Imprimir acórdão
Proc. n.º 550/02 Acórdão nº 356/02
Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Por despacho de 1 de Julho de 2002, proferido pelo Governador Civil da Guarda, nos termos do artigo 11º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro), foi fixado o dia 18 de Agosto de 2002 para a realização das eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, do Concelho de Seia (fls. 2 e 3).
Em 8 de Julho – último dia do prazo para a apresentação de listas de candidatos, nos termos dos artigos 20º, n.º 1, e 228º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto (a seguir LEOAL) –, A, na qualidade de mandatário da lista do Partido Social Democrata (PPD/PSD) às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, apresentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Seia, o respectivo processo eleitoral (fls. 5 a
63); protestou juntar certos documentos (que foram juntos a fls 64-66, com original a fls. 72-75, e 189-190).
No dia 9 de Julho, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Seia um requerimento que tinha sido recebido por telecópia, em 8 de Julho, às 23 horas e 52 minutos, através do qual B, Presidente da Junta de Freguesia de Santa Marinha, na qualidade de cabeça de lista da Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô – T.S.M.E. - I', pediu ao Juiz da Comarca de Seia 'se digne mandar aceitar a lista em causa, a qual nos comprometemos regularizar, fazendo deste prova e forma de apresentação a V. Ex.ª da lista de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, deste concelho de Seia às Eleições autárquicas intercalares a realizar em 18 de Agosto de 2002' (fls. 67-68).
Nesse mesmo dia 9 de Julho, C, na qualidade de mandatário do grupo de candidatos eleitores recenseados na Freguesia de Santa Marinha denominado
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', requereu ao Juiz da Comarca de Seia que
'de conformidade com o fax ontem remetido pelo respectivo cabeça de lista se digne conceder-lhe a apresentação da lista em referência e cuja regularização se compromete a efectuar no mais curto espaço de tempo possível, porquanto, por força do Despacho de marcação das eleições autárquicas intercalares proferido por Sua Excelência o Sr. Governador Civil da Guarda (cuja cópia se junta para os devidos e legais efeitos [...]), tardiamente recebido e que todas as listas candidatas àquele acto apanhou de surpresa, será inteiramente impossível cumprir as exigências e prazos aí referidos' (fls. 69 a 71).
2. Por despacho proferido em 9 de Julho de 2002, o Juiz da Comarca de Seia concedeu à Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô – T.S.M.E. - I' 'o prazo de dois dias para regularizar a sua candidatura, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 25º da Lei n.º 1/2001' e determinou
'a afixação da relação das candidaturas nos termos do disposto no art. 25º da Lei Orgânica n.º 1/2001' (fls. 76 a 77 vº).
Nesse despacho, justifica-se assim a aceitação da Lista Independente
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô'.
'A questão que se coloca diz respeito à lista independente e tem duas vertentes que importa analisar separadamente. A primeira visa apurar se o requerimento do cabeça de lista da lista independente deu entrada no tribunal tempestivamente. [...] o requerimento em causa deu entrada, via fax, no dia 8/7/2002 (último dia do prazo para a apresentação das listas de candidatos) pelas 23h e 50m. Estipula o art. 229º n.º
3 da Lei n.º 1/2001que para os efeitos do art. 20º da referida lei as secretarias judiciais onde deverão ser entregues as listas terão o seguinte horário: Das 9h e 30m às 12h e 30m e das 14h às 18h. O art. 231º da mesma lei manda aplicar subsidiariamente o Código de Processo Civil em tudo o que não estiver regulado na Lei n.º 1/01 (à excepção do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.
145º do C.P.C.). Assim, dever-se-á aplicar ao acto praticado pelo cabeça de lista da lista independente o disposto no n.º 4 do art. 143º do C.P.C., o qual estipula que 'As partes podem praticar os actos processuais através de telecópia ou por correio electrónico, em qualquer dia e independentemente da hora da abertura e do encerramento dos tribunais'. Concluímos, assim, que o requerimento em apreço deu entrada na secretaria judicial deste tribunal dentro do prazo previsto no art. 20º n.º 1 e 228º da Lei n.º 1/2001. A segunda questão visa determinar se estamos perante uma lista de candidatos.
É ponto assente que o requerimento de fls. 67 não reúne os requisitos gerais de apresentação das candidaturas nos termos do art. 23º da Lei n.º 1/2001. É todavia também inequívoco que o requerimento incorpora uma manifestação de vontade tendente à apresentação de uma lista independente às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha. Por outro lado, há que atender ao facto de que existe uma falta de harmonia entre a Lei n.º 1/2001 e a Lei n.º 169/99 que introduz um factor de instabilidade e incerteza no processo eleitoral. Com efeito, e no caso da eleição intercalar como a que tratamos, o Governador Civil marca as eleições a
40 ou a 60 dias (art. 11º n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 169/99). Ora, o último dia para a apresentação das candidaturas é o 41º dia anterior à data marcada para as eleições (art. 20º n.º 1 e 228º da Lei n.º 1/2001). Em teoria, e por hipótese absurda, pode o Governador Civil marcar a data das eleições quando o prazo para apresentação de candidaturas a essas eleições já havia findado. Posto isto, e para salvaguarda dos princípios plasmados nos artigos 2º, 108º e
109º da lei fundamental, entendemos que o requerimento de fls. 67 consubstancia a apresentação de uma candidatura. Esta candidatura deverá, porém, ser regularizada no prazo de 2 dias
[...].'
Em 10 de Julho, procedeu-se à 'afixação da lista' (cfr. cota de fls.
79 vº).
3. Notificado do despacho de 9 de Julho, D, primeiro candidato da lista apresentada pelo Partido Social Democrata às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha veio, em 11 de Julho, reclamar da decisão do Juiz da Comarca de Seia, na parte em que admitiu a Lista Independente
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', invocando, em síntese, dois fundamentos
(fls. 80 a 81):
– o requerimento dirigido ao Juiz da Comarca de Seia pela Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', não traduzindo a apresentação de uma lista, ainda que incompleta, ou portadora de irregularidades processuais, não pode ser admitido como uma 'lista' de candidatos ao órgão autárquico em causa;
– o mesmo requerimento, enviado pela Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', foi recebido no Tribunal Judicial da Comarca de Seia, via fax, às 23 horas e 50 minutos do dia 8 de Julho de 2002, isto é, depois de terminado o prazo para a apresentação de candidaturas, não podendo aplicar-se o regime do artigo 143º, n.º 4, do Código de Processo Civil (como se faz na decisão reclamada), tendo em conta o disposto no artigo 229º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 1/2001.
4. Em 11 de Julho de 2002, C, na qualidade de mandatário do grupo de candidatos eleitores recenseados na Freguesia de Santa Marinha denominado
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', apresentou a relação dos cidadãos proponentes da Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', bem como a lista dos respectivos candidatos às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, e documentação correspondente (fls. 82 a 187)..
Por despacho do Juiz da Comarca de Seia, proferido na mesma data
(fls. 188), foi determinado que se completasse 'de imediato a relação das candidaturas afixadas nos termos do disposto no art. 25º da Lei n.º 1/2001'.
Procedeu-se à afixação ainda no dia 11 de Julho de 2002 (cfr. cota de fls. 188 vº).
5. Notificado, em 11 de Julho, da reclamação apresentada pelo Partido Social Democrata, o primeiro proponente da Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô', respondeu, em 15 de Julho, sustentando a manutenção da decisão reclamada (fls. 191 e 193 e seguintes).
6. Por despacho de 15 de Julho de 2002 (fls. 198 a 198 vº), o Juiz da Comarca de Seia manteve a anterior decisão de admissão da Lista Independente
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, Concelho de Seia, e indeferiu a reclamação apresentada pelo Partido Social Democrata, nos seguintes termos:
'O despacho reclamado antecipa as objecções da reclamação apresentada. Assim, e para o presente efeito, dão-se como reproduzidos os argumentos ali expendidos
(fls. 76 a 77), desta forma se mantendo o despacho reclamado.'
Consequentemente, foi ordenada a afixação completa das candidaturas apresentadas, nos termos do artigo 29º, n.º 5, da LEOAL, e foi determinada a realização, no dia 16 de Julho, do sorteio a que alude o artigo 30º, n.º 1, da mesma Lei.
No dia imediato (16 de Julho), foram afixadas as listas definitivas no Tribunal, nos termos do art. 29º, n.º 5, da Lei Orgânica n.º 1/2001 (cfr. cota de fls. 198 vº) e foram notificados os mandatários das duas listas do despacho de fls. 198 a 198 vº (cfr. fls. 199 e 202).
7. Em 16 de Julho de 2002, o mandatário do Partido Social Democrata às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, A, apresentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Seia, nos termos do artigo 33º da LEOAL, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que admitiu a Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô'
(fls. 204).
Nas suas alegações, o mandatário do Partido Social Democrata reiterou os argumentos que tinha invocado na reclamação anteriormente deduzida
(fls. 205 a 207), tendo formulado as seguintes conclusões:
'A - O requerimento de fls. 67 dos autos não consubstancia a apresentação de uma lista de candidatos; B - Tal requerimento mais não [é] que «uma intenção de vontade tendente à apresentação de uma lista»; C - Não podendo assim o mesmo requerimento se[r] considerado como a apresentação de uma lista ainda que incompleta ou enfermando de irregularidades; D - Ainda assim e sem conceder, tal requerimento sempre seria extemporâneo; E - O artigo 229 da Lei Orgânica 1/2001 claramente estipula que o prazo para a apresentação de listas se considera referido ao termo do horário normal das respectivas repartições; F - Neste caso referido ao horário normal dos Tribunais, cujas secretarias para o efeito, segundo o mesmo normativo, encerram às 18 h; G - O referido requerimento entrou via fax em Tribunal às 23 h e 52 m do último dia ou seja 8/7/2002; H - Encontrando-se claramente regulada pelo artigo 229 da Lei Orgânica 1/2001 o termo de prazos para apresentação das listas, não tem consequentemente, nesta parte, aplicação subsidiária o disposto no Cód. Proc. Civil; I - A decisão recorrida viola entre outros os artigos 23, 26, 27, 229 e 231 da Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto.'
O recurso foi admitido por despacho de 16 de Julho, proferido a fls.
209 e seguinte.
A Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' respondeu
(fls. 211 a 212):
'[...]
3. Compulsando os autos, verifica-se que o próprio Tribunal foi informado da marcação das eleições, por fax do Sr. Governador Civil, no preciso dia em que terminava o prazo de apresentação das candidaturas.
4. Por uma questão de horas, não aconteceu a situação caricata de o Tribunal ser confrontado com a apresentação de «umas listas» de candidatura à eleição de um
órgão autárquico, sem saber sequer que o acto eleitoral se ia realizar, e quando o próprio prazo já tinha terminado... Pasme-se! Ou, até o contrário: Por já ter terminado o prazo das candidaturas, não haveria listas concorrentes e, assim, «ficava tudo como estava». Não haveria eleições, por não poder haver eleições.
[...]
6. Nos termos do art. 15°, n.º 3, da citada Lei 1/2001, no caso presente, compete ao Governador Civil a marcação do dia da votação suplementar.
7. Excluída a hipótese da marcação por decreto aludida no n.º 1 daquele artigo e na falta de outra disposição legal expressa, caber-lhe-ia, no mínimo, em nosso entender, por força do Direito Subsidiário consagrado no artigo 231° da referida Lei, publicitá-la, com as devidas adaptações, nos termos do artigo 251° do C.P. Civil (por incerteza das pessoas), através dos competentes anúncios e editais, o que não aconteceu.
8. Não o fazendo, foram postos em causa os direitos constitucionais «de ser informado» (art. 37°, n.° 1), de «participação na vida pública» (art. 48°) e de
«concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político» (art. 51°, n.° 1, da CRP), o que, para todos os efeitos, se invoca.
9. No douto despacho de admissão das candidaturas, o Meritíssimo Juiz analisou, de uma forma brilhante, as irregularidades processuais e descreveu-as com precisão.
10. E não se diga que o fax enviado ao Tribunal às 23h 50 do dia 8/7/2002 não configurava a apresentação de uma lista de candidatos por parte da lista independente «TSME-I».
[...]
12. Ora, Nos termos do artigo 26°, n.º 3, da Lei n° 1/2001 já citada,
«no caso de a lista não conter o número exigido de candidatos efectivos e suplentes, o mandatário deve completá-la no prazo de quarenta e oito horas». Foi o que o Meritíssimo Juiz ordenou e veio a ser cumprido, ficando, desta forma, sanada a mera existência de uma irregularidade processual (art. 26°, nº1, da Lei 1/2001).
[...].'
Por despacho de 17 de Julho, foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.
Cumpre agora apreciar e decidir.
II
8. O presente recurso vem interposto, pelo mandatário do Partido Social Democrata, da decisão do Juiz da Comarca de Seia, de 15 de Julho de 2002 (fls.
198 a 198 vº), que, indeferindo a reclamação apresentada pelo mesmo Partido, manteve a anterior decisão de admissão da Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, Concelho de Seia.
Não há obstáculos ao conhecimento do recurso, já que tal recurso foi interposto de 'decisão final' sobre admissão de candidaturas, dentro do prazo legal, por quem tem legitimidade para o efeito (artigos 31º e 32º da LEOAL).
9. O partido recorrente assenta o seu recurso, essencialmente, em duas ordens de razões, correspondentes aos dois fundamentos da decisão recorrida
(cfr. supra, 6. e 2.):
– o requerimento apresentado pela Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' não configura uma autêntica lista, ainda que incompleta, ou portadora de irregularidades processuais, e não pode por isso ser admitido como 'lista' de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Marinha ;
– o mesmo requerimento foi recebido no Tribunal Judicial da Comarca de Seia, via fax, às 23 horas e 50 minutos do dia 8 de Julho de 2002, isto é, depois de terminado o prazo para a apresentação de candidaturas, não podendo aplicar-se o regime do artigo 143º, n.º 4, do Código de Processo Civil (como se faz na decisão reclamada), tendo em conta o disposto no artigo 229º, n.º 3, da Lei Orgânica n.º 1/2001.
10. Comecemos pela questão enunciada em segundo lugar, que se relaciona com o primeiro fundamento da decisão recorrida – a questão da tempestividade ou não da apresentação da Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô'.
Nos termos do n.º 1 do artigo 20º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (aprovada pela Lei Orgânica n.º
1/2001, de 14 de Agosto), 'as listas de candidatos são apresentadas perante o juiz do tribunal da comarca competente em matéria cível com jurisdição na sede do município respectivo até ao 55º dia anterior à data do acto eleitoral'.
Por força do disposto no artigo 228º da mesma Lei, 'no caso de realização de eleições intercalares, os prazos em dias previstos na presente lei são reduzidos em 25%, com arredondamento para a unidade superior'.
Considerando que as eleições autárquicas a que o presente recurso se reporta foram marcadas para o próximo dia 18 de Agosto (cfr. supra, 1.), decorre das disposições citadas que o último dia do prazo para a apresentação de candidaturas correspondia ao passado dia 8 de Julho.
Ora, o artigo 229º da LEOAL determina, sob a epígrafe 'Termo dos prazos':
'1. Os prazos previstos na presente lei são contínuos.
2. Quando qualquer acto processual previsto na presente lei envolver a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos considera-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições.
3. Para efeitos do disposto no artigo 20º [local e prazo de apresentação das candidaturas], as secretarias judiciais terão o seguinte horário, aplicável a todo o País:
Das 9 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos;
Das 14 às 18 horas.'
Por sua vez, o artigo 231º da mesma Lei dispõe que 'em tudo quanto não estiver regulado na presente lei aplica-se aos actos que impliquem intervenção de qualquer tribunal o disposto no Código de Processo Civil quanto ao processo declarativo, com excepção dos n.º 4 e 5 do artigo 145º'.
Sobre a questão relativa à determinação do termo do prazo para a apresentação das listas de candidatos às eleições dos titulares dos órgãos das autarquias locais, disse recentemente o Tribunal Constitucional no acórdão n.º
287/2002 (ainda inédito):
'[...] independentemente de saber se a Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais admite a utilização de telecópia para apresentação da lista de candidatos, a questão da falta do referido registo nem se coloca neste caso (o que desde logo torna desnecessário o conhecimento de qualquer inconstitucionalidade referida à norma que o prevê), porque a telecópia foi expedida para o Tribunal de Fafe no dia 20 de Maio depois de encerrada a respectiva secretaria judicial; isto significa que só pode considerar-se a entrada ocorrida no dia 21 de Maio – ou seja, já fora de prazo. Já por diversas vezes o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de frisar que a celeridade do contencioso eleitoral exige uma disciplina rigorosa no cumprimento dos prazos legais, sob pena de se tornar inviável o calendário fixado para os diversos actos que integram o processo eleitoral; e que essa celeridade implica a impossibilidade de aplicação de diversos preceitos contidos no Código de Processo Civil, directa ou indirectamente relacionados com prazos para a prática de actos pelas partes. Note-se, aliás, que a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil tem, como se sabe, de ter em conta as especialidades decorrentes da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, que prevalece sempre que a mesma contenha, ou disposição expressa, ou regime globalmente incompatível com qualquer preceito do Código de Processo Civil. Assim, e a título de exemplo, o Tribunal Constitucional já teve a ocasião de afirmar que aquelas especialidades afastam a possibilidade de invocação do justo impedimento (cfr. acórdão n.º 479/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Novembro de 2001), ou do regime previsto no n.º 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil (redacção anterior à resultante do Decreto-Lei n.º
183/2000, ainda vigente) segundo o qual, em caso de utilização do correio, os actos se consideram praticados na data em que foi efectuado o registo postal
(cfr. acórdãos n.ºs 510/2001, 1/2002, 6/20002 ou 17/2002, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 19 de Dezembro de 2001, 29 de Janeiro de 2002, 30 de Janeiro de 2002 e 22 de Fevereiro de 2002). Ora a matéria relativa ao termo dos prazos encontra-se expressamente regulada no artigo 229º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. De acordo com este preceito, sempre que haja de ser praticado um acto que 'envolva a intervenção de entidades ou serviços públicos, o termo dos prazos respectivos encontra-se referido ao termo do horário normal dos competentes serviços ou repartições' (n.º 2). E, segundo o n.º 3, as secretarias judiciais, justamente para o efeito de receberem as listas de candidatos – cfr. artigo 20º, para o qual se remete –, têm um horário de funcionamento alargado, que termina às 18 horas. Assim sendo, nenhuma dúvida existe de que nunca poderia ser considerada uma entrada na secretaria judicial posterior às 18 horas do dia 20 de Maio de 2002, fosse qual fosse a via de comunicação utilizada. Sempre se acrescenta, todavia, que nem é necessário considerar que este regime é posterior ao actualmente constante do n.º 4 do artigo 143º do Código de Processo Civil, acrescentado pelo Decreto-Lei 183/2000, de 10 de Agosto, ou que sobre ele prevalece por constar da própria Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais.
É que, além do mais, o que aquele n.º 4 estabelece é que os actos podem ser praticados a qualquer hora, se for utilizado o correio electrónico ou a telecópia; não regula a questão de saber quando se consideram entrados os actos, nomeadamente actos abrangidos pelo n.º 3 do mesmo artigo 143º, segundo o qual, se forem actos que 'impliquem a recepção pelas secretarias judiciais de quaisquer articulados, requerimentos ou documentos devem ser praticados durante as horas de expediente dos serviços'. Note-se, aliás, que, no âmbito do processo eleitoral, é especialmente justificada a exigência de que só possa ser considerada a data em que o acto foi praticado se tiver dado entrada no Tribunal dentro do horário de funcionamento da secretaria, já que os prazos que o tribunal tem de respeitar na sua apreciação são particularmente curtos. No que toca à apresentação de candidaturas, é de cinco dias o tempo de que o juiz dispõe para proferir a decisão prevista no artigo 25º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais
[...].'
A decisão que este Tribunal então tomou quanto à impossibilidade de considerar uma entrada na secretaria judicial depois das 18 horas do dia fixado como termo do prazo para a apresentação das listas de candidatos às eleições dos titulares dos órgãos das autarquias locais, seja qual for a via utilizada, vale também para o caso dos autos. É certo que a Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' alegou a recepção tardia da comunicação do despacho proferido pelo Governador Civil da Guarda que marcou a data das eleições autárquicas intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha. Todavia, independentemente da eventual razão que pudesse assistir àquela Lista quanto a tal alegação, trata-se de matéria que não pode ser apreciada no presente processo.
11. Conclui-se assim que o presente recurso merece provimento, por só ser possível considerar recebido o requerimento apresentado pela Lista Independente
'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' no dia 9 de Julho de 2002, ou seja, depois de terminado o prazo para a apresentação de listas de candidatos às eleições autárquicas intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, Concelho de Seia (face ao disposto nos artigos 20º, n.º 1, e 228º da LEOAL).
Atingida esta conclusão, desnecessário se torna apreciar o segundo fundamento da decisão recorrida, isto é, a questão de saber se o requerimento apresentado pela Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' consubstancia uma 'lista' de candidatos à Assembleia de Freguesia de Santa Marinha.
III
12. Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida que admitiu a Lista Independente 'Trabalhar por Santa Marinha e Eirô' às eleições intercalares para a Assembleia de Freguesia de Santa Marinha, Concelho de Seia, marcadas para o dia 18 de Agosto de 2002.
. Lisboa, 19 de Julho de 2002- Maria Helena Brito Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa