Imprimir acórdão
Proc. nº. 444/01 TC - 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – L..., com os sinais dos autos, intentou em 2.03.1998, na forma de processo sumário, contra C..., no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, acção de impugnação do despedimento, requerendo ainda a condenação da Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições vencidas e não pagas à data do despedimento e as vencidas depois do despedimento até efectiva reintegração.
Contestada a acção, veio a Ré requerer 'a notificação da 'T...' para fornecer a identificação do autor dos textos em causa neste processo', fornecendo para tanto 'os seguintes elementos retirados dos documentos juntos aos autos:
>Date: Sun, 20 Jul 1997 18:1855 GMT
>NNPT-Poting-Host:
>Message-ID'.
Ordenada a notificação da 'T...' por despacho judicial de 28.09.1998, '(...) para fornecer aos autos documento em seu poder que identifique o A. do texto em causa nestes autos. Forneça-lhe para o efeito os elementos de identificação mencionados no final do requerimento de fls. 74 (ponto 3), em 5 dias', por apelo aos artigos 528º e 531º do Código de Processo Civil, respondeu esta, em
23.10.1998, vir 'ao abrigo do disposto no artigo 519º nº 1 do CPC, informar V. Exª. de que: Decorrido cerca de 1 ano e 3 meses sobre a data da comunicação identificada, não
é tecnicamente possível identificar o seu autor e, para este efeito, recuperar o texto da mesma, em virtude de o respectivo conteúdo ter sido, entretanto,
'apagado', da 'memória' do sistema informático da rede. Apenas foi possível apurar, por consulta aos suportes contabilísticos electrónicos do serviço facturado em 20/07/97, que, pela porta de acesso
194.65.178.114, foi estabelecida pelo 'user' I... (adoptado por C..., Ldª) uma comunicação entre as 18:01:12 horas e as 20:09:32 horas, do mesmo dia'.
Mais tarde, a 'T...' informou que o 'username' é l... (éle minúsculo) e ainda que 'qualquer contacto entre a C..., Ldª e a T... está formalmente atribuído ao Sr. L...' (cfr. fls. 127), sugerindo a indicação da P... 'relativamente aos dados sobre a prestação do serviço telefónico (identificação das linhas telefónicas)' para obtenção de outros elementos pretendidos respeitantes ao caso dos autos.
Estas informações da T... foram prestadas após a data indicada para julgamento, o que levou a Mmª. Juiz a adiar a respectiva data por despacho de 13.10.1998, despacho cuja nulidade foi arguida pelo A. e indeferida por despacho de
28.10.1998.
Deste despacho agravou o A. para o Tribunal da Relação do Porto em 11.11.1998 por, em síntese, entender que, ao deferir o pedido de notificação supra aludido
à T... e marcar nova data para julgamento, 'o juiz fez mau uso do poder de direcção, (...) coarctando o direito de defesa do A. (...)'
Notificada a P... para prestar informações sobre números de telefone atribuídos ao A. e à C..., Ldª., veio aos autos indicar o número de telefone atribuído ao A. na morada referenciada, juntando ainda a facturação detalhada do telefone ali instalado (cfr. fls. 144 a 148 e 160 a 165).
Do despacho que mandou notificar a P... o A. interpôs recurso de agravo por entender que 'o mero poder de averiguação da verdade material consignado no artº
519º do CPC não confere competência para tal desmando' e 'os despachos recorridos violam os artºs 17º da Lei nº 67/98, 26º, nº 1, da CR e 3º, 517º, nº
1 e 519º, nº 1, do CPC'.
A Ré contra-alegou, defendendo o acerto do despacho recorrido, porquanto a T... no ofício de 19.11.1998 referiu que '... a revelação de dados pessoais e de dados de serviço, relativos ao cliente (...) a entidades estranhas ao serviço prestado (...) está legalmente vedada, em virtude de constituírem facto sigiloso, objecto de segredo profissional' mas 'todavia, no sentido de colaborar com a administração da Justiça, no que entende não estar sujeito ao dever de sigilo, informo que ...'
Em 6 de Julho de 2000 efectuou-se no Tribunal de Trabalho de Matosinhos a audiência de julgamento, tendo sido dado com provado, entre outros factos, e
'com base nos docs. juntos aos autos a fls. 4 e 5 e 6 a 8 do processo disciplinar, 259 a 260, 261 a 264, 93 a 127, 138 e segs, 144, 160 a 165 e 244 dos autos, documentos esses devidamente analisados e interpretados pelo Sr. Perito (técnico de informática) nomeado pelo Tribunal e que acompanhou esta audiência desde o seu início' que 'o Autor Luis Paiva foi o autor de 2 textos com data de 20/7/97 que passaram na Internet nesse dia, às 19h20m e às 20h18m e que circularam no C... cerca de 10 dias depois ou seja em 30/7/97, textos estes constantes dos docs. juntos ao processo a fls. 4 e 5 e 6 a 8 e dos docs. juntos aos presentes autos a fls. 259 e 260 e 261 a 264 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais' (facto 12º) e em
21.09.2000 foi proferida sentença que reconheceu a justa causa do despedimento do A., e condenou a Ré no pagamento da quantia de 1.358.820$00, acrescida de juros moratórios legais até integral pagamento por créditos salariais em dívida ao A. (cfr. fls. 286 a 297).
O A. inconformado apelou para o Tribunal da Relação do Porto, cujas alegações concluiu, com interesse para a questão ora em análise:
'8ª Ora, a junção desses documentos, com excepção dos de fls. 259 a 264, foi obtida por meio ilícito, ilegal e inconstitucional, em violação dos artºs 17º, nº 2, da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto, 5º da Lei nº. 69/98, de 28 de Outubro,
3º, nº 2, d), do Regulamento de Exploração de Redes Públicas de Comunicações, aprovado pelo DL nº. 290-A/99, de 30 de Julho e 4º, nº 2, e), do Regulamento de Exploração dos Serviços de Telecomunicações e de Uso Público, aprovado pelo DL nº 290-B/99, de 30 de Julho, 26º, nº 2 e 34º, nº 4, da CP e 519º, nº 3 e 519º-A, do CPC;
9ª De facto, os documentos juntos pela T... revelam dados de tráfego do A. e os da PT fornecem factura detalhada do telefone de casa do A. de uso pessoal exclusivo, em violação do segredo profissional a que estavam obrigadas por lei e regulamentos;
10ª Nem a senhora juiz podia impor, como fez, contra a vontade do A. e sem sequer o ouvir previamente, o fornecimento desses dados, numa interpretação errada do disposto no artº 519º, nº 3, do CPC, atentatória do nº4 do artº 34º da CR;'
A Ré contra-alegou defendendo a bondade da sentença recorrida e pugnando pela sua manutenção.
Admitido o recurso, a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto proferiu acórdão em 14.05.2001, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida do Tribunal de Trabalho de Matosinhos.
Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional por requerimento de 30.05.2001 em que disse:
'A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações do recurso de apelação nos seguintes termos:
«1º - A senhora juiz a quo, fazendo uso, ao que pensava, do poder do artº 519º do CPC, fez com que a PT e a T... violassem o segredo profissional a que estão sujeitas, em desrespeito do artº 17º, nº 2, da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto e da regulamentação do seu regime [artº 3º, nº 2, d), do Regulamento de Exploração de Redes Públicas de Comunicações, aprovado pelo DL nº 290-A/99, de 30 de Julho e do artº 4º, nº 2, e) do Regulamento de Exploração dos Serviços de Telecomunicações e de Uso Público, aprovado pelo DL nº 290-B/99, de 30 de Julho], do artº 5º da Lei nº 69/98, de 28 de Outubro, dos artºs 26º, nº 2 e 34º, nº 4, da CR e dos artºs 519º, nº 3 e 519º-A, do CPC; que em parte invocamos no recurso entrado em 2.2.99. Que não estávamos, nem estamos errados, demonstra-o o Parecer da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, II Série, de
28 de Agosto de 2000, de fls. 14.145 a 14.156. De facto, o fornecimento de dados da vida íntima e particular do A., como seja a facturação discriminada do telefone da sua residência junta a fls. 160 e 165 apresentada pela PT, apesar de encimada, em cada página, da expressão a informação constante deste documento é confidencial e destina-se exclusivamente ao uso do cliente e a permitir a respectiva conferência e a revelação dos seus dados de tráfego pela T... (fls. 93, 127, 145 e 244), em desrespeito do segredo das comunicações, por ordem da senhora juiz a quo, a que não deveriam ter obedecido e obedeceram pela insistência e por canhestro temor reverencial, violam as normas citadas, como se conclui do Parecer da Procuradoria-Geral da República, cuja doutrina aqui damos por reproduzida. E porque a sua obtenção é ilegal e inconstitucional, a resposta do ponto 12º tem que ser dada como não escrita.
E nas conclusões da alegação do recurso de apelação:
«7ª: O facto 12º foi fixado, como se colhe da fundamentação feita nos termos do nº 2 do artº 653º do CPC, por remissão do nº 1 do artº 67º do CPT, com base exclusiva nos documentos juntos aos autos, de folhas do processo que nele se indicam, na interpretação que deles fez o perito nomeado pelo tribunal;
8ª: Ora, a junção desses documentos, com excepção dos de fls. 259 a 264, foi obtida por meio ilícito, ilegal e inconstitucional, em violação dos artºs 17º, nº 2, da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto, 5º da Lei nº 69/98, de 28 de Outubro, 3º, nº 2, d), do Regulamento de Exploração de Redes Públicas de Comunicações, aprovado pelo DL 290-A/99, de 30 de Julho e 4º, nº 2, e), do Regulamento de Exploração dos Serviços de Telecomunicações e de Uso Público, aprovado pelo DL nº 290-B/99, de 30 de Julho, 26º, nº 2 e 34º, nº 4, da CR e 519º, nº 3 e 519º-A, do CPC».' Admitido o recurso, o A. apresentou as suas alegações que concluiu do seguinte modo:
'1ª O facto 12º dos factos provados foi fixado, como se colhe da fundamentação feita nos termos do nº 2 do artº 653º do CPC, por remissão do nº 1 do artº 67º do CPT, com base exclusiva nos documentos juntos aos autos, a folhas 93, 127,
144, 160 a 165 e 244 do processo, na interpretação que deles fez o perito nomeado pelo tribunal;
2ª Esses documentos, com excepção dos de fls. 259 a 264, foram obtidos por meio ilícito, ilegal e inconstitucional, em violação dos artºs 17º, nº 2, da Lei nº
91/97, de 1 de Agosto, 5º da Lei nº. 69/98, de 28 de Outubro, 3º, nº 2, d), do Regulamento de Exploração de Redes Públicas de Comunicações, aprovado pelo DL nº. 290-A/99, de 30 de Julho e 4º, nº 2, e), do Regulamento de Exploração dos Serviços de Telecomunicações e de Uso Público, aprovado pelo DL nº 290-B/99, de
30 de Julho, 26º, nº 2 e 34º, nº 4, da CP e 519º, nº 3 e 519º-A, do CPC;
3ª Deve, assim, considerar-se inconstitucional a interpretação dada pela senhora juiz do processo e pela Relação do Porto dos artºs 519º e 519º-A do CPC, na medida em que entenderam poder exigir da P... e da T... dados confidenciais relativos a comunicações e, em consequência, dar-se como não escrita a resposta ao facto 12º'.
A recorrida apresentou contra-alegações em que veio dizer:
'1º O presente recurso é inadmissível porque não preenche os requisitos referidos nos artigos 75º-A e 70º da Lei do Tribunal Constitucional já que, quando muito, o acto individual e concreto da Mmº Juíza 'a quo' do Tribunal de Trabalho de Matosinhos quando muito ofende o conteúdo de normas de valor legislativo.
2º Mesmo que assim se não entenda, sempre se dirá que a decisão proferida não ofende qualquer preceito constitucional pois está de acordo com o espírito das normas dos artigos 519º e 519º-A do Código do Processo Civil e cujo objectivo é o de assegurar que a justiça realizada o seja de acordo com a verdade material.
3º Daí que admita o artigo 519º-A do C.P.C. a dispensa de confidencialidade invocada por qualquer pessoa como fundamento de recusa na colaboração com o poder de julgar.
4º E mesmo que assim se não entenda, e venha a ser julgada como inconstitucional a interpretação que o tribunal 'a quo' fez das normas dos artigos 519º e 519º-A do C.P.C., não poderá o acórdão que vier a ser produzido produzir o efeito de
'dar-se como não escrita a resposta ao facto 12º'.
5º Desde logo porque, da não admissibilidade dos documentos de fls. 93, 127,
144, 160 a 165 e 244 não resultam abaladas as razões de convicção do tribunal 'a quo' e que estiveram na base da fundamentação da resposta (do facto dado como provado sob o nº. 12).
6º Depois porque, o presente recurso é um recurso restrito apenas e só à questão da inconstitucionalidade (cfr. n.º 6 do artigo 280º da CRP), pelo que, os efeitos que, um eventual acórdão de provimento, poderá vir a produzir limitar-se-ão a julgar acerca da não conformidade da interpretação daquela norma com o disposto na Constituição da República Portuguesa, sendo tais efeitos de caso julgado no processo e devendo os autos baixar ao tribunal donde o processo proveio '... a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão de inconstitucionalidade' (cfr. n.º 2 do artigo 80º da Lei do Tribunal Constitucional).
7º Mais ainda, '... no caso de o juízo de constitucionalidade ... sobre a norma que a decisão recorrida tiver aplicado ... se fundar em determinada interpretação da mesma norma, esta deve ser aplicada com tal interpretação, no processo em causa' (cfr. n.3 do citado artigo 80º da Lei do Tribunal Constitucional).
Notificado o A., recorrente, para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia suscitada nas alegações da recorrida, apenas veio dizer:
'A recorrida entende que está tão só em causa a aplicação de lei ordinária e que essa questão foi decidida pelo Tribunal da Relação. Não é assim: Em causa está a interpretação, que se considera inconstitucional, feita pelo tribunal a quo de normas da lei ordinária, ao decidir não haver qualquer inconstitucionalidade na interpretação feita pela 1ª instância
(tribunal do trabalho) dos artºs. 519º e 519º-A do CPC, como se o juiz, em matéria cível – de interesse meramente particular -, tivesse o poder de requisitar elementos confidenciais, sem respeito pela vida privada e familiar e pelo sigilo das comunicações, como se condensa no requerimento do recurso e nas alegações e se abona com o Parecer da Procuradoria-Geral da República publicado no DR, II Série, de 28 de Agosto de 2000, fls. 14.145 a 14.156.'
Cumpre apreciar e decidir.
2 – Importa delimitar o objecto do presente recurso.
Disse-se no acórdão recorrido:
'(...) Por isso, não existem os pressupostos legais para a pretendida modificação da resposta dada pelo tribunal através do facto nº. 12; nem se verificou a alegada ilegalidade ou inconstitucionalidade na obtenção dos documentos indicados na respectiva fundamentação, pois que, acima do interesse particular da defesa do arguido, o tribunal cumpriu a sua missão de órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo (artº. 202º da Constituição); e, sob a epígrafe 'poder de direcção do processo e princípio do inquisitório, o artº. 265º do CPC, nº. 3, estipula que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer. Pelo exposto, dá-se por definitivamente fixada a matéria de facto julgada provada, e vertida na acta de fls. 280 e 281, que é a seguinte:
(...) A sentença recorrida faz a transcrição das palavras e expressões constantes dos textos que considerou provado terem sido elaborados pelo Autor-apelante, e por si divulgados 'via Internet', concluiu pela verificação dos factos imputados ao recorrente na nota de culpa e decisão disciplinar de despedimento. Acrescentou não ter dúvidas de que a atitude do réu-recorrido não merece censura, nem os factos praticados pelo apelante, a coberto do anonimato, por si só, susceptíveis de fundamentar o seu despedimento, por integradores do crime de difamação e enquadrando-se no artº. 9º nºs. 1 e 2 al. i) do Dec-Lei nº. 69-A/89, de 27/2. Da análise dos textos em causa e da factualidade provada resulta que nenhuma censura merece a sentença, tendo feito uma correcta aplicação do Direito, seja no aspecto substantivo, seja no aspecto processual. Assim, é completamente improcedente a pretensão do apelante de declaração de ilegalidade dos despachos proferidos ao abrigo dos artºs. 519º, 519º-A e 535º do Cód. Proc. Civil, já que se mostram proferidos e fundamentados em conformidade com as normas constitucionais e legais vigentes. Na verdade, foi o legislador da reforma do Código de Processo Civil, em vigor desde 1 de Janeiro de 1997, que introduziu o artº. 519º-A, regulando a dispensa de confidencialidade dos dados informáticos, como os existentes na 'T...' e na
'Telecom' – em processos pendentes, cujo juiz titular considere a informação respectiva essencial ao regular andamento do processo. O relatório do Dec-Lei nº. 329-A/95, de 12/12, clarifica, em relação ao capítulo da produção dos meios de prova, que, 'delimitando embora, com rigor, as hipóteses de recusa legítima de colaboração em matéria probatória, instituiu-se por via de fundamentada decisão judicial, e com utilização restrita à respectiva indispensabilidade, a dispensa da mera confidencialidade de dados na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que respeitando à identificação, residência, profissão ... sejam essenciais ao regular andamento da causa ou à justa composição do litígio. Assim se acentuará a vertente pública da realização da justiça e a permanência desse valor na tutela dos interesses particulares atendíveis dos cidadãos enquanto tal, e se respeitará o conteúdo intrínseco e próprio dos diversos sigilos profissionais e similares, legalmente consagrados. Não obstante, o mesmo interesse público, conatural à função de administração da justiça, legitimará que o interesse de ordem pública que também preside à estatuição de tais sigilos ceda em determinados casos concretos, mediante a respectiva dispensa ...' Tendo presente que a Acção dera entrada no dia 27-2-98 (cfr. fls. 2), não restam dúvidas sobre a sua aplicação correctamente feita pelo tribunal recorrido; ao contrário, a estratégia do Autor-apelante, e do seu mandatário judicial constituído, foi a de actuar no processo contra lei expressa e tirar proveito da impossibilidade legal de a parte contrária não dispor de meios para obter os elementos de prova apenas existentes na informática da 'T...' e da 'Telecom', e obstaculizar a que os mesmos fossem obtidos através da intervenção do juiz do processo – por saber que eram essenciais à justa decisão da causa.'
Entende o recorrente que a interpretação a que procedeu o Tribunal da Relação do Porto (idêntica à do Tribunal de Trabalho de Matosinhos) das normas constantes dos artigos 519º e 519º-A do Código de Processo Civil no sentido de que o juiz do processo cível pode ordenar a obtenção de certos meios de prova relativos a dados pessoais contidos nos sistemas informáticos da 'T...' e da 'P...' é inconstitucional por violação do direito à reserva da intimidade da vida privada
(e familiar) e da garantia de inviolabilidade das telecomunicações enunciadas nos artigos 26º, nº2 e 34º, nº. 4 da CRP.
Ou seja, a obtenção de meios de prova em processo cível com recurso a dados pessoais contidos nos sistemas informáticos de operadores de telecomunicações, dados esses relativamente aos quais foi pedida confidencialidade pelo utilizador e/ou relativos às comunicações efectuadas, viola o direito à reserva da intimidade da vida privada e a inviolabilidade das telecomunicações inscritos nos artigos 26º, nº2 e 34º, nº. 4 da CRP.
Por outro lado e sob pena de idêntica inconstitucionalidade, não podem tais meios de prova fundamentar, como fundamentaram, a resposta ao quesito 12º no sentido supra referido.
3 – Nas contra-alegações apresentadas neste Tribunal, a recorrida suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso por, em seu entender, estar apenas em causa a aplicação do direito ordinário ('a verdadeira questão é a de saber se o comportamento do Tribunal 'a quo' é conforme à lei ordinária')
... sendo que pelo Tribunal da Relação do Porto ... 'tal comportamento foi julgado conforme com a lei'.
Ora, independentemente do 'comportamento' do Tribunal, a questão prévia tem de improceder, porquanto o tribunal de 1ª instância, ao ordenar à 'T...' e à 'P...' a prestação de certas informações ao tribunal e ao utilizar os documentos em que constam tais informações como meios de prova que vieram a fundamentar a sua convicção para dar como provado um facto controvertido, fê-lo interpretando a norma constante do artigo 519º (mais especificamente do nº 3 alínea b) deste preceito) do Código de Processo Civil no sentido de que o juiz pode, em despacho fundamentado, ordenar a prestação de informações sobre os dados pessoais (por si considerados meramente confidenciais) contidos nos sistemas informáticos daquelas entidades, e que considera essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio e, ainda, de que é lícita a sua utilização como meio de prova – o que veio a ser coonestado pelo acórdão recorrido.
Não restam dúvidas de que o 'comportamento' do tribunal 'a quo' se identifica, neste particular, com uma interpretação da citada norma – interpretação que o recorrente considera inconstitucional, tendo oportunamente suscitado a questão de inconstitucionalidade (cfr. conclusão 10ª das alegações de recurso para a Relação de Coimbra ) - o que basta para este Tribunal poder apreciar a questão.
4 – Cumpre, a propósito, deixar, ainda, uma nota prévia sobre a utilidade do presente recurso.
Poderia, com efeito, entender-se que a utilidade do recurso está, ao menos em parte, prejudicada, uma vez que, no acórdão recorrido, se decidiu que se não verificavam os requisitos necessários para a alteração da matéria de facto dada como provada, previstos nos termos dos artigos 646º nº 4 e 712º do CPC, salientando-se que não constavam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão no que se refere ao aludido facto 12º - eles seriam não só os documentos supra indicados como também os diversos depoimentos prestados em audiência.
Sucede, contudo, que o acórdão não deixa de dar relevância, para uma tal conclusão, à circunstância de nele se entender que 'nem se verificou a alegada ilegalidade ou inconstitucionalidade na obtenção dos documentos indicados na respectiva fundamentação (...).'
E, por outro lado, sempre se fundamentando a decisão relativa à matéria de facto também nos mesmos documentos, a impossibilidade de a eles se atender, em resultado de um eventual juízo de inconstitucionalidade, pode repercutir-se na prova do facto 12º, ou seja, na convicção do julgador que se formou também com base naqueles documentos.
5 – Em ordem a apreciar o objecto do presente recurso, importa fazer um comentário, necessariamente breve, sobre as tecnologias da informação
(telecomunicações) em geral e, em particular, sobre a Internet.
A Internet surgiu em 1969 nos EUA, mais concretamente no Departamento de Defesa, com a implementação de um programa experimental (Advanced Resarch Projects Agency Network) destinado a assegurar uma rede de comunicações segura para organizações de defesa e, mais tarde, para organizações vocacionadas para a investigação científica no domínio da defesa, formando como que uma espécie de linguagem comum de comunicação entre redes de informação, independentemente das respectivas características tecnológicas, o que só foi tecnicamente possível pelo Transmission Control Protocol/Internet Protocol.
Atendendo ao contexto geo-político em que apareceu, a Internet nasce orientada para a satisfação dos utilizadores que a utilizam como meio de comunicação e de publicação, considerando a enorme facilidade em difundir a informação que se recebeu, o que a caracteriza como rede aberta e flexível.
O aparecimento do correio electrónico é quase simultâneo ao da Internet, na medida em que os investigadores colocavam na rede Request For Comments, o que constituiu uma forma rápida de comunicar /compartilhar ideias, o mesmo tendo acontecido com a transmissão de ficheiros de informação tão vital para as áreas da investigação académica e científica, em especial, no seu domínio de origem
(defesa militar).
A partir de 1983, a Internet transformou-se em veículo de transmissão comercial, com uma explosão mundial absolutamente sem precedentes, por força dos próprios desenvolvimentos tecnológicos da rede, permitindo a World Wide Web (www) a
'navegação' pelas páginas da informação ao estabelecer ligações (hyperlinks – hppl) com base no conteúdo, possibilidade que lhe granjeou a conquista de maior componente da Internet, a partir de meados da década de 90.
Ulteriores desenvolvimentos tecnológicos como, por exemplo, os browsers
(programa usado para navegação na WWW e que mediante a indicação de um endereço electrónico recebe as informações disponíveis no site e interpreta-as, apresentando no computador do utilizador as imagens, textos, sons, animações, etc), tornaram ainda mais acessível e fácil a navegação na Internet, dando assim corpo ao denominado ciberespaço entendido como meio de comunicação descentralizado e global que congrega indivíduos, instituições, empresas e governos dispersos por todo o mundo (sobre o conceito de browser, vide Garcia Marques e Lourenço Martins, Direito da Informática, Livraria Almedina, Coimbra,
2000 e para ciberespaço, Emilio Tosi (org.), I problemi giuridici di Internet, Giuffrè Editore, 2001, citando a decisão de 11.06.1996 do Tribunal Federal da Pensilvânia, na acção que a American Civil Liberties Union opôs aos EUA, representados por Janet Reno, págs. 4 a 5 e 523 a 554).
Pelo já exposto, resulta que a Internet não se configura como uma entidade física ou tangível, governável/controlável por apenas uma entidade, afigurando-se tecnicamente impossível atribuir a uma única entidade a gestão e controlo da informação que nela circula, a que se alia o desenvolvimento tecnológico que caracteriza este sector do conhecimento que impede o estabelecimento de verdades definitivamente alcançadas e firmes (o que é hoje tecnicamente 'verdade' em termos informáticos não é o seguramente amanhã ou, mesmo ainda hoje, em face da volatilidade e da própria imaginação dos navegantes que exploram sem limites as potencialidades desta rede aberta).
Com a massificação/democratização da utilização dos computadores e, nos últimos anos, dos computadores pessoais, a Internet tem sido 'procurada' por utentes privados que, geralmente, não têm acesso directo à Internet, o que lhes é concedido por um fornecedor de acesso especializado, ou por um fornecedor de serviços na Internet (fornecedores de 'conteúdo') ou por um fornecedor de serviços on-line (fornecedor de informação a assinantes e fornecedor de acessos) que, por sua vez, fazem a ligação à Internet mediante o aluguer de uma linha ao
'operador da rede'.
Os Internet Service Providers (ISP) oferecem o acesso (telefónico via modem) a um computador ligado à Internet, sendo que, em regra, existem vários operadores em cada país a oferecer o serviço, a um número cada vez maior de computadores pessoais (sobre o conceito de modem: 'aparelho que permite que os computadores
'falem' uns com os outros através da linha telefónica', ver José Magalhães, Roteiro prático da Internet, pág. 315, 3ª. ed., Quetzal Editores, Lisboa, 1995).
Sintetizando, pode afirmar-se que são necessários para a 'navegação' no ciberespaço apenas cinco 'elementos/requisitos': um computador, um modem, um programa de comunicações, ligação ao sistema informático de uma entidade que disponibilize uma porta de acesso à Internet e autorização de acesso/uso do sistema, sendo que as linhas telefónicas se apresentam como o 'meio de transporte' indispensável para a navegação.
Assim, ainda antes de entrarmos na análise em concreto do objecto do recurso, umas breves palavras de contextualização da problemática das telecomunicações e o direito das telecomunicações em Portugal.
6 – Desde as suas origens - no último quartel do século XIX - a propriedade, gestão e exploração das telecomunicações de uso público era exercida em sistema de monopólio, por uma empresa privada, no caso dos EUA, ou pelo Estado, no caso da Europa, com fundamento em quatro tipos de razões: políticas, económicas, técnicas e jurídicas (atenta a natureza de bem público que caracteriza as redes de telecomunicações).
Por volta dos anos oitenta (do século XX), o movimento de liberalização das economias europeias atingiu também o sector das telecomunicações, tendo convergido também nesse sentido uma alteração da 'política' comunitária para as telecomunicações, primeiro por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e, mais tarde, por iniciativa da Comissão (Livro Verde da Comissão sobre o desenvolvimento do mercado comum das telecomunicações de
1987) e do Conselho das Comunidades Europeias (acervo de resoluções e directivas para o sector) que vieram a estabelecer o princípio do funcionamento da rede básica de telecomunicações como rede aberta à prestação da generalidade dos serviços de telecomunicações (neste sentido, Pedro Gonçalves, Direito das Telecomunicações, págs. 29 a 55, Livraria Almedina, Coimbra, 1999).
Com a adesão de Portugal às Comunidades Europeias, impôs-se que o direito interno português 'reflectisse' essas orientações também no domínio ora em apreço, o que veio a acontecer com a Lei nº. 88/89, de 11 de Setembro (Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração das Infra-estruturas e Serviços das Telecomunicações).
Este diploma distinguia os serviços fundamentais (serviço público de telecomunicações: serviço fixo de telefone, telex e serviço comutado de transmissão de dados), serviços de telecomunicações complementares (que podem ser explorados por operadores de serviço público de telecomunicações ou por empresas de telecomunicações complementares devidamente licenciadas) e serviços de valor acrescentado (a sua prestação pode ser assegurada por qualquer pessoa singular ou colectiva para esse efeito autorizada).
Por força da conjugação das normas dos Decretos-Lei nº. 346/90, de 3 de Novembro e nº. 197/91, de 12 de Abril, permitiu-se que os operadores de serviços básicos instituíssem entidades jurídicas distintas e autónomas para efeito da exploração de serviços complementares de telecomunicações, dando assim origem à M... que passou a explorar o serviço público móvel anteriormente explorado pelos.... Mais tarde, pelo Decreto-Lei nº. 277/92, de 17 de Dezembro, autonomizaram-se as telecomunicações desenvolvidas pelos C... a favor da P..., S.A..
A T... é uma sociedade de capitais públicos que tem um estatuto de operador de serviços de telecomunicações complementares fixos, em especial a prestação do serviço comutado de transmissão de dados por pacotes (cfr. Lei de Bases nº.
88/89, de 11 de Setembro, Decretos-Lei nº. 346/90, de 3 de Novembro e 147/91, de
12 de Abril, Portaria nº. 930/92, de 24 de Setembro e Regulamento de Exploração de Serviços de Telecomunicações Complementares Fixos, anexo àquela portaria).
Face a esta reorganização das empresas nacionais de telecomunicações e cumprindo as obrigações comunitárias em matéria de telecomunicações, a Lei nº. 91/97, de 1 de Agosto, instituiu a nova Lei de Bases das Telecomunicações que consagrou o princípio da liberdade de estabelecimento das redes públicas de telecomunicações e o princípio da liberdade de prestação desses serviços (artigos 7º e 11º).
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido por esta última Lei surgiram os Decretos-Lei nº. 290-A/99 e 290-B/99, ambos de 30 de Julho, diplomas de que se destacam, entre as 'obrigações dos operadores de redes públicas de telecomunicações', as de 'd) Providenciar no sentido de assegurar e fazer respeitar, nos termos da legislação em vigor, a protecção de dados e o sigilo das comunicações suportadas na rede que exploram, ficando isentos de quaisquer responsabilidades por acções ou omissões que não lhe sejam imputáveis' (cfr. artigo 3º, nº. 2, do Decreto-Lei nº. 290-A/99, de 30 de Julho) e de 'e) Providenciar, no que for necessário e estiver ao seu alcance, no sentido de assegurar e fazer respeitar, nos termos da legislação em vigor, o sigilo das comunicações do serviço prestado, bem como o disposto na legislação de protecção de dados pessoais e da vida privada' (cfr. artigo 4º, nº. 2, do Decreto-Lei nº.
290-B/99, de 30 de Julho).
Refira-se que estas obrigações constavam já da Lei de Bases supra referida, na medida em que resulta do artigo 17º, nº. 2 que 'com os limites impostos pela sua natureza e pelo fim a que se destinam, é garantida a inviolabilidade e o sigilo dos serviços de telecomunicações de uso público, nos termos da lei.'
O quadro legal nacional para o sector das telecomunicações viria a ficar concluído com a transposição de duas directivas comunitárias, através da Lei nº.
67/98, de 26 de Outubro – Lei da Protecção de Dados Pessoais (transpõe a Directiva nº. 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de
1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dos dados pessoais e a livre circulação desses dados) e da Lei nº.
69/98, de 28 de Outubro que regula o tratamento dos dados pessoais e a protecção da privacidade no sector das telecomunicações (transpõe a Directiva nº.
97/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Dezembro de 1997).
Este último diploma - depois de fixar os seus âmbito e objecto (no artigo 1º) e de proceder a algumas definições no artigo 2º - impõe ao prestador de serviço de telecomunicações o dever de adoptar todas as medidas técnicas e organizacionais necessárias para garantir a segurança do serviço de telecomunicações acessíveis ao público que presta, impondo também aos operadores de rede o dever de garantir a confidencialidade e o sigilo das telecomunicações através dos serviços de telecomunicações acessíveis ao público e das redes públicas de telecomunicações
(cfr. artigos 4º, nº. 1 e 5º, nº. 1), violação que constitui contra-ordenação punível com a coima prevista no artigo 33º, nº. 2 do Decreto-Lei nº. 381-A/97, de 30 de Dezembro (cfr. artigo 15º).
Anote-se, desde já, que a Lei distingue entre confidencialidade e sigilo das telecomunicações, o que só pode significar a consagração de um diferente regime jurídico.
Vejamos, então, o caso dos autos.
7 – Nos autos, estão fundamentalmente em causa dois tipos de dados:
- Dados de 'identificação' do titular ;
- Facturação detalhada.
A norma do Código de Processo Civil substancialmente aplicada no acórdão recorrido e interpretada em termos de fundamentar a obtenção daqueles dados por requisição a terceiros e a sua utilização como meio de prova é do seguinte teor:
'Artigo 519º
'Dever de cooperação para a descoberta da verdade
1. [Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.]
2. (...)
3. A recusa é, porém, legítima se a obediência importar: a. (...) b. Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;
.....................................................................................................................
Sobre a problemática das telecomunicações em geral e, em particular, sobre a recusa dos operadores de telecomunicações em prestar informações sobre dados pessoais dos clientes, dados cobertos pela confidencialidade e sigilo das telecomunicações, solicitadas por ordem judicial (e de outras entidades de polícia criminal) em processos de natureza cível (e criminal), pronunciou-se já o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República nos Pareceres nº 16/94, votado em 24/06/94 (acessível na Internet em www.dgsi.pt), nº. 16/94 – Complementar, votado em 2/05/1996, in Pareceres, vol. VI, págs. 535 a 573 e nº.
21/2000, de 16/06/2000, in DR, II Série, de 28/08/2000.
De harmonia com esses Pareceres – que citam alguma da mais autorizada doutrina - no serviço de telecomunicações podem distinguir-se três espécies ou tipologias de dados:
'(...) os dados relativos à conexão à rede, ditos dados de base; os dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma ligação ou comunicação e os dados gerados pela utilização da rede (por exemplo, localização do utilizador, localização do destinatário, duração da utilização, data e hora, frequência), dados de tráfego; dados relativos ao conteúdo da comunicação ou da mensagem, dados de conteúdo'.
Os dados de base consistem nos elementos necessários ao acesso à rede por parte do utilizador, pelo que estão aqui necessariamente em causa o número e os dados através dos quais o utilizador acede ao serviço. Ora, esses elementos, de que se destacam a identificação e a morada do utilizador, são fornecidos ao explorador
(operador) do serviço para efeito de ligação à rede (assinatura do contrato ou protocolo) ou são atribuídos por este ao utilizador (atribuição do respectivo número de acesso).
Relativamente a estes dados de natureza pessoal, o seu titular tem o direito de reserva, o que determina que a inscrição tenha lugar facultativo, sendo que no
âmbito do serviço telefónico público fixo a regra é a da publicidade dos nomes e dos números de telefone dos assinantes, ao contrário do que sucede quanto ao serviço móvel terrestre e das telecomunicações complementares em que a regra é a da confidencialidade (cfr. artigo 11º da Lei nº. 69/98, de 28 de Outubro)
(também neste sentido, o Parecer nº. 16/94, de 24.06.1994, da Procuradoria-Geral da República).
Constando o número do telefone e o nome do respectivo titular de lista de assinantes, e não havendo conexão directa com a comunicação em si, tais elementos não estão cobertos pelo sigilo das telecomunicações legalmente previsto.
Mas a lei, ao garantir o regime de confidencialidade de tais dados, pressupõe o interesse da sua não divulgação pelos operadores de telecomunicações por invocação da reserva da intimidade da vida privada, estando em causa a relação de confiança que se estabeleceu aquando da subscrição do serviço de telecomunicações entre utentes e prestadores do serviço, que a lei também tutela.
Assim, em caso de opção do utente pela confidencialidade de tais dados, deve entender-se que os dados relativos ao número de telefone, nome e residência do assinante estão abrangidos pelo sigilo das telecomunicações.
Porém, o dever de sigilo dos operadores dos serviços de telecomunicações tem de ser equacionado face ao dever de colaboração com a administração da justiça, quer em matéria de investigação criminal, quer em sede de processo civil latamente considerado, como é o caso dos presentes autos.
8 - O primeiro pedido da R. nos presentes autos refere-se à 'identificação do autor dos textos em causa neste processo', fornecendo-se alguns elementos em ordem a essa identificação, o que parece permitir concluir que se trata de verdadeiros dados de base.
Importa esclarecer que nenhum desses elementos individualmente considerado reúne condições para preencher a pretendida identificação do autor dos textos.
Vejamos porquê.
O 'NNPT – Posting Host: 194.65.178.114' corresponde ao IP (Internet Protocol) identificador apenas do computador que emitiu uma mensagem no dia e hora indicados, mas que sendo dinâmico é variável consoante cada comunicação estabelecida ou mensagem enviada a circular na rede, tenha ou não origem naquele computador. Trata-se, no fundo, de um número de série atribuível pelo software de gestão da rede para cada ligação que é efectuada, sendo que a primeira série de três números corresponde a uma espécie de indicativo nacional, a segunda série de dois números a uma região ou zona do país e as terceira e quarta séries de três números correspondem às máquinas (computadores) nacionais de onde partiu a mensagem.
Do que resulta que o IP não é sinónimo de endereço electrónico, enquanto caixa de correio de onde e para onde se podem enviar mensagens.
Finalmente, a própria mensagem tem um 'código' de identificação e que, no caso ora em apreço, corresponde ao terceiro elemento fornecido à T....
Trata-se de elementos técnicos que acompanham qualquer mensagem de correio electrónico e que permitem, em conjunto, proceder à identificação do computador do qual partiu a mensagem, o computador emissor (mas já não a autoria da própria mensagem como está em causa nos autos).
Ora, os dados de tráfego respeitam aos próprios elementos funcionais da comunicação reportando-se à direcção, destino, via e trajecto de uma determinada mensagem.
Assim, estes elementos funcionalmente necessários ao estabelecimento e à direcção da comunicação identificam ou permitem identificar a comunicação e, uma vez conservados, possibilitam a identificação das comunicações entre emitente e destinatário, a data, o tempo, a frequência das ligações efectuadas, sendo que a conservação destes elementos pelo operador obedece a intuitos finalísticos como sejam a boa utilização e qualidade das comunicações, facturação, estatísticas, identificação dos erros de trajecto das comunicações e apenas nos períodos – necessariamente curtos – autorizados por lei.
Estes dados são dados funcionais necessários ao estabelecimento de uma comunicação e gerados pela utilização da própria rede.
9 - Assim, importa agora ver em que medida os elementos fornecidos à 'T....' e à
'P...' se configuram como dados de base, dados de tráfego ou dados de conteúdo, respeitando estes últimos à mensagem em si, ao seu conteúdo.
Através dos elementos fornecidos à 'T...' e à 'P...' – com a finalidade de identificação do autor de determinada mensagem – pode afirmar-se a existência de uma mensagem, a sua origem, a data em que ela ocorreu, a duração dessa mensagem/comunicação, o seu destinatário, sendo que esses elementos só são inteligíveis para o comum dos cidadãos a partir da 'tradução' vertida na informação/resposta da 'T...' e da 'P...'.
O mesmo vale por dizer, que, à excepção de técnicos ou peritos em informática das telecomunicações – e, em particular, a informática das telecomunicações exploradas pela 'T...' e pela 'P...' - o homem médio não consegue identificar aqueles dados fornecidos com uma comunicação efectuada via Internet, dados esses que, insiste-se, só fazem sentido, mesmo para técnicos e peritos, em conjunto, mas não isoladamente.
Refira-se o Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados nº. 29/98, de
16.04.1998 em que aquela Comissão, a par de concluir no sentido de que a tutela constitucional do sigilo da correspondência e das telecomunicações '(...) abrange quer o denominado 'tráfego' da comunicação quer o conteúdo desta', conclui que 'o dado pessoal 'morada', isoladamente considerado e fornecido pelo assinante à M..., a título confidencial, quando da contratualização do respectivo serviço telefónico, não se integra no âmbito daquele direito constitucional'.
Aquele parecer refere o 'dado pessoal 'morada', isoladamente considerado', situação que é manifestamente diferente da dos presentes autos.
Nestes, os operadores de telecomunicações ao informarem o tribunal, esclarecendo, num primeiro momento, a quem foi atribuído no dia em causa o IP identificado e o código atribuído à mensagem pelo sistema de gestão da rede de telecomunicações; num segundo momento a característica dinâmica do IP e, mais tarde ainda, a identificação da linha telefónica e o nome do respectivo assinante, bem como a factura detalhada das chamadas efectuadas por aquela linha, forneceram informações respeitantes a dados de tráfego de acordo com o conceito que atrás avançámos.
Coloca-se, assim, a questão de saber se – repete-se - ao determinar a prestação destas informações, o Juíz de 1º instância interpretou o disposto no artigo 519º nº 3 alínea b) do CPC, com o sufrágio do acórdão recorrido, em termos tais que fazem incorrer a norma interpretada em inconstitucionalidade – isto, sem curar de saber, se a dita norma foi, no estrito plano do direito infraconstitucional, correctamente aplicada.
10 - A Constituição consagra, em diversos preceitos, um conjunto de direitos que protegem o que, lato sensu, se pode considerar a esfera da vida pessoal dos cidadãos.
É o caso do disposto no artigo 26º nº 1 que reconhece o 'direito à reserva da intimidade da vida privada', do artigo 34º que garante a inviolabilidade do 'sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada' (nº 1) e proíbe 'toda a ingerência das autoridades públicas (...) nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em processo criminal' (nº 4) e do artigo 32º nº 8 que, no âmbito das garantias do processo criminal, fulmina com a nulidade 'todas as provas obtidas mediante (...) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações'.
Independentemente da questão de saber se o sigilo das telecomunciações se inscreve sempre, numa relação de especialidade, com a tutela da vida privada (sendo embora seguro que o direito a tal sigilo garante o direito à reserva da intimidade da vida privada) certo é que aquele tem na Constituição um tratamento específico. E, situando-se o caso no âmbito das telecomunicações, é às normas constitucionais que às telecomunicações respeitam, que, antes do mais, haverá que atender para aferir da constitucionalidade da interpretação normativa em causa.
Ora, segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho ('Constituição da República Portuguesa Anotada', pág. 213) o sigilo das telecomunicações, garantido nos termos do artigo 34º nº 1 da Constituição, abrange não só o conteúdo das telecomunicações, mas também o 'tráfego' como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização).
Reconhece-se que a garantia da inviolabilidade das telecomunicações não é, na Constituição, absoluta – ela admite a ressalva de 'casos previstos na lei' (nº 4 do citado artigo 34º). Simplesmente, a Constituição teve o cuidado de delimitar o âmbito em que esses casos se poderiam inscrever – 'em matéria de processo criminal'.
Este inciso constitucional é tanto mais relevante quanto em matéria de processo criminal, as excepções à inviolabilidade das telecomunicações não são a regra ou, melhor, não são a contra-regra. Na verdade, na lei ordinária actual, mesmo em matéria de processo crime, a ingerência nas telecomunicações só é permitida nos casos de o tipo legal de crime corresponder ao catálogo de crimes cuja gravidade social e o relevante interesse da paz social permitem essa ingerência
(cfr. neste sentido, Costa Andrade, 'Sobre as proibições de prova em processo penal', Coimbra Editora, 1992).
Por outro lado, há-de entender-se que a proibição de ingerência nas telecomunicações, para além de vedar a escuta, intercepção ou vigilância de chamadas, abrange, igualmente, os elementos de informação com elas conexionados, designadamente os que no caso foram fornecidos pelos operadores de telecomunicações (neste sentido, cfr. cit. Parecer da PGR nº 21/2000).
É certo que se poderia contrapor ao sigilo das telecomunicações – como se faz no acórdão recorrido - o interesse público na administração da justiça, em ordem ao qual se verteu em lei o dever de cooperação das partes e de terceiros para a descoberta da verdade.
A verdade, porém, é que, como se viu, o âmbito da restrição ao princípio da não ingerência nas telecomunicações está constitucionalmente delimitado, não sendo lícito, a pretexto de concordância com aquele interesse, também constitucionalmente consagrado, ampliar a restrição consentida.
No caso, não tem assim cabimento argumentar com tal concordância, uma vez que a ingerência nas telecomunicações do Autor/recorrente ocorreu no âmbito de acção para impugnação de despedimento com aplicação de normas de processo de natureza estritamente civil.
11 - Como se deixou já depreender, com as informações prestadas nos autos pelos operadores T... e P..., ocorreu, de facto, uma ingerência nas telecomunicações do Autor.
Desde logo, a simples informação de que se estabeleceu uma ligação/comunicação, sendo, no entanto de salientar que os operadores de telecomunicações em causa foram muito para além dessa informação.
Diga-se, aliás, que o que está em causa, pelo acima exposto, não é a mera confidencialidade dos dados pessoais fornecidos às operadoras de telecomunicações e por elas 'interpretados/esclarecidos' (tornados inteligíveis)
– ou seja, não é a especial relação de confiança que se estabelece entre utilizador e operadores de telecomunicações – dispensável por despacho judicial fundamentado.
É a própria inviolabilidade das telecomunicações que está em causa, pelo que nunca a dispensa de confidencialidade poderia justificar a ordem de prestação de informações constantes dos sistemas informáticos de operadores de telecomunicações, maxime em processo de natureza cível.
E a violação daquela garantia é tanto mais grave, no caso dos autos, quanto a
'T...' afirma prestar as informações pretendidas '(...) por consulta aos suportes contabilísticos electrónicos do serviço facturado em 20/07/97', não cabendo no objecto do presente recurso apreciar se se mostrava ou não exaurido o prazo legal para 'apagar' ou 'tornar anónimos' esses dados.
Os dados fornecidos pela 'P...' respeitam, como já referido, à identificação das linhas telefónicas instaladas na residência do Autor/recorrente e à facturação detalhada.
No que a esta última informação concerne, importa, ainda, dizer o seguinte:
A Lei nº. 23/96, de 26 de Julho, consagrou no nosso ordenamento jurídico alguns mecanismos vocacionados para a protecção do utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de telefone, estabelecendo o direito (do utente) '... a uma factura que especifique devidamente os valores que apresenta', devendo esta '... traduzir com o maior pormenor possível os serviços prestados, sem prejuízo de o prestador do serviço dever adoptar as medidas técnicas adequadas à salvaguarda dos direitos à privacidade e ao sigilo das comunicações' [cfr. artigos 1º, nº. 2, alínea d) e 9º, nºs. 1 e 2].
A protecção dos consumidores norteia ainda um outro diploma de 1996, a Lei nº.
24/96, de 31 de Julho, diploma que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores e que consagra como direito do consumidor, entre outros, o da protecção dos interesses económicos [cfr. artigo 3º, alínea e)], incumbindo 'ao Governo adoptar as medidas adequadas a assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objecto bens e serviços essenciais, designadamente
água, energia eléctrica, gás, telecomunicações e transportes públicos' (cfr. artigo 9º, nº.8).
A importância deste equilíbrio nas relações jurídicas entre fornecedores de serviços essenciais e consumidor/utente, nomeadamente em contexto de monopólio estadual, terá levado a que, em ordem à sua efectiva implementação, o Governo viesse - pelo Decreto-Lei nº. 230/96, de 29 de Novembro - a estabelecer a gratuitidade do fornecimento da facturação detalhada do serviço público de telefone que se afirma agora como dever do prestador do serviço, ainda que não haja pedido do utente nesse sentido.
Por outro lado, a facturação detalhada corresponde a uma reinvindicação antiga dos utentes do serviço que impõe ao prestador o dever de identificar cada chamada telefónica e respectivo custo/preço, pois só assim estarão reunidas as condições para o cabal esclarecimento e controlo pelo utente da utilização que é feita do nº. de telefone que lhe está atribuído, possibilitando-lhe impedir a ocorrência de abusos, assim se assegurando a fiabilidade dos serviços prestados e a justificação do preço respectivo.
No domínio das telecomunicações, a Lei nº. 91/97, de 1 de Agosto, no nº. 4 do artigo 17º, dispõe que 'os consumidores podem controlar a facturação correspondente à utilização dos serviços de telecomunicações prestados em termos de serviço universal, nos termos a definir nos respectivos regulamentos de exploração'.
Mas a facturação detalhada enquanto direito do utente pode colidir com o direito
à privacidade de quem estabelece a comunicação telefónica (no caso de não ser o próprio utente) e dos destinatários da mesma, visto que ela permite a quem presta o serviço o conhecimento de todas as chamadas feitas a partir daquele nº. de telefone e de todos os seus destinatários, conhecimento esse que abrange as circunstâncias de facto ('conhecimento das condições factuais', como diz Pinto Monteiro, 'A protecção do consumidor de serviços de telecomunicações', in 'As telecomunicações e o direito na sociedade da informação', FDUC, 1999, pág. 152) em que a comunicação teve lugar (hora a que a comunicação foi estabelecida, duração, delimitação geográfica – local, regional, nacional, internacional, móvel).
Importa referir neste domínio a posição assumida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados no Parecer nº. 10/98 ao assinalar, quanto aos 'dados para efeito de facturação', que 'para garantir a segurança, a certeza e a fiabilidade das chamadas telefónicas e com a finalidade estrita de facturação e pagamento é possível, o registo do nome, morada, tipo de posto de telefone utilizado, unidades de conversação, dia e hora de início, tempo de conversação e número falado', apenas pelo período de tempo (necessariamente curto) em que a factura possa ser legalmente contestada, tendo concluído no Parecer nº. 11/98 que 'fora desta finalidade os dados devem ser apagados ou tornados anónimos' (pareceres acessíveis na Internet em www.cnpd. pt – relatório de actividades de 1998).
Ora, na definição de factura detalhada incluem-se informações relativas a todas as chamadas efectuadas, incluídas as chamadas para linhas de serviço de emergência/SOS/similares, ao número de chamadas, aos números de telefone chamados, à hora de início e duração de cada chamada e às respectivas unidades de contagem.
Trata-se, em suma, do espelho em papel dos dados de tráfego das telecomunicações estabelecidas pelo utilizador.
Ora, no caso, o conjunto dos elementos de 'identificação' do titular (que vimos acima tratar-se verdadeiramente de dados de tráfego da comunicação supostamente estabelecida pelo Autor/recorrente) e da facturação detalhada, foi também (cfr. supra nº 4) fundamento da convicção do julgador para dar como provada a identificação da autoria dos textos anónimos em causa nos autos.
Mas, independentemente dos aludidos dados de tráfego, a verdade é que, em abstracto, a facturação detalhada permite sempre quebrar o véu da intimidade da vida privada do Autor, 'desnudando-a', tornando-a transparente para terceiros.
Em suma, o triunfo da transparência (a 'obsessão de vitrificação da realidade', assim lhe chama Faria Costa, 'Direito Penal da Comunicação. Alguns escritos', Coimbra Editora, 1998, pág. 96) sobre a opacidade do ser, afinal, as traves-mestras que atravessam e se degladiam na tutela da intimidade da vida privada, com particular reflexo no moderno direito à autodeterminação informacional.
Através da informação da facturação detalhada foi invadida a reserva da intimidade da vida privada do Autor/recorrente, no âmbito de um processo de natureza cível, o que viola o direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e as garantias do sigilo (e da não ingerência nas) das telecomunicações, consagrados na Lei Fundamental nos artigos 26º, nº. 2 e 34º, nºs 1 e 4, o que apenas resultou da notificação determinada pelo julgador numa interpretação, que o acórdão recorrido entendeu apropriada, da norma do artigo
519º nº. 3 alínea b) do CPC.
12 - Mas se os pertinentes despachos supõem uma tal interpretação, que viola a Constituição, a verdade é que os elementos informativos prestados vieram – disse-se já - a ser utilizados e atendidos como meio de prova.
Isto desloca, ainda, a questão de constitucionalidade para o plano da prova, ou seja, para a questão de saber se a Constituição comina qualquer efeito relativamente a meios de prova obtidos com violação do sigilo das telecomunicações ou com a ingerência nas telecomunicações, em processo cível.
Poderia entender-se prejudicada a apreciação desta questão, por o julgamento de inconstitucionalidade reportado à interpretação normativa do artigo 519º nº 3 alínea b) do CPC, em que assentou a requisição de informações à T... e à P..., inviabilizar o aproveitamento dessas informações como meio de prova.
A verdade é que, tratando-se de questões formalmente distintas, não compete ao Tribunal Constitucional, ao menos nesta fase, formular qualquer juízo sobre os termos em que deve ser reformulado o acórdão recorrido, sendo certo que neste se aceitaram os documentos que veicularam as referidas informações como meios de prova.
Ora, se no que concerne ao processo penal e inserido no preceito sobre 'garantias do processo criminal' (artigo 32º), a Constituição estabelece a nulidade de 'todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações', o que dispensa a mediação de lei ordinária, já quanto ao processo civil nada a este respeito se prescreve na Lei Fundamental.
Mas do silêncio da Constituição não pode extrair-se que outra seja a sanção de uma prova obtida com ingerência nas telecomunicações (sobre esta temática cfr. Isabel Alexandre 'Provas Ilícitas em Processo Civil', 1998, Almedina).
Com efeito, tal como num processo em que o resguardo da dignidade do arguido, com proscrição de meios de prova obtidos com violação de direitos fundamentais, há-de sempre condicionar a averiguação da verdade material - e isto mesmo estando em causa a ofensa de bens essenciais à vida em sociedade – também num outro, em que se dirime um litígio de interesses privados, não se justifica sanção menos grave para a prova alcançada com idêntica violação.
A infracção à proibição constitucional de ingerências nas telecomunicações há-de, pois, ter, nos processos cíveis e em matéria de prova, a mesma sanção radical: a nulidade.
13 – Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se: a. julgar inconstitucional a norma ínsita no artigo 519º nº 3 alínea b) do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido de que, em processo laboral, podem ser pedidas, por despacho judicial, aos operadores de telecomunicações informações relativas aos dados de tráfego e à facturação detalhada de linha telefónica instalada na morada de uma parte, sem que enferme de nulidade a prova obtida com a utilização dos documentos que veiculam aquelas informações, por infracção ao disposto nos artigos 26º nº 1 e 34º nºs 1 e 4 da Constituição; b. conceder provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com o presente julgamento de inconstitucionalidade. Sem custas. Lisboa,29 de Maio de 2002 Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa