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Processo nº 176/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrente A e recorrido o Ministério Público, foi lavrada, em 10 de Abril último, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, no sentido de se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Escreveu-se, então:
'1. - A , identificado nos autos, inconformado com o acórdão condenatório contra si e outros proferido na 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da comarca de Sintra, dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – nos termos dos artigos 399º, 401º, nº 1, alínea b), e nº 2, 407º, nº
1, alínea a), 408º, nº 1, alínea a), 410º, nºs. 1 e 2, alínea a), 412º, nºs. 1,
2 e 3, 427º e 428º do Código de Processo Penal – apresentando simultaneamente a respectiva motivação. Não tendo sido solicitadas as guias referentes ao terceiro dia útil, nos termos do nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil, foi notificado o respectivo mandatário, de acordo com o nº 6 do mesmo preceito, e remetidas as guias relativas à liquidação entretanto efectuada. O mandatário do arguido veio, porém, invocar justo impedimento e, como tal, requerer a emissão das guias em causa. Segundo alegou, notificado nos termos do citado nº 6 do artigo 145º, para efectuar o pagamento da multa correspondente à entrega em terceiro dia útil, ao procurar realizar esse pagamento na véspera – dia 26 de Novembro de 2001 – pelas
17,45 horas, junto de uma caixa multibanco, foi o mesmo recusado com a indicação de pagamento indisponível, recusa que se manteve junto de outras caixas multibanco, não sendo possível o pagamento de outra forma.
2. - O magistrado judicial competente, por despacho de 17 de Dezembro de 2001, lavrado após várias diligências de prova tidas por pertinentes, considerou não se verificar uma situação de justo impedimento, pois o não pagamento atempado não se ficou a dever nem ao Tribunal, nem ao Instituto de Gestão Financeira, nem sequer à SIBS (Sociedade Interbancária de Serviços, SA). Assim, não admitiu o recurso por extemporaneidade, tendo em conta que o mesmo foi interposto no terceiro dia útil posterior ao termo do prazo previsto no artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, sem que tenha sido paga a multa nos termos do referido artigo 145º, nº 5, nem a multa prevista no nº 6 deste preceito, sem que tenha ocorrido justo impedimento.
3. - Notificado, reagiu o arguido mediante reclamação, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, invocando, em síntese, que o despacho reclamado lhe é manifestamente prejudicial e veda o direito ao recurso, consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição, que se mostra violado na interpretação feita ao nº 6 do artigo
145º, no sentido da rejeição imediata do recurso, sem prévia notificação para que ocorresse o pagamento devido em dobro.
4. - A reclamação foi indeferida por despacho de 16 de Janeiro de 2002, do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Deu-se como assente que o recorrente remeteu o requerimento de interposição de recurso e motivação respectiva, por carta registada expedida em 8 de Novembro de
2001, não tendo pedido o pagamento imediato da multa devida pela prática do acto no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo. Em 12 de Novembro foi liquidada a multa nos termos do artigo 145º, nº 6, com esse fundamento. Em 27 do mesmo mês o arguido veio invocar justo impedimento, mediante a alegação de problemas no sistema de multibanco que o impossibilitaram de pagar a multa, requerendo a emissão de novas guias. Considerando as informações da Secretaria do Tribunal, que verificou terem as guias sido correctamente admitidas, e do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça e da SIBS, que informaram não ter existido qualquer anomalia, nem se ter verificado qualquer tentativa de pagamento de guias, o Tribunal não julgou verificado o justo impedimento e, por conseguinte, não admitiu o recurso, que teve por extemporâneo. No despacho do Presidente do Tribunal da Relação considerou-se, em face do exposto, não ser admissível a passagem de novas guias, nos termos do citado artigo 145º, nº 6.
5. - Inconformado, interpôs o arguido do assim decidido recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade das normas do artigo nº 145º, nºs. 4, 5 e 6, do Código de Processo Civil, ao não permitirem a sua aplicação e a emissão de guias, para pagamento de multa de igual montante à da taxa de justiça devida a final, 'em violação do artigo 32º, nº 1, da CRP e artigos 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 5º, 6º e 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem', questão suscitada na reclamação apresentada.
6. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, de acordo com o disposto no nº
1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, por não verificação dos pressupostos necessários de admissibilidade deste tipo de recurso, maxime o que o faz depender de uma apreciação jurídico-constitucional de normas – na sua integralidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação – e não de decisões judiciais, em si mesmas consideradas, como decorre da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Com efeito, a competência deste Tribunal afere-se em razão de parâmetros de normatividade e não de actos, como uma decisão recorrida cujo acerto se pretende ver corrigido por dele se discordar.
7. - Ora, manifestamente, o arguido pretende, com o recurso, 'atacar' a decisão, porquanto o despacho reclamado, ao fazer aplicação das normas impugnadas, entendeu terem sido correctamente emitidas as guias para pagamento da multa, nos termos do nº 6 do artigo 145º, que corresponde ao montante da taxa de justiça devida a final. Questão diferente seria a de saber se, não tendo sido pagas as guias emitidas nos termos desse nº 6, novas guias deveriam ter sido emitidas, mas a esta questão respondeu-se negativamente porque se julgou como não verificado o justo impedimento invocado. Assim, a questão suscitada, tal como o recorrente agora a enuncia, só foi equacionada pelo despacho recorrido no âmbito da não verificação de justo impedimento – questão que não pode, aqui e agora, ser reaberta. Acresce que, a entender-se referir-se o recorrente a uma segunda notificação nos
âmbito dos nºs. 4 e 6 do artigo 145º, haveria que concluir não ter a decisão recorrida aplicado a norma com essa interpretação. Haveria, quando muito, nesse caso, uma recusa de aplicação das normas com a interpretação dada pelo recorrente, o que só fundamentaria o recurso ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º, que não está em causa.
8. - Em face do exposto, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificado, reclamou o recorrente para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, pugnando pela procedência da reclamação, de modo a que o recurso interposto siga termos até final.
Em síntese, defende que:
a) o recorrente suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa e indicou-a como desconforme com a Constituição;
b) ora, a decisão sumária deve limitar-se aos casos em que se entenda que não pode conhecer-se do objecto do recurso, por incumprimento dos formalismos legais prescritos, ou em que a questão a decidir seja simples;
c) uma decisão sumária, como a subjacente, que não toma conhecimento do recurso de forma equiparável à negação do provimento deste, torna-se limitativa e diminui as garantias de defesa do recorrente, pois, sob a aparência de não tomada de conhecimento, realiza uma verdadeira apreciação do mérito do recurso.
A esta posição respondeu o Ministério Público, para quem a reclamação carece manifestamente de fundamento, não se compreendendo como é que a decisão proferida, assente na ausência dos pressupostos de admissibilidade do recurso, pode envolver uma apreciação do mérito do recurso interposto.
3. - A decisão sumária proferida nestes autos teve em conta não se consubstanciar, no caso vertente, uma situação de controlo de normatividade, como tal não se verificando um dos pressupostos necessários da admissibilidade do respectivo recurso.
Seja como for, o recurso é manifestamente infundado.
Com efeito, a entender-se que haveria direito a sucessiva emissão de novas guias, ao abrigo do disposto no nº 6 do citado artigo
145º, e com prévia notificação ao interessado, tal significaria a admissibilidade de um regime, absurdo, que se revelaria tendencialmente infindável – com as consequências perversas que se lhe poderiam imputar.
4. - Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, por manifestamente infundado.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta. Lisboa, 12 de Julho de 2002- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida