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Processo n.º 739/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 579/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos Ministério Público e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 11 de setembro de 2012 (fls. 652 a 695), para que fossem apreciadas as seguintes questões:
a) “Para apreciação da inconstitucionalidade das interpretações que, deficientemente expressas, emergem das atitudes e decisões judiciais ocorridas durante a tramitação do processado, mormente em audiência de discussão e julgamento, quanto às normas contidas nos art.ºs 138.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal (…), quanto à forma de inquirir testemunhas e demais sujeitos processuais e à confusão entre [o] poder discricionário do juiz na condução dos trabalhos e a arbitrariedade infundamentada e contrária às regulares regras processuais, às boas práticas judiciárias e aos deveres de urbanidade e cortesia inerentes às funções, como ainda ao modo de ampliar a matéria que não faz parte de julgamento nem é relevante para a sua apreciação, em especial fazendo juízos de valor quanto às condutas de testemunha e de terceiro ausente, completamente marginais ao processo em julgamento” (fls. 702);
b) “Para apreciação da inconstitucionalidade da norma processual do art.º 362º da supra citada lei adjetiva penal, na interpretação que lhe é dada no douto despacho de fls. 552 (…), de que «a acta da audiência de julgamento não tem [de] registar toda e qualquer ocorrência durante o julgamento (…)» e «a desistência da queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa, não tendo que ficar registadas na acta as razões que foram invocadas e para nada importam»” (fls. 704);
c) “Para apreciação da inconstitucionalidade da norma processual do art.º 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, do Código Penal, na errada interpretação que sustenta a decisão, aplicando umas delas e olvidando outras, designadamente a do art.º 182.º, como bem se recolhe da simples leitura da douta sentença, como do venerando acórdão, teses e argumentos que se identificaram sumariamente e rebateram nas conclusões k) a s) de recurso apresentado ante o TRL e se deixam aqui reiteradas como se transcritas estivessem, visto nada de juridicamente relevante foi acrescentado em segunda instância.” (fls. 705)
2. Face à ausência manifesta de especificação de qual interpretação normativa teria sido aplicada pela decisão recorrida, exclusivamente quanto à questão identificada na alínea c) do requerimento de interposição de recurso, a Relatora proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento, em 08 de novembro de 2012 (fls. 713 e 713-verso). Respondendo afirmativamente ao convite, o recorrente veio esclarecer que pretendia que fosse apreciada a inconstitucionalidade:
“(…) das normas dos art.ºs 180.º, n.º 1, 182.º e 183.º, n.º 1, do Código Penal, na errada interpretação que sustenta a decisão, aplicando umas delas e olvidando outras, designadamente a do art.º 182.º, como bem se recolhe da simples leitura da douta sentença primária, ao concretizar, com relevância para a correta aplicação do direito que «(…) é irrelevante a bondade da decisão tomada pelo arguido, e a questão de se saber se a procuração junta pelo assistente estava ou não em conformidade com os requisitos legais. A questão a decidir, era saber se o arguido classificou a procuração de falsa e se imputou a autoria dessa falsidade ao assistente, e por essa via – a imputação de um ato criminoso – atentou contra o seu bom nome, honra e consideração» (fls. 545. § 2.º), seguindo-se uma ulterior explanação de razões que confirmam e explicitam a tese da indispensabilidade de perfeição da declaração verbal de falsidade, no mínimo pelo uso do documento, sendo que a Veneranda Relação reafirma tal tese ao consignar que «A menção, na acusação particular, à procuração falsa surge como algo que tenha sido dito pelo arguido, mas como uma conclusão, um juízo que o assistente retira da conduta que imputa ao arguido» (pág. 39, § 3.º), traduzindo assim um total afastamento do percecionado pelo público presente e emergente do simples ato de rejeição da procuração de que esta era inválida, falsa, interpretação que foi entendimento geral pelas pessoas presentes no ato, como foi amplamente testemunhado e resulta também do conjunto de factos provados.” (fls. 716)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 16 de outubro de 2012 (cfr. fls. 708), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. Quanto à primeira questão escolhida como objeto do presente recurso [cfr. alínea a), supra], torna-se evidente a completa ausência de dimensão normativa da mesma. Na verdade, o recorrente limita-se a tecer considerações sobre a condução da audiência de julgamento pelo juiz titular do tribunal de primeira instância, sem que logre identificar qualquer questão verdadeiramente normativa. Evidentemente, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar as considerações tecidas pelo recorrente, por evidente ausência de poderes para o efeito.
Portanto, por ausência de dimensão normativa, decide-se não conhecer do objeto do recurso, quanto a esta parte, conforme determinado pelo artigo 79º-C da LTC.
5. Por seu turno, quanto à interpretação normativa extraída do artigo 362º do Código do Processo Penal (CPP), segundo a qual «a desistência da queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa, não tendo que ficar registadas na acta as razões que foram invocadas e para nada importam» (fls. 704), impõe-se registar que, ao contrário do que alega, o recorrente nunca suscitou a sua inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, conforme lhe era imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC. Em bom rigor, através do § c) das suas conclusões do recurso interposto perante o Tribunal da Relação de Lisboa, o recorrente limitou-se a tecer as seguintes considerações:
«c) Aliás, com semelhante nulidade das atas de fls. 414 a 416, 418 a 426, e 455, que não consignam toda a realidade dos acontecimentos ocorridos ao longo do processo, como se demonstrou nas motivações supra que, igualmente, se devem haver por reproduzidas nesta conclusão, devendo fazê-lo segundo o procedimento imposto pelo art.º 362.º da citada lei adjetiva, com relevância jurídica para a boa perceção de matéria essencial do presente recurso, procedimento esse que se tem por imperativo, sendo a tese expandida em sede de decisão de fls. 552 s. violadora das normas constitucionais plasmadas nos art.ºs 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, e 202.º, n.º 2.» (fls. 577)
Ora, daqui decorre que o recorrente apenas invocou a nulidade processual das referidas atas, não tendo dirigido um juízo de inconstitucionalidade a uma específica interpretação normativa extraída do artigo 362º do CPP. A circunstância de o recorrente referir, de modo genérico, vários preceitos constitucionais não se afigura suficiente para dar por satisfeito o ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade. Por um lado, o recorrente dirige essa censura à própria decisão jurisdicional – e não à norma jurídica, em si mesma –, por outro lado, o recorrente não identifica qual a específica interpretação normativa extraída do artigo 362º do CPP que padeceria de inconstitucionalidade.
Aliás, em sede de requerimento de interposição de recurso, o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie uma interpretação normativa que se funda no entendimento de acordo com o qual «a desistência da queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa, não tendo que ficar registadas na acta as razões que foram invocadas e para nada importam»”. Da mera leitura daquela passagem das suas conclusões [cfr. alínea c), supra transcrita] resulta que o recorrente nunca colocou esta específica questão ao tribunal recorrido, pelo que este nunca foi confrontado com o dever de sobre ela decidir.
Por estas razões, também não se conhece do recurso, quanto à questão identificada na alínea b).
6. Por último, mesmo após ter sido convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de interposição de recurso, o recorrente não logrou identificar uma específica interpretação normativa cuja inconstitucionalidade possa ser apreciada. Bem pelo contrário, enredou-se numa extensa narrativa, limitando-se a transcrever longas passagens das decisões recorridas, sem delas extrair um concreto teor normativo. O modo como o recorrente delimitou o objeto do recurso, em sede de requerimento de aperfeiçoamento, quanto à alínea c) demonstra que o recorrente confunde a discussão da matéria de facto vertida nos autos recorridos com o processo de fiscalização concreta da constitucionalidade. Acontece que não cabe a este Tribunal reanalisar questões de prova de factos que já se encontram fixadas e decididas pelo tribunal recorrido.
Em suma, por manifesta ausência de dimensão normativa (artigo 79º-C da LTC), também se recusa conhecer o objeto do presente recurso, quanto à questão identificada na alínea c).
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Notificado da decisão, o recorrente apresentou reclamação, nos seguintes termos:
«1.º
Abrangendo o presente recurso três questões distintas que, na ótica do recorrente, violam princípios constitucionais, vêm todos eles liminarmente rejeitados, erradamente na sua humilde opinião e ciência jurídica.
2.°
A primeira delas por “(...) completa ausência de dimensão normativa(…)” sem que, no entanto, venha especificado em que consiste essa completa ausência que o recorrente na sua modéstia no antolha porquanto explicitou, com os escassos elementos constantes da decisões ordinárias, aquilo que era percetível, disso fazendo expressa menção no texto recursivo ao deixar consignado em letra de forma: “Para apreciação da inconstitucionalidade das interpretações que, deficientemente expressas, emergem das atitudes e decisões judiciais ocorridas durante a tramitação do processado, (...) — alínea A), nº 2, com sublinhado nosso, data venia.
3.º
Ou seja, que é do conjunto concomitante das decisões orais e/ou insuficientemente escritas, atitudes e condutas do Tribunal de 1ª Instância durante o processado que o recorrente logra alcançar o “(...) sentido presumido que se retira do teor dos incidentes ocorridos ao longo da audiência de discussão e julgamento, conforme as atas respetivas e os registos fonográficos detalhados na conclusão j) do recurso ante o TRL (...)”, elencando-se, de seguida, como sustentáculo a essa errada interpretação das normas dos art.°s 138º, nº 2, e 379º, n.º 1, alínea c), da lei adjetiva penal, a “(...) invulgar forma de inquirir as testemunhas e demais sujeitos processuais (...)”, a “ (…) confusão entre o poder discricionário do juiz na condução dos trabalhos e a arbitrariedade infundamentada e contrárias às regras processuais, às boas práticas judiciárias e aos deveres de urbanidade e cortesia (...)”, para além do que critica, ainda que respeitosamente, quanto ao “(…) modo de ampliar a matéria que não faz parte de julgamento nem é relevante para a sua apreciação (...)”, inclusive, “(…) fazendo juízos de valor quanto às condutas de testemunha e de terceiro ausente (...)”.
4.º
Este conjunto de irregularidades reais e efetivas, documentadas em ata algumas delas, percetíveis ao julgador e a um qualquer abstrato bónus páter-famílias, reconhecidas pela Veneranda Relação nos § 5º e 6º da página 32 do acórdão ali proferido (cf. n.º 6), estão omitidas ou tenuemente expressas de forma bastante a poder-se alcançar com maior rigor o entendimento perfilhado pelas instâncias recorridas quanto condução do processo, objeto do recurso constitucional por invocada violação das normas constitucionais convocadas no ponto n.º 3 do recurso, como antes nas conclusões b), d), e) e j) do recurso ante a 2ª instância (cf. n.º 4).
5.º
Outrossim, no n.º 5 deixou o recorrente alinhado, em contraposição a essa “pressentida” tese na aplicação das normas convocadas, as dos art.°s 138º, n.º 2, e 379º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., a interpretação que entende ser a única consonante com as boas práticas processuais de imparcialidade, respeito e urbanidade.
6.°
É, pois, o recurso possível com os elementos disponíveis, mas totalmente alcançável nos seus termos e razões ao mais comum dos cidadãos, a fortiori a tão experientes magistrados, manifestando-se à saciedade, salvo melhor e douta opinião, uma dimensão verdadeiramente normativa da questão assim suscitada.
7.º
Motivo pelo qual o recorrente pugna - continua e continuará a pugnar, em instâncias internacionais, se necessário - pelo seu conhecimento em Conferência, esperando acolhimento e decisão consentânea.
8.º
Já quanto à segunda das questões submetidas a juízo deste Subido Tribunal, reportada norma do art.° 362.° da mesma lei processual penal, é convicção do recorrente que a arguição de inconstitucionalidade interpretativa de normas jurídicas tem que se bastar com expresso que deixe inequívoco que está a colocar em causa o entendimento e aplicação feito, ou omitido, pelas regras indicadas, bem como a suscitação dos preceitos constitucionais feridos com tal entendimento, manifestando a tese que crê adequada e conforme a esses princípios da Lei Fundamental.
9.º
Apresenta-se clarividente que o recorrente quis apresentar, e apresentou, à Veneranda Relação uma sindicância quanto ao modo como o Tribunal de 1ª Instância havia interpretado aquela regra referente ao exercício do direito de fazer constar em ata as razões da desistência da queixa.
10.º
E a melhor prova de que a questão foi adequadamente suscitada ante a Relação, de modo percetível, é que esta o conheceu e tomou posição, ratificando o entendimento subentendido na primária decisão de que “(… ) a ata da audiência de julgamento não tem de registar toda e qualquer ocorrência durante o julgamento; o seu conteúdo é definido pelo art.° [3]62.° do C.P.P. e não está à disposição dos arguidos, assistentes ou testemunhas para protestos, desabafos ou expressões de estados de alma. (pág. 24, § 4.°), para, no § seguinte, acrescentar doutrinalmente que “ A desistência da queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa, não tendo que ficar registadas na ata as razões que foram invocadas e para nada importam.”
11.º
Salvo o devido e merecido respeito, que muito é, esta expressão interpretativa daquela norma, ausente de qualquer documento anterior ao recurso apresentado ao TRL, é ali expresso programaticamente pela primeira vez, depois de apresentado o recurso que apreciava e em consequência dele.
12.°
Pelo que mais não se poderá exigir, em termos de adequação formal, ao recorrente, sob pena de o obrigar a fantasiar, a extrapolar abusivamente o que não está expresso, e tal não é aceitável porque deve o recurso cingir-se ao rigor dos factos e à exposição das teses jurídicas sem dar lugar à ficção.
13.º
E, também por isso, afigura-se pacifico que a suscitação da questão de violação da Constituição pelo entendimento emergente da decisão, sem expressão literária formal, não poderá jamais ser atribuída à própria decisão mas sim ao inexpresso sentido jurídico que dela emana e que, viu- se depois em sede de recurso, corresponder ao entendimento das instâncias recorridas, contrária à que defende o recorrente e, assim, dando causa e adequação formal bastante aos termos recursivos apresentados a este Tribunal Constitucional.
14.°
Motivos pelos quais se afigura também ao recorrente que esta questão tem lugar no conhecimento por este Tribunal, agora em sede de Conferência.
15.º
Por fim a derradeira das questões, objeto de aperfeiçoamento e detalhe, vem rejeitada em mui sucinta e lapidar fundamentação em razão de que “ (...,) não cabe a este Tribunal reanalisar questões de prova de factos a que já se encontram fixadas e decididas pelo tribunal recorrido.
16.°
Confessa a recorrente alguma estupefação com este argumento porquanto aquilo que colocou, e continua a colocar em causa - como exprimiu claramente no seu requerimento recursivo de aperfeiçoamento - não é a convicção pelo Tribunal e processo da sua formação.
17.º
A juízo constitucional está apresentado um recurso respeitante à errada aplicação das normas dos art.°s 180.°, n.º 1, 181.°, n.º 1, 182.° e 183º, n.° 1, do Código de Penal, naquilo que têm de univocamente complementar para a tipificação dos ilícitos criminais contra a personalidade, como resulta claro do afastamento que foi feito do invocado art.° 182.°, C.P.P. ante o texto decisório transcrito nesse aperfeiçoado texto de recurso formal de inconstitucionalidade.
18.°
Não é erro de julgamento que se invoca mas, clara e manifestamente, uma incorreta aplicação do Direito, por interpretação desviante, na modesta perspetiva do recorrente, como bem expressou na sumária explanação da tese jurídica que tem por correta e aplicável ao consignar que: “ (...) a lesão da honra, bom nome e consideração dá-se com a perceção circunstancial que os cidadãos presentes possam ter da imputação ofensiva, que não carece de ser verbalmente expressa com perfeição, bastando-se a incriminação do tipo com a equiparação a «qualquer outro meio de expressão» que o sábio legislador deixou cominado no art.° 182.° do Código Penal cuja inaplicação e atendimento funda a decisão recorrida, ainda mais se tido como pacífico que este tipo de crime se basta com o dolo genérico, a simples adesão à possibilidade/perigo de ofensa.
19.°
Destarte, também aqui se perfila razão suficiente para conhecer totalmente a questão assim suscitada quanto à sua adequação ao espírito dos imperativos constitucionais que se arguiram de violados.» (fls. 748 a 751)
3. Devidamente notificado para o efeito, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta à reclamação:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 579/2012, não se conheceu do objeto do recurso, em relação às três questões de constitucionalidade que o recorrente identificava no requerimento de interposição do recurso, complementado pelo apresentado posteriormente, na sequência do convite que lhe foi endereçado, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.
2º
Quanto á primeira questão, o seu conhecimento ficou a dever-se à circunstância de no requerimento recursório não vir enunciada uma verdadeira questão de natureza normativa.
3º
Ora, o afirmado agora, na reclamação da douta Decisão Sumária, não só não abala o assim decidido, como o confirma.
4º
Efetivamente o recorrente confirma e relata incidentes que teriam ocorrido durante a audiência de julgamento, esse” conjunto de irregularidades reais e efetivas documentadas em acta”, nas suas próprias palavras.
5.º
Quanto à segunda questão, não se conheceu porque durante o processo a inconstitucionalidade não tinha sido claramente suscitada.
6.º
O recorrente para demonstrar que suscitara adequadamente a questão afirma, na reclamação, que o Acórdão da Relação, o acórdão recorrido, conheceu da mesma.
7.º
Ora, pela transcrição que o recorrente faz do texto da decisão, a única conclusão que se pode retirar é que a Relação apreciou a questão sim, mas sempre ao nível da interpretação do direito ordinário, nunca na perspetiva da violação da constitucionalidade por qualquer norma ou interpretação.
8.º
Quanto à terceira questão, parece-nos evidente que não vem enunciada com o mínimo de clareza, nem após convite – uma questão de inconstitucionalidade que possa constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade.
9.º
Na reclamação o recorrente explora “a tese jurídica que teve por correta e aplicável”.
10.º
Ora, como explicar uma tese que se tem por correta e enunciar uma questão de constitucionalidade normativa, são realidades diferentes, como o confirma a simples leitura dessa explanação.
11.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
3. Igualmente notificado para o efeito, o recorrido B. veio ainda responder nos seguintes termos:
«1- Bem andou a Juíza Conselheira Relatora ao recusar receber o recurso, decidindo não conhecer do seu objeto, uma vez que o mesmo está muito deficientemente formulado.
2- Mesmo a acusação particular que está na base do presente processo, e que não foi acompanhada pelo M.P., sofre de deficiências não corrigíveis, e deveria ter sido recusada quando o Mº. Juiz de primeira instância fez o saneamento do processo penal (art. 310º CPP).
3- Tal recurso é feito ao abrigo da al. b) do art. 70º da LTC e destina-se a apreciar três situações. A referida al. b) do art. 70º prevê que se possa interpor recurso para esse Superior Tribunal se for aplicada norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
4- Não é o caso, durante o processo não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.
5- Vejamos as três situações.
6- Quanto à primeira questão, entende o recorrente que o Tribunal violou as normas contidas nos artigos 138º, 2 e 379º, 1, al. c) do CPC, mas não faz nem no requerimento de interposição nem no requerimento que posteriormente junta para o aperfeiçoar. Isto é, não identifica nenhuma questão concreta nem em que circunstâncias foi violada a constituição, nem que norma em concreto foi ofendida, limitando-se a alegar um abstrato um conjunto de normas constitucionais. Mas qual a que foi violada e porque circunstancia em concreto?
7- O recorrente não consegue explicar e além das suas opiniões bizarras e sem fundamento não oferece matéria para apreciação pelo Tribunal Constitucional.
8- Quanto à segunda questão também as razões do recorrente são coxas.
9- Se o recorrente quis desistir porque motivo continua ainda, várias etapas depois, a interpor recursos e a manter a sua absurda e infundada posição? E é falso que a desistência de um processo crime onde haja acusação particular por um crime particular seja livre para o assistente, devendo ter-se em consideração o previsto no artigo 116º, 2 do CP.
10- De resto, a afirmação que “a desistência de queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa” nunca foi sequer posta em causa ou levantada perante o Tribunal de primeira instancia a apreciação da sua constitucionalidade, que assim no se pode pronunciar sobre ela.
11- De qualquer modo, e como se diz na decisão do Tribunal Constitucional 11/12/2012, também aqui o assistente não suscitou a inconstitucionalidade da norma do art. 362 do CPC, nem qualquer outra, mas apenas a posição que a M. Juiz de primeira instancia tomou em relação a esta matéria e a nulidade das referidas atas.
12- O art. 362º do CPC ficou incólume.
13- Também aqui não há qualquer matéria para o recurso perante o Tribunal Constitucional, o que muito bem foi reconhecido pela Colenda Conselheira Relatora, que não conheceu o objeto do recurso.
14- O terceiro ponto que o recorrente quer ver apreciado pelo Tribunal Constitucional não foi completamente entendido pelo arguido, e ao que parece também o não foi pelo Tribunal Constitucional.
15- Nem no requerimento de interposição do recurso nem no requerimento de aperfeiçoamento o assistente se consegue explicar.
16- Diz que se violou a constituição com uma errónea interpretação do art. 180º, 1, 181º, 1, 182º e 183º, 1 do Código Penal, mas não se explica onde houve o erro, qual a interpretação constitucional preconizada e qual a norma em concreto violada.
17- Este terceiro ponto, ainda mais que os outros, é incompreensível e no é reconduzível aos requisitos legais para se interpor recurso perante este Tribunal Superior.
18- Bem andou assim a decisão de no conhecer do seu objeto.» (fls. 754 a 758)
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A reclamação ora deduzida não avança argumentos adequados e aptos a colocar em crise a decisão sumária anteriormente proferida. Desde logo, o ora reclamante persiste em não especificar qualquer questão normativa, relativamente à primeira questão identificada no requerimento de interposição de recurso, limitando-se a insistir que ela se reveste dessa normatividade. Porém, é por demais evidente – para qualquer destinatário médio – que o modo como o recurso de constitucionalidade foi configurado, quanto àquela questão, redunda num mero ataque à concreta prática de atos processuais, pelos juízes titulares do processo, durante a audiência de discussão e julgamento, no tribunal de primeira instância. Ora, mais uma vez se reitera que não cabe ao Tribunal Constitucional aferir da licitude ou justeza de tais atuações, apenas lhe cabendo aferir da constitucionalidade de “normas jurídicas”. Não sendo esse o caso, mais não resta do que confirmar a decisão reclamada, quanto a este ponto.
Quanto à segunda questão colocada no requerimento de interposição de recurso, vem o reclamante afirmar que o tribunal recorrido teria conhecido da questão de inconstitucionalidade relativa ao artigo 362º do CPP, o que comprovaria a prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa. Sucede, porém, que, quando se analisa o trecho expressamente citado pelo ora reclamante (cfr. p. 24, § 4º), verifica-se que o tribunal recorrido nunca abordou qualquer questão de inconstitucionalidade do comando normativo subjacente àquele preceito legal, antes se tendo cingido a uma análise do seu prisma infraconstitucional. Portanto, fica mais do que confirmada a ausência de prévia e adequada suscitação da inconstitucionalidade normativa (artigo 72º, n.º 2, da LTC).
E nem se ensaie sustentar – como aparenta fazer o reclamante – que a interpretação normativa extraída, pelo tribunal recorrido, do artigo 362º do CPP, segundo a qual “a desistência de queixa está na única e exclusiva disponibilidade do detentor do direito de queixa, não tendo que ficar registadas na acta as razões que foram invocadas e para nada importam”, constitui uma decisão-surpresa. Por um lado, essa configuração da faculdade de desistência da queixa, como um ato colocado na disponibilidade do queixoso, resulta diretamente do n.º 2 do artigo 116º do Código Penal (CP) e constitui um pressuposto elementar do processo penal, que é – ou, pelo menos, deve ser – conhecido por todos os operadores judiciários e sujeitos processuais. Por outro lado, tanto a interpretação em causa não é surpreendente que o ora reclamante já havia aludido à questão da inclusão em ata de uma referência aos motivos da desistência da queixa, em sede de alegações de recurso. Simplesmente – por sua exclusiva vontade –, o ora reclamante nunca logrou reputar de inconstitucional qualquer específica interpretação normativa extraído do referido artigo 362º do CPP.
Por fim, quanto à terceira questão, o reclamante insiste na defesa da dimensão normativa da mesma. Sem qualquer razão, porém. Torna-se evidente que, mesmo após convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, o reclamante não conseguiu identificar uma específica interpretação normativa extraída dos preceitos legais por si indicados, tendo-se limitado a transcrever passagens da decisão recorrida sem que, contudo, delas tenha logrado extrair qualquer dimensão normativa.
Assim sendo, mais não resta do que confirmar integralmente o teor da decisão reclamada.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.