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Processo n.º 623/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Notificado do Acórdão n.º 17/2013, que indeferiu a reclamação que apresentou, veio o recorrente A. solicitar o seu “esclarecimento”, nos seguintes termos:
“1. Sem embargo de se reconhecer que o douto Acórdão cujo esclarecimento se vem pedir é juridicamente muito bem elaborado, não pode o recorrente deixar de suscitar dois aspetos cuja clareza não lhe permite discernir as razões deste mui douto Tribunal.
2. Como bem tem decidido o STJ as decisões judiciais mais do que imposições devem convencer os cidadãos que ao recorrerem a Tribunal, querem acima de tudo, que se faça JUSTIÇA.
3. É por esta circunstância – e que de resto tem vasto enquadramento legal (artº 265º; 265º-A; 266º; 660º, nº 2 do Cod. Proc. Civil e 205º, nº 2 da constituição) que, apesar da qualidade técnica ínsita ao douto Acórdão urge solicitar alguns esclarecimentos, em prol dos invocados princípios e fins do Direito:
4. Da análise cuidada e atenta do douto Acórdão fica no recorrente a ideia, porventura deficiente, de que o seu Recurso decaiu porque, na esteira do parecer do digno Procurador, o recorrente não conseguiu que ocorresse uma coincidência entre a dimensão normativa suscitada durante o processo, a aplicada na decisão recorrida e a enunciada no requerimento para o recurso que lhe fixa o objeto;
5. Ora, salvo sempre o devido respeito que é muito, o recorrente insiste na convicção de que, desde o primeiro momento, questionou a dimensão interpretativa em sede constitucional do nº 2 do artº 57º do Cód. Penal que possibilita a suspensão sem limite de tempo de processo de revogação de suspensão de pena pela existência de um outro processo crime e até que nele seja proferida decisão transitada porque tal afronta diretamente quer presunção de inocência quer o “in dubio pro reu”.
6. Ainda que se aceite o que os Excelentíssimos Senhores Conselheiros referem nos pontos 7 e 8 do capítulo II (fundamentação) do douto Acórdão e apesar de, face a tal doutrina, vir à memória do arguido o Acórdão do STJ proferido no Proc. 742/98 – 3º SASTJ, nº 27, 80 que já invocou na Reclamação fica por esclarecer, e isto depois da leitura cuidada do douto Acórdão, qual o erro de forma no caso dos autos.
7. Num primeiro momento parece que o Tribunal Constitucional põe em confronto as expressões processo em investigação contra o arguido com a expressão existência de um qualquer processo crime, extraindo deste confronto meramente linguístico consequências em sede de formalismo pois vem a concluir que essas expressões usadas pelo recorrente não têm eco nas decisões então impugnadas que se basearam em concreto em processo crime pendente que PODE determinar a revogação da suspensão da pena aplicada. Mas não é o mesmo?
8. O que o recorrente discute é a incerteza e aleatoriedade da suspensão da revogação da execução da pena até ao trânsito em julgado da decisão do processo pendente, isto é:
9. Durante todo o tempo que tal processo possa durar.
10. Esta dimensão interpretativa em termos de tempo/prazo é que o recorrente entende, porque incerta e aleatória, violar claramente os princípios constitucionais da presunção de inocência, equidade, celeridade e certeza jurídicas.
11. E isto foi questionado desde o primeiro momento, facto que este douto Tribunal Constitucional até notou quando refere a conclusão 9º das Alegações para o Tribunal da Relação.
12. O que está e estava em causa é necessariamente a falta de delimitação para tal incidente de suspensão, refira-se-lhe na forma que o for, é esta a questão e, salvo o devido respeito, parece que o Tribunal Constitucional o percebeu perfeitamente.
13. E esta perceção – o que é contraditório – resulta sobretudo da própria decisão de não admissão do recurso pois, deveria ter o Recurso como objeto a suspensão do incidente sem dia certo ao invés do que deduzido foi com a formulação por todo o tempo que pende um processo crime;
14. É a própria fundamentação da decisão que mostra ter o Tribunal Constitucional percebida qual a questão que lhe estava a ser colocada pois, para negar o recurso infirma o que foi escrito contrapondo-lhe o que devia ter sido.
15. E esta convicção do recorrente sai reforçada da leitura dos doutos pontos 9.1 e 9.2 do douto Acórdão que expressam claramente o alcance do que se pretendia com o recurso e que o Tribunal percebeu.
16. O que se pretende seja esclarecido é o motivo porque tendo o Tribunal Constitucional percebido o objeto do recurso – condição mínima para o julgar formalmente inadequado – veio a persistir na invocação da falta de dedução específica dele perante a Relação (ponto 8 do douto Acórdão) quando é certo que, em rigor, só no recurso da decisão da Relação tal questão pode ser aflorada especificamente.
17. E, no seu Recurso para o Tribunal da Relação referir-se-lhes por forma a que, no Relatório do Acórdão desse Tribunal se lhe fizesse menção expressa (vide fls. 1 do dito douto Acórdão da Relação).
18. Ao recorrente não pode imputar-se qualquer responsabilidade no facto de a Veneranda Relação no seu Acórdão não ter tomado posição concreta sobre c questão de constitucionalidade que lhe foi apresentada – o que é nulidade – pois, reconduziu toda a alegação do recorrente à frase:
“De tudo resulta que não se mostram violados quaisquer disposições legais, mormente as assinaladas pelo recorrente (...)” (Acórdão da Relação fls. 3).
19. O insucesso formal do Recurso para o Tribunal Constitucional parece assentar não tanto na falta de alegação concreta desde o primeiro momento processualmente adequado mas, afinal, ao ostracismo e que o Tribunal da Relação votou tal alegação.
20. Tivesse o Tribunal da Relação, como devia, proferido pronuncia sobre a invocada inconstitucionalidade da decisão da Comarca e, muito provavelmente, o Tribunal Constitucional julgaria preenchido o ónus da suscitação atempada e processualmente adequada, isto é;
21. Importa que o Tribunal Constitucional também esclareça o enquadramento no contexto cronológico destes autos que teve o Acórdão da Relação ao ser omisso em sede da questão de constitucionalidade que lhe foi posta, já que tal omissão de pronuncia (do Tribunal da Relação) que não se crê negligente, veio, afinal, a por em questão a necessária continuidade de reexame da questão por este Tribunal.
Conclusões:
Nos termos expostos e nos mais que os Meritíssimos Juízes Conselheiros venham a suprir requer respeitosamente a v. Exas. se digne proceder cos esclarecimentos solicitados porque importantes em sede do que sempre se pede e espera JUSTIÇA.”
2. O Ministério Público tomou posição pelo indeferimento do pedido de aclaração
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. Pese embora o requerente não utilize esse nomen juris, o pedido de esclarecimento formulado reconduz-se ao instituto típico da aclaração, nos termos previstos na alínea a), do n.º 1 do artigo 669.º e no n.º2 do artigo 666.º, ambos do Código de Processo Civil, aqui aplicáveis por força do artigo 69.º, da Lei 28/82, de 15/11.
Apenas nesses termos e limites pode o Tribunal emitir pronúncia fundada na necessidade de esclarecimento do julgado, pelo que não encontra pertinência a invocação do princípio da cooperação (artigo 266.º do CPC), nem o princípio da adequação formal (artigo 265.ºA do CPC), ou dos poderes de direção do processo (artigo 265.º do CPC). Como igualmente o dever de pronúncia estabelecido no n.º 2 do artigo 660.º do CPC, carece de ser entendido de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 666.º do mesmo código, ou seja, proferida a sentença – neste caso acórdão - fica esgotado o poder jurisdicional do Tribunal sobre o mérito da causa, sendo-lhe apenas lícito retificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na decisão ou reformá-la.
4. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º, da Lei 28/82, de 15/11, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
A razão de ser da norma encontra-se em que, colocada uma questão a dirimir, a decisão que a resolve não deve deixar dúvidas sobre o seu enunciado e alcance. A aclaração será apenas devida, então, ante a obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
Ocorre obscuridade da decisão quando o seu sentido, em todo ou em parte, for ininteligível, confuso ou de difícil interpretação, ou seja, quando o enunciado não permite descortinar e apreender inequivocamente o que o Tribunal quis dizer.
Por seu turno, a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no segmento considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
5. Percorrendo o pedido de “esclarecimento” em apreço, verifica-se que o recorrente não aponta à decisão qualquer obscuridade ou ambiguidade.
Pretende, sim, discutir a bondade dos seus fundamentos – e as pretéritas contradições que nele encontra – de forma a assegurar, como diz no final, “a necessária continuidade do reexame da questão por este Tribunal”.
O que, como se disse, não é consentido, em virtude do esgotamento do poder jurisdicional.
6. Em suma, porque o n.º 1 do artigo 669º, do Código de Processo Civil, permite tão somente obter o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade que a decisão contenha nos seus termos, e não pode ser utilizado para discutir a bondade da decisão, como aqui pretendido pelo recorrente, cumpre indeferir o pedido.
III. Decisão
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o esclarecimento peticionado pelo recorrente A..
8, Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Notifique.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.