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Proc.º n.º 291/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 26 de Outubro de 2001 o relator exarou nos autos o seguinte despacho:-
'1. Os arguidos P..., Ldª, e A ... foram, por sentença de 20 de Junho de 2000 proferida no 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Braga, condenados, pela co-autoria de um crime continuado de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelos artigos 27º-B, 26º e 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras e 30º, nº 2, e 79º, estes do Código Penal, nas penas de, respectivamente, seiscentos dias de multa à taxa diária de Esc.
10.000$00 e em 18 meses de prisão, ficando esta última com a sua execução suspensa pelo período de 4 anos, sujeita à condição de pagar ao Estado, no prazo máximo de dois anos, determinado quantitativo a título de juros.
Dessa sentença recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação do Porto.
Por requerimento entretanto entrado na secretaria daquele Tribunal de
1ª instância em 3 de Julho seguinte, vieram os citados arguidos arguir a irregularidade do processo, a qual, na sua óptica, acarretaria ainda a nulidade da sentença.
Por despacho proferido pelo Juiz do aludido 3º Juízo Criminal, foi decidido que a arguida irregularidade, subsumível ao artº 123º do Código de Processo Penal, já estaria sanada, uma vez que a respectiva arguição ocorreu decorrido que estava já o prazo de 3 dias previsto naquela disposição legal.
Não se conformando com o assim decidido interpuseram os arguidos recurso em separado para o Tribunal da Relação do Porto tendo, na motivação que apresentaram, sustentado que seria inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 32º da Lei Fundamental, a interpretação do artº 123º do Código de Processo Penal ‘no sentido de conceder apenas três dias para arguir a nulidade da acusação por deficiente indicação das normas que qualificam a infracção, e da sentença por alteração jurídica dos factos descritos na acusação’.
Por acórdão de 28 de Fevereiro de 2001, prolatado por aquele Tribunal de 2ª Instância, foi negado provimento ao recurso.
Pode ler-se, a dado passo, em tal aresto:-
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Ora, no caso dos autos a única irregularidade cometida é a de qualificar erradamente na acusação o crime como abuso de confiança fiscal, quando deveria ter sido de abuso de confiança em relação à segurança social.
No entanto os arguidos perceberam perfeitamente a acusação que lhes era imputada, já que apresentaram atempada contestação, alegando não terem cometido os crimes que lhes eram imputados, já que nunca retiveram dos salários dos seus trabalhadores a percentagem de 11% devidos à Segurança. O processo seguiu os seus normais termos, e só após o respectivo julgamento e condenação dos arguidos, estes descobrem a referida ‘nulidade’ de se chamar erradamente na acusação aos crimes imputados aos arguidos de ‘abuso de confiança fiscal’, quando o correcto seria o de ‘crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social’. Isto é, não houve qualquer alteração factual da acusação em relação à sentença, como também não houve alteração das respectivas normas jurídicas, sendo certo que os arguidos compreenderam perfeitamente a acusação, e por isso, apresentaram atempada contestação em que negaram a prática dos factos incriminadores.
Trata-se tão só de mera irregularidade, não se descortinando a invocada inconstitucionalidade do artº 123º, nº 1, do CPP, como pretendem os recorrentes, já que tratando-se de simples irregularidade, a mesma deveria ser arguida no prazo de três dias a contar da notificação da acusação. Pois que tratando-se de simples irregularidade é mais que razoável o aludido prazo para ter arguido a mesma. Os direitos processuais dos arguidos em nada foram postos em causa. Estranha-se o facto de somente decorridos tantos meses após a dita acusação ter sido notificada aos arguidos, e de estes terem contestado atempadamente e sido sujeitos a julgamento e condenados, é que estes descobrem que o prazo de três dias não era suficiente para que os arguidos tivessem arguido a referida irregularidade. No nosso modesto entender existe algum abuso na arguição de eventuais inconstitucionalidades, com o propósito de tornar mais longa a tramitação processual.
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É do acórdão de que parte se encontra imediatamente acima transcrita que, pelos arguidos, vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da conformidade com a Constituição da norma do artº 123º do Código de Processo Penal, ‘no sentido de conceder apenas três dias para arguir a nulidade da acusação por insuficiente indicação das normas que qualificam a infracção cometida e da sentença por alteração jurídica dos factos’.
Tendo o relator solicitado ao Tribunal da Relação do Porto que informasse do desfecho do recurso para aquele Tribunal intentado da sentença condenatória proferida pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal de comarca de Braga, o mesmo comunicou, enviando a respectiva certidão, que, por acórdão de 2 de Abril de 2001, já transitado em julgado, foram julgados improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos P..., Ldª, J... e A ..., recursos nos quais se debatia, quer a sentença condenatória, quer a nulidade desta em face de uma alegada condenação por factos diversos da acusação, no ponto em que, embora no libelo se mencionasse um dado preceito que, a existir, preveria o crime de abuso de confiança fiscal, a dita sentença veio a efectuar condenação por um outro dispositivo.
Perante uma tal informação, foi determinado que recorrentes e recorridos se pronunciassem com vista a se saber da utilidade do vertente recurso.
Na sequência, os recorrentes vieram dizer tão só que ‘[p]or se considerar imprescindível a apreciação das alegações apresentadas nos presentes autos, ratifica-se tudo o alegado anterior e oportunamente, sendo que é de plena utilidade o vertente recurso’.
Por seu turno, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal e o Centro Regional de Segurança Social do Norte não se pronunciaram sobre a questão.
2. Entende-se que o presente recurso carece, manifestamente, de utilidade.
Na realidade, ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma cuja apreciação lhe foi solicitada, nenhum reflexo teria uma tal decisão no tocante ao processo que culminou com a condenação dos arguidos, a qual transitou em julgado.
É que, em face desse trânsito, lícito já não será à ordem dos tribunais judiciais modificar a decisão condenatória, e, desta arte, mesmo que, em face de um hipotético julgamento de inconstitucionalidade, se houvesse de concluir que a irregularidade processual suscitada pelos arguidos o foi atempadamente, não haveria qualquer repercussão processual no sentido de aquela irregularidade, a ter ocorrido e a ser tida por pertinente, poder agora acarretar uma modificabilidade dos actos processuais que foram praticados posteriormente à sua ocorrência e que culminaram com o acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto, por intermédio do qual foi confirmada a sentença condenatória.
Ora, sabido como é que os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa detêm um carácter meramente instrumental - no sentido de o respectivo julgamento se poder utilmente repercutir na decisão da causa - então, em face do circunstancionalismo da vertente situação, terá de concluir-se que a impugnação ora em causa, por não se poder, por qualquer modo, repercutir no desfecho da causa, carece de utilidade.
Termos em que se julga extinta, por inutilidade, a presente instância de recurso'.
Do transcrito despacho (que os recorrentes apelidaram de 'Decisão Sumária') vieram os impugnantes reclamar para a conferência 'nos termos do artº
78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional' (sic).
Em síntese, a reclamação ora em apreço (anote-se que o despacho em causa não se trata, minimamente, de uma decisão sumária proferida ao abrigo do nº 1 daquele artigo 78º-A, antes se tratando, e tão somente, de um despacho de julgamento de extinção de recurso proferido ex vi dos poderes conferidos pelo nº
1 do artº 78º-B da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) funda-se no entendimento dos ora reclamantes de que o despacho reclamado partiu da premissa de harmonia com a qual o acórdão condenatório prolatado pelo Tribunal da Relação do Porto teria transitado em julgado, o que, na sua óptica, não corresponde à verdade, já que a certidão existente nos autos atestaria um facto 'manifestamente falso', porquanto, segundo invocam, desse acórdão os reclamantes teriam interposto recuso para o Tribunal Constitucional.
Ouvidos os recorridos nos termos do nº 3 do artº 700º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artº 69º da Lei nº 28/82, veio o Ex.mo Representante do Ministério Público sustentar, em suma, que não haverá fundamento para considerar transitada a decisão final de mérito .
Cumpre decidir.
2. Vieram os reclamantes defender que é manifestamente falsa a certidão junta aos autos, já que, como se disse acima, invocaram que do acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto em 2 de Abril de 2001 teriam aqueles interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
Pois bem.
Nestes autos (que foram oriundos de um recurso processado em separado do processo principal criminal onde foi proferida a sentença condenatória e foi produzido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto acima indicado - o de 2 de Abril de 2001) consta unicamente que esse aresto transitou em julgado, facto que é extraído da certidão junta de fls. 135 a 146, certidão essa que foi passada pela secretaria do 3º Juízo de competência especializada criminal do Tribunal de comarca de Braga, e da qual consta, aliás, o teor desse mesmo acórdão.
Trata-se, pois, de um documento autêntico,
Se porventura o nele atestado não corresponde à realidade, a respectiva força probatória unicamente poderia ser posta em causa se os ora reclamantes viessem deduzir incidente de falsidade desse documento.
O que não fizeram.
Em face do valor probatório detido pela certidão em causa, o relator tinha de partir da premissa de que partiu, ou seja, de que o acórdão confirmativo da sentença condenatória dos ora reclamantes tinha passado em julgado, e daí a inutilidade do conhecimento do recurso.
Adite-se, aliás, que não se perceberia que pudesse ter sido passada a certidão nos termos em que o foi (isto é, pelo tribunal de 1ª instância e contendo o teor do acórdão lavrado no Tribunal da Relação do Porto) se porventura o respectivo processo se não encontrasse no 3º Juízo de competência especializada criminal do Tribunal de comarca de Braga, o que inculca que esse processo já tivesse «baixado» àquele tribunal de 1ª instância, o que, como é claro, somente sucede, por via de regra, quando a decisão tomada pelo tribunal superior passou em julgado.
Na realidade, se do acórdão de 2 de Abril de 2001 tivesse sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional e este tivesse sido admitido, os autos principais teriam sido remetidos a este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, não podendo, por isso, encontrarem-se no 3º Juízo de competência especializada criminal do Tribunal de comarca de Braga e, em consequência, ser passada a certidão nos termos em que o foi.
Perante o exposto, atendendo a que não foi posta em causa pelo meio processualmente adequado a força probatória da certidão junta ao vertente processo, terá este Tribunal de aceitar como verídico o facto de o acórdão confirmativo da sentença condenatória dos ora reclamantes ter transitado em julgado.
E, de acordo com tal aceitação, não é censurável o despacho reclamado que, aliás, não é posto em causa pelos reclamantes senão no ponto em que teria partido de uma premissa incorrecta a qual, contudo, tal como deflui do veio de se dizer, tem de se considerar como válida.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 10 unidades de conta por cada um. Lisboa, 6 de Maio de 2002- Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa