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Processo n.º 49/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: No presente recurso de constitucionalidade, interposto por A, foi proferida em 9 de Setembro de 2002 ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, decisão sumária pela qual se decidiu 'não tomar conhecimento do recurso de fls. 2021 e segs. dos autos'. Lê-se nessa decisão
'(...)
3. Na verdade, na sequência do despacho do Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça que, em 15 de Outubro de 2001, declarou o processo ‘de excepcional complexidade nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 54º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, e 215º, n.º 3, do C.P.P.’ – e cujas rationes decidendi normativas foram, portanto, ambas estas normas –, o ora recorrente intentou recurso para o Pleno das Secções, ‘nos termos dos arts. 35º al. b) da LOFTJ e 399º do CPP’, que veio a ser decidido, pelo acórdão recorrido, como reclamação para a conferência, por serem inaplicáveis as disposições invocadas. Por sua vez, no requerimento do recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente afirmou pretender ver ‘declarada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 215º, n.º 3 do CPP, nos termos em que foi declarada a extrema complexidade do processo, em clara violação dos arts. 27º, n.º 1, 2 e 4,
28º, n.º 4, 29º, n.º1 e 3 da CRP’. E, em resposta ao despacho de aperfeiçoamento proferido pelo presente relator, o recorrente veio referir-se ao ‘recurso do mencionado despacho proferido pela secção, para o Pleno das Secções, nos termos dos arts. 35º, al. a) da LOFTJ e 399º do CPP’, dizendo que fora ‘no âmbito desse recurso [que, como se disse, foi julgado como reclamação para a conferência]
(...) que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade do referido preceito [o n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal] uma vez que o mencionado despacho viola de forma flagrante os deveres de fundamentação impostos pelo art.
205º da CRP e 97º, n.º 4 do CPP, de forma que a interpretação, suporte da decisão, do art. 215º, n.º 3 da CRP’. Ora, perante o teor do despacho que declarou a excepcional complexidade – ‘nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas dos artigos 54º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, e 215º, n.º 3, do C.P.P.’ – e do acórdão recorrido, que o confirmou (e que se refere também a ambas essas disposições), pode, antes de mais, duvidar-se de que a norma do artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal tenha sido só por si ratio decidendi bastante da decisão recorrida, pois esta sustentou-se igualmente no artigo 54º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 15/93. Dispõe este artigo
‘Artigo 54º
(Prisão preventiva)
1. Sempre que o crime imputado for de tráfico de droga, desvio de precursores, branqueamento de capitais ou de associação criminosa, é correspondentemente aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 209º do Código de Processo Penal, devendo ainda o juiz tomar especialmente em conta os recursos económicos do arguido utilizáveis para suportar a quebra da caução e o perigo de continuação da actividade criminosa, em termos nacionais e internacionais.
(...)
3. Quando o procedimento se reporte a um dos crimes referidos no n.º 1, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.’ E, segundo este n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal,
‘Os prazos [de prisão preventiva] referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para doze meses, dezasseis meses, três anos e quatro anos, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar a excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.’
4. Independentemente, porém, da questão da aplicação de outra norma também como ratio decidendi pelo tribunal a quo, além do artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal, referido no requerimento de recurso, não é possível tomar conhecimento do recurso, quer por, mesmo em relação a esse preceito, não ter sido trazida à apreciação deste Tribunal uma questão de constitucionalidade normativa devidamente identificada, quer por ela não ter sido suscitada perante o tribunal recorrido de forma clara e perceptível, como exige o artigo 72º, n.º
2 da Lei do Tribunal Constitucional. No requerimento de recurso, o recorrente refere-se apenas à
‘inconstitucionalidade da interpretação do artigo 215º, n.º 3 do CPP, nos termos em que foi declarada a extrema complexidade do processo, em clara violação dos arts. 27º, n.º 1, 2 e 4, 28º, n.º 4, 29º, n.º1 e 3 da CRP’, e, na resposta ao despacho de aperfeiçoamento afirma que ‘suscitou a inconstitucionalidade do referido preceito [o n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal] uma vez que o mencionado despacho viola de forma flagrante os deveres de fundamentação impostos pelo art. 205º da CRP e 97º, n.º 4 do CPP, de forma que a interpretação, suporte da decisão, do art. 215º, n.º 3 da CRP’ (itálicos aditados). Ora, pretendendo o recorrente que este Tribunal apreciasse a constitucionalidade de uma norma que correspondia apenas a uma dimensão interpretativa de um preceito, impunha-se que – como este Tribunal tem repetidamente afirmado (por exemplo, no Acórdão n.º 178/95, in Diário da República [DR], II série, de 21 de Junho de 1995, que cita) – tivesse
‘(...) indicado – o que não [fez] – o segmento de cada norma, a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que [tem] por violador da Constituição. De facto, tendo a questão da constitucionalidade de ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 269/94, in DR, 2ª Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a lei fundamental.’
(itálico aditado) Porém, o recorrente, referindo-se a um entendimento do artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal que teria fundado a declaração de excepcional complexidade do processo, não o explicita, muito menos o enunciando com clareza, de forma perceptível, ‘em termos de que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir’.
5. Também não pode, por outro lado, dizer-se que o recorrente tivesse anteriormente suscitado, perante o tribunal recorrido, uma questão de constitucionalidade normativa de forma clara e perceptível, como exige, para os recursos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, o artigo 72º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, nomeadamente, identificando claramente – quando já não enunciando – o entendimento ou interpretação em que se consubstanciava a norma cuja constitucionalidade impugnava. Na verdade, no ‘recurso’ interposto em 2 de Novembro de 2001 (fls. 1971 e segs. dos autos), que deu origem à decisão ora sob recurso, o recorrente alegou perante o tribunal a quo, com relevo para o presente recurso de constitucionalidade, o seguinte:
‘Com o presente recurso pretende-se ver revogada a decisão proferida nestes autos e que declara a excepcional complexidade do processo. Porquanto, Se procedeu a errada interpretação e aplicação da regra jurídica vertida no art.º 215º, n.º 3 do CPP. Essa interpretação, por violar as normas constantes nos arts. 28º, n.º 4, 29º, n.º3, 27º, n.ºs 1 , 2 e 4 da CRP, é inconstitucional. Na verdade, A norma constante do art.º 215º, n.º3 tem natureza excepcional, visando aplicar-se aos designados pela doutrina de ‘processos monstruosos’. Ou seja, Os processos que em virtude, designadamente do elevado número de arguidos ou ofendidos ou, ainda, do carácter altamente organizado do crime adquirem uma complexidade tal que dificultam ou impossibilitam a prática de actos processuais, sejam eles de acusação, da decisão instrutória, da condenação em primeira instância ou do trânsito em julgado, no prazo estabelecido no art.º
215º, n.º 1 e 2. No entanto, é verdade que tal norma não tem carácter taxativo, isto é, não são apenas esses os casos em que o juiz, mediante o seu prudente arbítrio, pode declarar a extrema complexidade do procedimento que lhe compete decidir. No entanto, Não pode olvidar-se que o preceito em causa tem incidência directa na liberdade do arguido, ou melhor, na privação dessa liberdade. Assim, Embora essa seja uma norma de natureza processual acaba por ter incidência material na esfera jurídica do arguido. Pelo que, O intérprete e o julgador se acham submetidos aos princípios da tipicidade e da legalidade plasmados no art.º 29º da CRP e 1º do CPP.
(...) Face ao que, Não pode o intérprete e o julgador, na aplicação da norma, atribuir-lhe um conteúdo que exceda o padrão estabelecido na mesma. O Supremo Tribunal de Justiça invoca no despacho recorrido que o processo dos autos é de extrema complexidade. Os argumentos utilizados são: a natureza dos crimes imputados; o carácter organizado e o tempo indispensável à solução das questões levantadas. Ora, São apenas dois arguidos. Os crimes imputados são: Quanto ao arguido A: um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º21º, n.º 1 do DL 15/93 de 22/01 em concurso real com um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º275º, n.º1 e 2 do CP e 3º, n.º 2 al. b) do DL 207-A/75 de 17/04, sendo que o arguido foi absolvido do segundo crime imputado. Quanto ao arguido B é-lhe imputado um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º1 do DL 15/93 de 22/01. Não existe qualquer agravação nem referência a organização criminosa. O despacho recorrido limita-se, a final, a considerar que é necessário tempo para a decisão final e resposta às questões levantadas, sem o mínimo fundamento para tal posição. Pelo que, O despacho recorrido viola os deveres de fundamentação inscritos no art.º 97º, n.º4 do CPP e impostos pela CRP no art.º 205º. Deste modo, Ficaria prejudicado, senão mesmo precludido, o direito do arguido a recorrer das decisões proferidas, quando com elas não se conformasse violando de forma flagrante as garantias de defesa do mesmo. Com o devido respeito, ao atender-se à interpretação atribuída ao 215º, n.º3 do CPP feita na decisão recorrida tal determinaria que, provavelmente a maioria dos processos que correm nos tribunais portugueses fossem qualificados de ‘extrema complexidade’.
(...) Face ao exposto, Não se verifica qualquer dos pressupostos que determinariam a qualificação do processo dos autos como de extrema complexidade. As situações descritas na parte final do n.º3 do art.º 215º do CPP são meramente exemplificativas. Sendo que, Não pode o intérprete realizar uma interpretação ‘criativa’ do âmbito que essas situações 'padrão' pretendem abranger. Assim, A errada interpretação que é feita na decisão recorrida do art.º 215º, n.º3 do CPP é inconstitucional por violação dos arts. 27º, n.º1, 2 e 4, 28º, n.º4, 29º, n.º 1 e 3 da CRP. Porquanto, Foi violado o princípio basilar do direito à liberdade do indivíduo, consagrado no art.º 27º, n.º 1, 2 e 4 da CRP. Bem como, Os princípios da tipicidade e legalidade que têm dignidade constitucional.
(...)
16º Não se verifica qualquer dos pressupostos que determinariam a qualificação do processo dos autos como de extrema complexidade.
17º A errada interpretação que é feita na decisão recorrida do art. 215º, n.º 3 do CPP é inconstitucional por violação dos arts. 27º, n.º 1, 2 e 4, 28º, n.º 4,
29º, n.º1 e 3 da CRP.
(...)
21º Em termos práticos, deparamo-nos com a manutenção de uma prisão preventiva que decorre de uma decisão proferida com violação dos requisitos legalmente estabelecidos. Deste modo,
22º Foi violado o princípio basilar do direito à liberdade do indivíduo, consagrado no art. 27º, n.º1, 2 e 4 da CRP, bem como os princípios da tipicidade e legalidade com igual assento constitucional.’ Nestas passagens reside a suposta ‘inconstitucionalidade (...) suscitada durante o processo, em conformidade com o disposto na alínea b) do n.º1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro’, a que o recorrente alude no seu requerimento de interposição de recurso. O que nelas se detecta é a discordância em relação à verificação dos pressupostos de aplicação da norma do artigo 215º, n.º 3, e a alegação de uma errada interpretação e de violação de direitos e princípios constitucionais. Porém, sendo certo que só de inconstitucionalidades normativas cuida, em recurso, o Tribunal Constitucional (como também se sublinhou na anterior decisão sumária proferida nos autos, citando jurisprudência anterior deste Tribunal), não se impugna a constitucionalidade de uma interpretação normativa, que (como também se escreveu na decisão sumária já proferida nestes autos) teria de ser, se não enunciada, pelo menos claramente identificada. Já as alegações de violação ‘do direito à liberdade do indivíduo’ e de que os pressupostos de aplicação da norma ‘não se verificavam’, e a prisão preventiva decorreria de uma decisão ‘proferida com violação dos requisitos legalmente estabelecidos’, contendem com a decisão do relator, confirmada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e não com a(s) norma(s) em causa. Por o recorrente não ter cumprido o ónus – indispensável para poder fazer uso do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – de suscitar devidamente a questão de constitucionalidade normativa durante o processo, não pode, porém, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso, não tendo, aliás, o recorrente também enunciado no requerimento de recurso a dimensão normativa a apreciar pelo Tribunal Constitucional (aliás, quanto à resposta ao despacho de aperfeiçoamento do recurso, mesmo que tal momento fosse ainda – que não é – apropriado à atempada suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, também então o recorrente veio imputar a violação constitucional ao despacho – à decisão judicial – e recortá-la, de modo distinto do antes esboçado, a partir da violação ‘dos deveres de fundamentação impostos pelo art.
205º da CRP e 97º, n.º 4 do CPP’ –, o que só confirma que não estava em causa uma questão de constitucionalidade normativa, mas sim uma discordância quando ao modo como foi aplicado o direito, de que não pode este Tribunal conhecer).
6. Por último, quanto à questão de fundo discutida na decisão recorrida – relativa ao despacho que julgou o processo de excepcional complexidade –, cumpre recordar ainda que este Tribunal já decidiu, pelo Acórdão n.º 246/99 (publicado no DR, II série, n.º 174, de 28 de Julho de 1999), que não são inconstitucionais as normas referidas, na interpretação segundo a qual ‘os prazos máximos consagrados no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal são aplicáveis sempre que o procedimento respeite aos crimes enumerados no n.º 1 do artigo 54º do Decreto-Lei n.º 15/93, independentemente de decisão judicial nesse sentido.’ Pelo que, a ser efectivamente esta – ou outra relativa à necessidade de decisão nesse sentido, ou suficiência da que concretamente foi prolatado – a questão de constitucionalidade normativa que o recorrente pretendia trazer à apreciação do Tribunal Constitucional, e pelos fundamentos expostos no citado Acórdão n.º
246/99, em consonância com tal jurisprudência não poderia o recurso obter provimento.'
2. Notificado desta decisão, o recorrente veio dela reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando não haver fundamento para a Decisão Sumária proferida, nos seguintes termos:
'(...)
8- Aplica-se um preceito normativo (artº215º, n.º3 do CPP) por remissão directa do artº 54º, nº3 da Lei 15/93 de 22/01, que contende com direitos liberdades e garantias, de conhecimento oficioso.
9- Automaticamente elevam-se os prazos da prisão preventiva, por mera enunciação do preceito legal.
10- Não se cumprem quaisquer deveres de fundamentação dessa decisão, em violação de normativos legais e constitucionais.
11- A interpretação do preceito impugnado, interpretação essa que efectivamente foi o suporte da decisão, só pode considerar-se contrária aos princípios que regem o Estado Português.
12- Afirmar-se, ainda que sustentando em jurisprudência pela qual temos o maior respeito, que relativamente a crimes de determinada natureza e sem considerações relevantes perante as circunstâncias especiais do caso concreto (seja ele qual for) e operando-se assim, a elevação dos prazos de prisão preventiva, sem despacho judicial fundamentado que garanta a defesa do cidadão e a coerência das decisões através do automatismo do funcionamento ‘ope legis’, parece-nos, salvo devido respeito por opinião contrária, violador das garantias consagradas na Lei Fundamental.
13- Considera-se pois, estarem preenchidos os requisitos de interposição de recurso exigidos pelos arts. 70º, nº1 al. b) e 75º-A da Lei n.º 28/82 de 25/11 tendo sido devidamente cumprido o ónus de explicitar a constitucionalidade da interpretação normativa que se pretende ver apreciada. Pelo que,
14- Não há qualquer impedimento à apreciação do presente recurso, devendo o mesmo seguir os seus termos até final.
15- reconhecendo-se que a decisão sumária se deve limitar aos casos em que se entenda não se conhecer do objecto do processo em virtude da sua simplicidade.
16- Na verdade o que acontece é que mesmo em virtude da interpretação normativa posta em causa pelo presente recurso, o mesmo dever-se-á considerar de alguma complexidade. Acresce ainda,
17- Ter a presente decisão sumária ora reclamada e sob a aparência de não tomada de conhecimento, realizado uma apreciação do mérito do recurso, relativamente às inconstitucionalidades suscitadas, ultrapassando o âmbito do próprio preceito processual constitucional. Nestes termos deve a presente reclamação ser julgada procedente e o recurso interposto seguir os seus termos até final.' O Ministério Público recorrido, notificado desta reclamação, veio dizer:
'1º A presente reclamação é manifestamente infundada.
2º Não logrando, o reclamante, através da argumentação que deduz, pôr minimamente em causa os fundamentos de tal decisão, aliás douta e exaustivamente fundamentada.
3º Sendo manifesto que o recorrente não cumpriu o ónus de suscitação tempestiva e adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, o que naturalmente preclude o conhecimento do mérito do recurso.' Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Como resulta da transcrição efectuada, a presente reclamação assenta em três linhas argumentativas: uma, consistente na discordância quanto ao preenchimento dos requisitos de interposição do recurso; outra, baseada na inadequação da forma decisória à complexidade do recurso interposto; e uma terceira, decorrente de a 'decisão sumária ora reclamada e sob a aparência de não tomada de conhecimento, [ter] realizado uma apreciação de mérito do recurso, relativamente
às incontitucionalidades suscitadas, ultrapassando o âmbito do próprio preceito constitucional.' Quanto à primeira – que o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal, considerou 'manifestamente infundada', já que não teria sido cumprido
'o ónus de suscitação tempestiva e adequada de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa' –, entende-se que a decisão sumária foi suficientemente explícita: a inconstitucionalidade invocada durante o processo – e até subsequentemente, na resposta ao despacho de aperfeiçoamento proferido em relação ao requerimento de interposição do recurso – foi referida apenas ao próprio despacho do Conselheiro-relator do Supremo Tribunal de Justiça, ora por este violar 'os deveres de fundamentação' constitucionalmente previstos, ora por
'errada interpretação e aplicação da regra jurídica vertida no art. 215º, n.º3 do CPP'. Como se escreveu no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995:
'(...) A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada- e processualmente adequada – da questão de constitucionalidade não é, pois, (...) uma mera questão de forma secundária. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.' De resto, ainda se acrescentou na decisão reclamada que a norma impugnada, só por si, não foi ratio decidendi bastante da decisão recorrida, e que, mesmo que se pudesse considerar só por si como tal, não lhe foi imputado um sentido normativo que fosse aferível em face da Constituição, que o recorrente nunca explicitou. Nada há que aditar à anterior decisão para se concluir, diferindo do que sustenta o reclamante, que não estavam preenchidos os requisitos de interposição do recurso. Em relação à segunda linha argumentativa do reclamante, é claro que ser ou não ser complexa 'a interpretação normativa posta em causa pelo presente recurso', é irrelevante. O que estava não era essa interpretação normativa, mas sim o facto de não se ter identificado, de forma processualmente adequada, uma qualquer interpretação normativa que pudesse ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, e de não estarem verificados os requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso. Se estivessem preenchidos os requisitos para se poder conhecer o recurso, poder-se-ia excluir o recurso à decisão sumária, não sendo então relevante a alegada complexidade da norma (ou interpretação normativa), ou do recurso, em causa, salvo se se verificasse que a questão de constitucionalidade era simples por ter sido, já, anteriormente decidida por este Tribunal. Ora (e entra-se na terceira linha argumentativa do reclamante), foi apenas este
último ponto que, embora apenas ex abundanti, se tratou ainda na decisão reclamada: invocou-se aí anterior jurisprudência do Tribunal para excluir a necessidade de outra forma decisória que não a que foi adoptada (a decisão sumária), já que, ainda que se pudesse vir a conhecer da questão (por o recorrente a ter suscitado durante o processo de forma apropriada), a eventual complexidade da interpretação normativa em causa também não seria obstáculo a uma decisão nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, considerando o citado Acórdão n.º 246/99, que constituía claro precedente para a decisão. O que é dizer que, também diversamente do que invoca o reclamante, a decisão sumária reclamada não chegou a realizar qualquer
'apreciação do mérito de recurso', tendo antes concluído pelo não conhecimento do recurso. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a. Desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso; b. Condenar o reclamante em custas, com 5 (cinco) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 2 de Outubro de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa