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Proc. nº 18/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrentes a Câmara Municipal de Celorico de Basto e o Ministério Público e como recorrido A, o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga proferiu a seguinte decisão: Apreciando à luz do Direito, e decidindo: A remissão que o regulamento faz para a Lei 1/87 não satisfaz o dever de indicação da lei que define a competência para a sua emissão, de que falava o artº 115°.7 da lei fundamental (CRP), na versão da Lei Constitucional n° 1/89, de 08.07, ao tempo aplicável, e de que fala agora o n° 8 do artº 112°. Sendo um dos notórios objectivos desse dever o dar a conhecer, aos destinatários dos regulamentos, a lei a que estes se acolhem, é já, do nosso ponto de vista, problemático aceitar que essa indicação possa ser feita em qualquer local do regulamento, parecendo, de longe, preferível o dever de a fazer constar de um proémio. Todavia, tal dever não existe, e a jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem unanimidade, vem entendendo que a indicação possa ser feita em qualquer trecho do texto do regulamento – ver acórdão n° 28/2001, de 30.º1.2001, in II série n° 60, de 12.º3.2001, pág. 4544/45. Essa indicação há-de, todavia, no mínimo ser inequívoca. Não é o que aqui se verifica. O que se diz, no dito artº 1 ° do regulamento, é que a taxa a que ele se refere
é cobrada ao abrigo de certa lei, e não, como era mister, que o regulamento é editado ao abrigo dessa lei. Não é a mesma coisa, como é bom de ver. Concede-se que a parte mais importante do regulamento será, porventura, a taxa que ele institui, mas ele é um complexo de normas, e, de qualquer modo, o comando constitucional dirige-se a este complexo que não a suas unidades. Conclui-se, pois, que o regulamento, por falta de cumprimento da dita norma da lei fundamental, está ferido de inconstitucionalidade formal, sendo, por isso, ilegal a liquidação feita à sua sombra. Esta impugnação tem, pois, mérito, devendo proceder.
Interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, a Câmara Municipal de Celorico de Basto alegou, concluindo o seguinte:
1. Preceituando o artigo 1.º, n.º1 do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Celorico de Basto que constitui taxa municipal de urbanização
(TMU), a contraprestação devida ao município pela realização, remodelação ou reforço de infra-estruturas urbanísticas, da competência e com custos suportados pela autarquia, a cobrar ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º
1/87, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 8 do artigo 115.º da CRP.
2. Em face desse texto é inequívoco que a deliberação de 20.12.1995 da Câmara Municipal de Celorico de Basto homologada, com alterações, por deliberação de
30.04.1996 da Assembleia Municipal de Celorico de Basto, pretendeu aprovar um regulamento para cobrança de uma taxa pela realização, pelo município, de infra-estruturas urbanísticas, invocando, para esse efeito, o correspondente preceito da Lei das Finanças Locais.
3. Ora, é jurisprudência corrente deste Tribunal Constitucional que é bastante a indicação da lei habilitante no próprio texto do documento – Acórdão n.º 357/99, in Diário da República, II Série, n.º 52, de 2 de Março de 2000, pág. 4255; e Acórdão n.º 28/2001, in Diário da República, II Série, n.º 60, de 12 de Março de
2001, pág. 4545.
4. Assim, o pensamento legislativo tem na letra do citado artigo 1.º, um mínimo da correspondência verbal (artigo 9.º do Código Civil).
5. Por isso, ao contrário do sustentado na douta sentença recorrida, a 'taxa' aí referida, não é um dos elementos do tributo, mas o próprio tributo, como resulta da referida 'contraprestação' – acentuando a natureza bilateral, própria das taxas, em contraposição com os impostos –, constando dos demais preceitos do regulamento os elementos essenciais deste tributo: especificação das infra-estruturas urbanísticas, incidência, isenções e reduções, agravamentos, liquidação e cobrança e forma de cálculo.
6. Foi, pois, minimamente respeitado o princípio da primariedade da lei, assegurando-se, deste modo, os valores de transparência que a lei fundamental pretende acautelar, pelo que,
7. O referido regulamento não enferma, ao contrário do entendimento da douta decisão recorrida, de inconstitucionalidade formal.
Por seu turno, o Ministério Público concluiu as alegações apresentadas do seguinte modo:
1° - Resultando, de forma expressa e inequívoca, do próprio articulado do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal de Celorico de Basto, qual a norma legal que atribui à pessoa colectiva município a competência para cobrar a taxa decorrente da realização de infra-estruturas urbanísticas (e, portanto, necessariamente, para criar a disciplina regulamentar que obviamente tem que preceder a dita cobrança), deve considerar-se cumprida, em termos bastantes, a exigência constitucional de indicação da lei habilitante.
2° - Na verdade, da norma legal indicada decorre claramente a base substantiva para a criação e cobrança da referida taxa, bem como a imputação à autarquia de competência de proceder à regulamentação em causa, permitindo aos destinatários da norma uma fácil e segura apreensão da validade e suficiência do título em que se fundou a edição do regulamento.
3° - Termos em que deverá proceder o presente recurso.
O recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
2. O preceito impugnado tem a seguinte redacção: Artigo 1º Definição
1 – Constitui taxa municipal de urbanização (TMU), a contraprestação devida ao município pela realização, remodelação ou reforço de infra-estruturas urbanísticas, da competência e com custos suportados pela autarquia, a cobrar ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 11º da Lei nº 1/87.
2 – Para efeitos de aplicação do presente Regulamento, consideram-se infra-estruturas urbanísticas: a. Rede viária; b. Redes de drenagem de esgotos e de águas pluviais; c. Redes de abastecimento de água, electricidade e iluminação pública; d. Os equipamentos urbanos, nomeadamente parques e baías de estacionamento, passeios e espaços verdes públicos. A decisão recorrida considera que a inconstitucionalidade formal decorre da circunstância de o regulamento apenas mencionar que a taxa nele prevista é cobrada ao abrigo de certa lei, 'e não, como era mister, que o regulamento é editado ao abrigo dessa lei'.
O Tribunal Constitucional tem considerado que o princípio da precedência da lei sobre o regulamento implica que todos os actos normativos de natureza regulamentar devem conter indicação expressa da lei em que se fundamentam. De acordo com o entendimento do Tribunal, tal indicação há-de constar necessariamente do articulado ou do preâmbulo do regulamento, de modo a facultar aos interessados o conhecimento dos elementos necessários para valorar a base jurídica do acto regulamentar (cf. os Acórdãos n.ºs 357/99 – D.R., II, de
2 de Março de 2000; 490/00 – inédito; 28/01 – D.R., II, de 12 de Março de 2001; e 174/01 – inédito).
No caso dos autos, a indicação da lei habilitante consta do próprio articulado do regulamento. Não se trata, pois, de um diploma completamente omisso quanto à indicação da lei com base na qual é emitido.
Importa, assim, averiguar se é suficiente para satisfazer a exigência do artigo 115º, nº 8, da Constituição, a indicação da norma da Lei das Finanças Locais que legitima o município a instituir e cobrar a taxa pela realização de infraestruturas urbanísticas, sem simultaneamente indicar, de forma expressa, as normas legais que, de um ponto de vista subjectivo, facultam aos órgãos municipais, nos termos da lei das autarquias locais, a edição de regulamentos.
Tratando-se de uma citação expressa e inequívoca da lei em que se funda o regulamento editado (sendo, para o efeito, irrelevante a aludida questão terminológica, consistente na referência à 'cobrança' da taxa e não à 'edição' do regulamento), verifica-se que a indicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 11º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro (preceito que consagra a competência do município para cobrar a referida taxa), no n.º 1 do artigo 1º do Regulamento permite, com clareza, a identificação da base substantiva e objectiva em que o mesmo assenta. Por outro lado, a lei indicada, ao atribuir à pessoa colectiva 'município' o poder de cobrar as referidas taxas, define de modo suficientemente perceptível a competência subjectiva para a edição do regulamento atinente à taxa de urbanização, possibilitando a qualquer destinatário médio da norma regulamentar a identificação dos órgãos municipais aos quais está legalmente cometida tal competência.
Assim, a referência no regulamento em apreciação da mencionada norma legal satisfaz a exigência constitucional constante do artigo 115º, nº 8, da Constituição.
Não se verifica pois a inconstitucionalidade formal do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal de Celorico de Basto.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal de Celorico de Basto, revogando a decisão recorrida, que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 10 de Julho de 2002- Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa