Imprimir acórdão
Proc. nº 429/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como reclamante A e como reclamado o Ministério Público, foi proferida decisão, a fls. 91, que não admitiu um recurso para o Tribunal Constitucional que o ora reclamante pretendeu interpor, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, para apreciação da constitucionalidade 'da interpretação feita pelo Tribunal a quo da norma constante do art. 127º do CPP, por violação da norma contida no art. 32º, aplicável ex vi do art. 18º, ambos da Lei Fundamental.
2. A concluir a presente reclamação contra aquele despacho que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, formula o reclamante as seguintes conclusões:
'I. O despacho de indeferimento o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto pelo arguido, é nulo por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos dos artigos 158º, nºs 1 e 2; 668º, nº 1, al. b), ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 69º da Lei do Tribunal Constitucional; II. Com efeito, não sendo um despacho de mero expediente, o despacho recorrido deveria ter sido fundamentado, por forma a que o Arguido e o Tribunal de recurso pudessem apreender os motivos subjacentes à sua decisão, por forma a poder sindicá-la; III. Tal não sucede nos presentes autos, já que pela leitura do despacho em análise é impossível depreender os fundamentos de facto e de direito acolhidos pelo Tribunal a quo e que eventualmente estarão na base do indeferimento do recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo arguido, a fls. 332; IV. No entanto, ainda que assim não se entenda, sempre terá de se considerar que o despacho recorrido é ilegal, por violar os artigos 70º, 75º-A e 76º, todos da Lei do Tribunal Constitucional; V. Isto porque, da leitura conjugada do requerimento de interposição do recurso de fls. 332, e das alegações de recurso apresentadas pelo Arguido perante a Veneranda Relação, se podem retirar todos os requisitos legalmente exigíveis para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. VI. Em face do exposto, a decisão recorrida não só é totalmente arbitrária e gravemente lesiva do direito ao recurso, por carecer, em absoluto, de fundamentação, como não lhe assiste qualquer razão, nos termos supra expostos.
3. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência da reclamação apresentada, conclusão que fundamentou nos seguintes termos:
'A presente reclamação é manifestamente infundada, já que o ora reclamante não suscitou, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso interposto para este Tribunal com fundamento na alínea b), do nº 1, do art. 70º da Lei nº 28/82: na verdade, na motivação de recurso que interpôs para a Relação, limitou-se o recorrente a imputar directamente à decisão impugnada a pretensa violação do art. 32º da Constituição, sem delinear minimamente qualquer questão de inconstitucionalidade de normas ou interpretações normativas (cfr. fls. 60 dos autos)'.
Dispensados os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentação.
4. Pretende o ora reclamante, em primeiro lugar, que o Tribunal Constitucional aprecie a alegada nulidade, por falta de fundamentação, do despacho reclamado. A verdade, porém, é que ainda que caiba ao Tribunal Constitucional fazê-lo, o tratamento autónomo desta questão não tem interesse quando colocada, como é o caso, no contexto de uma reclamação apresentada ao abrigo dos artigos 76º, nº 4 e 77º da LTC. É que, como resulta dos artigos 76º, nº 3 e 77º da LTC, a decisão sobre a admissibilidade do recurso nunca vincula o Tribunal Constitucional, que
é inteiramente livre de a manter ou alterar com base nos mesmos ou em diferentes fundamentos dos que tenham sido utilizados pela decisão que não o admitiu. Não interessa, pois, apreciar a questão da alegada nulidade nem a da competência do Tribunal para o fazer. Apenas relevante é, no contexto da presente reclamação, decidir se estão preenchidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso que não foi admitido e, na sequência, confirmar ou revogar a decisão que não o admitiu.
É o que faremos de seguida.
5. Como este Tribunal tem afirmado repetidamente, o recurso interposto pelo ora reclamante, o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC, pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma jurídica que pretende ver sindicada por este Tribunal. Importa, por isso, começar por averiguar se o recorrente suscitou, perante o tribunal da Relação de Lisboa, a questão da inconstitucionalidade do artigo 127º do Código de Processo Penal. Ora, é manifesto que não o fez. Se atentarmos no teor das conclusões da alegação apresentada perante aquele Tribunal, verificamos que aí não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – i.e., reportada a normas jurídicas, designadamente a uma determinada interpretação do art. 127º do Código de Processo Penal -, limitando-se o ora reclamante a imputar aí (na conclusão XVIII), à própria decisão do tribunal recorrido - e não a normas que esta tivesse aplicado, designadamente ao artigo 127º do CPP, que não é sequer referido em nenhuma das 22 conclusões apresentadas - a violação do disposto no artigo 32º, nº 2 da Constituição. Ora, como resulta expressamente do disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não pode admitir-se o recurso, já que o recorrente não suscitou sequer, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso para o Tribunal Constitucional a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC. III – Decisão Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada na parte em que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC. Lisboa,11 de Julho de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida