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Proc. nº 62/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Nos autos de recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC pela Câmara Municipal do Seixal, foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 – A Câmara Municipal do Seixal, assistente no processe crime que corre termos no Tribunal Judicial do Seixal contra J..., interpôs recurso da sentença absolutória proferida no 2º Juízo Criminal daquele Tribunal para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Sobre esse recurso recaiu despacho de não admissão, nos seguintes termos:
'Fls. 627 e segs: O recurso apresentado é manifestamente extemporâneo.
Na verdade, a assistente foi notificada da sentença proferida no dia
13/07/2001, data do seu depósito.
O recurso apresentado deu entrada em tribunal no dia 09/10/2001.
Verifica-se, assim, manifestamente excedido o prazo previsto no art.
411º do C.P.Penal e o prazo excepcional do art. 145º, 5 do C.P:Civil, encontrando-se, pois, precludido o direito de praticar o acto.
Assim sendo e ao abrigo do art. 414º, 2 do C.P.Penal não admito o recurso interposto pela assistente.
Notifique.'
A Câmara recorrente reclamou deste despacho para o Presidente da Relação de Lisboa, pugnando, em síntese e para o que ao caso interessa, pela aplicação do disposto no artigo 698º do CPC, por força do artigo 4º do CPP,
Nesta reclamação, a recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 414º nº 2 do CPP, por não se ter considerado na contagem do prazo do recurso o disposto no nº 6 do artigo 698º do CPC, ex vi artigo 4º do CPP, o violaria os artigos 13º, 20º nº 5 e 32º nºs 1 e 7 da Constituição
A Juíza que proferira o despacho de não admissão do recurso sustentou a sua decisão, admitindo apenas o lapso na data da interposição do recurso (a data do registo postal e não a da efectiva entrada no tribunal) e entendendo que se não aplicava subsidiariamente o alargamento do prazo previsto no citado artigo 698º, nº 6 do CPC por não ocorrer caso omisso no regime dos recursos em processo penal.
A reclamação foi indeferida pelo despacho ora impugnado.
Nele, aceitando-se como data da interposição do recurso a que constava do registo postal – o que, para o caso, seria irrelevante – entende-se que o prazo de interposição do recurso é aquele que consta do artigo 411º nº 1 do CPP (quinze dias), não se justificando a aplicação do disposto no artigo 698º nº 6 do CPC que concede, em processo civil, o alongamento de dez dias quando no recurso se pede a reapreciação da prova, pelo que o recurso devia ser, como foi, rejeitado nos termos do Artigo 414º nº 2 do CPP.
Seguidamente, o despacho recorrido aprecia as inconstitucionalidades imputadas ao artigo 414º nº 2 do CPP e decide que elas se não verificam.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, pretendendo a recorrente que o Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma constante do artigo 414º nº 2 do CPP na parte referente ao tempo para interposição do recurso, enquanto não é considerado no prazo para o efeito o disposto no artigo 698º nº 6 do CPC.
2 – O recurso previsto no artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC tem, como um dos seus pressupostos, o de a norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada ter sido aplicada, como ratio decidendi, na decisão impugnada.
Ora, a norma expressamente aplicada para julgar o recurso intempestivo foi, sem margem para dúvidas, a que consta do artigo 411º nº 1 do CPP – é nela que se prevê o prazo de quinze dias que a recorrente não observou na interposição do recurso interposto para a relação.
Pugnando a recorrente pela aplicação do artigo 698º nº 6 do CPC, ex vi artigo 4º do CPP e afastando o despacho impugnado esta tese, poderá, noutra perspectiva, entender-se que as normas daqueles preceitos foram ainda aplicadas como ratio decidendi para se concluir que o recurso era extemporâneo.
Agora, o que de todo o modo se não pode aceitar é que, na perspectiva em que a recorrente coloca a questão de constitucionalidade, a norma do artigo
414º nº 2 do CPP tenha sido o fundamento da decisão que julgou o recurso extemporâneo – na sua estatuição, ela prescreve tão só a consequência processual da extemporaneidade do recurso (ao lado de outras causas), ou seja a rejeição do recurso. E não é esta consequência, para um recurso que seja interposto para além do prazo, que a recorrente põe em causa, 'sub specie constitutionis'.
Era, pois, o bloco normativo formado pelas normas dos artigo 698º nº
6 do CPC e 4º e 411º nº 1 do CPP, que deveria constituir o objecto do recurso de constitucionalidade, não competindo ao Tribunal substituir-se à parte nesta definição.
É certo que o despacho recorrido faz sumária apreciação da arguição de inconstitucionalidade que a recorrente imputa à norma do artigo 414º nº 2 do CPP; mas este Tribunal, na verificação dos pressupostos do recurso para ele interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, não está vinculado ao entendimento que poderá estar subjacente àquela apreciação, cumprindo-lhe verificar autonomamente tais pressupostos, ou seja, no caso, determinar qual a norma que fundamentou a decisão recorrida.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Sem custas.'
2 - Desta decisão apresentou a recorrente reclamação onde pugna pelo prosseguimento do recurso com o conhecimento do seu objecto. Isto porque o recurso interposto da decisão de 1ª instância não fora admitido com fundamento no disposto no artigo 414º nº 2 do CPP, precisamente o preceito indicado pela reclamante no requerimento de interposição de recurso, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma aplicada, com a interpretação de que o prazo de recurso em processo penal quando é questionada a matéria de facto e deve ser feita a transcrição do registo da prova, nos pontos controvertidos, não é acrescido do prazo estabelecido no artigo 698º nº 6 do CPC que, no entendimento da reclamante, seria aplicável por força do disposto no artigo 4º do CPC.
Na sua resposta, o Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido do deferimento da reclamação, entendendo que, muito embora a 'delimitação satisfatória do objecto do recurso passa inquestionavelmente pela indicação pelo recorrente de qual o preceito ou preceitos legais que servem de suporte ou base jurídica à 'norma' indicada – ou seja, ao preciso regime ou efeito jurídico que se pretende questionar 'sub specie constitutionis', no caso, 'a entidade recorrente terá logrado cumprir, em termos minimamente satisfatórios, o ónus que sobre ela recaía', decorrendo 'do alegado nos pontos 1 e 3 da minuta de interposição de recurso, a delimitação do seu objecto – não apenas em função da norma constante do artigo 414º nº 2, mas também de certa interpretação normativa – restritiva e excludente da sua aplicação no âmbito do processo penal, em colisão com o seu artº 4º - do artigo
698º nº 6 do Código de Processo Civil, no que respeita à definição do prazo do recurso em que se questiona prova gravada ou registada'.
Proferiu, então, o relator, o seguinte despacho:
'No quadro das soluções plausíveis de direito, pode admitir-se que a conferência, no âmbito dos seus poderes cognitivos e independentemente do que vier a decidir sobre a decisão sumária reclamada, julgue o recurso
'manifestamente infundado'.
Assim, em cumprimento do princípio do contraditório, determino a notificação da recorrente para, querendo, se pronunciar, querendo, sobre a questão.'
Pronunciou-se, então, a recorrente no sentido de que o recurso não é manifestamente infundado, considerando, em síntese, que:
- Não colhe o fundamento da celeridade processual para não aplicar ao recurso penal o mesmo regime vigente em processo civil, em matéria de prazo de alegações, quando é impugnada a decisão em matéria de facto e as provas foram objecto de gravação, uma vez que a exigência de celeridade já foi ponderada na fixação de prazos mais curtos de interposição de recurso penal;
- Não há qualquer razão para distinguir entre o processo civil e o processo penal, sendo idêntico o ónus de transcrição da prova relativa à matéria de facto impugnada;
- A aplicação do regime do processo civil ao processo penal impõe-se até por maioria de razão pois, em recurso penal a interposição de recurso tem que ser acompanhada de motivação;
Cumpre decidir.
3 - Como se viu, na decisão sumária reclamada, entendeu-se que não constituía fundamento do acórdão recorrido norma cuja apreciação de constitucionalidade a recorrente pretende, no ponto em que ela se ancorava no artigo 414º nº 2 do CPP.
Com efeito, dispondo este preceito legal sobre os fundamentos da não admissão do recurso – irrecorribilidade da decisão, extemporaneidade da interposição, falta de condições do recorrente para recorrer e falta de motivação – e estando em causa a norma relativa ao prazo de interposição do recurso, seria o preceito que a este se referia aquele que substancialmente fora aplicado; o artigo 414º nº 2 do CPP dispõe apenas sobre os efeitos do desrespeito da citada norma, ou seja a que consta do artigo 411º nº 1 do CPP em conjugação com a que se contém no artigo 698º nº 6 do Código de Processo Civil.
Sem embargo do que em bom rigor se decidiu, entende, porém, a conferência que a razão está, neste ponto, do lado da reclamante, com o apoio da tese sufragada pelo Ministério Público.
Na verdade, o acórdão recorrido invoca para fundamentar o julgado o artigo 414º nº 2 do CPP e é ainda a este preceito que se reporta 'quando interpretado por forma a considerar extemporâneo o recurso que, embora não tenha sido interposto dentro do prazo estabelecido no art. 411º nº 1 do Cod. Proc. Penal mas que foi apresentado dentro dos dez dias imediatos (...)' para apreciar a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente.
Ora, não compete a este Tribunal formular qualquer juízo sobre o entendimento adoptado na decisão impugnada sobre o preceito legal aplicável enquanto recipiente de uma determinada norma, devendo aceitá-lo e ajuizar da constitucionalidade da norma – esta necessariamente indicada pelo recorrente – que daquele preceito se retira.
É certo que, afora as situações em que ela é criada pelo julgador
(v.g. nos casos previstos no artigo 10º nº 3 do Código Civil), a norma se reporta sempre a um determinado preceito legal, devendo, consequentemente, o recorrente mencioná-lo na definição do objecto da sua impugnação, como, aliás, o Tribunal Constitucional o faz na formulação das suas decisões em matéria de constitucionalidade normativa.
Mas se a decisão recorrida, eventualmente de um modo juridicamente menos rigoroso, imputa determinada norma a um certo preceito legal quando a deveria atribuir a um outro, não pode constituir razão para não conhecer do objecto do recurso o facto de o recorrente, definindo correctamente a norma aplicada, indicar o preceito legal mencionado em tal decisão.
No caso, independentemente do que se possa entender sobre o preceito legal substancialmente aplicado, a verdade é que ele foi o artigo 414º nº 2 do CPP, com o sentido de ser extemporâneo o recurso interposto fora do prazo de quinze dias quando vem impugnada a decisão em matéria de facto, devendo ser transcrita pelo recorrente a pertinente prova gravada em audiência.
E foi isto o que a recorrente indicou na interposição do recurso, pelo que não há razão para não conhecer do objecto do recurso, em contrário do que se julgou na decisão sumária reclamada.
Procedendo, neste ponto, a reclamação, ver-se-á de seguida se o recurso é manifestamente infundado.
4 - O conceito de questão 'manifestamente infundada' não é dado pelo artigo 78º-A nº 1 da LTC; neste faculta-se ao relator a prolação de decisão sumária quando a questão a decidir é 'simples', exemplificando-se como uma das situações abrangidas, aquela em que a questão é 'manifestamente infundada'.
Se o preenchimento de um tal conceito nunca estará isento de uma considerável carga subjectiva, há-de convir-se que ele abrange os casos em que a solução (de inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade) da questão e qualquer que possa ser o desenvolvimento das razões e argumentos das partes nas suas alegações (que ficam prejudicadas) se impõe ao decisor.
Obviamente que entre o 'infundado' e o 'manifestamente infundado' haverá casos de fronteira; mas não é este o caso, como se verá adiante, pois o Tribunal entende que a sua convicção sobre a improcedência do recurso não é susceptível de ser abalada por alegações da recorrente.
Sobre norma paralela do CPC (artigo 705º do CPC) que utiliza conceito semelhante, escreveu Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil', p.
479) que o recurso é manifestmente infundado 'quando uma análise meramente liminar da argumentação aduzida pelas partes nas alegações apresentadas permite concluir, com segurança, que as questões suscitadas são manifestamente improcedentes'.
O critério não pode transpor-se, sem mais, para o recurso de constitucionalidade, uma vez que a decisão sumária é proferida antes do recorrente alegar. Mas ele já poderá adaptar-se a esse recurso tendo em conta o que o recorrente, sujeito, em princípio, ao ónus de suscitação da questão durante o processo, alegou sobre a matéria. E, assim, se a análise liminar de uma tal alegação permitir a conclusão de que a questão não pode deixar de improceder, nada parece obstar a uma decisão de negação de provimento por a questão ser manifestamente infundada.
Mas se isto é assim no que concerne aos poderes do relator de proferir decisão sumária, nada obsta a que a conferência, chamada a pronunciar-se sobre a reclamação da decisão sumária e julgando improcedente o fundamento nesta invocado para não conhecer do objecto do recurso, entenda – tal como o poderia ter entendido o relator em decisão sumária – que o recurso é manifestamente infundado; isto desde logo quando precedido da audição do recorrente, como no caso sucedeu.
5 - Ora, a recorrente começa por colocar a questão de constitucionalidade no plano da conformidade da norma com o artigo 13º da Constituição. E assim, porque, em processo civil, o prazo do recurso, quando se pretende impugnar a decisão em matéria de facto com prova gravada, estando igualmente o recorrente sujeito ao ónus de transcrição dos trechos pertinentes, é sempre acrescido de dez dias nos termos do artigo 698º nº 6 do CPC.
Mas o termo da comparação não é, para efeitos do princípio que se extrai do citado artigo 13º, constitucionalmente legítimo.
Com efeito, considerando a margem de liberdade de conformação de que goza o legislador na edição de normas processuais e, especificamente, em matéria de recursos, observados que sejam os comandos constitucionais respeitantes aos procedimentos judiciais em geral (artigo 20º) e do processo criminal em particular (artigo 32º), não é constitucionalmente imposto uma regulamentação paralela nos processos cíveis e criminais.
São diferentes os interesses em causa nestes dois tipos de processos, sendo especialmente garantida a celeridade do processo criminal quando, no artigo 32º nº 2 da CRP e integrado nas garantias de defesa do arguido, se prescreve que o arguido deve 'ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de celeridade'.
Tal imposição, ao contrário do que a recorrente parece pretender, não perde a sua razão de ser na fase de recurso de decisão absolutória, como é o caso..
Na verdade, obstando o recurso ao trânsito em julgado da decisão, continua a manter-se a exigência de celeridade, de modo a não fazer prolongar a indefinição de uma situação que, para o arguido, beneficiando embora da presunção de inocência, não é isenta de custos sociais.
Para sustentar a sua tese, defende, ainda, a recorrente, que a salvaguarda da maior exigência de celeridade no processo criminal se fez já com a redução
(relativamente ao processo cível) dos prazos de recurso, pelo que, estando só em causa idêntica razão para o acréscimo desses prazos, não há já fundamento para distinções em nome daquela celeridade.
A verdade, porém, é que, não deixando o pretendido acréscimo de se continuar a situar no âmbito do processo criminal, as mesmas razões de celeridade podem levar o legislador a, também aí, não conceder qualquer dilação de prazo.
E, sendo assim, afastada que foi a pertinência de uma comparação entre os prazos do recurso em processo civil e em processo penal para considerar violado o princípio da igualdade, a questão que a recorrente coloca reduz-se, agora, em saber se a norma em causa, interpretada em termos de só admitir o prazo de 15 dias para interpor e motivar o recurso em que se pretende impugnar a decisão em matéria de facto, assente em prova gravada – o que implicaria, no caso, a transcrição das provas que, no entender da recorrente, impunham decisão diversa da recorrida – ofende os artigos 20º nº 5 e 32º nºs 1 e 7 da CRP.
6 - No que concerne ao primeiro dos preceitos constitucionais citados, o que ele impõe é que a lei assegure processos caracterizados pela celeridade e prioridade.
Não se vê aqui onde pode a recorrente ancorar a sua pretensão, quando o que sustenta é a exigência de um prazo mais dilatado para recorrer. De facto, impondo a Constituição a celeridade e prioridade dos processos 'de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações' de direitos liberdades e garantias pessoais, é, no mínimo, contraditório considerar violado aquele comando constitucional.
Quanto ao segundo dos preceitos constitucionais invocados – artigo 32º nº 1 – ele é pacificamente considerado como reportado à figura do arguido As garantias de defesa constitucionalmente consagradas em tal preceito nada têm que ver com os direitos dos ofendidos, o que mais evidente se tornou com a revisão constitucional de 97. Aditou-se, então, ao artigo 32º um novo número (nº 7) que especificamente se reporta aos direitos dos ofendidos, garantindo a sua intervenção no processo mas relegando para a lei os termos dessa intervenção. Não poderá, assim, a norma do artigo 414º nº 2 do CPP, enquanto referido ao recurso interposto pelo ofendido/assistente, violar o artigo 32º nº 1 da CRP.
Pode, contudo, admitir-se que o nº 7 do artigo 32º da CRP seja atinente à questão de constitucionalidade em causa.
Com efeito, garantido ao ofendido o direito de intervenção no processo, a remissão para a lei não significa a conformidade constitucional 'a priori' de qualquer solução que o legislador entenda consagrar quanto aos termos de tal intervenção. Aquele direito, constitucionalmente garantido, não pode ser
'esvaziado' pelo legislador e, no limite, há-de traduzir-se numa normação que confira ao ofendido os poderes processuais necessários para uma defesa eficaz dos interesses lesados.
Estas considerações fazem, aliás, convocar, com maior rigor, o disposto no artigo 20º nº 1 da CRP que a todos assegura uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos.
A questão de constitucionalidade colocada pela recorrente volve-se, assim, em saber se o prazo de 15 dias para recorrer e motivar o recurso, nos casos em que o recorrente tem que proceder à transcrição dos trechos da prova gravada que imporiam decisão diversa em matéria de facto, é de tal forma exíguo que não permite a defesa eficaz dos direitos do ofendido.
E é esta questão que o Tribunal considera manifestamente infundada por entender que aquele prazo é suficiente para o ofendido expor e desenvolver as razões da sua discordância relativamente ao julgamento da matéria de facto.
Por diversas vezes teve já o Tribunal Constitucional que se pronunciar sobre a suficiência ou exiguidade de prazos processuais. Fê-lo, designadamente, nos Acórdãos nºs 34/96, 611/96, 186/92 e 266/93 in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 33º vol., pp.169 e 849, 22º vol. p. 445 e 24º vol. p. 699, respectivamente.
Nos dois primeiros arestos estava em causa um prazo de interposição de recurso e motivação de 5 dias, para o Supremo Tribunal Militar, em processo penal militar. A decisão foi, então, de inconstitucionalidade material, quer por se entender que não havia fundamento material bastante para distinguir (reduzindo-o) tal prazo do que se encontrava prescrito no processo penal comum, quer por se ter julgado, em si mesmo, exíguo e insusceptível de permitir uma defesa ponderada do arguido.
Já no terceiro aresto o Tribunal Constitucional considerou que o prazo de recurso para o STJ contra decisão penal condenatória por abuso de liberdade de imprensa – 4 dias - não implicava um encurtamento inadmissível das possibilidade de defesa do arguido.
Também no último acórdão o Tribunal decidiu que, em processo laboral 'a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do recurso de agravo interposto
[nesse mesmo prazo] de decisão proferida em segunda instância não se revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se intoleravelmente exíguo (...)'.
É evidente que, em todos estes casos, tendo como parâmetro a exigência constitucional de um processo judicial que assegure às partes os meios necessários para defesa ponderada e eficaz dos seus direitos ou interesses e, particularmente, a suficiência dos prazos concedidos para o efeito, o Tribunal não pode lançar mão de critérios tabelares que lhe forneçam uma solução isenta de qualquer margem de subjectivismo.
De todo o modo, considerando o direito que, em concreto, se pretende exercer num determinado prazo – no caso, a impugnação da decisão em matéria de facto, com a exigência de transcrição da prova gravada – e apelando a um critério de razoabilidade, o Tribunal entende que o prazo em causa não é intoleravelmente exíguo, sem que se antolhem argumentos (a desenvolver pela recorrente em alegações) susceptíveis de abalar esta convicção.
De facto, tendo estado presente na audiência de julgamento durante a produção da prova e formado já o seu juízo sobre o que deveria, ou não, ser dado como provado, o recorrente terá apenas que localizar e transcrever os pertinentes trechos gravados, actividade decerto acrescida ao labor usual de uma alegações de recurso, mas que, de carácter essencialmente material, não compromete a suficiência do referido prazo.
E porque o presente recurso se situa no âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade não é irrelevante atender ao que, no caso, ocorreu: um número relativamente reduzido de trechos seleccionados e transcritos. Motivo acrescido para se entender que a recorrente dispunha do prazo bastante para expor e desenvolver as razões da sua discordância relativamente ao decidido em
1ª instância.
7 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, o Tribunal decide deferir a reclamação, mas, conhecendo de mérito, julga o recurso manifestamente infundado.
Sem custas. Lisboa, 29 de Maio de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa