimento de interposição de recurso, ainda que a sua falta decorra de lapso objectivamente desculpável, e seja sanada antes de decorrido o prazo abstractamente fixado para recorrer e antes da subida ao tribunal de recurso, por violação dos artigos 2º e 32º, nº 1, da Constituição; b. Revogar o acórdão recorrido, que deve ser reformulado de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 18 de Junho de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida