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Processo n.º 808/01
2ª SecçãoRelator – Paulo Mota Pinto
( Cons. Maria Fernanda Palma) Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório A, assistente no processo de inquérito 1266/97 do Ministério Público de Chaves, notificado do despacho de arquivamento do mesmo, requereu abertura de instrução e a inquirição de testemunhas. Por despacho de 21 de Março de 2001 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves foi admitida a instrução, designada data para a inquirição de algumas testemunhas e indeferida a audição de outras
'que foram ouvidas em sede de inquérito', 'por não se considerar que a repetição de tal se revela indispensável à realização das finalidades da instrução, nos termos do art. 219º, n.º 2 do Código de Processo Penal.' Inconformado, o assistente pretendeu interpor recurso do dito despacho para o Tribunal da Relação do Porto, na parte em que indeferiu a inquirição de testemunhas, mas, nos termos do n.º 2 do artigo 414º do Código de Processo Penal, tal recurso não foi admitido por ser irrecorrível nos termos do n.º 1 do artigo 291º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Ainda insatisfeito, o assistente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto invocando nulidade da decisão, ilegalidade justificadora da sua revogação e, subsidiariamente, inconstitucionalidade do artigo 291º, n.º 1, do Código de Processo Penal, por violação dos artigos 20º, 29º, 32º, 205º e 208º da Constituição. Por decisão de 3 de Outubro de 2001, a reclamação foi indeferida. O assistente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para que este apreciasse a conformidade constitucional do n.º 1 do artigo 291º do Código de Processo Penal, concluindo assim as suas alegações:
'1º Na interpretação que lhe é dada pelo douto despacho recorrido o art. 291º n.º 1 do C.P.P. é inconstitucional.
2º Tal inconstitucionalidade deriva dos seguintes preceitos constitucionais: arts. 20º, 29º e 32º, 205º e 208º.
3º A violação daqueles três primeiros preceitos constitucionais manifesta-se na impossibilidade de o recorrente requerer diligência probatória relevante para a causa.
4º O desrespeito do art. 205º n.º 2 C.R.P. consubstancia-se na atribuição ao juiz de um poder discricionário.
5º Por fim, quanto ao disposto no artigo 208º n.º 1 da C.R.P., a contradição de tal interpretação com este preceito seria indirecta: – por não se considerar o julgador livre de aceitar ou rejeitar diligências probatórias que se reputaram essenciais para a descoberta da verdade e para uma boa decisão da causa.
6º O douto despacho recorrido violou por erro de interpretação o disposto nos citados preceitos legais, sendo inconstitucional a interpretação que faz do n.º
1 do art. 291º do C.P.P., devendo ser revogado e substituído por outro que julgue no sentido antes exposto, nomeadamente mandando admitir o recurso interposto, assim se fazendo Justiça.' O Ministério Público contra-alegou invocando anteriores acórdãos deste Tribunal no sentido da não inconstitucionalidade 'da norma constante do artigo 291º, n.º
1, do Código de Processo Penal, na redacção emergente da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, na parte em que determinava a irrecorribilidade do despacho do juiz que indefere o requerimento de realização de diligências instrutórias' – Acórdãos n.º 371/00, 375/00, 459/00 e 78/01 – concluindo desta forma:
'1 – A norma constante do artigo 291º, n.º 1 do Código de Processo Penal, interpretada como prescrevendo a irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade, a realização de diligências instrutórias requeridas pelo assistente, não colide com o disposto nos artigos 20º e 32º, 7, da Constituição da República.
2 –Termos em que deve improceder o presente recurso.' No Tribunal Constitucional, verificou-se mudança de relator, por vencimento. II Fundamentos O objecto do presente recurso é a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 291º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual determina a irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade, a realização de diligências instrutórias requeridas pelo assistente. Ora, embora sejam diferentes as posições do recorrente neste processo – ofendido/assistente – e no que correu os seus termos neste Tribunal sob o número
472/99 e deu origem ao Acórdão n.º 459/00 (publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Dezembro de 2000), em que estavam em causa diligências requeridas pelo arguido, as questões de constitucionalidade trazidas a este Tribunal são similares, sendo mesmo idênticas as conclusões apresentadas pelos recorrentes neste e naquele processo. Nesse Acórdão n.º 459/00 chegou-se a uma conclusão de não inconstitucionalidade, que já se respaldava em jurisprudência anterior (Acórdãos n.º 371/00 e 375/00, publicados no Diário da República, II Série, de 5 de Dezembro e de 16 de Novembro de 2000), se bem que circunscrita à 'irrecorribilidade do despacho do juiz que indefere o requerimento de realização de diligências probatórias.' Assim, escreveu-se:
'tem de concluir-se que a norma questionada, eliminando a via de recurso, não incorre na violação dos artigos 20º, 29º e 32º da Constituição (manifestada, segundo o recorrente, ‘na impossibilidade de o recorrente requerer diligência probatória relevante para a causa’). Pois que, verdadeiramente, essa impossibilidade não chega a manifestar-se, na medida em que na fase do debate instrutório pode efectivar-se essa mesma diligência probatória (e nem sequer há nos autos elementos para constatar se isso se verificou ou não).' E, nos parágrafos anteriores, disse-se:
'Com efeito, a instrução, quando requerida, nos termos expostos, não deixa de ser uma fase preparatória na estrutura do processo, podendo nela o juiz praticar ou ordenar oficiosamente actos que considere úteis (o mesmo n.º 1 do artigo
291º). Esse debate está pensado pelo legislador em termos de permitir, sob o signo dos princípios dispositivos do contraditório, e também inquisitório, uma ampla produção de prova, com a prática de todos os actos de instrução – e até novos actos de instrução – que permitam apurar os tais indícios de facto e elementos de direito, estando sempre presente o ‘interesse para a descoberta da verdade’
(n.º 1 do artigo 299º). E não resulta do Código a proibição de se realizarem, no decurso do debate, os actos de instrução que foram requeridos na fase facultativa e o juiz indeferiu por despacho.')
É certo que, como se referiu, no Acórdão citado, se apreciava o enquadramento jurídico da questão na perspectiva do arguido, e agora se está antes perante a perspectiva do assistente, a quem igualmente cabe, nos termos do artigo 287º, n.º 1, do Código de Processo Penal, desencadear esta fase processual de
'carácter facultativo' (artigo 286º, n.º 2, do mesmo Código), 'o que, desde logo, torna manifestamente deslocada e incongruente a invocação, como princípio de aferição da constitucionalidade, do princípio das garantias de defesa', como não deixou de notar o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal nas suas alegações. Ora, tendo-se chegado nos arestos citados a um julgamento de inconstitucionalidade da dimensão normativa relativa às diligências probatórias requeridas pelo arguido, não se pode excluir a possibilidade de fundar nessas decisões –e na ideia de que, em questões semelhantes, as garantias constitucionais da posição processual do assistente não hão-de ir mais longe do que as do arguido – um argumento de maioria de razão, igualmente no sentido da não inconstitucionalidade. Mesmo independentemente de tal possibilidade, porém, o certo é que, 'vistas as coisas na perspectiva da ordenação funcional do processo' (para retomar uma expressão do Acórdão n.º 375/00), a solução não é diversa. Como também se escreveu neste Acórdão n.º 375/00:
'o legislador condiciona a aplicação da norma constante do artigo 291º, n.º 1 do Código, sempre exigindo ao juiz a verificação de que os actos requeridos não interessam à instrução ou servem apenas para protelar o andamento do processo. Por outro lado, admite a reconsideração da decisão tomada, por via de reclamação a apresentar pelo requerente.' Quanto à alegada violação dos artigos 205º, n.º 2, e 208º, nº 1, da Constituição, na versão anterior à IV revisão constitucional, pode, aliás, reproduzir-se também o que se escreveu no já citado Acórdão n.º 459/00:
'7. Também não se vê onde possa estar a invocada violação dos artigos 205º, n.º
2, e 208º, nº 1, da Constituição, na versão anterior à última revisão constitucional de 1997, e traduzida no essencial, segundo o recorrente, ‘na atribuição ao juiz de um poder discricionário’, escapando à exigência de fundamentação, pois não assume tal configuração o despacho previsto no artigo
291º, nº 1, desde logo porque não é um acto equiparável a um despacho de mero expediente, este sim, de livre e total discricionariedade, como se prevê no artigo 400º, nº 1, b), do Código de Processo Penal (cfr. os artigos 156º, nº 4, e 679º, do Código de Processo Civil, aquele contendo a definição). Depois porque o poder-dever conferido ao juiz para proferir o indeferimento está balizado pelo limite do ‘apuramento da verdade’ e pela consideração de ‘os actos requeridos não interessarem à instrução ou servirem apenas para protelar o andamento do processo’. Não é só um 'prudente arbítrio do julgador', de que fala o citado nº 4 do artigo
156º, mas ainda e essencialmente, como regista o Ministério Público, 'nos termos e dentro dos limites da lei, de um juízo prudencial, traduzido na densificação e concretização de cláusulas gerais e conceitos indeterminados, em harmonia com o fim e a função do processo (nomeadamente, a tutela dos valores da celeridade e da realização da verdade e da justiça materiais)', sendo que o juiz, com a liberdade própria para aceitar ou rejeitar diligências probatórias, tem de indicar minimamente os motivos da decisão, como se constata no presente caso. Com o que não procedem os vícios de inconstitucionalidade arguidos pelos recorrentes (sobre a mesma matéria e no mesmo sentido cfr. os recentes acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 371/2000 e 375/2000, inéditos).'(cfr. supra os locais onde, entretanto, foram publicados).
E pode, também, concluir-se, no presente recurso, pela inexistência de inconstitucionalidade da norma impugnada.
III Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional o artigo 291º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual determina a irrecorribilidade do despacho que rejeita, por inutilidade, a realização de diligências instrutórias requeridas pelo assistente; b. Em consequência, negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, sendo a taxa de justiça fixada em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 17 de Abril de 2002. Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto
Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figura como recorrente A e como recorrido o Ministério Público, é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do artigo 291º, nº 1, do Código de Processo Penal.
O Tribunal Constitucional já procedeu à apreciação da conformidade à Constituição da norma que constitui objecto do presente recurso, tendo decidido não julgar inconstitucional tal norma (cf. Acórdãos nº 371/2000, 715/2000,
459/2000 e 78/2001).
Votei vencida, por considerar que o sentido da minha declaração de voto aposta no Acórdão nº 530/2001, em que estava em causa a posição processual do Ministério Público, também vale, no essencial, para o assistente, na medida em que o artigo 20º da Constituição formula não só um direito de acesso à justiça, mas também um valor objectivo de acesso à justiça que se projecta nos direitos no processo de todos os sujeitos processuais, sobretudo quando está em causa a função do recurso.
Assim, tendo considerado, em voto de vencida no Acórdão nº 459/200, ser inconstitucional aquela norma quando está em causa a pretensão processual do arguido, não vejo razão para não assumir idêntica posição relativamente ao assistente, com fundamento na violação do artigo 20º da Constituição, conforme justifiquei anteriormente. Maria Fernanda Palma