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Proc. nº 264/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. J... (ora recorrente) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, acção declarativa de simples apreciação negativa contra a C..., S.A. (ora recorrida), pedindo que se declarasse a inexistência de qualquer dívida do autor
à ré, referente às operações de bolsa por si intermediadas em 1987.
2. Em despacho fundamentado (fls. 475 a 476) o Tribunal indeferiu liminarmente a petição, por considerar que o autor, com a presente acção, nada mais pretendia do que obter uma decisão judicial contrária a outra à qual não deduziu a oposição adequada, ou que, apesar de tal oposição, lhe foi desfavorável.
3. Inconformado com esta decisão dela recorreu o A. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Maio de 2001 (fls. 541 a 550), negou provimento ao recurso.
4. Novamente inconformado recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça tendo, a concluir a sua alegação, dito, designadamente, o seguinte:
'(...) E) A decisão recorrida contraria manifestamente o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, vedando ao agravante o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
(...)'.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Janeiro de 2002 (fls. 594 a 599), decidiu negar provimento ao recurso.
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade do 'Estatuto da C..., aprovado pelo DL nº 48.953, de
05/04/69, alterado pelo DL nº 673/70, de 31/12, nomeadamente o seu artigo 61º, na medida em que aí se remetem as execuções para cobrança de créditos da C... para a Administração Tributária, com todos os seus privilégios em relação ao foro comum', bem como da 'alínea g) do art. 268º do C.P. Tributário, na interpretação, inversa da do Tribunal Tributário, de que permitirá a discussão da ilegalidade de liquidação da dívida exequenda no Tribunal Tributário e não já nos Tribunais Comuns'.
6. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 628 a 631). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, o recurso interposto pelo ora recorrente, o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, pressupõe, além do mais, que: a. o recorrente tenha suscitado, durante o processo e perante o tribunal recorrido, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, e que; b. não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado, como ratio decidendi, no julgamento do caso. Importa, pois, começar por averiguar se o recorrente suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão da constitucionalidade das normas cuja inconstitucionalidade agora pretende ver apreciada – as constantes do 'Estatuto da C..., aprovado pelo DL nº 48.953, de 05/04/69, alterado pelo DL nº 673/70, de
31/12, nomeadamente o seu artigo 61º, na medida em que aí se remetem as execuções para cobrança de créditos da C... para a Administração Tributária, com todos os seus privilégios em relação ao foro comum', bem como da 'alínea g) do art. 268º do C.P. Tributário, na interpretação, inversa da do Tribunal Tributário, de que permitirá a discussão da ilegalidade de liquidação da dívida exequenda no Tribunal Tributário e não já nos Tribunais Comuns'. Ora, é manifesto que não o fez. Se atentarmos no teor das conclusões da alegação apresentada perante o Supremo Tribunal de Justiça verificamos que aí não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. O recorrente limita-se a imputar aí (na conclusão E), que já transcrevemos) à própria decisão do Tribunal da Relação - e não a normas que esta tenha aplicado, a violação do disposto no artigo 20º da Constituição. Ora, como resulta expressamente do disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que o recorrente não suscitou sequer, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso para o Tribunal Constitucional a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC'.
7. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência (fls. 633 a
636), que fundamentou nos seguintes termos:
'(...)
3. Não se afigura aceitável tal decisão logo à luz da letra da norma citada onde se impõe apenas que o recurso seja admitido de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
4. Ora, não há dúvida de que, no caso presente, tanto o acórdão da Relação como o do STJ aplicaram normas (o art. 61º do Estatuto da C... e a al. g) do art.
268º do CPT) de que foi suscitada, no processo, a inconstitucionalidade por ofensa dos artigos 13º e 20º da CRP. E não há dúvida de que desde a petição inicial às alegações para o Tribunal da Relação e para o Tribunal Recorrido foi suscitada essa inconstitucionalidade.
5. Veja-se o que na p.i. se alega no art. 26º conjugado com o art. 25º, a existência de um foro especial viola o princípio da igualdade e traduz-se em diminuição de garantias uma vez que fica vedado ao tribunal comum conhecer se a dívida exequenda foi bem ou mal liquidada.
6. Repare-se também no texto das alegações para o Tribunal da Relação, concretamente as alíneas H) e M) das conclusões ainda conjuntamente: a existência de foro especial e por conseguinte as normas que o instituem e regulam, nomeadamente o art. 61º, na redacção do art. 693/70, sºao inconstitucionais violando o princípio da igualdade bem como o art. 20º da Constituição na medida em que vedam ao recorrente o acesso ao direito e aos tribunais.
7. Veja-se ainda o que diz o Ac. Da Relação a este propósito.
«...Por outro lado...também não tem, portanto, qualquer fundamento plausível a invocação pelo agravante, nesta acção, de qualquer ofensa aos princípios constitucionais da igualdade ou do acesso ao direito e aos tribunais, previstos nos art.s 12º e 20º da CRP'.
8. A al. E) das conclusões das alegações para o STJ deverá ser entendida no contexto destes antecedentes. O que aí se quis atacar foi a inconstitucionalidade do art. 61º do Estatuto da C... por ofensa ao princípios da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, e a al. g) do art. 268º do CPT, na medida em que a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda como fundamento da oposição à execução, só em certos casos poderá ser invocada no tribunal tributário estando excluída nos tribunais comuns, com ofensa do art.
20º da CRP.
9. Também no acórdão do STJ recorrido é aceite ou pressuposta a arguição de inconstitucionalidade, com referência ao art. 20º da Constituição, das normas que vedam a invocação do vício de ilegalidade da liquidação da dívida perante o foro comum ao contrário do que entendeu o tribunal tributário.
10. O douto acórdão trazido à colação para contestar o despacho aqui reclamado, não deixa de citar, de forma genérica, o art. 280º, nº 1, al. b) da CRP e o art.
70º, nº 1, al. b) da LTC, sendo certo que em um e outro preceito se assevera que o recurso é interposto das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Será, pois, sempre a decisão que é posta em causa em virtude de determinada aplicação da norma considerada inconstitucional, sendo que o vício da causa se comunica ao efeito, numa relação intrínseca e incindível.
8. Notificada para responder, querendo, à presente reclamação, a recorrida nada disse.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
III – Fundamentação
9. Conforme se refere na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o recurso aí previsto tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas 'cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo' e, nos termos do nº 2 do art. 72º do mesmo diploma, 'só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'. Ora, a verdade é que, como se demonstrou já na decisão reclamada, o recorrente não suscitou perante o Supremo Tribunal de Justiça a inconstitucionalidade das normas que se extraem do art. 61º do Estatuto da C... e da al. g) do art. 268º do CPT, mas da própria decisão do Tribunal da Relação de que recorreu para aquele Supremo Tribunal. Para o demonstrar bastará recordar o teor da conclusão E) da alegação de recurso apresentada no Supremo Tribunal de Justiça, onde, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e em cumprimento do disposto no nº 2 do art. 75º-A da LTC, o recorrente refere ter suscitado, perante o Tribunal Recorrido, a questão de constitucionalidade. Dispõe aquela conclusão E): 'A decisão recorrida contraria manifestamente o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, vedando ao agravante o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos'. (Sublinhado nosso).
10. Alega o ora reclamante (conclusão 4ª da reclamação) que 'não há dúvida de que, no presente caso, tanto o acórdão da Relação como do como o do STJ aplicaram normas (o art. 61º do Estatuto da C.... e a al. g) do art. 268º do CPT) de que foi suscitada, no processo, a inconstitucionalidade por ofensa dos artigos 13º e 20º da CRP. E não há dúvida de que desde a petição inicial às alegações para o Tribunal da Relação e para o Tribunal Recorrido foi suscitada essa inconstitucionalidade'. Não têm, porém, razão. Como resulta evidente do que já antes se disse, nem é suficiente que tenha suscitado a questão de constitucionalidade perante a 1ª instância ou a Relação, nem é verdade que o tenha feito perante o Supremo Tribunal de Justiça.
11. Alega ainda (conclusão 8ª) que na alínea E) da conclusões da alegação perante o STJ 'O que aí se quis atacar foi a inconstitucionalidade do art. 61º do Estatuto da C... por ofensa ao princípios da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, e a al. g) do art. 268º do CPT...'. (sublinhado nosso). A verdade, porém, é que não foi o que aí se fez, omitindo o então recorrente nessa conclusão (ou em qualquer outra da referida alegação) qualquer referência
àqueles artigos. E, como o Tribunal tem dito repetidamente (nesse sentido, entre muitos outros, o acórdão nº 198/88, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Março)
'Ao suscitar-se a questão de constitucionalidade há-de deixar-se claro qual o preceito legal cuja constitucionalidade se questiona ou, no caso de se questionar certa interpretação de um norma, qual o sentido e a dimensão normativa do preceito que se tem por violador da Lei Fundamental'. (Sublinhado nosso).
12. Assim, pelas razões constantes da decisão reclamada, que mais uma vez agora se reiteram porquanto em nada são abaladas pela reclamação, é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor e, em consequência, de indeferir a presente reclamação.
III - Decisão Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 21 de Junho de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida