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Proc. nº 213/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do 6º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, de 18 de Outubro de 2001, foi a ora recorrente, M..., condenada como autora material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 700$00, o que perfaz a quantia global de 42.000$00.
2. Inconformada com a assim decidido a arguida, ora recorrente, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual veio a ser julgado totalmente improcedente, por acórdão de 31 de Janeiro de 2002.
3. Foi desta decisão que foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso, para apreciação da constitucionalidade do artigo
412º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal, 'com a interpretação que lhe foi dada pelo tribunal recorrido: rejeição do recurso por omissão de transcrição sem apreciar sobre quem impendia o correspectivo ónus e, entendendo-se ser da arguida, sem a notificar para apresentar a transcrição'.
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 135 a 138). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Ora, constitui desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo quando tal se faz em tempo de o tribunal recorrido a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que exige que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma inconstitucionalidade respeita (ou seja: em regra, antes da prolação da decisão recorrida). Esta jurisprudência, que mantém inteira validade, obsta, só por si, a que possa agora conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a própria recorrente reconhece que só teria suscitado a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada já depois de proferida a decisão recorrida, concretamente nos requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
5. Sustenta, porém, que não pôde em momento anterior invocar as inconstitucionalidade acima referidas 'porquanto quando ofereceu as suas alegações não se colocava o entendimento acima perfilhado, faltando o tribunal de 1ª instância se pronunciar sobre a questão, assim como o tribunal recorrido
(...) pelo que a invocação das inconstitucionalidades ainda não lhe era exigível
(cfr. nºs 42 e 43 do requerimento de interposição do recurso). Porém, como vai sumariamente ver-se, não lhe assiste razão. Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a seguidas e utilizadas na decisão e utilizarem as necessárias precauções, de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus direitos (cfr., nesse sentido, entre muitos outros, o acórdão nºs 479/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., p. 149). Assim, sendo previsível que a decisão recorrida pudesse vir a dar à norma objecto do recurso a dimensão normativa que a ora recorrente reputa de inconstitucional - e, era-o, efectivamente, não só porque, como se refere expressamente na decisão recorrida, já era conhecida a polémica que tem rodeado a questão de saber a quem incumbe o ónus da transcrição da prova gravada em audiência e quais as consequências da sua falta, mas, fundamentalmente, como também se refere na decisão recorrida, porque tem sido aquela a posição reiterada em vários acórdãos da Relação de Lisboa -, era-lhe efectivamente exigível que tivesse, antes de proferida aquela decisão, suscitado essa mesma inconstitucionalidade. Não o tendo feito, não pode agora, de acordo com a jurisprudência antes expressa, que mantém inteira validade, conhecer-se do objecto do recurso interposto ao abrigo da alíneas b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por falta de um dos seus pressupostos legais de admissibilidade; a saber: ter a questão de constitucionalidade sido suscitada pela recorrente durante o processo'.
5. Inconformada com esta decisão a recorrente apresentou a presente reclamação para a Conferência (fls. 140 a 143), onde alega, em síntese, que não tinha de suscitar, antes de ser proferida a decisão recorrida, a questão da inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, porquanto até àquela decisão nunca essa norma tinha sido aplicada nem a recorrente poderia prever que o viesse a ser com o entendimento que lhe deu o Tribunal da Relação.
6. O Representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe no seguintes termos:
'1º - As razões aduzidas pela reclamante não convencem da verificação dos pressupostos do recurso.
2º - Na verdade – e perante a categórica imposição da lei processual penal de que, havendo recurso relativo a prova gravada ou registada, há lugar à respectiva transcrição – era perfeitamente óbvio e previsível que a viabilidade da reapreciação pela Relação da matéria de facto dependia, em absoluto, da transcrição.
3º – Cumprindo naturalmente à recorrente, uma actuação processual diligente e cautelosa, ou realizar, ela própria, tal transcrição, ou requerer ao juiz a quo que o tribunal a ela procedesse.
4º - E suscitando naturalmente, nesse momento, as questões de constitucionalidade que considerasse pertinentes'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
7. Contesta a reclamante, fundamentalmente, que tivesse de suscitar a questão de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciada antes de proferida a decisão recorrida. Invoca, designadamente, que não o podia ter feito - ou, pelo menos, que tal não lhe era exigível - uma vez que até àquela decisão nunca o artigo 412º, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal tinha sido aplicado nem a recorrente poderia prever que o viesse a ser com o entendimento que lhe deu o Tribunal da Relação. A verdade, porém, é que - como se demonstra na decisão reclamada, que se pronunciou expressamente sobre esta questão - não lhe assiste razão, sendo previsível a aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada e, por isso, sendo-lhe também exigível que, antecipando essa aplicação, suscitasse a questão da sua inconstitucionalidade em termos de o Tribunal Recorrido estar obrigado a sobre ela se pronunciar. Nestes termos, e não avançando a reclamante com qualquer novo argumento capaz de justificar a alteração do então decidido, apenas resta, reafirmando os fundamentos já constantes da decisão reclamada, que em nada são abalados pela presente reclamação, concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da presente reclamação. III - Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 21 de Junho de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida