Imprimir acórdão
Processo n.º 13/01
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I. Relatório Em 24 de Abril de 1998, A, reformado do exército, melhor identificado nos autos, interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho de 31 de Dezembro de 1997 do General Comandante do Pessoal do Exército, por delegação do Chefe de Estado-Maior do Exército, que indeferiu o seu requerimento de revisão da pensão de reforma formulado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio. Por decisão de 30 de Novembro de 1999, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou que 'a situação do recorrente não é abrangida pela previsão da norma do art. 1º do DL n. 134/97, de 31.5, a qual expressamente inclui no seu
âmbito de aplicação apenas os militares DFAs que não optaram pelo serviço activo' e, em consequência, negou provimento ao recurso. Recorreu então o requerente para o Tribunal Central Administrativo, suscitando, entre o mais, a seguinte questão de constitucionalidade:
'O Decreto-Lei n. 134/97 de 31 de Maio ao excluir do seu âmbito os militares dos quadros permanentes considerados Deficientes das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do n. 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n. 43/76, de 20 de Janeiro, que optaram pelo serviço activo e que transitaram para a situação de reforma extraordinária já na vigência do Decreto-Lei n. 43/76, de 9 de Maio, é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.' Por Acórdão de 30 de Novembro de 2000, o Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso, considerando, designadamente, quanto à questão de constitucionalidade suscitada que:
'(...) o art. 1º do DL 134/97 (...) veio colmatar a desigualdade resultante da al. A) do n. 7 da Portaria 162/76, conferindo aos militares que não tinham optado pelo serviço activo, e tendo sido considerados DFA antes do DL 43/76, a possibilidade de o poderem fazer, tal como havia sido possibilitados aos militares considerados DFA após o DL 43/76. Isto é, repôs a igualdade onde existia desigualdade.' Ainda inconformado, trouxe o peticionante recurso a este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade norma do n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio, em face do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado. Concluindo as suas alegações, escreveu:
'1. O Decreto-Lei n.º 134/97 de 31 de Maio ao excluir do seu âmbito os militares dos quadros permanentes considerados Deficientes das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do n. 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n. 43/76, de 20 de Janeiro, que permaneceram no serviço activo e que transitaram para a situação de reforma extraordinária já na vigência do Decreto-Lei n. 43/76 de 9 de Maio, é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
2. Os militares do quadro permanente que são deficientes das Forças Armadas com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, tendo seguido outro modo de vida exercendo outra profissão com honorários que acrescem à pensão de reforma do posto que tinham, são agora promovidos a postos superiores, nomeadamente o de tenente coronel, sendo substancialmente aumentados os seus proventos, e aqueles, como é o caso do Recorrente, que continuaram no activo a servir as Forças Armadas, não só não venceram honorários de outra profissão, como também têm uma pensão de reforma inferior por terem um posto inferior.
3. O acto administrativo sindicado viola o princípio da igualdade, traduzindo um verdadeiro retrocesso relativamente à visão igualitária que caracteriza o Acórdão n.º 563/96 do Tribunal Constitucional.' A entidade recorrida não apresentou alegações. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Como se sabe, não cabe a este Tribunal a apreciação da constitucionalidade das decisões jurisdicionais ou administrativas, em si mesmas (cfr., v.g., Acórdãos n.º 461/91, 318/93 e 155/95, publicados, respectivamente, no Diário da República
[DR], II Série, de 24 de Abril de 1992, de 20 de Junho de 1995), confinado como está à apreciação da conformidade constitucional de normas. Assim, não pode relevar a conclusão 3 das alegações de recurso, na medida em que ela se refira a uma desconformidade constitucional apenas do concreto acto administrativo. Nas duas restantes conclusões, efectua-se o confronto de duas situações a que o legislador conferiu tratamento díspar, e em que, por isso, o recorrente considera ter sido infringido o princípio da igualdade:
'– de um lado os militares dos quadros permanentes considerados Deficientes das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do n. 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que optaram pelo serviço activo; o de outro lado os militares dos quadros permanentes considerados Deficientes das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do n. 1 do artigo
18º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, que optaram pelo serviço activo e transitaram para a situação de reforma extraordinária já na vigência do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.'
Vejamos, antes de mais, o teor da norma de que o recorrente faz depender tal desigualdade – o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio:
'Os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos.' Segundo o recorrente, a desigualdade constitucionalmente censurável traduzir-se-ia no facto de se prever um benefício para os militares que
(diversamente do seu caso) não optaram pelo serviço activo, decorrente do regime excepcional introduzido pelo Decreto-Lei n.º 134/97 – regime, este, que, além de permitir a promoção dos que não optaram pelo serviço activo ao posto a que teriam ascendido, nos termos do transcrito artigo 1º, permite, nos termos do seu artigo 2º, que estes passem 'a ter o direito à pensão de reforma correspondente ao posto a que foram promovidos, e no escalão vencido à data da entrada em vigor' de tal diploma (mas ficando isentos do encargo do pagamento das quotas e diferenças de quotas devidas à Caixa Geral de Aposentações referentes aos postos a que entretanto foram sendo graduados, após a sua passagem inicial à reforma extraordinária).
De resto, e revertendo à diferença em causa no presente recurso, afigura-se que a disparidade de situações entre quem, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio, optou pelo serviço activo, e quem, forçado a deixar este, se encontra, mercê do disposto no Decreto-Lei n.º 134/97, a acumular uma pensão militar revalorizada com honorários de uma qualquer outra profissão que tenha abraçado no interim – o que, aliás, não estava vetado ao recorrente, pois este apenas se manteve no serviço activo, porque optou, entre Março de 1974 e Agosto de 1978 –
é tal que a própria tentativa de estabelecer uma paridade de situações surge como implausível: a manutenção no serviço activo só pode ter resultado de uma livre opção do recorrente, que, não fora ela, poderia igualmente estar agora nessa situação de acumulação que veio a reputar vantajosa (tendo em conta, designadamente, que sublinha a retribuição, sem contabilizar a contrapartida dessa retribuição). Ora, como se sublinhou no Acórdão n.º 330/93 (publicado no DR, II Série, de 30 de Julho de 1993), também aqui 'as diferenças de regimes não são arbitrárias, desde logo porque são determinadas por livres opções dos destinatários das normas e, depois, porque correspondem a situações objectivamente diferentes.'
É certo que ao exercer, como exerceu, o seu direito de opção pela continuidade no serviço activo, o recorrente não podia antecipar o que agora considera uma vantagem. Mas, como aí se escreveu, 'o recorrente usou, voluntariamente, da opção de se manter no serviço activo, usufruindo de todas as regalias daí resultantes', e, subsequentemente, passou à situação de reforma extraordinária – o que implica, como se escreveu no citado Acórdão, que 'o regime de aposentação do requerente tem de considerar-se fixado na data em que foi considerado deficiente das Forças Armadas'. Em consequência, o regime criado pelo legislador de 1997 para contemplar situações que não a sua não se lhe aplica.
De todos os elementos diferenciadores do 'universo dos destinatários possíveis da norma' (para utilizar uma expressão já empregue a propósito dos requisitos estabelecidos no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97) – a) serem militares pertencentes aos quadros permanentes; b) serem deficientes das Forças Armadas, nos termos das als. b) e c) do n.º 1 do art. 18º do Decreto-Lei n.º 43/76; c) estarem na situação de reforma extraordinária; d) com um grau de incapacidade de ganho igual ou superior a 30%; e) e que não optaram pelo serviço activo – já este Tribunal foi chamado a pronunciar-se sobre o primeiro (nos Acórdãos n.ºs
319/00 e 378/00, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 18 de Outubro e de 16 de Novembro de 2000), sobre o segundo (Acórdãos n.ºs 414/01 e 63/02, o primeiro publicado no DR, II série, de 27 de Novembro de 2001, e o segundo ainda inédito), e agora sobre o último. O juízo a que se chegou naqueles arestos, de inexistência de inconstitucionalidade, é de repetir aqui: a intenção do legislador de 1997, aliás confessada no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 134/97, foi dar cumprimento ao Acórdão n.º 563/96 deste Tribunal (publicado no DR, I Série-A, de 16 de Maio de
1996), que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma regulamentar (alínea a) do n.º 7 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março) que obstava a que os deficientes das Forças Armadas nas situações de reforma extraordinária ou beneficiando de pensão de invalidez, que já poderiam ter optado pelo serviço activo nos termos da legislação anterior ao Decreto-Lei n.º
43/76, de 20 de Janeiro, pudessem fazê-lo ao seu abrigo. Cada um dos elementos diferenciadores acima referidos encontra a sua justificação objectiva na situação dos militares das Forças Armadas abrangidos pela norma considerada inconstitucional: os que, tendo-se incapacitado antes da vigência do Decreto-Lei n.º 43/76, não optaram pelo serviço activo (fosse porque não exerceram um direito que tinham, antes desse diploma, fosse porque não puderam fazê-lo mais depois dele, em resultado da referida alínea a) do n.º 7 da referida Portaria). Há-de, pois, reconhecer-se que a diferenciação entre os militares que não optaram, porque não o puderam fazer, e aqueles que optaram pelo serviço activo tem inteira justificação – só aos primeiros se referindo a norma proibitiva da referida Portaria, só em relação a eles fazia sentido 'a intervenção do poder legislativo em execução de um acórdão do Tribunal Constitucional', como se escreveu no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 134/97.
III. Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida em quanto respeita à questão de constitucionalidade suscitada e condena-se o recorrente em custas, com 15
(quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa