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Processo nº 795/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
'1. F..., S.A., sociedade com sede em Lisboa, veio 'recorrer para o Venerando Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de normas cuja inconstitucionalidade foi invocada durante o processo (v. art. 280º/1/b) da CRP e art. 70º/1/b) da Lei 28/82, de 15 de Novembro)', do 'aliás douto acórdão de
2001.05.30, bem como do acórdão de 2001.10.24', ambos do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, dizendo que o 'recurso tem por objecto as questões de inconstitucionalidade do art. 88º/1/c) do DL 100/84, de 29 de Março e do art. 1º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, na interpretação que lhes foi dada, no sentido de não serem aplicáveis aos actos de liquidação praticados com base em actos de carácter regulamentar nulos, que tenham procedido ao lançamento do respectivo tributo, por violação da art. 103º/3 da CRP (cfr. art. 106º/3 da CRP, na sua redacção anterior)' e que 'as referidas questões foram suscitadas, além do mais, no requerimento apresentado em 2001.06.18'. Com aqueles acórdãos a recorrente viu soçobrar as suas pretensões, pois o primeiro deles confirmou o acórdão da Secção do Contencioso Tributário, que havia entendido, em sede da questão da tempestividade do recurso contencioso contra a liquidação e cobrança de compensações por aumento de volumetria e área, que o 'acto impugnado é assim anulável, e não nulo', havendo que 'apurar da tempestividade da impugnação' (e o segundo acórdão limitou-se a 'indeferir o pedido de reforma' da primeira decisão do Plenário, por entender que 'o que é manifesto é não ter havido qualquer lapso na determinação das normas aplicadas no acórdão reformando porquanto as mesmas constituem o fundamento legal da decisão, sendo esta mera decorrência daquelas, na tese que fez vencimento').
2. É pressuposto processual específico do tipo de recurso de constitucionalidade em causa que se esteja perante uma arguição de inconstitucionalidade normativa durante o processo e ele falha aqui. Na verdade, sendo até ao momento a questão central posta nos presentes autos a de 'saber se a liquidação e cobrança de compensação por aumento de volumetria é nula ou meramente anulável, devendo, neste último caso ser impugnada dentro do prazo previsto na lei e não a todo o tempo, como o seria se fosse nula' e entendendo-se no acórdão da Secção do Contencioso Tributário que 'nulo é tão só o Despacho do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, nº 166/P/84, publicado no Diário Municipal nº 14524, de 30/11/84, que lançou (criou) a referida compensação por violar o disposto na c), nº 1 do art. 88 do DL nº 100/84, de
29/3 e no nº 4, do art. 1º da Lei nº 1/87, de 6/1, mas já não os actos da autarquia local que, ao abrigo daquele Despacho, exigiram a compensação pelo aumento de volumetria' (tudo conforme se lê no primeiro acórdão de 30 de Maio de
2001), a arguição de inconstitucionalidade, com referência àqueles preceitos legais, só se detecta de modo processualmente adequado (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82), no requerimento apresentado pela recorrente em que veio peticionar a reforma do acórdão de 30 de Maio de 2001, ao abrigo do artigo 669º, nº 2, a), do Código de Processo Civil (aí lê-se a conclusão de que 'os arts
88º/1c) do DL 100/84, de 29 de Março e o art. 1º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, interpretados de acordo com a tese subscrita pelo douto aresto em análise, são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no referido art.
104º/3 da CRP', porque, 'de acordo com o entendimento que se critica, apesar de serem nulos os respectivos ‘actos de lançamento’, mantém-se a respectiva liquidação, caso não seja impugnada dentro do prazo estabelecido para a impugnação de actos anuláveis, obrigando-se desta forma a ora recorrente a pagar impostos não criados nos termos da Constituição (v. art. 104º/3 da CRP)'. Porém, nada disto se lê nas conclusões das primeiras alegações apresentadas pela recorrente perante o Plenário, para se dar como verificada a 'invocada oposição dos acórdãos', em que se limitou a sustentar que os 'dois arestos sub judice consagram soluções opostas para a mesma questão jurídica fundamental, pois no acórdão recorrido considerou-se que o lançamento, liquidação e cobrança de impostos não previstos na lei por órgãos municipais determina apenas a anulabilidade daqueles actos, pelo que estes apenas podem ser impugnados no prazo fixado na lei e, no acórdão fundamento, decidiu-se de acordo com tese oposta, considerando-se que aqueles actos são nulos, pelo que podem ser impugnados a todo o tempo'. Ora, colocada a recorrente, como ela própria diz, perante a 'questão fundamental das consequências jurídicas do lançamento, liquidação e cobrança por órgãos municipais de impostos não previstos na lei' e sabendo que o acórdão da Secção do Contencioso Tributário 'considerou os actos de lançamento, liquidação e cobrança de impostos não previstos na lei imputáveis a órgãos municipais meramente anuláveis, e apenas susceptíveis de impugnação no prazo previsto na lei', não adiantou nenhuma arguição de inconstitucionalidade normativa, relativamente aos preceitos legais em causa. E também nas alegações 'apresentadas na sequência do douto Acórdão do Pleno deste Venerando Tribunal de 2000.07.12, notificado à recorrente em 2000.07.17, que julgou verificar-se oposição entre o acórdão recorrido, proferido em
99.06.30 pela 2ª Secção do STA e o acórdão fundamento, de 83.12.24, da Secção do Contencioso Administrativo, publicado no Apêndice ao Diário da República, 1983, p.p. 4706 e seguintes, relativamente à questão da invalidade dos actos de órgãos municipais que procedam ao lançamento, liquidação e cobrança de impostos não previstos na lei', a recorrente limitou-se a suscitar que 'os actos de órgãos municipais que determinem o lançamento de impostos, taxas, derramas ou mais valias não previstas na lei são nulos, ex vi do art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro (v. art.88º/1/a), c) e 2 do DL 100/84, de 29 de Março e art. 28º da LPTA; cfr. Ac. STA, de 99.03.02, AD 454/1243)', sem nada dizer em sede de questão jurídico-constitucional (e apesar de continuar a insistir que naquele acórdão da Secção 'considerou-se que os actos de liquidação e cobrança das compensações exigidas à ora recorrente, apesar de não serem permitidos por lei, seriam simplesmente anuláveis'). Eram esses os momentos processuais adequados para o fazer, para obrigar o Plenário a conhecer de tal arguição (citado nº 2 do artigo 72º), sendo irrelevante que o tenha feito – e é a própria recorrente que o reconhece – com o instrumento processual da reclamação prevista no artigo 669º, nº 2, a), como reconhece o Juiz-Conselheiro Relator no Supremo Tribunal Administrativo no despacho em que a admitir 'por razões de economia processual' o recurso de constitucionalidade ('A recorrente só no pedido de reforma ou aclaração do acórdão é que invocou a inconstitucionalidade', mas 'tal arguição de inconstitucionalidade no pedido de aclaração – a qual dela não conheceu por ser impertinente – não é invocação juridicamente relevante para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional)' Tanto basta para concluir que, falhado o dito pressuposto processual, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno a recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dessa DECISÃO veio a sociedade recorrente 'reclamar para a conferência, nos termos do art. 78º-A/3 da LTC', porque a conclusão a que se chegou não lhe merece acolhimento, 'por efectivamente estar em causa uma questão de inconstitucionalidade de normas que foi por diversas vezes invocada durante o processo, face ao disposto no actual art. 103º da CRP (anterior artigo 106º)'. Depois de ter sido citada a doutrina e a jurisprudência constitucionais, a reclamante passou a aplicar 'os princípios expostos ao caso em análise', pretendendo demonstrar que a questão de inconstitucionalidade em causa 'foi suscitada por diversas vezes pela ora reclamante durante o processo, antes de serem proferidos os referidos acórdãos'. Para o efeito, a reclamante preocupou-se em transcrever excertos das peças processuais apresentadas nos autos, começando pela 'petição de impugnação apresentada em 1993.03.24', passando depois às 'alegações apresentadas em
1997.03.31, perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa', e às
'alegações apresentadas em 1998.02.18, perante o tribunal a quo' (e termina, em quarto e quinto lugares, com o 'requerimento apresentado em 1999.09.15' e com as
'alegações apresentadas em 200.09.15, perante o tribunal a quo'). E concluiu a reclamação com a afirmação de que, 'contrariamente ao considerado na decisão sumária em análise, a ora recorrente suscitou a questão de inconstitucionalidade sub judice por diversas vezes durante o presente processo, de forma expressa e implícita' e daí 'ser manifesto que se verifica o pressuposto estabelecido no artº 72º/2 da LTA, devendo o recurso prosseguir os seus ulteriores termos' C. Respondeu à reclamação a recorrida Fazenda Pública, sustentando que ela deve
'ser indeferida e ser mantida a douta decisão reclamada', porquanto, 'não obstante ao longo do processo a recorrente haver referido nas questões jurídicas por si suscitadas a violação de normas constitucionais, a verdade é que nunca imputou qualquer inconstitucionalidade às normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada'. D. Cumpre decidir.
É ponto assente na DECISÃO reclamada que, à luz do nº 2 do artigo 72º da Lei nº
28/82, os 'momentos processuais adequados' à suscitação de pretensa questão de inconstitucionalidade normativa, in casu, eram só os articulados exibidos perante o Tribunal a quo, ou melhor, o último desses articulados, sendo, por isso, irrelevantes as peças processuais anteriormente apresentados pela sociedade reclamante (é o que acontece com a petição e as alegações identificadas em primeiro, segundo e terceiros lugares, por não terem sido apresentadas perante o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo). Cabendo à sociedade reclamante confrontar aquele Plenário com qualquer questão jurídico-constitucional, reportada às normas legais que ela identifica, para que o Plenário ficasse obrigado a dela conhecer, não o fez, como se demonstra na DECISÃO reclamada e não vem infirmado na reclamação. Na verdade, as transcrições aí feitas em quarto e em quinto lugares não revelam a suscitação idónea de questão de inconstitucionalidade normativa, não bastando acrescentar 'cfr. art. 103º e 165º/1/i) da CRP', quando se vem sustentar que são
'as liquidações impugnadas nulas por falta de atribuições' ou que os 'actos de
órgãos municipais que determinem o lançamento de impostos, taxas, derramas ou mais valias não previstas na lei são nulos, ex vi do art. 1º/4 da Lei 1/87, de 6 de Janeiro'. Tanto basta para concluir que não pode proceder a presente reclamação. E. Termos, em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a sociedade reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 24 de Abril de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa