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Proc. nº 745/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Valença, de 28 de Novembro de
2001, foram os ora recorrentes condenados nas seguintes penas: A arguida S..., Ldª, foi condenada pela prática de um crime de detenção para venda de género alimentício anormal e avariado, previsto e punido pelos artigos
3º, 7º, nº ª al. b) e nº 4, 24º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), com referência aos artigos 81º e 82º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), todos do Decreto-Lei nº 28/84, de
20 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa à razão diária de 20.000$00, o que perfaz um total global de Esc. 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos). O arguido M..., foi condenado como autor material de um crime de detenção para venda de género alimentício anormal e avariado, previsto e punido pelos artigos
24º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), com referência aos artigos 81º e 82º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), todos do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na pena 1
(um) mês de prisão e 50 dias de multa à razão diária de 5.000$00, o que perfaz um total global de Esc. 250.000$00 (duzentos e cinquenta mil escudos). Ao abrigo do disposto nos art.s 6º, nº 1 do Decreto Preambular, 44º, nº 1 e 70º do Código Penal, foi substituída a pena de prisão imposta por igual número de dias de multa à referida taxa, pelo que, em consequência, foram os arguidos M... e S..., Ldª condenados solidariamente (art. 2º, nº 3 ex vi 3º, nº 3 do D.L. nº
24/84, de 20 de Janeiro) na pena de 80 dias de multa, à razão diária de
5.000$00, o que perfaz o montante global de Esc. 400.000$00 (quatrocentos mil escudos), a que corresponde, em alternativa, 53 dias de prisão, sendo esta (pena de prisão em alternativa) somente respeitante ao arguido M.... O arguido J.., foi condenado como autor material de um crime de detenção para venda de género alimentício anormal e avariado, previsto e punido pelos artigos
24º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), com referência aos artigos 81º e 82º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), todos do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na pena 20 dias de prisão e 40 dias de multa à razão diária de 1.500$00, o que perfaz um total global de Esc. 60.000$00 (sessenta mil escudos). Ao abrigo do disposto nos art.s 6º, nº 1 do Decreto Preambular, 44º, nº 1 e 70º do Código Penal, foi substituída a pena de prisão imposta por igual número de dias de multa à referida taxa, pelo que, em consequência, foram os arguidos M... e S..., Ldª condenados solidariamente (art. 2º, nº 3 ex vi 3º, nº 3 do D.L. nº
24/84, de 20 de Janeiro) na pena de 60 dias de multa, à razão diária de
1.500$00, o que perfaz o montante global de Esc. 90.000$00 (noventa mil escudos), a que corresponde, em alternativa, 40 dias de prisão, sendo esta (pena de prisão em alternativa) somente respeitante ao arguido J....
2. Inconformados com esta decisão dela recorreram os arguidos supra identificados, tendo, a concluir a sua alegação e com interesse para o presente recurso, dito, designadamente, o seguinte:
'(...)
17 – A sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade;
18 – As penas aplicadas aos recorrentes são excessivas;
19 – O art. 24º do DL 28/84, de 20 de Janeiro, viola o art. 29º e 18º, nº 2, da CRP;
20 – O princípio ne bis in idem proíbe a condenação pelo mesmo crime duas vezes. Ora os recorrentes M... e S... foram condenados, pelo mesmo crime, mais que uma vez;
21 – O art. 24º, nº 2, al. c), prevê a pena de prisão e multa, logo os recorrentes só poderiam ser condenados na pena de prisão e multa uma vez, não mais, mas foi o que aconteceu a estes dois recorrentes;
(...)
26 – A sentença recorrida violou os artigos (...) 18º, nº 2 e 29º da CRP; e os princípios da tipicidade e da proporcionalidade'.
3. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 4 de Junho de 2001, decidiu conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, ordenou:
'a) A correcção da pena aplicada ao arguido J... constante da al. F do dispositivo, a qual passará a ter a seguinte redacção: Condenar o arguido J..., como autor material de um crime de detenção para venda de género alimentício anormal e avariado, previsto e punido pelos artigos 24º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), com referência aos artigos 81º e 82º, nº 1, al. c) e nº 2 al. c), todos do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na pena 40 dias de prisão substituída por igual tempo de multa, à mesma razão diária, o que perfaz o montante global de Esc. 90.000$00 (noventa mil escudos). b) A correcção da alínea G) do dispositivo por forma a que onde consta o nome de M..., passe a constar o nome de J.... c) A alteração da decisão recorrida, no que concerne à condenação da arguida S... constante da alínea H) do dispositivo, condenando-se agora a mesma, pela prática do crime em causa, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de 10.000$00 (dez mil escudos), o que perfaz um montante global de 600.000$00
(seiscentos mil escudos). d) No mais, confirmar a decisão recorrida.
4. Foi desta decisão que foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 24º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, por alegada violação do princípio da proporcionalidade constante do artigo 18º, nº 2 da Constituição.
5. Já neste Tribunal foram os recorrentes notificados para alegar, o que fizeram, tendo concluído da seguinte forma:
'1 – A sentença recorrida viola o princípio da proporcionalidade;
1 – O artigo 24º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, viola o princípio da proporcionalidade.
2 – As penas aplicadas aos recorrentes são excessivas.
3 - O artigo 24º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, viola o artigo 29º e
18º, nº 2, da CRP.
4 – Os recorrentes actuaram com negligência inconsciente.
5 – A sentença recorrida violou os artigos 18º, nº 2 e 29º da CRP, e os princípios da tipicidade e da proporcionalidade'.
6. Notificado para responder, querendo, às alegações dos recorrentes, disse o Ministério Público a concluir:
'1 – A norma constante do artigo 24º do Decreto-Lei nº 28/84, ao tipificar o ilícito contra a saúde pública aí previsto, não fez uso de quaisquer conceitos indeterminados ou normas em branco, socorrendo-se, para construir a respectiva fattispecie, de expressões perfeitamente abarcáveis e inteligíveis pelos destinatários da norma, não afrontando obviamente o princípio da tipicidade.
2 – É irrelevante o facto de tal norma não prever directamente o limite para os dias de pena de multa, aí fixada, na interpretação – adoptada pelo acórdão recorrido – que se traduz em aplicar subsidiariamente o disposto no art. 47º, nº
1, do Código Penal, não afrontando manifestamente tal interpretação o princípio da proporcionalidade.
3 - Termos em que deverá manifestamente improceder o presente recurso'.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
7. O artigo 24º do Decreto-Lei nº 24/84, de 20 de Janeiro, dispõe como segue:
'Artigo 24º
(Contra a genuinidade, qualidade ou composição de géneros alimentícios e aditivos alimentares)
1 – Quem produzir, preparar, confeccionar, fabricar, armazenar, detiver em depósito, vender, tiver em existência ou exposição para venda, importar, exportar ou transaccionar por qualquer forma, quando destinados ao consumo público, géneros alimentícios e aditivos alimentares anormais não considerados susceptíveis de criar perigo para a vida ou para a saúde e integridade física alheias será punido: a. Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares falsificados, com prisão de 3 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias; b. Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares corruptos, com prisão até 2 anos e multa não inferior a 100 dias; c. Tratando-se de géneros alimentícios ou aditivos alimentares avariados, com prisão até 18 meses e multa não inferior a 50 dias.
2 - Havendo negligência as penas serão, respectivamente, as seguintes: a. Prisão até 1 ano e multa não inferior a 40 dias; b. Prisão até 6 meses e multa não inferior a 30 dias; c. Prisão até 6 meses e multa não inferior a 20 dias.
3 – O Tribunal ordenará a perda dos bens.
4 – A sentença será publicada'.
8. Entendem os recorrentes que o artigo 24º do Decreto-Lei nº 24/84, de 20 de Janeiro, supra transcrito, é inconstitucional. E, por duas razões:
- por a violar o princípio da proporcionalidade, ao 'não fixar os dias de multa, no tipo de crime de que os recorridos vêm pronunciados';
- por violar o princípio da tipicidade, ao conter 'expressões de sentido indeterminado e indeterminável, sendo, nessa medida 'uma norma penal em branco e de tipo aberto'. Vejamos se lhes assiste razão.
8.1. Da alegada violação do princípio da proporcionalidade. Não referindo o preceito em questão o limite máximo da pena de multa abstractamente aplicável aos factos nele descritos, considerou a decisão recorrida que tal limite máximo se deveria situar nos 360 dias de multa, por força da aplicação do disposto no art. 47º, nº 1 do Código Penal (diploma que, por força artigo 1º do Decreto-Lei nº 24/84, é de aplicação subsidiária aos crimes previstos neste Decreto-Lei). Consideram os recorrentes que tal solução normativa viola o princípio da proporcionalidade. Porém, manifestamente, sem razão. Com efeito, não se vê - nem os recorrentes, verdadeiramente, o referem na sua alegação, onde se limitam, nesta parte, a enunciar genericamente os diferentes sub-princípios que se consideram contidos no princípio da proporcionalidade - em que é que da aplicação subsidiária do disposto no artigo 47º, nº 1 do Código Penal - na parte em que define, em regra, o limite máximo da pena de multa abstractamente aplicável - resulta qualquer violação do princípio da proporcionalidade. Improcede, por isso, nesta parte, a alegação dos recorrentes.
8.1. Da alegada violação do princípio da tipicidade. Desde logo deve notar-se - como, bem, faz a decisão recorrida - que, perante a invocação de que o artigo 24º é inconstitucional por utilizar expressões
'indeterminadas ou indetermináveis', seria de esperar que os recorrentes viessem indicar quais eram essas expressões, para podermos aferir da sua razão. A verdade é que, estranhamente, não o fazem, não passando nunca daquela acusação genérica. Na falta dessa indicação dos recorrentes, poder-se-ia pensar que se pretendiam referir a expressões como 'géneros alimentícios', 'adictivo alimentar',
'adictivos alimentares anormais', 'géneros alimentícios ou aditivos alimentares falsificados'; 'géneros alimentícios ou aditivos alimentares corruptos' ou
'géneros alimentícios ou aditivos alimentares avariados', expressões efectivamente utilizadas naquele preceito e cujo sentido não é imediatamente determinável. A verdade, porém, é que se é a elas que se pretendem referir a sua falta de razão é manifesta, uma vez que a concretização do conteúdo de cada uma daquelas expressões (de todas elas e de muitas outras igualmente relevantes no contexto daquele diploma), se encontra exaustivamente feita nos artigos 81º, 82º e 83º do próprio Decreto-Lei nº 28/84. Assim, sem necessidade de maiores considerações, por desnecessárias, há apenas que concluir pela manifesta improcedência da alegada inconstitucionalidade do artigo 24º do Decreto-Lei nº 24/84, de 20 de Janeiro, por violação do princípio da tipicidade.
III. Decisão Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) Ucs, para cada um deles. Lisboa, 28 de Maio de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida