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Proc. nº 290/02 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – A ..., com os sinais dos autos, arguido nos autos de instrução nº 106/2001 que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, reclama para este Tribunal, do despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do despacho de fls.
Este despacho foi proferido sobre requerimento do ora reclamante onde se formulava a pretensão da presença do mandatário do arguido nas diligências de inquirição de testemunhas em instrução, cuja abertura o mesmo requerera.
Disse-se nesse despacho:
'Esta inquirição de testemunhas, porque não sujeita a contraditório nesta fase, é levada a cabo sem a participação e presença dos ilustres mandatário e defensora dos arguido e assistente e do Digº Magistrado do Ministério Público (artº 289º do CPP). Com efeito, apesar do referido pelo arguido A ..., entende-se ser este o sentido daquela norma, cuja constitucionalidade já foi, aliás, apreciada e reconhecida – cfr. Acs. Do T. Constitucional nºs 59/2001 e 272/000 – in DR II de 12/04/01 e de 13/11/00, respectivamente – e Germano M. Silva, Forum Justitiae, ano I, nº 0, Maio 99, pág
21)'.
Foi dele, então, que o ora reclamante recorreu para a Relação de Coimbra, requerendo a subida imediata do recurso e a fixação do efeito suspensivo do processo e invocando a inconstitucionalidade do artigo 408º do CPP
'quando interpretado no sentido de limitar aos casos ou situações nele expressamente previstos as hipóteses de atribuição de efeito suspensivo aos recursos interpostos em processo penal', recurso que foi admitido a subir nos próprios autos com o que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa e com efeito meramente devolutivo.
O recorrente impugnou este despacho por duas vias: no que concerne á retenção do recurso (subida diferida), em reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, no que respeita à atribuição de efeito meramente devolutivo, em recurso para o Tribunal Constitucional.
Foi este último recurso que não foi admitido pelo despacho ora reclamado que se expressa nos seguintes termos:
'(...) Contudo, tal decisão não admite recurso, nomeadamente para o Tribunal Constitucional, já que o efeito atribuído naquele despacho ao recurso interposto não vincula o Tribunal Superior, o qual pode alterá-lo (artº 414º nº
3 do CPP), além de que o recorrente A ... apresentou reclamação quanto à retenção daquele recurso, nos termos legais, a qual seguirá a legal tramitação
(artº 405º do mesmo Código). Ao Tribunal da Relação caberá ou não alterar aquele efeito do re4curso, apreciando essa inconstitucionalidade, se for o caso. A admitir-se o presente recurso para o Tribunal Constitucional estaria a sujeitar-se à apreciação simultânea da questão referida, com vista ao mesmo resultado, por dois Tribunais diferentes, podendo até revelar-se totalmente inútil a decisão proferida por aquele em sede de inconstitucionalidade, por caber ao Tribunal da Relação decidir a tal respeito. O recurso para o Tribunal Constitucional nos termos da norma invocada pelo recorrente (artº 70º nº 1 b) da LTC) pressupõe. para a sua admissibilidade, além do mais, que a questão não possa ser já reapreciada em recurso ordinário admissível no caso concreto, o que não sucede neste caso, já que o Tribunal Superior terá necessariamente de se pronunciar sobre o efeito do recurso interposto e admitido (...).
Assim, por não se verificar o condicionalismo legal da admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, indefere-se o requerimento apresentado pelo arguido.'
Na reclamação que apresenta, o reclamante começa por sustentar que do despacho que não atribui efeito suspensivo a um recurso não cabe nem recurso ordinário nem reclamação para o presidente do tribunal superior – a reclamação só é admissível quanto ao regime de subida.
Defende, depois, que a consequência da declaração de inconstitucionalidade da norma que está em causa no recurso para o TC se traduziria, não apenas na atribuição de efeito suspensivo, mas também na anulação da própria decisão que admitiu o recurso – a consequência de decisão favorável do recurso para o TC seria a de o recurso para a Relação produzir a suspensão do processo, e subindo e sendo julgado de imediato.
No seu parecer, o Magistrado do Ministério Público entende que a reclamação deve ser indeferida, uma vez que no momento em que o recurso foi interposto não estavam esgotados os 'recursos ordinários' possíveis – no caso, a reclamação para o Presidente do Tribunal Superior da retenção do recurso.
Cumpre decidir.
2 - Questão idêntica à que se controverte na presente reclamação mereceu já decisão deste Tribunal, no Acórdão nº 240/94, publicado no DR, II Série, de 28/7/94.
Na parte relativa à fixação do efeito do recurso então em causa, escreveu-se no referido acórdão:
'6. Mas, como põe em destaque o mesmo Procurador-Geral Adjunto, a solução de irrecorribilidade do despacho de admissão de recurso cível ainda se imporá para aqueles que não subscrevem a tese da irrecorribilidade das decisões provisórias, quando se está perante o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. De facto, os recursos previstos na alínea b) do nº 1 do art. 70º; da Lei do Tribunal Constitucional 'só podem ser interpostos de decisões que não admitam recurso ordinário' (nº 2 do mesmo art. 70º, veja-se o nº 4 do art. 280º da Constituição, in fine). Fala-se, a este propósito, de princípio da exaustão ou de esgotamento dos recursos ordinários. Ora, é manifesto que deve aplicar-se por analogia o disposto no nº 2 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional aos casos em que - como no dos presentes autos - a alteração do efeito do recurso fixado por uma instância é susceptível de ser levada a cabo pela instância de recurso, dentro do mesmo processo. Pode ler-se no já citado parecer do Ministério Público:
'É certo que esta forma ou meio de «impugnação» da decisão provisória proferida sobre o efeito do recurso não é tecnicamente subsumível à letra do nº 2 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Porém, a jurisprudência constitucional vem sustentando, de forma reiterada, que tal conceito normativo é de amplíssima significação - abrangendo, por exemplo, as reclamações do despacho de não recebimento de recursos, que tecnicamente também não são 'recursos ordinários' - interpretando, deste modo, tal requisito de admissibilidade de recurso, baseado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º, em termos «funcionais» ou teleológicos: o que interessa é que a decisão objecto de recurso de constitucionalidade constitua a «última palavra» dentro da ordem judiciária a que pertence o tribunal que a tomou (cfr. Acórdão nº 21/87). A ideia base subjacente a tal regime estará, deste modo, em só admitir a intervenção do Tribunal Constitucional quando a questão tenha sido examinada e decidida por todas as instâncias possíveis na ordem judicial respectiva, de modo a obviar ao levantamento ou suscitação 'gratuitos' de questões de pretensa inconstitucionalidade normativa, evitando a intervenção desnecessária e prematura deste Tribunal. Ora, nesta perspectiva, sendo perfeitamente licito ao ora reclamante recolocar a questão da inconstitucionalidade do artigo 792º do Código de Processo Civil nas suas alegações do recurso de apelação - como fundamento da pretendida alteração do efeito fixado a esse recurso - inexiste um pressuposto fundamental de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/83'. (a fls. 20-21 dos autos)'
Não se torna, porém, necessário apreciar a questão de saber se, face à nova redacção dada ao nº 3 do artigo 70º da LTC pela Lei nº 13/98 de Fevereiro, é de manter a doutrina firmada no acórdão que se acabou de, em parte, se transcrever
(tendo particularmente em conta que a fixação do efeito do recurso, embora alterável pelo tribunal superior nos termos do artigo 414º nº 3 do CPP, não é reclamável para o presidente desse tribunal).
É que o caso em apreço reveste-se de uma particularidade: a de o recurso para a relação ter sido também admitido com subida diferida (retenção do recurso) e uma tal decisão – esta sim - ser susceptível de reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige, nos termos do artigo 405º nº 1 do CPP, meio de impugnação que o reclamante utilizou.
Ora, sendo certo que a questão de constitucionalidade que o reclamante colocou não respeita directamente ao regime de subida do recurso - razão até porque se poderiam suscitar dúvidas sobre a pertinência da invocação da não exaustão dos recursos ordinários (no caso, a reclamação para o presidente da relação) para fundamentar a não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional - a verdade
é que a confirmação pelo presidente do tribunal superior da decisão de 1ª instância sobre a subida diferida do recurso, definitiva nos termos do artigo
405º nº 4 do CPP, faz perder qualquer utilidade ao recurso de constitucionalidade que o reclamante interpôs.
Na verdade, transitada em julgado tal decisão confirmativa, ela não pode já ser alterada, ou prejudicada, por uma decisão deste Tribunal que se reportaria a uma outra e distinta questão.
Sucede que se mostra, entretanto, documentado nos autos que a decisão sobre o regime de subida do recurso para a relação mereceu confirmação do presidente da Relação de Coimbra e transitou em julgado.
Isto significa que o recurso para a Relação só subirá diferidamente, o que não é compatível e inviabiliza o pretendido efeito suspensivo do processo em consequência de um eventual julgamento de inconstitucionalidade no recurso que não foi admitido pelo despacho reclamado.
Por outras palavras, nenhuma utilidade terá a admissão de um recurso que, desde já, se reconhece também sem qualquer utilidade para o recorrente.
Só uma diferente estratégia processual lograria alcançar o que o reclamante pretende. E ela seria a de ter suscitado a inconstitucionalidade da decisão confirmativa do regime de subida do recurso (as razões por que o reclamante argui a inconstitucionalidade da norma do artigo 408º do CPP seriam, substancialmente, as mesmas) e, obtido um juízo de inconstitucionalidade que – esse sim – imporia a subida imediata do recurso, aguardar que o tribunal da relação alterasse o efeito do recurso, agindo, depois, em conformidade, designadamente com novo recurso de constitucionalidade se a decisão a este respeito fosse adversa.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs
Lisboa,28 de Junho de 2002- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa