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Proc. nº 165/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos dos Juízos Cíveis de Lisboa, em que figuram como recorrentes A e outra e como recorrida B, a Relatora proferiu Decisão Sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de não ter sido suscitada durante o processo uma questão de constitucionalidade normativa.
As recorrentes vêm agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, concluindo o seguinte:
1. Os articulados destinam-se, quanto ao Autor, à descrição dos factos, e, de modo sucinto, à indicação dos preceitos legais em que assenta o direito exercido
(artº 467º do C.P.C.).
2. Não tem por isso o Autor que fazer nessas peças processuais obrigatória prognose quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas que em atenção ao princípio 'jus novit curia' o Juiz da causa haja de fazer na sentença final.
3. Nem tem que suscitar na sua eventual resposta à Contestação do R. a questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa por ele feita nesta peça, pois, por um lado, tal não representa a colocação de uma questão de constitucionalidade a que o A. haja de responder com a questão contrária, e, por outro lado, só há obviamente que falar de inconstitucionalidade de normas ou de sentidos a elas dados por decisões judiciais, e não das posições/argumentos expendidos por qualquer das partes nos seus articulados.
4. Os vícios da decisão final, inclusive a dos sentidos interpretativos seleccionados pelo Juiz da causa, devem lógica e necessariamente ser impugnados só após a prolação da sentença, pela via do recurso, designadamente na via constitucional, se for o caso (artº 676º do C.P.C. e 70º, nº 1, b) da LTC).
5. Sendo essa a regra que melhor garante o direito de acesso aos Tribunais constitucionalmente protegido e melhor assegura o princípio da defesa da constitucionalidade das leis.
6. Apenas se afigurando razoável a exigência da colocação nos articulados das questões de inconstitucionalidade em relação a normas que em si, e do ponto de vista formal ou material, acusem vício notório ou já denunciado pela doutrina ou jurisprudência – o que não é o caso sub judice.
7. Deve por isso o recurso ser tido como tempestivo face ao artº 70º, nº 1, b) da LTC.
8. Nos termos e com os fundamentos da justificação recurso oportunamente apresentada e aqui dada como reproduzida – e que pode merecer não só aprofundamento, melhoria e eventual reformulação em alegações, como o douto suprimento deste Tribunal nos termos do artº 79º-C da LTC – não se afigura manifestamente infundado o recurso, justificando-se o seu conhecimento e apreciação não sumária. Pelo que, não obstante o muito respeito pela decisão reclamada e pela sua Ilustre Relatora, deve a Reclamação ser provida e consequentemente decidir-se o conhecimento do recurso, com o prosseguimento do processo nos termos do artº
78º-A, nº 5 da LTC.
Cumpre apreciar.
2. As reclamantes sustentam que não tinham de suscitar, antes da prolação da decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade, uma vez que ainda não tinha havido qualquer decisão a aplicar as normas impugnadas (o recurso de constitucionalidade foi interposto da decisão da 1ª instância).
Ora, tal argumentação não colide minimamente com o ponto n.º 3 da Decisão Sumária reclamada, cujo teor é o seguinte:
3. As recorrentes sustentam que não tiveram oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida. Importa, porém, ter presente o seguinte: as recorrentes receberam a carta na qual a então ré (agora recorrida) se opôs à denúncia, através de mandatário; omitiram tal facto, o que originou a sua condenação como litigantes de má fé. Pretendem agora que a interpretação dos preceitos impugnados aplicada pela decisão recorrida, no sentido de oposição à denúncia ser válida, foi surpreendente e inesperada. Ora, é manifesto que tal pretensão não pode proceder. Com efeito, no momento em que instauraram a acção as recorrentes sabiam que tinha havido oposição à denúncia através de mandatários (a decisão recorrida assim a considerou). Se discordavam da interpretação normativa que fundamenta a validade da referida oposição tinham o ónus de suscitar as questões que considerassem pertinentes, nomeadamente a questão de constitucionalidade, pois foram confrontadas com o problema. Optaram, porém, pela omissão de factos relevantes (o que fundamentou, repete-se, a sua condenação por litigância de má fé). A descoberta de tais factos e a consequente aplicação do direito não pode considerar-se objectivamente imprevisível, de modo a não ser exigível a suscitação prévia da questão de constitucionalidade.
Com efeito, a perspectiva das reclamantes (que já originou, relembre-se, uma condenação por litigância de má fé nos autos) leva a que as partes possam omitir factos que objectivamente obstam à sua pretensão e, ulteriormente, sustentar que a decisão que conhece desses factos (invocados pela outra parte) é uma decisão inesperada e surpreendente. Trata-se de um entendimento manifestamente improcedente.
Sublinhe-se que não é a exigência de uma prognose exaustiva e desnecessária que está em causa, quando a lei estabelece como pressuposto do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa. Na verdade, apenas se exige a ponderação de todos os elementos relevantes e, em face deles, a apresentação dos argumentos jurídicos considerados pertinentes, entre as quais se encontram, naturalmente, as questões de constitucionalidade normativa. As reclamantes tiveram oportunidade processual para apresentar os argumentos de constitucionalidade que considerassem pertinentes quer na petição inicial quer, de todo o modo, na fase de alegações no final da audiência de julgamento, o que, neste caso, deveria estar documentado nos autos (cf. Acórdão nº 397/97, ATC, 37º vol., p. 232 e acta de fls. 115).
Sobre as reclamantes impendia, pois, o ónus de suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa. Não tendo sido cumprido tal ónus, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que improcede a presente reclamação.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 15 de Julho de 2002- Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa