Imprimir acórdão
Processo n.º 59/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional: I - Relatório O Ministério Público veio interpor recurso de constitucionalidade, 'com fundamento nas disposições conjugadas dos art.ºs 70º, n.º 1, g) e 72º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro' e invocando o decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 401/2001, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2001, que rejeitou o recurso interposto por M... relativo à 'impugnação do período de 8 meses de proibição de condução de veículos motorizados em que o arguido-recorrente foi condenado', com fundamento no não cumprimento do artigo 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Admitido o recurso, foi ordenada a produção de alegações, que o Ex.mº representante do Ministério Público neste Tribunal concluiu da seguinte forma:
'1º É inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais das garantias de defesa e da proporcionalidade, a interpretação normativa do artigo
412º, n.º 2, do Código de Processo Penal que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que ali se prevêem, a cargo do recorrente que impugna matéria de direito, o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado.
2º Termos em que deverá proceder o presente recurso.' Cumpre apreciar e decidir II. Fundamentos O presente recurso, de Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 20 de Novembro de 2001, vem interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos da qual 'cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais (...) g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional'. Nos termos do artigo 75º-A, n.º 3, do mesmo diploma, no caso dos recursos deste tipo, no requerimento 'deve identificar-se também a decisão do Tribunal Constitucional ou da Comissão Constitucional que, com anterioridade, julgou inconstitucional ou ilegal a norma aplicada pela decisão recorrida', o que foi efectuado pelo recorrente identificando o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
401/2001, proferido no processo n.º 746/00, e publicado no Diário da República, II série, n.º 258, de 7 de Novembro de 2001. O objecto do recurso é a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo
412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação de recurso, das menções exigidas nesse n.º 2 tem como efeito a rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências. Foi, na verdade, a aplicação de tal norma que fundamentou a rejeição do recurso do arguido pelo tribunal a quo, sem que lhe fosse concedida oportunidade para suprir tal omissão, e foi, também essa a norma que fora anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Podem, pois, dar-se por verificados todos os requisitos para o conhecimento do recurso. Tem o presente recurso como objecto, conforme se disse, a apreciação da constitucionalidade do artigo 412º n.º 2 do Código de Processo Penal interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções exigidas nesse n.º 2, tem como efeito a rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade processual de suprir o vício detectado. O recorrente considera que esta norma é inconstitucional, por violação das garantias de defesa e do princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados. Importa relembrar que o presente recurso, que é o meio que o nosso sistema conhece para fiscalização concentrada, em via de recurso, da conformidade constitucional das normas aplicadas pelos tribunais, é restrito à questão de constitucionalidade, pelo que não cumpre nesta sede decidir, com independência da questão de constitucionalidade, sobre a interpretação mais adequada – mais próxima da letra da lei ou da intenção do legislador, ou favorecida por outros elementos interpretativos – do artigo 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Dito isto, pode acompanhar-se o citado Acórdão n.º 401/01, no qual se começou por notar que 'a solução normativa em causa no presente recurso (que não era a que estava em causa, nem no Acórdão n.º 38/97, nem no Acórdão n.º 43/99, publicados respectivamente nos Acórdãos do Tribunal Constitucional [ATC], vol.
39º, págs.209 e segs., e no Diário da República [DR], II série, de 26 de Março de 1999) foi já objecto de várias decisões do Tribunal Constitucional, quer para o processo penal, quer (para os preceitos correspondentes) no âmbito do processo contra-ordenacional, tendo sempre sido julgada materialmente inconstitucional
(e, aliás, sem votos de vencido, quanto a tal julgamento), por violação do artigo 32º, n.º 1 (e n.º 10, para o processo contra-ordenacional) da Constituição da República.' E nesse aresto prosseguiu-se, dizendo:
«No âmbito do processo penal, em causa no presente recurso, o referido Acórdão n.º 288/00 [ainda inédito] – num caso em que o tribunal recorrido considerara que a recorrente não havia cumprido o ónus de indicar a norma jurídica violada, bem como o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada – julgou 'inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação normativa do art. 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunida de processual de suprir o vício detectado'. Recorde-se o essencial da fundamentação deste julgamento de inconstitucionalidade:
'É inconstitucional a interpretação normativa do art. 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado ?
8 – O Tribunal Constitucional considerou já inconstitucionais – por violação do disposto no artigo 32º n.º 1 da Constituição – os artigos 412º n.º 1 e 420º n.º
1 do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem a formulação de convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões (cfr., nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 193/97 – inédito –, 43/99, DR, II série, de 26 de Março de 1999; e 417/99 – inédito). Ponderou, então, o Tribunal Constitucional, logo no primeiro daqueles Acórdãos:
‘A plenitude das garantias de defesa, emergente do artigo 32º n.º 1 do texto constitucional, significa o assegurar em toda a extensão racionalmente justificada de ‘mecanismos’ possibilitadores de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal incluindo o direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) no caso de sentenças condenatórias (v. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 40/84, 55/85 e 17/86, respectivamente nos ATC, Vol. 3, p.241 e Vol 5, p.
461 e DR-II de 24/4/86). Recentemente, no Acórdão n.º 575/96, ainda inédito, teve este Tribunal oportunidade de se pronunciar a este respeito, a propósito do artigo 192º do Código das Custas Judiciais, entendendo-o inconstitucional – por ofensa dos artigos 18º n.º 2 e 32º n.º 1 da Constituição – ‘na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso de sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente’.Com interesse para a presente situação aí se escreveu: ‘... ao ditar irremediavelmente a imediata deserção do recurso, pelo simples não cumprimento do ónus de pagamento da taxa
(...) em determinado prazo, sem que ocorra qualquer formalidade de aviso ou comunicação ao arguido sobre as consequências desse não pagamento, a norma em apreço (trata-se, como se referiu, do artigo 192º do CCJ) procede a uma intolerável limitação do direito ao recurso e, consequentemente, ao direito de defesa em processo penal.’ (sublinhado do texto). O argumento da celeridade conatural ao processo penal, como impossibilitando aqui a adopção de um sistema semelhante ao do processo civil (onde à deficiência e/ou obscuridade das conclusões corresponde um convite para aperfeiçoamento – artigo 690 n.º 3 do Código de Processo Civil), argumento decisivo na decisão recorrida, não colhe. A concordância prática entre o valor celeridade e a plenitude de garantias de defesa é aqui possível e, mais que isso, é exigida pelo artigo 18º n.º 2 da Constituição, sendo certo que no caso contrário se estará a promover desproporcionadamente o valor celeridade à custa das garantias de defesa do arguido. Os artigos 412º n.º 1 e 420º n.º 2 contêm suficiente espaço de interpretação para possibilitar um entendimento que, face a conclusões de recurso tidas por não concisas (onde não se resuma as razões do pedido), não deixe de permitir-se uma possibilidade de aperfeiçoamento das mesmas, configurando uma interpretação constitucionalmente conforme. As normas em causa, na concreta interpretação que delas fez a decisão recorrida mostram-se, assim, violadoras do artigo 32º n.º 1 da Lei Fundamental’. Por sua vez, nos acórdãos n.º 43/99 e 417/99, pode ler-se, no mesmo sentido:
‘Ora, uma interpretação normativa dos preceitos que regulam a motivação do recurso penal e as respectivas conclusões (artigos 412º e 420º do CPP) de forma que faça derivar da prolixidade ou de falta de concisão das conclusões um efeito cominatório, irremediavelmente preclusivo do recurso, que não permita um prévio convite ao aperfeiçoamento da deficiência detectada, constitui uma limitação desproporcionada das garantias de defesa do arguido em processo penal, restringindo o seu direito ao recurso e, nessa medida, o direito de acesso à justiça’. Por outro lado, agora no âmbito do processo contra-ordenacional, considerou já o Tribunal Constitucional ser incompatível com a Constituição uma interpretação normativa dos artigos 59º, n º3 e 63º, n º1, ambos do Decreto-lei n.º 433/82, de
27 de Outubro, que conduzisse à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido quando se verifique ‘falta de indicação das razões do pedido nas conclusões da motivação’ (cfr. Acórdão n.º 303/99, DR, II Série, de 16 de Julho de 1999) ou quando tal recurso seja apresentado ‘sem conclusões’ (cfr. acórdão n.º 319/99, DR, II Série, de 22 de Outubro de 1999). No acórdão n.º 303/99, ponderou o Tribunal:
‘Com efeito, sendo dado adquirido que a recorrente apresentou ‘em sede de conclusões uma única conclusão em que se limita a negar a prática da contraordenação, que lhe é imputada e por que foi sancionada’, a lógica da
‘concordância prática entre o valor celeridade e a plenitude de garantias de defesa’ impõe, na óptica do artigo 18º, n.º 2, da Constituição, que se faça apelo ao sistema processual civil, em que pode funcionar um convite para aperfeiçoar as conclusões (artigo 690º, 4, do Código de Processo Civil). Tanto mais que in casu há uma conclusão, embora seja única (aliás, antecedida por considerações acerca da matéria de facto e da aplicação do direito a essa matéria), e não era necessário ‘chegar ao extremo de fulminar desde logo o recurso, em desproporcionada homenagem o valor celeridade, promovido, assim, à custa das garantias de defesa do arguido', na linguagem do acórdão n.º 193/97’. Tanto basta para concluir que a interpretação e a aplicação que foi feita das normas referidas, afectando desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso), revelam-se violadoras das normas conjugadas dos artigos 32º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da Constituição’. Por sua vez, no acórdão n.º 319/99, pode ler-se:
‘Quanto à falta de concisão ou prolixidade das alegações, o Tribunal já decidiu que a rejeição do recurso pelo facto de as conclusões estarem afectadas daquelas deficiências, sem que o recorrente tenha sido previamente convidado para as corrigir, afecta desproporcionadamente uma das dimensões do direito de defesa (o direito ao recurso), garantido pelo artigo 32º, n.º1, da Constituição (cf. Acórdãos n.º 193/97 e 43/99, ainda inéditos). Não se vê razão para concluir diferentemente se a falta for das próprias conclusões. Com efeito, se a rejeição do recurso só ocorre faltando a motivação, a extensão desta ‘sanção’ à falta das conclusões consiste num alargamento do
âmbito da norma, ou seja, na criação de um outro fundamento de rejeição. Por outro lado, o dever de convidar o recorrente a apresentar as conclusões antes de rejeitar o recurso corresponde à exigência de um processo equitativo, porquanto o essencial do próprio recurso – as alegações ou a motivação – já se encontram nos autos, apenas faltando a fase conclusiva. Tem, por isso de se concluir que, no caso de um recurso em processo de contraordenação – em que valem também as garantias constitucionais do direito de audiência e do direito de defesa – a rejeição do recurso que não contiver as respectivas alegações sem que o recorrente seja convidado a apresentá-las previamente a essa rejeição, afecta desproporcionadamente o direito de defesa do recorrente na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo artigo 32º, n.º10 da Constituição da República Portuguesa, pelo que a interpretação da norma constante dos artigos 59º, n.º3 e 63º, n.º1, ambos do Decreto-lei n.º 433/82, de
27 de Outubro, feita na decisão recorrida, é inconstitucional.’
9. Pois bem, o que antecede permite desde já concluir que, também na situação que é agora é objecto dos autos o Supremo Tribunal de Justiça terá utilizado uma interpretação normativa do artigo 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal que afecta desproporcionadamente o direito de defesa do recorrente na dimensão do direito ao recurso, garantido pelo artigo 32º, n.º 1 da Constituição. Vale aqui, evidentemente, um argumento de maioria de razão relativamente ao anteriormente decidido pelo Tribunal Constitucional, designadamente no já citado acórdão n.º 319/99. Como, bem, nota o Ministério Público na sua alegação, 'se a
(pura e simples) não apresentação de conclusões em processo contra-ordenacional deve determinar – sob pena de inconstitucionalidade – o convite ao suprimento de tal vício, é manifesto que o vício formal menos grave (mera insuficiência, e não inexistência de conclusões) em processo (penal) – em que vigoram maiores e mais amplas garantias de defesa – não pode deixar de levar a idêntico juízo de inconstitucionalidade. Assim, é efectivamente inconstitucional, designadamente por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, a interpretação normativa do art. 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal que atribui ao deficiente cumprimento dos ónus que nele se prevêem o efeito da imediata rejeição do recurso, sem que ao recorrente seja facultada oportunidade processual de suprir o vício detectado.' As considerações acabadas de transcrever mantêm plena validade, e podem mesmo dizer-se reforçadas, em face da jurisprudência posterior do Tribunal Constitucional. Assim, pelo Acórdão n.º 337/00 (publicado no DR, I série-A, de 21 de Julho de
2000), declarou-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação dos artigos 412º, n.º1, e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de concisão das conclusões da motivação leva à rejeição do recurso interposto. No já citado Acórdão n.º 56/01, referiu-se que, tendo o artigo 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em interpretação idêntica à ora em causa, já sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, em decisão tomada em recurso vindo do Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente podia razoavelmente esperar ser convidado a suprir as deficiências que as conclusões da motivação, acaso, apresentassem, dispensando-se, por isso, do ónus da suscitação da correspondente questão de inconstitucionalidade durante o processo. Noutras decisões – por exemplo, a decisão sumária n.º 117/01 –, foi renovado o julgamento de inconstitucionalidade dos artigos 59º, n.º 3 e 63º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, interpretados no sentido de que o recurso apresentado em processo de contra-ordenação sem conclusões ou com falta de indicação das razões do pedido nas conclusões deve ser imediatamente rejeitado sem que o recorrente seja previamente convidado a suprir a falta, vindo, na sequência desse julgamento em três casos concretos, a inconstitucionalidade de tal norma a ser declarada, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 265/01 (DR, I série-A, de 16 de Julho de 2001). O que apenas pode reforçar, com base na solução desta questão de constitucionalidade – aliás, considerada já 'questão simples' para o efeito do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional –, o argumento de maioria de razão para a norma em questão no presente recurso, a que se refere o Acórdão n.º 288/00. E também noutros arestos se tem acentuado que o Tribunal Constitucional não pode
'sufragar uma interpretação normativa assente numa rigidez formal que posterga, desrazoavelmente, as garantias constitucionais consagradas para o processo criminal' (Acórdão 66/01, ainda não publicado; cfr. o Acórdão 284/00, DR, II série, de 8 de Novembro de 2000, no qual se censura a 'interpretação normativa que, não tendo uma unívoca decorrência do texto legal, conduz a acentuado formalismo que, por essa via, vai postergar uma garantia constitucional consagrada para o processo criminal'). Ora, é justamente isto o que está em causa no presente recurso. Preceitua o artigo 32º, n.º 1 da Constituição que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso. E, como se sabe, a concretização legal de tais garantias constitucionais está submetida ao regime previsto, para os direitos, liberdades e garantias, no artigo 18º da Constituição, incluindo, designadamente, o respeito pela proporcionalidade da suas limitações. Ora, tal como a interpretação do no n.º 2 do artigo 412º e do artigo 420º, ambos do Código de Processo Penal, no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, ou a interpretação dos artigos 63º, n.º 1 e 59º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações no sentido da falta de indicação das razões do pedido nas conclusões da motivação ou a falta das próprias conclusões levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem que tenha havido prévio convite para proceder a tal indicação, também a solução normativa ora em questão – equivalente à última referida, aplicada ao processo penal – introduz um efeito cominatório irremediavelmente preclusivo do recurso, sem permitir prévio convite para aperfeiçoamento da deficiência formal detectada. Esta consequência imediata não pode deixar de ser considerada como limitação desproporcionada das garantias de defesa, e em particular do direito ao recurso, do arguido em processo penal, consagradas no artigo 32º, n.º 1 da Constituição. Tal imediato efeito preclusivo não se afigura, nem necessariamente imposto pelo preceito legal aplicável (que apenas se refere a um efeito preclusivo, sem excluir a concessão de oportunidade para suprir a falta detectada pelo órgão judicial), nem – o que é decisivo – justificado por qualquer outro interesse constitucionalmente atendível. Designadamente, não cabe, perante tal afectação das garantias de defesa previstas no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, argumentar com a celeridade processual. Para além de tal objectivo não ser incompatível com a concessão ao recorrente de oportunidade para suprir a deficiência detectada, não é admissível que a sua invocação – ou de outros topoi genéricos – baste para fundar soluções normativas que, como a presente, afectam desproporcionadamente as garantias de defesa do recorrente, na dimensão do direito ao recurso garantido pelo artigo
32º, n.º 1 da Constituição.» No presente recurso, remetendo-se para a fundamentação transcrita, há apenas que reiterar o julgamento de inconstitucionalidade da norma em questão. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1 da Constituição, o artigo 412º, n.º 2 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, das menções exigidas nesse n.º 2 tem como efeito a rejeição liminar do recurso, sem que ao recorrente seja dada oportunidade de suprir tais deficiências; b. Em consequência, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 24 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa