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Proc. nº 224/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis, de 5 de Junho de
2001, foi o ora recorrente, E..., condenado como autor material de um crime de falso depoimento, previsto e punido pelo art. 359º do Código Penal, na pena de
180 dias de multa, à razão diária de 10.000$00, o que perfaz a multa global de
1.800.000$00.
2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, tendo, a concluir a sua alegação, dito, designadamente o seguinte:
'(...)
12ª - O acórdão recorrido violou, pois, os art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5, da CR e o art. 17º, nº 1 da Lei nº
3/99, de 13 de Janeiro.
(...)'.
3. O Tribunal da Relação de do Porto, por acórdão de 9 de Janeiro de 2002, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando integralmente, quanto ao ora recorrente, a decisão recorrida.
4. Foi desta decisão que foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
'E..., recorrente nos autos de processo crime ao lado referenciados, não se conformando com o douto acórdão proferido, dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, por violação da garantia constitucional de defesa prevista nos art.s 20º e 32º, nºs 1 e 2 da CRP, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações subsequentes e nos termos do art. 75º-A. O recorrente alegou na sua motivação de recurso:
«A acusação ou o despacho de pronúncia balizam os factos imputados ao arguido e sobre que incide o julgamento e a decisão, condenatória ou absolutória, descritos com todas as circunstâncias de tempo, modo e lugar (art.s 283º, nº 3 e
308º do CPP, interpretados de acordo com o art. 32º, nºs 1 e 5, da CR). Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido não respeita esse enquadramento: ampliou a matéria de facto, fazendo uma revisão do decidido pelo tribunal de trabalho, para além dos quesitos em que foi posta em causa a resposta do arguido E... (quesitos 77º, 104º, 105º e 106º). Essa ampliação não é admissível pela mera presença do arguido no julgamento, porque o direito do contraditório tem que ser exercido em tempo com a possibilidade de carrear a prova indispensável
(art. 315º e 316º do CPP). Assim, pensando usar de um poder elástico no julgamento da matéria criminal, o acórdão fez um novo julgamento da matéria de facto apreciada pelo tribunal de trabalho, sem que tal matéria (constante dos quesitos julgados pelo tribuna de trabalho) constasse do despacho de pronúncia, sem exame de prova nele produzida, servindo-se de uma memória imprecisa e esbatida pelo tempo dos senhores juizes que constituíram o colectivo do tribunal de trabalho e de uma prova escassa e parcial nele desencadeada». E nas conclusões:
1ª - A acusação delimita os factos, com todas as circunstâncias de tempo, modo e lugar, sobre que o arguido vai ser julgado em processo crime, nos termos dos art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CR;
11ª - Deve, assim, a matéria de facto provada ser limitada ao facto imputado nos nºs 8, 9 e 11 do despacho de pronúncia, na medida em que se provou (conclusão
4ª), e o arguido E... ser absolvido do crime de falsidade de depoimento;
12ª - O acórdão recorrido violou, pois, os art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CR e o art. 17º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro. O acórdão recorrido limitou-se a considerar que o recorrente não tinha razão porque a demandante cível podia ampliar os factos acusatórios, servindo, assim, o pedido cível para incriminar o arguido por portas travessas, na interpretação que faz, inconstitucional, do art. 374º, nº 2, do CPP (sic. última linha de pgs.
29 e nove primeiras linhas de pgs. 30 do acórdão recorrido). E desta forma simplista e nada mais dizendo e confirmando o acórdão sub judice, o acórdão recorrido cai na mesma violação da imputada e da que pretendia uma decisão favorável. Acresce, ainda, que nem decidiu a questão prévia da falta de acesso às actas de julgamento para poder fundamentar adequadamente o recurso, violando, assim, também, como se invocou, os art.s 20º e 32º, nº 1 da CR'.
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 1438 a 1442).
É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Importa, pois, começar por averiguar se o recorrente suscitou, durante o processo e de modo processualmente adequado, uma questão da constitucionalidade normativa, em termos de lhe permitir o recurso para o Tribunal Constitucional que pretende interpor. Ora, é manifesto que não o fez. Se atentarmos no teor das alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, verificamos que não foi aí suscitada, em termos processualmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, optando o recorrente por imputar à própria decisão recorrida - e não a normas que esta tenha aplicado - a violação do disposto no artigo 32º, nºs 1 e 5 da Constituição. Para o demonstrar basta voltar a transcrever as conclusões da alegação apresentada no Tribunal da Relação do Porto, para que o próprio recorrente remete no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:
'(...) E nas conclusões:
1ª - A acusação delimita os factos, com todas as circunstâncias de tempo, modo e lugar, sobre que o arguido vai ser julgado em processo crime, nos termos dos art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CR;
11ª - Deve, assim, a matéria de facto provada ser limitada ao facto imputado nos nºs 8, 9 e 11 do despacho de pronúncia, na medida em que se provou (conclusão
4ª), e o arguido E... ser absolvido do crime de falsidade de depoimento;
12ª - O acórdão recorrido violou, pois, os art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CR e o art. 17º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro. O acórdão recorrido limitou-se a considerar que o recorrente não tinha razão porque a demandante cível podia ampliar os factos acusatórios, servindo, assim, o pedido cível para incriminar o arguido por portas travessas, na interpretação que faz, inconstitucional, do art. 374º, nº 2, do CPP (sic. última linha de pgs.
29 e nove primeiras linhas de pgs. 30 do acórdão recorrido). E desta forma simplista e nada mais dizendo e confirmando o acórdão sub judice, o acórdão recorrido cai na mesma violação da imputada e da que pretendia uma decisão favorável. Acresce, ainda, que nem decidiu a questão prévia da falta de acesso às actas de julgamento para poder fundamentar adequadamente o recurso, violando, assim, também, como se invocou, os art.s 20º e 32º, nº 1 da CR'. (Sublinhados nossos). Ora, como resulta expressamente do disposto nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e tem sido por inúmeras vezes repetido por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 20/96, in Diário da República, II série, de 16 de Maio de 1996), o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e não das decisões judiciais que as apliquem. Pelo exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que o recorrente não suscitou, durante o processo e de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa em termos de permitir o recurso para o Tribunal Constitucional a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC'.
6. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou a presente reclamação para a Conferência (fls. 1444), que fundamentou nos seguintes termos:
'A inconstitucionalidade da norma resulta da aplicação que dela faz o tribunal recorrido, aplicando in casu os artigos 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, numa interpretação que viola o art. 32º, nºs 1 e 5 da CR. Por outras palavras: os artigos 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, ferem o art. 32º, nºs 1 e 5 da CR, com a dimensão normativa dada pelo acórdão recorrido. A invocação da inconstitucionalidade foi feita nos mesmos moldes no proc. nº
444/01, da 1ª Secção, suscitada pelo mesmo advogado e em termos idênticos. O douto despacho reclamado fez incorrecta interpretação da alegação do recorrente e da jurisprudência do Tribunal Constitucional'.
7. O Representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe no seguintes termos:
'1º - A presente reclamação é manifestamente infundada.
2º - Na verdade, o reclamante não põe em causa os fundamentos da decisão sumária proferida, já que não demonstra minimamente ter suscitado, em termos procedimentalmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de fundar o recurso interposto'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
8. Como, bem, refere o Ministério Público, com a presente reclamação o reclamante não põe minimamente em causa os fundamentos da decisão reclamada, já que não demonstra que - ao contrário do que ali se decidiu - teria suscitado, durante o processo e em termos procedimentalmente adequados, uma questão de constitucionalidade normativa - i.e., reportada a normas jurídicas e não à decisão judicial que as aplica - susceptível de integrar o recurso de constitucionalidade que pretendeu interpor. Assim, para além de reiterar as razões constantes da decisão reclamada, que não são abaladas pela reclamação apresentada, agora apenas se acrescenta, porque o reclamante coloca expressamente a questão, que, ao contrário do que alega, nem é verdade que 'a invocação da inconstitucionalidade foi feita nos mesmos moldes no proc. 444/01, da 1ª Secção' nem é verdade que 'o despacho reclamado fez incorrecta interpretação da alegação do recorrente e da jurisprudência do Tribunal Constitucional'. De facto, enquanto que no proc. 444/01, que deu origem ao acórdão deste Tribunal nº 241/02, o então recorrente ainda referiu, durante o processo, a inconstitucionalidade a uma dada interpretação do artigo 519º, nº 3 do CPC, que identificou em termos minimamente adequados, é manifesto que nos presentes autos tal não aconteceu, como se demonstra pelas conclusões da alegação de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que supra já transcrevemos por mais de uma vez. Recordamos, agora, apenas a conclusão 12ª daquela peça processual, onde de forma mais directa o recorrente se refere à violação da Constituição:
'(..)
12ª - O acórdão recorrido violou, pois, os art.s 283º, nº 3, b) e 308º do CPP, na interpretação do art. 32º, nºs 1 e 5 da CR e o art. 17º, nº 1 da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro. O acórdão recorrido limitou-se a considerar que o recorrente não tinha razão porque a demandante cível podia ampliar os factos acusatórios, servindo, assim, o pedido cível para incriminar o arguido por portas travessas, na interpretação que faz, inconstitucional, do art. 374º, nº 2, do CPP (sic. última linha de pgs.
29 e nove primeiras linhas de pgs. 30 do acórdão recorrido). E desta forma simplista e nada mais dizendo e confirmando o acórdão sub judice, o acórdão recorrido cai na mesma violação da imputada e da que pretendia uma decisão favorável. Acresce, ainda, que nem decidiu a questão prévia da falta de acesso às actas de julgamento para poder fundamentar adequadamente o recurso, violando, assim, também, como se invocou, os art.s 20º e 32º, nº 1 da CR'. (Sublinhados nossos).
Ora, uma tal forma de colocar a questão só pode ser entendida como referindo a inconstitucionalidade à própria decisão judicial e não a qualquer norma que esta tenha aplicado. Não é, assim, a decisão reclamada que faz incorrecta interpretação da alegação do recorrente ou da jurisprudência do Tribunal Constitucional, mas o recorrente - ora reclamante - que não foi capaz de, durante o processo, colocar a questão em termos procedimentalmente adequados: ou seja; referindo a inconstitucionalidade a um preceito legal e identificando, em termos claros e precisos, qual a dimensão normativa desse preceito legal que considera inconstitucional. III - Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta Lisboa, 21 de Junho de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida