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Proc. nº 436/02
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
(Cons. Maria dos Prazeres Beleza)
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figuram como recorrentes A e B e Outros, e como recorrido o Ministério Público, foram interpostos dois recursos, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, em que se pede a apreciação da constitucionalidade da norma constante do nº 2 do art. 407º do Código de Processo Penal, 'na interpretação acolhida na decisão recorrida, isto é, considerando que sendo o
único elemento de prova contra o recorrente as escutas telefónicas, tendo a sua nulidade sido aduzida e invocada como questão prévia à decisão instrutória, não inutiliza, por completo, o efeito de recurso, a sua subida diferida, porquanto com o mesmo, por versar sobre questão prévia à decisão instructória, se pretendeu obter a não pronúncia', por alegada violação do disposto no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
2. Recebidos os recurso foram os recorrentes notificados para alegar, o que fizeram, tendo concluído da seguinte forma: O 1º recorrente:
'1- A inutilidade absoluta do recurso na previsão do artigo 407º, nº 2 do CPP tem de ser ponderada casuisticamente e, face ao modo como se processou e apresenta a matéria em ponderação no mesmo.
2 – No caso concreto, o recorrente colocou uma questão prévia a qualquer decisão de mérito –a nulidade das escutas telefónicas – nulidade que a verificar-se obstará à validade da pronúncia, pois que as escutas telefónicas são o único meio de prova aduzido contra si.
3 – Queria pois o recorrente com o requerimento que deu origem à decisão recorrida obstar à pronúncia e, pois, ao julgamento.
4 – O não conhecimento do recurso nesta oportunidade, torna-o absolutamente inútil, já que permitirá que ocorra a fase processual que se pretendia evitar com o recurso interposto.
5 – A decisão recorrida ao ter interpretado o artigo 407º, nº 2 do CPP, nos termos em que o fez, isto é, considerando que sendo o único elemento de prova contra o recorrente as escutas telefónicas, tendo a sua nulidade sido aduzida e invocada como questão prévia à decisão instrutória, não inutiliza, por completo, o efeito de recurso, a sua subida diferida, porquanto com o mesmo, por versar sobre questão prévia à decisão instructória, se pretendeu obter a não pronúncia, violou o artigo 32º. nº 1 da CRP, por cercear garantias de defesa e impedir o exercício oportuno do direito de recurso.
6 – Decretando-se a verificação, in casu, de tal inconstitucionalidade, far-se-á justiça.
Os 2ºs recorrentes:
'1- A inutilidade absoluta do recurso na previsão do artigo 407º, nº 2 do CPP tem de analisada caso a caso.
2 – No caso concreto, os recorrentes colocaram a questão da nulidade das escutas telefónicas no requerimento de instrução por estes apresentados, uma vez que, tais escutas telefónicas eram o único elemento de prova que os mesmos tinham contra si, significando com isso que a sua validade ou não implicaria a sua submissão a julgamento. A sua pronúncia pelos factos constantes da acusação.
3 – Tinham por objectivo evitar ser sujeitos a julgamento.
4 – A decisão por parte do Tribunal da Relação de conhecer o recurso interposto pelos recorrentes da decisão instrutória sob a questão supra referida, a final, implica que o mesmo não tenha nessa altura qualquer efeito útil. Isto é, independentemente da decisão, o objectivo essencial que era não ir a julgamento deixa de ser cumprido, uma vez que entretanto os recorrentes já foram julgados.
5 – A decisão recorrida ao ter interpretado o artigo 407º, nº 2 do CPP, nos termos em que o fez, isto é, considerando que sendo o único elemento de prova contra o recorrente as escutas telefónicas, tendo a sua nulidade sido aduzida e invocada como questão prévia à decisão instrutória, não inutiliza, por completo, o efeito de recurso, a sua subida diferida, porquanto com o mesmo, por versar sobre questão prévia à decisão instructória, se pretendeu obter a não pronúncia, violou o artigo 32º. nº 1 da CRP, por cercear garantias de defesa e impedir o exercício oportuno do direito de recurso.
6 – Decretando-se a verificação, in casu, de tal inconstitucionalidade, far-se-á justiça.
3. Notificado para contra-alegar, disse o Ministério Público, a concluir:
'1º - Conforme orientação jurisprudencial reiterada deste Tribunal, não é inconstitucional a norma constante do nº 2 do art. 407º do Código de Processo Penal, enquanto estabelece um regime de subida diferida para os recursos interpostos de decisões que dirimem pretensas nulidades, ocorridas durante as fases do inquérito e instrução (e sendo, nesta perspectiva, irrelevante que a nulidade se traduza em não realizar injustificadamente diligência instrutória requerida pelo arguido, ou ter procedido a alguma diligência de prova fora dos requisitos e condicionalismos que a lei de processo estabelece).
2º - Termos em que deverá improceder o presente recurso.
II. Fundamentação.
4. Este Tribunal teve já oportunidade, por diversas vezes, de se pronunciar sobre a constitucionalidade da norma constante do artigo 407º, nº 2, do Código de Processo Penal, enquanto interpretada em termos de dela resultar um regime de subida diferida para o recurso de decisões que, na fase instrutória, decidam questões prévias, tendo sempre considerado que a mesma não era inconstitucional. Assim, considerou já o Tribunal Constitucional que aquela norma quando interpretada em termos de considerar 'como não sendo absolutamente inúteis os recursos do despacho que indefira o pedido de realização de diligências de prova em fase de instrução, se subirem, forem instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, não viola qualquer princípio ou norma constitucional, designadamente os artigos 1º, 2º,
13º, 16º, 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa' (cfr. nesse sentido, os acórdãos nºs 474/94, publicado no Diário da República, II série, de
8 de Novembro de 1994), 964/96 (publicado no Diário da República, II série, de
23 de Dezembro de 1996), 1205/96, (publicado no Diário da República, II série, de 14 de Fevereiro de 1997; 104/98 publicado no Diário da República, II série, de 20 de Março de 1998 e 68/2000 (publicado no Diário da República, II série, de
4 de Outubro de 2000). Por sua vez, no acórdão nº 551/98 (ainda inédito), decidiu igualmente o Tribunal que a não subida imediata do recurso interposto da decisão que considerava inexistir nulidade decorrente da notificação edital da acusação, não violava qualquer preceito ou princípio constitucional, designadamente o princípio das garantias de defesa ou o princípio da presunção de inocência do arguido. Pois bem: é a jurisprudência firmada naqueles acórdãos que agora há que reiterar, por os argumentos então aduzidos, para os quais se remete - e que, de seguida, em parte se recordam - manterem inteira validade na situação que agora constitui objecto dos autos. Assim, para concluir que não existe violação do princípio das garantias de defesa, pode ler-se, desde logo, no citado acórdão nº 474/94:
'A subida diferida de recursos assenta claramente numa exigência de celeridade processual - como bem refere, nas suas alegações, o Procurador-Geral adjunto - que em processo penal é um 'valor constitucionalmente relevante'. Assim, fazendo a lei processual penal subir imediatamente apenas os recursos cuja utilidade se perderia em absoluto se a subida fosse diferida, obvia-se a que a tramitação normal do processo seja afectada por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação de decisões interlocutórias e, por outro lado, pode vir a evitar-se o conhecimento de muitos destes recursos que podem ficar prejudicados no seu conhecimento pelo sentido da decisão final.
É certo que o provimento de um recurso deste tipo leva à inutilização dos actos processuais que forem praticados após a sua interposição e que estejam na dependência do acto ou despacho recorrido. Importa aqui, porém, acentuar que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente. Acresce que - conforme se refere no Acórdão nº 338/92 [...], citando o Acórdão nº 31/87 - 'a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no nº 2 do artigo 32º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação'. Deve, por isso, concluir-se que a subida diferida de um recurso de despacho que indefira a realização de diligências na fase de instrução não afronta o princípio das garantias de defesa do arguido nem o princípio da dignidade do cidadão pela sua submissão ao julgamento penal'.
E, no que se refere ao princípio da presunção de inocência, acrescentou-se no mesmo aresto:
'Tal regime de subida de recurso não viola também, manifestamente, o princípio da presunção de inocência do arguido uma vez que o modo de subida de tal recurso não altera por qualquer forma o estatuto do arguido, antes permite que, com um julgamento mais célere, se defina, de modo terminal, a posição do arguido face aos factos apurados'.
Ainda sobre o mesmo ponto, acrescentou-se, mais recentemente, no acórdão nº
68/2000:
' (...)
4.3. Argumenta-se, ex adverso, dizendo que como, no nosso sistema processual, não há recurso da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (cf. o artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal) – e a irrecorribilidade desse despacho tem-na este Tribunal julgado compatível com a Constituição [cf., por último, o acórdão nº 387/99
(ainda por publicar)] -, então, a subida diferida do recurso interposto do despacho que indefere a realização de diligências de prova na fase da instrução afecta necessariamente o princípio da presunção de inocência do arguido e impede que ele use um meio capaz de evitar uma indevida sujeição a julgamento, porque não baseada na suficiência de indícios. Sem razão, porém. De facto, o arguido – para além de continuar a presumir-se inocente – só pode ser submetido a julgamento, se, 'até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação' ao mesmo 'de uma pena ou de uma medida de segurança' – dispõe o nº 1 do artigo 308º do Código de Processo Penal. Por conseguinte, não é o facto de o recurso não subir imediatamente que, em si, pode conduzir a que o arguido seja indevidamente submetido a julgamento ou a que deixe de presumir-se inocente.
É certo que o juiz, quando indefere a realização de diligências de prova, pode ajuizar mal sobre a utilidade das mesmas; e, ao receber o recurso com subida diferida, pode errar quanto ao juízo de não inviabilização da prova. São riscos 'inerentes à ponderação das exigências de celeridade' processual
(para dizer com o citado acórdão nº 1205/96). Ora, a celeridade processual é, ela também, um valor constitucional, pois é direito do arguido o ser julgado 'no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa' (cf. o nº 2 do artigo 32º da Constituição): é o direito a um processo que, além de justo, seja célere'.
III Decisão Em face do exposto, decide-se negar provimento aos presentes recursos de constitucionalidade. Custas por cada um dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em quinze (15) unidades de conta. Lisboa, 15 de Julho de 2002 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida, nos termos da declaração junta ao acórdão nº 68/2000). Luís Nunes de Almeida