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Processo n.º 761/00
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Nos presentes autos, o relator proferiu em 15 de Janeiro de 2002, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), Decisão Sumária no sentido de não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por J..., com os seguintes fundamentos:
«4. (...) no presente caso, nos termos do requerimento do recurso, o recorrente pretendia ver apreciado um entendimento dado pelo Supremo Tribunal Administrativo, para fundamentar a sua decisão, ao artigo 5º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro. Como se podia ler no preâmbulo deste diploma, neste artigo 5º de tal Código das Expropriações veio-se 'consagrar a possibilidade de os particulares expropriados poderem exercer o seu direito de reversão nos casos em que a Administração der uma outra utilidade aos bens expropriados que não a prevista na declaração de utilidade pública ou ainda se tiver cessado a aplicação a esse fim', pois, 'há muito que se justificava o «regresso» pleno do direito de reversão à lei sobre expropriações por utilidade pública, dado que apenas se permitia o direito de reversão quando o expropriado fosse uma autarquia local e a entidade expropriante fosse de direito público. Se pensarmos que a quase totalidade das expropriações feitas no nosso país são desencadeados quer pelo Estado, quer pelas autarquias locais, facilmente se constata que o direito de reversão
[anteriormente] previsto no artigo 5º do Código ficava totalmente despido de conteúdo no que dizia respeito às garantias do particular perante a expropriação. Impunha-se, pois, a consagração inequívoca do exercício ao direito de reversão, por forma a, por um lado, moralizar a actuação da Administração na efectiva utilização do bem expropriado para o fim de utilidade pública que esteve presente na respectiva declaração e, por outro, a possibilitar aos particulares expropriados a recuperação dos bens que não fossem aplicados ao fim que determinou a expropriação' (e cfr., aliás, julgando inconstitucionais limitações ao direito de reversão nos termos do artigo 7º, n.º 1 do Código de
1976, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 827/96, in DR, II série, de 26 de Junho de 1996) O artigo 5º do Código das Expropriações de 1991 veio, assim, dispor que 'há direito de reversão se os bens expropriados não forem aplicados ao fim que determinou a expropriação no prazo de dois anos após a adjudicação ou, ainda, se tiver cessado a aplicação a esse fim, sem prejuízo do disposto no n.º 4'. Segundo este n.º 4, o direito de reversão cessa quando tenham decorrido 20 anos sobre a data da adjudicação, quando seja dado aos bens expropriados outro destino, mediante nova declaração de utilidade pública, ou quando haja renúncia expressa do expropriado. Consagraram-se, pois, dois fundamentos para o direito de reversão dos bens expropriados: a) a não aplicação ao fim que determinou a expropriação no prazo de dois anos após a expropriação; ou b) a cessação da aplicação a esse fim. Como se referiu, o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 26 de Maio de 1996, manteve o indeferimento do pedido de reversão, por, à data em que o recorrente formulou o pedido de reversão (4 de Fevereiro de 1994), não haver ainda decorrido, sobre a entrada em vigor do Código das Expropriações que consagrou o direito de reversão (7 de Fevereiro de 1992), o prazo de dois anos previsto no n.º 1 do seu artigo 5º, para a não aplicação do bem ao fim determinante da expropriação. Indeferiu-se, pois, a reversão, não por o direito ter caducado, mas por se entender que ainda se não tinha aperfeiçoado um dos seus pressupostos. E, subsequentemente, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que, não tendo ainda decorrido o prazo de dois anos, não lhe cumpria analisar o outro fundamento para a reversão – ou seja, o facto de, segundo o recorrente, ter cessado a aplicação do prédio ao fim determinante da expropriação, consubstanciado na sua aplicação a fim diverso. Ora, importa deixar claro que não cumpre nesta sede analisar o mérito ou a correcção desta decisão judicial em si mesma, ao deixar de analisar um fundamento subsidiário invocado pelo recorrente, uma vez que o recurso de constitucionalidade se limita à dilucidação de questões de constitucionalidade normativa, não se configurando como um verdadeiro recurso de amparo contra decisões de aplicação do direito. Apenas, portanto, na medida em que a norma que fundou tal decisão deva ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, poderia a questão da análise, pelo tribunal recorrido, do fundamento subsidiário vir a ser afectada pela decisão do recurso de constitucionalidade.
5. A verdade, porém, é que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso, por não ter sido suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional agora aprecie. Esta questão é, como decorre claramente da resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso – no qual se falava de um entendimento do artigo 5º do Código das Expropriações –, a da conformidade constitucional do entendimento 'de que os dois fundamentos previstos no cit. Art. 5º, n.º 1, para o exercício do direito de reversão são incindíveis ou de necessária verificação cumulativa' (itálico aditado), e de que, portanto, 'o direito de reversão apenas surgiria dois anos após a entrada em vigor do C.E.
1991 (ou seja, em 07.02.1994), e não com a entrada em vigor do mesmo Código.' Isto porque, como confirma o recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo não teria em conta 'que os dois fundamentos do direito de reversão previstos no n.º
1 do art. 5º do cit. Código (CE) são independentes e que a sua verificação não é cumulativa', considerando que 'o direito de reversão apenas surge, em qualquer dos casos, dois anos após a entrada em vigor do C.E.' Ora, analisando os autos, verifica-se que a única questão de constitucionalidade de normas (ou de uma interpretação de uma norma) levantada perante o Supremo Tribunal Administrativo se reportava à 'interpretação que leve a contar o prazo de dois anos do n.º 1 do artº 5º do CE a partir da data da entrada em vigor do actual CE e o prazo previsto no n.º 4, al. a) da adjudicação' (itálico aditado), que se acusava de violar 'o Princípio da Igualdade e o Direito de Propriedade, constitucionalmente consagrados nos artºs 13º e 62º da CRP, respectivamente'
(conclusão 18ª do recurso para o Pleno da Secção, a fls. 128 e 129 dos autos). Na verdade, nem no n.º 9, nem na conclusão 12ª, nem na conclusão 13ª, nem em qualquer outro ponto das alegações produzidas perante o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (cuja decisão é a ora recorrida), o recorrente, não obstante sustentar que os dois fundamentos para o direito de reversão não são de aplicação cumulativa, impugnou, por inconstitucionalidade, um entendimento contrário (cfr. a peça de fls. 108 a 130 dos autos). Tal impugnação, não apenas no plano da interpretação da lei, mas no da conformidade constitucional, era-lhe exigível, se pretendia que o Tribunal apreciasse essa questão. Mas apenas suscitou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual se considera como dies a quo do prazo de dois anos, de não aplicação do prédio ao fim determinante da expropriação, o momento da entrada em vigor do Código, e não o da adjudicação. Isto, apesar de que, como se salienta na resposta ao convite para aperfeiçoar o requerimento do recurso de constitucionalidade, o recorrente, 'desde o primeiro passo no processo, fundou a sua pretensão no facto de ter cessado a aplicação do prédio ao fim determinante da expropriação, consubstanciado na sua aplicação a fim diverso (alegações para o Pleno do S.T.A., apresentadas em 03.07.1999, n.º 9)'. Não admira, assim, que o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 29 de Abril de 1998, se não tenha debruçado sobre a conformidade constitucional do entendimento segundo o qual os dois fundamentos do direito de reversão são cumulativos, mas apenas sobre o relativo à contagem do prazo de dois anos para surgimento do direito de reversão, previsto no n.º 1 do artigo 5º do Código das Expropriações (fls. 175 e segs. dos autos). Não tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal a quo, a inconstitucionalidade do artigo 5º, n.º 1, do Código das Expropriações, entendido no sentido de os fundamentos do direito de reversão nele previstos serem cumulativos (e não sendo caso de se poder dispensar tal suscitação, pois, como o próprio recorrente reconhece, desde o início do processo que discute tal ponto, tendo havido múltiplas oportunidades para suscitar a questão da desconformidade constitucional da interpretação referida), e sendo aquela a dimensão normativa do preceito referido que pretende trazer, através do presente recurso, à apreciação do Tribunal Constitucional, está este, agora, impossibilitado de tomar conhecimento de tal recurso de constitucionalidade.»
2. M... e T..., habilitados como herdeiros do recorrente, vieram interpor a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), da Decisão Sumária citada. Os reclamantes fundamentam a sua reclamação no seguintes termos:
'(...)1. É inquestionável que se os recorrentes não tivessem suscitado no processo que deu causa ao recurso para esse colendo Tribunal a questão da inconstitucionalidade da norma aplicada, ou da interpretação dessa norma, tendo-se limitado a pôr em causa o modo como o Tribunal a quo aplicou essa norma
-
- não se teria preenchido um dos pressupostos de admissibilidade do recurso do art. 70°, n° 1, al. b), da L.T.C.
2. Só que, salvo melhor aviso, o apelo ao Tribunal Constitucional resultou, no caso, do sentido dado pelo S.T.A. à norma do art. 5°, n° 1, do Código das Expropriações Realmente, e como se demonstrou, a dimensão ou interpretação desse art. 5°, n°
1, feita pelo S.T.A. amputa a plenitude normativa do mesmo preceito.
3. Em síntese, e como o falecido recorrente, antecessor dos actuais, explicitou, categoricamente, no requerimento apresentado no colendo Tribunal ad quem em
16.02.01, logo nas alegações que em 03.07.1996 apresentou no S.T.A. (§ 12) alegou que o S.T.A. não entendera que os dois fundamentos do direito de reversão previstos no n° 1 do art. 5° do citado Código (C.E.) são independentes e autónomos, não sendo a sua verificação de natureza cumulativa. Deste entendimento dado à norma do n° l do art. 5° do C.E. (a de que o direito de reversão apenas surge, em qualquer dos casos, dois anos após a entrada em vigor do C.E.), adveio o cerceamento do direito à reversão de bens numa situação em que ela deveria ter lugar. E, consequentemente, a transgressão do direito à propriedade privada (art. 62° da Lei Fundamental), que tem como corolário o direito à reversão.
4. O Exm.° Magistrado do M.P. é, de resto, bastante claro na síntese que faz da aliás complexa e dificilmente apreensível tese do S.T.A. (p. 6 do Acórdão de
29.04. 1998).
5. Com efeito, se alguma dúvida houvesse para os ora recorrentes, ela é por completo desfeita na al. h) dos factos dados como por provados pelo S.T.A.
(aplicação do prédio a fim diferente ao que justificou a sua expropriação) - p.
8 do cit. Acordão. Em súmula: para o colendo Supremo Tribunal em 4 de Fevereiro de 1994
'não era ainda o recorrente titular do direito de reversão do prédio em causa, pelo que a sua pretensão não podia obter deferimento '.
6. O S.T.A. compendia, de resto, a sua perspectiva na p. 15 do cit. Acórdão de Abril de 1998. Isto muito embora propenda, antes e depois, para uma certa ambiguidade – não quanto à solução que dá, mas quanto aos pressupostos de facto de que parte.
7. O recorrente, desde os primeiros passos no processo, fundou a sua pretensão no facto de ter cessado a aplicação do prédio ao fim determinante da expropriação, consubstanciado na sua aplicação a fim diverso (alegações para o Pleno do S.T.A., apresentadas em 03.07.1996, n° 9).
8. Concretizando, pois, a posição que adopta face à determinação constante do douto despacho de VExª, dirá:
(1) A dimensão normativa captável das posições assumidas pelo S.T.A. é a de que os dois fundamentos previstos no cit. art. 5°, n° 1, para o exercício do direito de reversão são incindíveis ou de necessária aplicação cumulativa.
(2) O direito de reversão apenas surgiria dois anos após a entrada em vigor do C.E. 1991 (ou seja, em 07.02.1994), e não com a entrada em vigor do mesmo Código.
(3) Não será de desconsiderar, quanto a este ponto de direito transitório, a posição assumida pelo Exm° Magistrado do M.P. no S.T.A.. Com efeito, ela será de ter em presença, uma vez que foi suscitada antes de proferido o Acórdão do Pleno do S.T.A.: a da chamada à colação, como termo do prazo de dois anos após a entrada em vigor do Código (07.02.1994) do dia em que foi proferido o acto administrativo impugnado (18.05.1994). Realmente, é aí que se inicia a causa da impugnação contenciosa.
9. A transgressão de qualquer norma respeitante ao exercício do direito de reversão agride, com isso, o direito fundamental do direito de propriedade privada (art. 62° da Constituição). Com efeito, o direito de reversão consiste numa garantia conferida pela ordem jurídica ao expropriado, através da qual este tem a faculdade de recuperar os bens expropriados se os mesmos não tiverem sido aplicados ao fim pensado para a expropriação ou ainda se tiver cessado a sua aplicação ao fim justificativo da expropriação. O direito de reversão – como já foi dito, traduz uma verdadeira condição resolutiva tácita aposta ao acto de expropriação (F. Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, 1982, p. 166). Para este autor o fundamento do direito de reversão é o mais amplo, integrando um verdadeiro corolário da garantia constitucional da propriedade privada (p.
162).
10. Ou, como dizem Freitas do Amaral e Paulo Otero (Nacionalização. reprivatização e Direito de Reversão, em O Direito, 1992, I/II, p.p. 289 e segs, maxime p. 304): ‘(...) o fundamento constitucional da reversão (é a) garantia do direito de propriedade privada, na concretização do princípio da justiça e na conciliação entre a prossecução do principio do interesse público e o respeito pelos direitos dos cidadãos por parte da Administração (...)’.
11. Assim sendo, e concluindo, pois:
1. Salvo melhor – e, por certo, mais autorizada opinião – o S.T.A. partiu de um entendimento normativo do art. 5°, n° 1, do Cód. das Expropriações que cerceia a amplitude do direito de reversão, inafastável corolário do direito de propriedade.
2. Na decisão sumária sub judice entendeu-se que o que está em causa uma decisão judicial.
3. Só que essa decisão judicial arranca do mau entendimento da dimensão normativa daquele n° 1 do art. 5°, com a consequente preterição do direito à reversão na 2ª hipótese do preceito (que só por isso não foi considerado) e, como corolário, do direito à propriedade privada. Termos em que, invocando o melhor suprimento, deve a presente reclamação ser atendida.' Cumpre decidir. II. Fundamentos
4. A norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciada era, como se referiu (decorrendo da resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso e sendo confirmado pela própria reclamação em apreço), o artigo 5º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, no entendimento 'de que os dois fundamentos [nele ]previstos (...) para o exercício do direito de reversão são incindíveis ou de necessária verificação cumulativa' – com a consequência de que, portanto, 'o direito de reversão apenas surgiria dois anos após a entrada em vigor do C.E. 1991 (ou seja, em 07.02.1994), e não com a entrada em vigor do mesmo Código.' Pode entender-se que terá sido tal entendimento normativo do artigo 5º, n.º 1 do Código das Expropriações o aplicado pelo Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 26 de Maio de 1996. Na verdade, este aresto manteve o indeferimento do pedido de reversão, por não terem ainda decorrido, em 4 de Fevereiro de 1994
(data do pedido de reversão), os dois anos previstos no n.º 1 do seu artigo 5º, como limite temporal para a aplicação do bem ao fim determinante da expropriação, a contar da entrada em vigor do Código das Expropriações que consagrou o direito de reversão (7 de Fevereiro de 1992). Ora, ao entender que, não tendo ainda decorrido o prazo de dois anos, não lhe cumpria analisar o outro fundamento para a reversão – ou seja, o facto de, segundo o recorrente, ter cessado a aplicação do prédio ao fim determinante da expropriação, consubstanciado na sua aplicação a fim diverso –, a decisão judicial recorrida ter-se-á, na verdade, baseado no entendimento normativo referido. Esta conclusão não chega, aliás, a contraria o que se disse na decisão reclamada, segundo a qual não poderia o Tribunal Constitucional apreciar a
'decisão judicial em si mesma, ao deixar de analisar um fundamento subsidiário invocado pelo recorrente, uma vez que o recurso de constitucionalidade se limita
à dilucidação de questões de constitucionalidade normativa (...)', e 'apenas, portanto, na medida em que a norma que fundou tal decisão deva ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, poderia a questão da análise, pelo tribunal recorrido, do fundamento subsidiário vir a ser afectada pela decisão do recurso de constitucionalidade.'
5. A simples leitura da decisão reclamada logo deixa ver, porém, que esta se fundou, não na falta de aplicação da norma impugnada como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido, mas na circunstância de o recorrente não ter suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da dimensão normativa cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada pelo Tribunal, mas, apenas, de uma outra interpretação da mesma norma, que foi, consequentemente, a única cuja constitucionalidade veio a ser analisada pelas instâncias. E, como se sabe, sendo o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para dele se poder tomar conhecimento, não só que o recorrente haja esgotado os recursos ordinários que cabiam no caso e que o tribunal a quo tenha aplicado a norma em causa como ratio decidendi, mas, também, que a inconstitucionalidade dessa norma haja sido suscitada pelo recorrente durante o processo – recorde-se que, segundo o artigo
72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, 'os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.'
6. Confrontando as considerações aduzidas na presente reclamação com os autos, logo se tem de concluir que o fundamento em que a decisão reclamada se baseou para concluir não se poder tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade não é abalado. Na verdade, deixando de lado – por não relevarem para o ponto em questão – as referências, constantes da reclamação, quer ao facto de o tribunal a quo ter aplicado a dimensão normativa do referido artigo 5º, n.º 1 impugnada (não estando apenas em causa a constitucionalidade da decisão judicial), quer à intervenção processual do Ministério Público (recorde-se que a inconstitucionalidade haverá de ter sido suscitada pela parte recorrente), afirma-se a respeito da suscitação da inconstitucionalidade, no ponto 3 da reclamação que 'como o recorrente explicitou, categoricamente, no requerimento apresentado no colendo Tribunal ad quem em 16.02.01, logo nas alegações que em
03.07.1996 apresentou no S.T.A. (§ 12) alegou que o S.T.A. não entendera que os dois fundamentos do direito de reversão previstos no n° 1 do art. 5° do citado Código (C.E.) são independentes e autónomos, não sendo a sua verificação de natureza cumulativa' (itálico aditado), e que deste entendimento dado à norma do n.° l do artigo 5° do C.E. adveio 'o cerceamento do direito à reversão de bens', e, 'consequentemente, a transgressão do direito à propriedade privada (art. 62° da Lei Fundamental)'. Nesse § 12 das referidas alegações, porém, lê-se o seguinte:
'De outra via, na decisão em apreço não se tem em consideração que os dois fundamentos do direito de reversão previstos no n.º 1 do art.º 5º do C.E. são independentes e que a sua verificação não é cumulativa. Na verdade, existirá direito de reversão tanto no caso de o bem expropriado não ter sido aplicado ao fim que determinou a expropriação no prazo de dois anos após a adjudicação como no caso de aquela aplicação ter cessado. Ao negar o direito de reversão só por não ter ainda decorrido o prazo de dois anos após a adjudicação do bem ao fim que determinou a expropriação previsto na
1ª parte do n.º 1 do art.º 5º do C.E., sem indagar se havia cessado aquela aplicação, a douta decisão recorrida parece partir do pressuposto de que basta uma das circunstâncias não se verificar para não haver direito de reversão. Ora, tal raciocínio viola frontalmente o disposto no n.º 1 do artº 5 do CE, porque para existir direito de reversão basta verificar-se uma das circunstâncias ali previstas.' Ou seja, e como se salientou na decisão em apreciação, o recorrente, 'não obstante sustentar que os dois fundamentos para o direito de reversão não são de aplicação cumulativa, [não] impugnou, por inconstitucionalidade, um entendimento contrário (cfr. a peça de fls. 108 a 130 dos autos)'. E esta impugnação também não ocorreu, nem no n.º 9, nem na conclusão 12ª, nem na conclusão 13ª, nem em qualquer outro ponto das alegações produzidas perante o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo. Antes se verifica que a única questão de constitucionalidade normativa com que o Supremo Tribunal Administrativo foi confrontado dizia respeito à 'interpretação que leve a contar o prazo de dois anos do n.º 1 do artº 5º do CE a partir da data da entrada em vigor do actual CE e o prazo previsto no n.º 4, al. a) da adjudicação', acusada de ofender 'o Princípio da Igualdade e o Direito de Propriedade, constitucionalmente consagrados nos artºs 13º e 62º da CRP, respectivamente' (conclusão 18ª do recurso para o Pleno da Secção, a fls. 128 e
129 dos autos). Ou seja: uma questão de constitucionalidade que se reporta a uma outra dimensão interpretativa do artigo 5º, n.º 1 do Código das Expropriações – não relativa à exigência cumulativa dos dois fundamentos do direito de reversão, mas, antes, ao dies a quo da contagem do prazo de dois anos, para surgimento do direito de reversão. E, por conseguinte, como se salientou na decisão reclamada, não é de surpreender
'que o Supremo Tribunal Administrativo, no seu acórdão de 29 de Abril de 1998, se não tenha debruçado sobre a conformidade constitucional do entendimento segundo o qual os dois fundamentos do direito de reversão são cumulativos, mas apenas sobre o relativo à contagem do prazo de dois anos para surgimento do direito de reversão, previsto no n.º 1 do artigo 5º do Código das Expropriações
(fls. 175 e segs. dos autos)'.
7. Não se verificando a suscitação por parte do recorrente, perante o tribunal a quo, da inconstitucionalidade do artigo 5º, n.º 1, do Código das Expropriações, no entendimento que pretendia ver apreciado no recurso de constitucionalidade (o de que os fundamentos do direito de reversão nele previstos são cumulativos, estava o Tribunal Constitucional impossibilitado de tomar conhecimento de tal recurso. Pelo que a decisão reclamada deve ser confirmada. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão reclamada de não conhecimento do recurso. Custas pelos reclamantes, com 15 ( quinze ) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 24 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa