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Proc. nº 360/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figura como recorrente A e como recorrido o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de não ter sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida a questão de constitucionalidade normativa que pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (cf. fls. 170 e ss.).
2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
1 - Por deliberação de 31/3/2000 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, foi suspensa a inscrição do ora reclamante como advogado porque 'sendo director de serviços de Administração e Gestão de Recursos Humanos da Secretaria Geral do Ministério da Defesa Nacional, exerce funções incompatíveis com o exercício da advocacia, ainda que exercida em causa própria ou do seu cônjuge, nos termos dos arts. 68° e 69° n° 1 al. i) do E.O.A.'
2 – O ora reclamante interpôs então no TAC de Lisboa um recurso contencioso de anulação da referida deliberação do Conselho Geral, por entender, nomeadamente, que os invocados artigos 68° e 69° no 1 al. i) do E.O.A. não se referem - e, por isso, não são aplicáveis - ao mero exercício não profissional da advocacia em causa própria ou do cônjuge.
3 - Todavia, na petição do referido recurso contencioso de anulação que apresentou em 26/4/2000, o recorrente (ora reclamante) suscitou logo a questão da inconstitucionalidade dos artigos 68° e 69 nº 1 al. i) do E.O.A. – por violação dos princípios da igualdade, da justiça e da proporcionalidade – caso o TAC os considerasse aplicáveis ao seu exercício não profissional da advocacia em causa própria ou do cônjuge.
4 - Mais tarde, nas alegações que obrigatoriamente teve de apresentar nesse recurso contencioso, o recorrente (ora reclamante) voltou a suscitar, nos mesmos termos, a questão da inconstitucionalidade dos artigos 68° e 69º n° 1 al. i) do E.O.A. por violação dos princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.
5 - Certo é que, por sentença de 10/7/2001 do TAC de Lisboa, foi concedido provimento ao recurso contencioso que o então recorrente (ora reclmnante) interpusera em 26/4/2000 e, consequentemente, foi anulada, por ilegal, a deliberação recorrida de 31/3/2000 do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, na parte em que torna extensível a incompatibilidade ao exercício da advocacia em causa própria ou do cônjuge.
6 - Porém, a sentença do TAC não se pronuncia sobre a invocada inconstitucionalidade dos artigos 68° e 69° n° 1 al. i) do E.O.A. por considerar, desde logo – tal como o recorrente (ora reclamante) invocara –que os mesmos não são sequer aplicáveis ao exercício não profissional da advocacia em causa própria.
7 - Ora, perante essa sentença do TAC que deu razão ao alegado pelo então recorrente e ora reclamante, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados interpôs dela o competente recurso jurisdicional para o STA.
8 - Nas suas alegações de recurso no STA, o recorrente Conselho Geral ataca apenas a sentença recorrida, e nada diz sobre as inconstitucionalidades oportunamente invocadas pelo ora reclamante no processo porque essa sentença também as não refere.
9 - Assim, face às alegações do recorrente Conselho Geral, o recorrido e ora reclamante não estava sequer obrigado a contra alegar ...
10 - ... Mas, ao fazê-lo, entendeu que apenas tinha que atacar as alegações do recorrente e defender a sentença impugnada ...
11 - ...Considerando não lhe caber agora – como mero recorrido e contra-alegante
– vir invocar novamente as inconstitucionalidades que, à cautela, suscitara oportunamente no processo em que era recorrente.
12 - De facto, o ora reclamante entendeu que, como mero recorrido e contra-alegante, não tinha que se pronunciar sobre as inconstitucionalidades que não haviam sido sequer referidas nem na sentença impugnada nem nas alegações do recorrente Conselho Geral ...
13 - ...Parecendo-lhe que a sua posição perante o Tribunal Constitucional estava sempre salvaguardada por ter suscitado oportunamente as inconstitucionalidades no processo em que era recorrente, e que de resto, não puderam deixar de ser conhecidas dos Senhores Juízes Conselheiros do STA ao apreciarem o conteúdo do recurso contencioso de anulação.
14 - Na verdade, no recurso jurisdiciona1 interposto pelo Conselho Geral para o STA, o ora reclamante não abandonou nem quis abandonar a questão das inconstitucionalidades que tivera o cuidado de atempadamente suscitar – e que pressupôs já suscitadas em sede própria porquanto apenas entendeu que, como mero recorrido, nada estava obrigado a dizer nessa matéria.
15 - Diferente seria a situação se tivesse sido o ora reclamante a interpor o recurso jurisdicional para o STA por lhe ter sido negado provimento ao seu recurso contencioso no TAC, pois nesse caso estando obrigado a alegar – deveria suscitar as invocadas inconstitucionalidades nas alegações de recurso.
16 - De facto, não tendo sido o ora reclamante quem recorreu para o STA, não parece ser aplicável ao caso a jurisprudência do Acórdão do TC nº 155/95, in D.R. – II Série de 20/6/95, invocado pela Exma. Juiz Relatora no seu despacho ora reclamado. Vejamos,
17 - O Acórdão do STA (que é desfavorável ao ora reclamante por revogar a sentença do TAC) faz aplicação de normas – os artigos 53° n° 1, 68° e 69º n° 1 al. i) do E.O.A. – cuja inconstitucionalidade tinha sido suscitada no TAC ...
18 - ...E que só não foi invocada pelo recorrido no STA porque a decisão do TAC não considerou, sequer, a necessidade de conhecer a inconstitucionalidade dessas normas, entendendo simplesmente que elas não eram – aplicáveis ao exercício não profissional da advocacia em causa própria.
19 - Tal significa que o Acórdão do STA constitui para o ora reclamante uma
'decisão surpresa', porque decidiu em contrário da 1ª instância sem se pronunciar – como podia e devia – sobre as questões de inconstitucionalidade invocadas perante esta e que conduziriam a uma decisão (do STA) de sinal contrário à que foi proferida.
20 - Na verdade, o Acórdão do STA é a primeira e única decisão judicial que – ao revogar a sentença do TAC – vem pôr em causa a interpretação que o ora reclamante e a lª instância deram aos artigos 53º nº 1, 68º e 69º nº 1 al. i) do E.O.A. ...
21 - ... E daí dever o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso que o ora reclamante atempadamente interpôs desse Acórdão.
22- Efectivamente, o caso em apreço configura uma situação anómala e excepcional
– diferente das invocadas pela Exma. Juiz Conselheira Relatora – que merece, por isso, ser decidida à luz da jurisprudência do Acórdão do TC n° 391/98, in D.R.-II Série n° 212 de 14/9/89 ...
23 - ... Sob pena de o ora reclamante ser vítima de uma flagrante injustiça ficando efectivamente privado do direito de recorrer ao Tribunal Constitucional.
O Conselho Geral da Ordem dos Advogados pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar.
3. O reclamante sustenta que não tinha de suscitar a questão de constituciona-lidade normativa nas contra-alegações apresentadas no âmbito de um recurso interposto pela ora reclamada.
Nos termos do artigo 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer'.
No recurso interposto pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados da decisão que havia sido favorável ao reclamante, sustentou-se a aplicação da dimensão normativa que o reclamante considera inconstitucional. Se o reclamante entendia que tal interpretação era inconstitucional, tinha o
ónus de suscitar tal questão, de modo a o tribunal ad quem a poder apreciar.
Ao contrário do que parece sustentar o reclamante, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados não tinha de invocar expressamente a não inconstitucionalidade da norma em questão. De facto, é o vício de inconstitucionalidade que tem de ser suscitado e não a não inconstitucionalidade das normas.
O reclamante sustenta, por outro lado, que o não conhecimento do objecto do recurso consubstancia 'uma flagrante injustiça'. Porém, tal injustiça, a existir, decorre unicamente da estratégia processual seguida pelo próprio reclamante.
Por último, o reclamante invoca o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 391/98. Contudo, tal aresto nenhuma conexão tem com o caso dos autos. Com efeito, nesse aresto o Tribunal Constitucional decidiu não admitir o requerimento apresentado pelo Presidente da Assembleia de Freguesia de Caramos, relativo à apreciação da constitucionalidade e da legalidade de um referendo local.
Improcede, pois, a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando consequentemente a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 15 de Julho de 2002- Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa