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Processo n.º 50/02
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Nos presentes autos, o relator proferiu em 4 de Fevereiro de 2002, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), Decisão Sumária no sentido de não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por M..., com os seguintes fundamentos:
'4. (...) verifica-se que nem o despacho que julgou improcedente a oposição à penhora, nem o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, aplicaram as normas, cuja inconstitucionalidade foi suscitada e vem impugnada no requerimento de recurso, contidas nos n.ºs 1 e 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil. Na verdade, tais decisões basearam-se exclusivamente na extemporaneidade da oposição à penhora, por o respectivo requerimento ter dado entrada em juízo muito para além do prazo de 10 dias, contados da data em que o opoente deva considerar-se notificado da realização do acto da penhora, previsto no artigo
863º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil. O artigo 824º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil não chegou, pois, a ser aplicado na decisão recorrida, em qualquer interpretação que seja.
5. Não se ignora que a discordância da recorrente se reporta à ‘posição de que, mesmo em direitos constitucionais, se verifica a preclusão do direito ao recurso, que estaria, portanto, sujeito à regra geral dos recursos’. Pelo que, é certo, a questão de constitucionalidade que a recorrente põe a este Tribunal, como resulta, designadamente, dos n.ºs 4, 5 e 9 do requerimento de recurso, é alargada à própria preclusão, por extemporaneidade, da possibilidade de reagir, com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 824º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, contra a penhora. Acontece, porém, que tal questão de constitucionalidade não é susceptível de ser reconduzida às normas do artigo 824º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil
(fundamentadoras da penhora, e cuja inconstitucionalidade foi invocada como fundamento da oposição), mas antes, e apenas, à norma processual que fixa o prazo para deduzir oposição à penhora – o artigo 863º-B, n.º 2 do Código de Processo Civil –, quando tal oposição tem como fundamento a inconstitucionalidade das normas em que a penhora se baseou. A inconstitucionalidade dessa norma relativa ao prazo – ela, sim, aplicada na decisão recorrida – não foi, porém, suscitada pela recorrente, e também não é à apreciação da conformidade constitucional dessa ratio decidendi normativa da decisão recorrida que o requerimento de recurso se refere. E assim, por a decisão recorrida não ter aplicado a norma impugnada no recurso de constitucionalidade, não se pode tomar conhecimento deste.'
2. A recorrente vem reclamar desta decisão para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, fundamentando a sua reclamação no seguintes termos:
'(...)
1.- A douta decisão em causa foi proferida ao abrigo do disposto no n.º1 do artº
78º-A da LTC, na redacção dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro;
2.- Ora, dispondo este preceito que: ‘Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal’ e não tendo sido invocada qualquer jurisprudência anterior, concluir-se-á que a douta decisão se funda no facto de a pretensão se mostrar ‘manifestamente infundada’;
3.- Com todo o devido e merecido respeito por melhor opinião em contrário, não parece que assim se possa concluir. Com efeito,
3.1.- nas alegações produzidas para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, depois de se ter alegado a inconstitucionalidade do art.º 824º n.ºs 1 e 2 do CPC e de invocar que, assim sendo, aquela norma seria nula e invocável a todo o tempo, expressamente se concluía, na Conclusão 3ª, que: ‘Os actos praticados contra os preceitos constitucionais são nulos e de nenhum efeito, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo e ser declarada também oficiosamente a todo o tempo pelo Tribunal’;
3.2.- no requerimento de interposição de recurso para esse Venerando Tribunal, igualmente se insiste na mesma posição, contrariando a posição do Tribunal ‘a quo’, que sustentava que mesmo em direitos constitucionais se verifica a preclusão do direito de recurso, mantendo-se em 9. a conclusão 4ª das alegações de recurso, segundo a qual: ‘não pode prevalecer sobre a regulamentação substantiva (constante das normas constitucionais, nomeadamente dos artºs 1º,
59º n.º 2 alínea a) e 63º n.ºs 1 e 3, dos artºs 286º e 289º CC e ainda, como emanação de um princípio geral, dos artºs 133º n.º 2 alínea d) e 134º CPA) o regime adjectivo da nulidade previsto no Código Civil’;
3.3.- aliás, a douta decisão sumária assim o compreendeu, como muito claramente afirma no primeiro parágrafo do seu n.º 5;
4.- E se, efectivamente, em parte alguma a Recorrente refere expressamente o art.º 863º-B n.º 2 CPC, não parece que se possa afirmar que: ‘A inconstitucionalidade dessa norma relativa ao prazo – ela, sim, aplicada na decisão recorrida – não foi, porém, suscitada pela recorrente, e também não é à apreciação da conformidade constitucional dessa ratio decidendi normativa da decisão recorrida que o requerimento de recurso se refere’, porquanto:
4.1.- tanto o requerimento de interposição do recurso como as alegações aludidas em 3. têm por objecto impugnar a sentença proferida pela primeira instância com fundamento na possibilidade de interposição de recurso das decisões que apliquem certas normas que infrinjam o disposto na Constituição – as quais, na tese da Recorrente, quando atingem direitos essenciais, sofrem de nulidade (absoluta) para além do prazo de 10 dias estabelecido naquele preceito do Código de Processo Civil.
4.2.- O artº 863º-B surge, assim, como sendo apenas uma das normas que se encontrariam em tal situação, pois aquele princípio aplicar-se-ia a outros normativos legais estabelecedores de prazos de impugnação.
5.- Assim é evidente que o que se pretendia impugnar era a norma que o Tribunal recorrido aplicara para fundamentar a decisão da preclusão do direito de recurso do despacho que ordenara a penhora nos termos constantes dos autos, sem embargo de se reconhecer que talvez a forma utilizada não fosse a mais feliz ou expressiva.
6.- Mas, se se deve conceder primado na protecção dos direitos essenciais ao seu conteúdo intrínseco com sacrifícios das questões meramente formais, tal deficiência – se como tal se entender qualificar – não deve ser considerada de tal modo importante que leve à não apreciação pelo Tribunal Constitucional.
7.- Só com excessivo rigor, pois, se poderá admitir que a petição se mostra
‘infundada’ ou, pelo menos em termos de assim ser considerada ‘manifestamente’, dado que, apesar da sua porventura menos feliz redacção, pela leitura de qualquer das peças processuais em apreciação se pode retirar inequivocamente a conclusão de que o verdadeiro objecto da impugnação se reporta a aplicação da norma relativa ao prazo para a dedução da oposição ao despacho que ordenara a penhora (que, aliás, o despacho impugnado identificava);
(...)' Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. A mera leitura do teor da decisão reclamada torna claro que esta se não fundou 'no facto de a pretensão se mostrar ‘manifestamente infundada’', como a reclamante pretende concluir citando o artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional. Diz este artigo 78º-A, n.º 1, que 'se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso ou que a questão a decidir é simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para anterior jurisprudência do Tribunal.' Na decisão reclamada entendeu-se justamente que 'não pode conhecer-se do objecto do recurso', estando esta hipótese prevista no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional como caso em que o relator profere decisão sumária. As considerações da reclamante tendentes a mostrar que a sua pretensão não se mostra manifestamente infundada são, pois, irrelevantes para a apreciação da decisão reclamada, pois o seu fundamento e sentido foi outro.
4. No ponto 3 da presente reclamação afirma-se que 'nas alegações produzidas para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, depois de se ter alegado a inconstitucionalidade do art.º 824º n.ºs 1 e 2 do CPC e de invocar que, assim sendo, aquela norma seria nula e invocável a todo o tempo, expressamente se concluía, na Conclusão 3ª, que: ‘Os actos praticados contra os preceitos constitucionais são nulos e de nenhum efeito, podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo e ser declarada também oficiosamente a todo o tempo pelo Tribunal’'. E a recorrente cita, ainda, o requerimento de recurso, onde afirmou que 'não pode prevalecer sobre a regulamentação substantiva (constante das normas constitucionais, nomeadamente dos artºs 1º, 59º n.º 2 alínea a) e 63º n.ºs 1 e 3, dos artºs 286º e 289º CC e ainda, como emanação de um princípio geral, dos artºs 133º n.º 2 alínea d) e 134º CPA) o regime adjectivo da nulidade previsto no Código Civil'. A verdade é, porém, que, como a reclamante também reconhece, limitou-se a suscitar a inconstitucionalidade da 'norma constante do artº 824º n.ºs 1 e 2 CPC, na parte em que permite a penhora de parte de qualquer pensão, de tal modo que o pensionista fique a auferir menos do que o quantitativo do salário mínimo nacional', e que no requerimento de recurso repetiu que 'é ‘nula a norma contida no artº 824º n.ºs 1 e 2 CPC, na interpretação aludida (isto é, na que permite a penhora de parte de qualquer pensão, de tal modo que o pensionista fique a auferir menos do que o quantitativo do salário mínimo nacional), (pelo que) a sua nulidade pode ser invocada a todo o tempo, não estando, pois, sujeita ao regime geral dos recursos’'. Ora, como se diz na decisão reclamada, tanto o despacho que julgou improcedente a oposição à penhora, como o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto recorrido, se basearam 'exclusivamente na extemporaneidade da oposição à penhora, por o respectivo requerimento ter dado entrada em juízo muito para além do prazo de 10 dias, contados da data em que o opoente deva considerar-se notificado da realização do acto da penhora, previsto no artigo 863º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil', pelo que se pode dizer que o artigo 824º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, cuja apreciação era pedida no requerimento de recurso 'não chegou, pois, a ser aplicado na decisão recorrida, em qualquer interpretação que seja.'
5. Na verdade, como se afirma na decisão reclamada, a questão de constitucionalidade da preclusão da possibilidade de reagir, por extemporaneidade, contra a penhora, não pode ser reconduzida às normas do artigo
824º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (fundamentadoras da penhora, e cuja inconstitucionalidade foi invocada como fundamento da oposição), mas 'antes, e apenas, à norma processual que fixa o prazo para deduzir oposição à penhora – o artigo 863º-B, n.º 2 do Código de Processo Civil –, quando tal oposição tem como fundamento a inconstitucionalidade das normas em que a penhora se baseou.' Ora, é indiscutível que a inconstitucionalidade dessa norma relativa ao prazo, aplicada pela decisão recorrida, não foi suscitada pela recorrente, e também não era à apreciação da conformidade constitucional dessa ratio decidendi normativa da decisão recorrida que o requerimento de recurso se referia, sendo a própria recorrente a reconhecer que não referiu, nem antes da decisão recorrida (e já, portanto, depois do despacho proferido na 1ª instância), nem no requerimento de recurso, o artigo 863º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil. Nestes, apenas se referiu ao artigo 824º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, tentando reportar a estes preceitos uma interpretação que, porém, resulta apenas daquele artigo 863º-B, n.º 2. Esta, sim, é que é a norma que, ao fixar um prazo, limitaria, no entender da recorrente, 'a possibilidade de interposição de recurso das decisões que apliquem certas normas que infrinjam o disposto na Constituição (...).' Não se verificou, pois, a aplicação, pelo tribunal recorrido, da norma que a ora reclamante pretendia ver apreciada. Nem, aliás, pode dizer-se que tenha ocorrido a suscitação da inconstitucionalidade desse artigo 863º-B, n.º 2, mas sempre, e apenas, do artigo 824º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, que o tribunal a quo não aplicou. Ora, como este Tribunal tem repetidamente afirmado (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94 (publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995),
' (...) A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada – e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, [...] uma ‘mera questão de forma secundária’. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.' E a verdade é que o tribunal recorrido não foi confrontado com a inconstitucionalidade da norma (o artigo 863º-B, n.º 2, do Código de Processo Civil) da qual resulta o prazo para reagir contra a penhora, sendo significativo o facto de não ter tratado de tal questão de constitucionalidade. Pelo que deve confirmar-se a decisão reclamada. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão reclamada de não conhecimento do recurso. Custas pelos reclamantes, com 15 ( quinze ) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 24 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa