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Proc. n.º 597/01 Acórdão nº 258/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. M..., aposentado das Forças Armadas, interpôs, junto do Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso de anulação da resolução do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, de 24 de Julho de
1997, que lhe autorizou o exercício de funções docentes na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de..., com redução a 50% do montante da remuneração devida.
O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros respondeu (fls. 40 e seguintes), tendo sustentado que ao recurso devia ser negado provimento.
Nas alegações (fls. 55 e seguintes), o recorrente concluiu do seguinte modo:
'1ª- A limitação a 50% (ou a qualquer outra percentagem) da remuneração auferida pelo Recorrente constitui violação do princípio da igualdade e do direito à retribuição do trabalho.
2ª- Sendo embora compreensível que se limite o exercício de funções remuneradas por aposentados, não há justificação alguma para que, sendo autorizado o exercício de tais funções, se discrimine quem as desempenha, retribuindo o seu trabalho com montante inferior ao que constitui a sua justa remuneração.
3ª- Não é por o Recorrente receber uma pensão de aposentação que o trabalho por ele efectuado no Instituto vale menos e deve ter, portanto, uma retribuição menor do que a auferida por quem não é aposentado.
4ª- A redução da respectiva remuneração constitui, portanto – conforme claramente demonstra o Ilustre Conselheiro Mário de Brito na sua declaração de voto proferida no Ac. Trib. Const. proc. 90/90 (in D. da Rep. II S.,
2.Abril.1992) –, violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da C.R.P. e no art. 5º do C.P.A., e do decorrente princípio «para trabalho igual salário igual», plasmado sob o art. 59-1/a da Lei Fundamental.
5ª- Nessa medida, mostra-se verdadeiramente infringido o direito à remuneração do trabalho constante deste último preceito constitucional, donde decorre a nulidade do acto impugnado (art. 133-2/d, C.P.A.).
[...]
13ª- Quer porque se trata de acto que restringe os direitos e interesses legítimos do Recorrente, quer porque ele veio romper com a prática anteriormente seguida (pois que ambos os montantes eram, nos anos lectivos anteriores, entregues ao Impugnante por inteiro, como consta do parecer aludido) tinha ele de ser fundamentado, nos termos do disposto no art. 124-1/a e d, C.P.A., e não o foi.
14ª- O acto recorrido enferma, por esse motivo, segundo a corrente dominante, de vício de forma, ou, segundo outra opinião, que se subscreve, de violação de lei.'
A entidade recorrida, por seu lado, concluiu assim as alegações respectivas (fls. 59 e seguintes):
'A) O acto recorrido não viola o disposto nos artºs 13º e 59º, nº 1, al. a) da Constituição, respectivamente, princípio de igualdade e direito à retribuição do trabalho, pelas razões expostas supra. B) Não viola, de igual modo, o dever geral de fundamentação expressa de actos administrativos, posto que ao remeter para o Despacho de 7 de Fevereiro de 1996 se mostra claro, congruente e suficiente. C) Consequentemente, não deve ser declarada a invalidade do acto impugnado, constante do Despacho de 24 de Julho de 1997.'
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo sustentou que o pedido não merecia provimento (fls. 70 e seguintes), nomeadamente porque '[a] situação do recorrente cabe dentro dos parâmetros definidos no citado aresto [o acórdão do Tribunal Constitucional n.º
386/91, de 22 de Outubro] e, como se demonstra na alegação da entidade recorrida
(art. 13º), a limitação imposta não implica para o aposentado o recebimento de quantitativo inferior ao de um trabalhador no activo a desempenhar um cargo igual'.
2. Depois de algumas vicissitudes processuais que aqui não importa relatar, em 11 de Julho de 2001 o Tribunal Central Administrativo concedeu provimento ao recurso, declarando nulo o acto impugnado (fls. 105 e seguintes). Pode ler-se no texto do acórdão respectivo, para o que aqui releva, o seguinte:
'[...]
2.2.1. – Nos presentes autos, o acto impugnado é o de 24 de Julho de 1997, do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros que decidiu autorizar o Recorrente a exercer funções docentes na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de..., e a acumular o montante da pensão com 50% da remuneração que lhe competisse pelas funções desempenhadas. Para o Recorrente, a limitação a 50% – ou a qualquer outra percentagem – da remuneração auferida, constitui flagrante violação do princípio da igualdade e do direito à retribuição do trabalho. A entidade recorrida, considerando o artigo 79º do Estatuto da Aposentação – que prevê que o aposentado, a quem a lei o permite, ou seja autorizado a exercer funções públicas, mantenha a pensão de aposentação e lhe seja abonada uma terça parte da remuneração que competir às funções exercidas, salvo quando seja autorizada a percepção de montante superior, até ao limite da referida remuneração – com a consequente garantia às condições necessárias a uma existência condigna, entende que o acréscimo de remuneração que advém do exercício de funções, não resulta directamente do «direito ao trabalho» na acepção do artigo 59º, nº 1, al. a) da Constituição.
2.2.2. – Temos entendido que o princípio constitucional, corolário do princípio da igualdade, de que para trabalho igual salário igual, é um princípio da realidade e não da ficção, que se impõe sem excepções no Universo Jurídico Português. Não se compadece com doutrinas, normas ou artifícios limitativos e tem uma expressão simples, demasiadamente simples, para que se teorize em excesso: Se A presta para uma determinada entidade, pública ou privada, o seu trabalho subordinado, nas mesmas condições que B, C ou D e tem um tratamento diferenciado destas, seja a nível remuneratório, seja de quaisquer outros benefícios decorrentes dessa relação, mesmo que aparentemente legitimada pelo ordenamento jurídico vigente – lei ordinária –, então há manifesta violação do princípio constitucional de que para trabalho igual salário igual. Nada parece obstar a que a lei limite o exercício de funções remuneradas por aposentados – no seio da própria função pública. Mas autorizando-as, discriminando quem desempenha funções com uma retribuição inferior ao que constitui a sua justa remuneração, viola flagrantemente o princípio da justiça subjacente à dita norma constitucional. Há inequivocamente um enriquecimento indevido do Estado à custa do trabalhador, o que repugna ao bom senso comum e aos princípios gerais que enformam o sistema jurídico-constitucional. Assim, a norma constante do artigo 79º do Dec-Lei nº 498/72 de 9 de Dezembro – Estatuto da Aposentação – não é apenas inconstitucional na medida em que permita que o montante de uma pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte – ou mais como no caso em apreço – da remuneração que compete ao permitido desempenho de outras funções públicas, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração, mas também e sempre que inexista total correspondência com esta.
2.2.3. – A mencionada norma constitucional vincula entidades públicas e privadas
– nº 1, do artº 18º da C.R.P. – implicando a sua violação a nulidade do acto, invocável a todo o tempo, por ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental – arts. 133º e 134º do Código do Procedimento Administrativo.
[...].'
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pois que tal acórdão 'recusou a aplicação da norma do art.º 79º do Dec.-Lei 498/72 de 9 de Dezembro (Estatuto da Aposentação), com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do princípio de que para trabalho igual salário igual, contido no artº 59º n.º 1 da Constituição' (fls.
114).
O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, por seu lado, interpôs recurso desse acórdão para o Supremo Tribunal Administrativo
(fls. 115), tendo apresentado alegações (fls. 116 e seguintes).
4. O recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls. 124.
Nas alegações (fls. 127 e seguintes), o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional concluiu como segue:
'1º - Pelas razões expendidas no acórdão 386/91, para cuja fundamentação inteiramente se remete, não é inconstitucional o segmento normativo do artigo
79º do Decreto-Lei nº 498/72 que – consentindo embora numa redução proporcional e adequada da remuneração global devida ao aposentado que é autorizado a exercer outra função pública – lhe garante a percepção do quantitativo correspondente ao normal exercício de tal cargo público.
2º - Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
O recorrido não alegou no presente recurso de constitucionalidade
(fls. 130).
Cumpre apreciar.
II
5. Dispõe o artigo 79º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro
(Estatuto da Aposentação):
'Artigo 79º
(Exercício de funções públicas por aposentados) Nos casos em que aos aposentados seja permitido desempenhar outras funções públicas é-lhes mantida a pensão de aposentação e abonada uma terça parte da remuneração que competir a essas funções, salvo se lei especial determinar ou o Conselho de Ministros autorizar abono superior, até ao limite da mesma remuneração.'
Foi esta a norma que o tribunal recorrido recusou aplicar, com o fundamento de que ela violaria o princípio da igualdade, não apenas na medida em que permite que o montante de uma pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte (ou mais, como no caso dos autos) da remuneração que compete ao permitido desempenho de outras funções públicas, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração, mas também e sempre que inexista total correspondência com esta (supra, 2.). Saliente-se que, de acordo com o disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, '[t]odos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e quantidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna'.
6. A norma do artigo 79º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 386/91, de 22 de Outubro (publicado no Diário da República, II, nº 78, de 2 de Abril de 1992, p.
3112 ss), tendo aí sido julgada inconstitucional por violação da alínea a) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição (versão emergente da revisão de 1989), 'mas somente na medida em que permite que o montante da pensão de reforma percebida por um aposentado, somado ao abono de uma terça parte da remuneração que competir ao permitido desempenho de outras funções públicas por parte do mesmo aposentado, seja inferior ao quantitativo de tal remuneração'. Disse-se o Tribunal Constitucional nesse acórdão:
'[...]
5. Na versão originária da Constituição consagrava-se na alínea a) do artigo 53º que todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, religião ou ideologia tinham direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna. Tais direito e proibição discriminatória continuaram a perdurar, em moldes em tudo idênticos, no texto constitucional resultante da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82 [artigo 60º, nº 1, alínea a)] e da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/89 [artigo 59º, nº 1, alínea a)]. Nas citadas disposições constitucionais reafirma-se o princípio fundamental da igualdade, consagrado no artigo 13º da Lei Básica, vertido na óptica dos direitos dos trabalhadores, efectuando-se uma determinação negativa [a proibição da discriminação], referindo-se um parâmetro positivo [a igualdade de retribuição], sujeito a avaliação, mediante critérios objectivos e materiais – logo não meramente formais – da quantidade, qualidade e natureza do trabalho, aos quais não poderá ser alheia a realidade social e, por fim, definindo-se como objectivo a garantia de uma retribuição do trabalho permissora de um trem de vida, individual e do agregado familiar, adequado ao grau económico generalizado do Pais (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., 1º vol., págs. 321 e segs., Jorge Leite, Direito do Trabalho e da Segurança Social, págs. 305 e segs., e Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, 1975, págs. 62 e segs.).
6. Face a estes contornos, será que ofende o preceito constitucional vasado na alínea a) do artigo 53º da versão originária da Constituição, na alínea a) do nº
1 do artigo 60º da versão de 1982 e na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da actual versão, uma norma que estabeleça limites à cumulação de remuneração devida pelo desempenho de outras funções públicas por um ex-servidor do Estado, com a pensão de aposentação (ou reserva) por ele já percebida? Entende-se que a resposta a esta questão genérica terá de ser negativa.
6.1. É que, por um lado, a pensão auferida (que até, numa certa visão das coisas, poderia ser entendida como o posterior pagamento daquela parte da retribuição do trabalho desempenhado pelo servidor do Estado enquanto se manteve no activo, pagamento esse que lhe não foi feito, porque, ao menos em parte, descontado no vencimento líquido então auferido a título de subscrição para a C.G.A., e que, ajuntado à parte já paga, justificava a remuneração ilíquida global como ajustada à quantidade, qualidade e natureza do trabalho efectuado) pode, ou deve, ser entendida como a atribuição de um quantitativo ajustado à prossecução da existência condigna de vida do servidor, atentas as condições sociais e familiares que deterá aquando da sua aposentação. A ser assim, estaria efectivada a garantia ínsita na parte final da alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição (versão actual). E, por isso, a remuneração pelo desempenho de outras funções públicas – ainda que limitada – representaria um «plus» retributivo a acrescer ao percebido a título de pensão pelo aposentado. Na verdade, os proventos auferidos pelo funcionário no activo e decorrentes do exercício de funções ou cargos públicos em qualidade e quantidade iguais às desempenhadas pelo aposentado autorizado a exercê-las constituem, quanto ao primeiro, o núcleo essencial da respectiva retribuição, que há-de obedecer ao comando garantístico da parte final do mencionado preceito da Constituição, derivando, ainda, de algum modo, do próprio direito ao trabalho concedido aos cidadãos. Ora, se aos aposentados da função pública a garantia de existência condigna está assegurada pela atribuição da pensão de reforma, é claro que o quantitativo que percebem além da pensão e advindo do permitido desempenho de outro emprego ou cargo públicos, colocá-los-á, relativamente a essa garantia, em situação não igual à dos funcionários do activo que exercem funções iguais, em quantidade e qualidade, às que o aposentado está autorizado a desempenhar. A remuneração auferida pelo trabalhador da função pública aposentado e em consequência do trabalho «cumulado», constitui, pois, um «plus» retributivo que não tem origem, directamente, no seu direito ao trabalho, conquanto, obviamente, derive do trabalho desempenhado.
6.2. Por outro lado, e primordialmente, é necessário não olvidar que no próprio texto constitucional (nº 4 do artigo 269º, correspondente, na primeira versão, ao nº 4 do artigo 270º) se descortina credencial bastante para legitimar o legislador ordinário a definir os casos e as condições em que a regra da proibição da acumulação de empregos ou cargos públicos aí contida pode ser excepcionada.
6.3. Concluir-se-á, desta arte, que, em termos genéricos, não será feridente da Lei Fundamental e, designadamente, do que se consagra na já referida a1ínea a) do nº 1 do seu artigo 59º, norma infraconstitucional que venha estabelecer um limite à cumulação de remunerações advindas da pensão de reforma de um aposentado da função pública e da retribuição pelo exercício de funções ou cargos públicos que ele se encontre legalmente autorizado a desempenhar, independentemente da concretização, numa ou noutra, desse limite.
7. Mas, se a tal conclusão se chegou, a indagação do problema não pode quedar-se por aqui. De facto, tendo em conta o direito fundamental garantido na mencionada alínea a) do nº 1 do artigo 59º, concretizador daqueloutro da igualdade, e o princípio de justiça que lhe está subjacente, mister é que o total recebido pelo aposentado se não mostre inferior ao vencimento percebido pelo trabalho desempenhado pelo funcionário no activo, sob pena de, havendo exercício de trabalho em qualidade e quantidade iguais por parte de dois trabalhadores, um deles receber, a final, menos do que o outro. Pois bem: Se mercê de limitação à globalidade remuneratória imposta por normação ordinária, o total auferido pelo aposentado – resultado da pensão e do
«vencimento» proveniente do desempenho autorizado de função ou cargo públicos – se mostrar de quantitativo inferior ao «salário» atribuído ao trabalhador do activo que exerce função ou cargo iguais aos que o aposentado está permitido exercer, então o citado princípio de justiça subjacente à referida norma constitucional ver-se-á inequivocamente abalado.
8. A ser assim, como é, perante o dispositivo constante da norma em apreciação, poderão surgir hipóteses em que a soma da pensão de reforma do aposentado e do montante da retribuição do autorizado desempenho de outra função ou cargo públicos – montante esse derivado do limite imposto pela mesma norma – seja de quantitativo inferior ao do auferido pelo funcionário no activo que exerce igual função ou cargo. Ora, em tais casos, originados pela estatuição da norma em causa, criar-se-ão situações conflituantes com os assinalados princípio de justiça e garantia respectivamente ínsito e consagrada na Lei Básica.
[...]'
7. Não existem razões para, no presente recurso, adoptar orientação diversa da acolhida no citado acórdão do Tribunal Constitucional. Contrariamente ao sustentado pelo tribunal recorrido, não é inconstitucional, por violação do princípio de que 'para trabalho igual salário igual', consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, a norma do artigo 79º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, sempre que o aposentado não receba integralmente a remuneração correspondente ao desempenho das funções públicas que lhe seja permitido desempenhar. Só existirá violação desse princípio se, como se sublinha no mencionado acórdão do Tribunal Constitucional, o aposentado receber, a final, menos do que um trabalhador no activo que exerça trabalho em quantidade e qualidade iguais. Na verdade, e como salienta o Ministério Público nas alegações que produziu junto deste Tribunal, 'não são manifestamente situações idênticas aquelas em que certo cidadão exerce, em exclusivo, certa função e em que tal função é exercida cumulativamente com outra, podendo legitimamente tal situação de acumulação ditar uma redução – proporcional e adequada – da remuneração global auferida.'. Não sendo idênticas as situações do aposentado que exerce certa função pública e a do trabalhador no activo que só exerce essa função, desde logo porque aquele acumula a qualidade de aposentado, auferindo a correspondente pensão de aposentação, é evidente que a questão de constitucionalidade apreciada pelo tribunal recorrido não pode ser equacionada nos termos simples em que assumidamente o foi. O princípio da igualdade não postula o tratamento igual de situações substancialmente diversas, não sendo necessário incorrer na censurada
'excessiva teorização' para assim concluir. Por outro lado, mantendo o aposentado a pensão de aposentação e recebendo uma parte da remuneração que, acrescida àquela, não é inferior ao quantitativo da remuneração que compete às funções que desempenha, não se verifica qualquer enriquecimento indevido do Estado à custa do trabalhador, contrariamente ao defendido no acórdão recorrido. E isto porque o trabalhador, como sucede no caso dos autos, acaba por auferir uma quantia que, globalmente considerada, não é inferior àquela que compete às funções que desempenha, não sofrendo portanto um correlativo empobrecimento. Conclui-se assim que não é inconstitucional o segmento normativo do artigo 79º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, que – consentindo embora a redução da remuneração global devida a um aposentado que for autorizado a exercer outra função pública –, garanta ao aposentado a percepção do quantitativo que competir a essa função pública.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso, determinando a reforma do acórdão impugnado de harmonia com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 18 de Junho de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida