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Processo n.º 753/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A., Lda e B. reclamaram, em 17 de setembro de 2012 (fls. 138 a 158), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, em 18 de julho de 2012 (fls. 134 a 136), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 20 de fevereiro de 2012 (fls. 129 a 131), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade normativa.
2. A reclamação deduzida pode sintetizar-se do seguinte modo:
«(…)
12.°
No Requerimento de interposição de Recurso, aludido no artigo precedente, devidamente acompanhado da Motivação e Conclusões, as Arguidas suscitaram as questões de inconstitucionalidade que pretendem ver apreciadas por este Colendo Tribunal Constitucional, a saber:
- A questão da inconstitucionalidade dos artigos 281.°, 287.°, nº 3 e 307.°, nº 2, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do requerimento de suspensão provisória do processo apresentado por arguido acusado da prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido peio artigo 103.°, nº 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, dentro do prazo de vinte dias previsto no artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, em requerimento dirigido, por lapso, ao Ministério Público, lapso que foi corrigido através do envio de requerimento, fora do prazo de vinte dias previsto no referido artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, dirigido ao Juiz de Instrução, tendo a suspensão do processo como fundamento a celebração de acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento tenha dado origem ao processo-crime cuja suspensão provisória tinha sido requerida; e
- A questão da inconstitucionalidade dos artigos 281.° e 282.°, n.ºs 1 e 5, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar do pedido de suspensão provisória do processo apresentado pelo arguido acusado pela prática de crime fiscal, por um período de trinta e seis meses (correspondente ao prazo pelo qual foi celebrado acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento deu origem ao processo-crime no âmbito do qual o arguido foi acusado), sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento fundada apenas e só no argumento de o prazo máximo de suspensão provisória do processo ser de vinte e quatro meses.
13.°
Salvo o devido respeito pelo douto entendimento defendido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz Desembargador Relator da 4ª Secção do Venerando Tribunal da Relação do Porto, consideram as Arguidas que as questões de inconstitucionalidade que pretendem ver apreciadas foram tempestiva e corretamente suscitadas no único momento e peça processual em que podiam e deviam sê-lo.
14.°
Era impossível que na única peça processual que as Arguidas apresentaram junto do Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, a saber: o Requerimento de suspensão provisória do processo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 281.° do Código de Processo Penai, tivessem já suscitado as questões de inconstitucionalidade que só surgem quando o referido Senhor Dr. Juiz de Instrução profere o douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos indeferindo o Requerimento apresentado pelas Arguidas.
15.°
Tão-pouco tinham as Arguidas qualquer mecanismo processual para reagir ao douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos proferido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, a não ser a interposição de recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto.
16.°
Note-se resultar manifestamente improcedente o recurso aos institutos previstos nos artigos 379.° e 380.°, ambos Código de Processo Penal como forma de reação ao aludido douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos.
Portanto,
17.°
Era apenas e só no Requerimento de interposição de Recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, devidamente acompanhado da Motivação e Conclusões, que as Arguidas poderiam suscitar as questões de inconstitucionalidade que pretendiam (e pretendem) ver apreciadas por este Colendo Tribunal Constitucional.
Acresce,
18.°
Prescreve o artigo 70.°, n.º 1, alínea b) da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional:
nº 1- Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
19.º
Em lado algum estabelece o preceito que a questão da inconstitucionalidade tenha sido forçosamente suscitada perante o Tribunal de1ª Instância, o que, in casu, equivaleria por dizer perante o Juiz de Instrução Criminal, sendo inúmeros os casos em que as partes interessadas suscitam questões de inconstitucionalidade junto de tribunais de recurso.
Sem prescindir,
20.°
Entendeu-se na 2ª Secção deste Colendo Tribunal Constitucional em douto Acórdão com o n.º 669/2005 proferido, em 06 de dezembro de 2005, no âmbito do Processo nº 818/05, cujo teor, na parte em que interessa, aqui se transcreve:
“Tem, porém, o Tribunal Constitucional entendido que o referido requisito de suscitação da questão de ¡inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada, se considera dispensável em situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade, por a interpretação judicialmente acolhida ser inesperada, insólita ou anómala.
(…)
Finalmente,
21.°
Consideram as Arguidas que as questões de inconstitucionalidade suscitadas foram-no devida e suficientemente, permitindo-se, assim, discordar do douto entendimento defendido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz Desembargador da 4 Secção do Venerando Tribunal da Relação do Porto.
“De acordo com a mais elementar lógica jurídica e em respeito pelo princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tuteia jurisdicional efetiva, do direito a um processo equitativo e das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3. nº 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6. °, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, não poderá deixar de considerar-se que as Arguidas requereram a suspensão provisória do processo em 05 de abril de 2011,
Aconteceu apenas que por lapso da sua Mandatária, quem descurou que com a prolação do douto despacho de acusação e consequente encerramento da fase de ¡inquérito, tinha cessado a competência do Digníssimo Magistrado do Ministério do Público para se pronunciar sobre o Requerimento das Arguidas, o Requerimento em causa foi mal endereçado.
Ora, assim sendo,
Resulta contrário aos referidos princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, contrário ao direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, ao direito a um processo equitativo e às garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, que o Requerimento das Arguidas datado de 02 de maio de 2011, endereçado ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz com competência para a prática de atos no Processo, no qual foi integralmente reproduzido o Requerimento de 05 de abril de 2011, fosse ¡indeferido com fundamento em extemporaneidade.
Através desta causa de indeferimento liminar de requerimentos, petições ou outros pedidos, pretende-se penalizar os sujeitos processuais que, por desleixo ou outras razões (não importa quais), não pratiquem os atos processuais nos prazos legalmente previstos, não aqueles outros que, por lapso dos seus Mandatários, apresentando os Requerimentos que corporizem os ditos atos processuais dentro dos prazos legalmente previstos, enderecem erradamente os Requerimentos em causa.
(…)
Posto isto,
Não poderemos deixar de concluir que ao decidir no sentido que decorre do douto despacho objeto de recurso, incorreu o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução em erro de julgamento por errada aplicação e / ou interpretação dos artigos 281.°, 287.°, nº 3 e 307.°, n.º 2, todos do Código de Processo Penal e ainda por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é ¡inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, do direito a um processo equitativo e das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2. °, 3. °, n.º 2, 18. °, 20. °, 32.°e 202. ° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6. °, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.
Os artigos 281. °, 287. °, nº3 e 307. °, n.º 2, todos do Código de Processo Penal e qualquer outra norma legal que possa ter justificado a decisão do Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução no sentido do indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do Requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelas Arguidas, são inconstitucionais, quando interpretados em sentido que permita a adoção da decisão objeto de recurso, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, do direito a um processo equitativo e das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2. °, 3. °, nº 2, 18. 0, 20. °, 32. ° e 202.º da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6. °, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.
(...)
O terceiro erro de julgamento cometido no douto despacho objeto de recurso consistiu no entendimento de que o Requerimento das Arguidas de suspensão provisória do processo por um prazo de trinta e seis meses, devia ser, desde logo e sempre, indeferido, atenta a previsão do artigo 282.°, n.ºs 1 e 5 do Código de Processo Penal.
Ao decidir neste sentido, sem acautelar a prévia notificação das Arguidas para se pronunciarem quanto a intenção de indeferimento do seu Requerimento ao abrigo do dito argumento, concedendo-se-lhes a possibilidade de, querendo, propor à Administração Fiscal o encurtamento do prazo de pagamento da dívida exequenda para vinte e quatro meses e consequente reformulação do requerimento de suspensão provisória do processo por um período de dois anos, incorreu o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução em erro de julgamento por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, e ainda das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2. °, 3. °, nº 2, 18.°, 20.°, 32. °e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.°, n.o 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei nº 65/78, de 13 de outubro.
Apesar de não se conseguir descortinar ao abrigo de que normativo poderá o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução ter defendido o entendimento que decorre do douto despacho em crise e que ora se questiona, não poderá deixar de arguir-se, à cautela e desde logo, a inconstitucionalidade de qualquer norma legal eventualmente legitimante da decisão de indeferimento liminar dum pedido de suspensão provisória do processo por um prazo de trinta e seis meses sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento apenas e só com esse argumento, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, e ainda das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3.°, n.º 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6. °, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.
Seguidamente, as Arguidas teceram algumas considerações e transcreveram excertos de acertados textos de conceituados constitucionalistas dos quais podia extrair-se o sentido dos princípios e normas constitucionais que consideraram violados. Vejamos quais,
(…)» (fls. 141 a 155)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«(…)
7. Deste despacho reclamaram as arguidas para este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 138-157 dos autos), alegando, designadamente, que apenas por lapso apresentaram, ao magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância, o seu requerimento inicial de suspensão provisória do processo, que era, na realidade, dirigido ao Juiz de instrução.
Argumentam, por outro lado, que suscitaram as questões de constitucionalidade no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal da Relação do Porto e, por isso, as referidas questões «foram tempestiva e corretamente suscitadas no único momento e peça processual em que podiam e deviam sê-lo».
Apresentam, finalmente, exemplos de doutrina e jurisprudência relativas ao acesso aos tribunais, ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, enquanto princípios densificadores do princípio do Estado de Direito democrático.
8. Não pode deixar de reconhecer-se razão às ora reclamantes, quanto ao facto de as questões de constitucionalidade, que suscitaram perante o Tribunal da Relação do Porto, terem sido atempadamente apresentadas, perante o tribunal que tinha por função apreciá-las, e que, de facto, as apreciou – o mesmo Tribunal da Relação do Porto.
9. No entanto, também é certo que assiste razão ao Ilustre Desembargador Relator, quanto ao facto de o recurso de constitucionalidade interposto se apresentar, pelo menos no que respeita à segunda questão de constitucionalidade, como manifestamente infundado.
Não estamos, com efeito, no âmbito de atuação do Código de Procedimento Administrativo (cfr. por exemplo, os arts. 8º, 59º, 61º, 100º a 103º deste Código), mas no âmbito de um processo-crime, em que a atuação dos intervenientes processuais se encontra devidamente plasmada no Código de Processo Penal.
Não faz, assim, nenhum sentido, pretender que se deveria conceder ao arguido “a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento fundada apenas e só no argumento de o prazo máximo de suspensão provisória do processo ser de vinte e quatro meses».
Desde logo, o argumento do digno magistrado judicial não foi apenas esse.
Depois, a sua decisão, quer ouvisse, quer não, as arguidas, teria de ser exatamente a mesma, ou seja, o indeferimento da respetiva pretensão.
A reclamação apresentada, quanto a este fundamento, não merece, pois, prosseguir.
10. Por outro lado, a primeira questão de constitucionalidade, colocada à apreciação deste Tribunal Constitucional, não integra, na dimensão apresentada, a ratio decidendi nem do acórdão recorrido, nem do despacho de 1ª instância que determinou a interposição de recurso, por parte das arguidas.
11. Com efeito, se se atentar nos factos referentes aos presentes autos, temos que a acusação do Ministério Público se considera notificada às arguidas em 22 de março de 2011, nos termos do art. 113º, nº 3 do Código de Processo Penal.
Por requerimento interposto em 23 de março de 2011, as arguidas requereram, ao Ministério Público, a suspensão provisória do processo, tendo tal requerimento sido indeferido por despacho de 14 de abril de 2011.
Ora, na altura, o Ministério Público era, efetivamente, a entidade destinatária do referido requerimento, pelo que não houve qualquer lapso na apresentação deste.
12. Mais tarde, no entanto, ao aperceberem-se que o Juiz de Instrução poderia ter igualmente competência nesta matéria, as arguidas formularam novo requerimento de suspensão provisória do processo, em 4 de maio de 2011, que continuaram, porém, a dirigir ao Procurador da República.
Mas fizeram-no já excessivamente tarde, tendo o Juiz de Instrução considerado, por isso, que “o requerimento das arguidas de fls. 245 a 250, foi apresentado fora do prazo perentório previsto no nº 1 a) do art. 287º do C.P.P. (…) que no caso dos autos, terminou em 11 de abril de 2011, sendo ainda possível fazê-lo até ao dia 14/4/2011, nos termos previstos no art. 107º-A do C.P.P.”.
O motivo de rejeição do requerimento foi, pois, desde logo, a sua extemporaneidade, dado que o prazo para a apresentação deste requerimento tinha terminado em 14 de abril de 2011, sendo certo, por outro lado, que “não seria possível deferir a requerida suspensão provisória do processo pelo período de 36 meses peticionado pelas arguidas, em face do disposto no art. 282º nº 1 e 5 do C.P.P.”.
A questão do eventual lapso na apresentação do requerimento inicial, ao Ministério Público, só surge, assim, como forma habilidosa de tentar “emendar a mão” quanto à entrega, já fora do prazo, do requerimento de suspensão provisória do processo ao Juiz de Instrução.
13. Nessa medida, a dimensão normativa da primeira questão de constitucionalidade, que as arguidas submetem à apreciação deste Tribunal Constitucional, não integra a ratio decidendi do Acórdão recorrido, que assentou, além do mais, num duplo fundamento: por um lado, a extemporaneidade do requerimento de suspensão provisória do processo, apresentado pelas arguidas; por outro, a sua inadmissibilidade legal.
14. Crê-se, pois, que a presente reclamação não deverá ser atendida por este Tribunal Constitucional.» (fls. 165 a 174)
4. Face ao teor do parecer produzido, a Relatora convidou as reclamantes, por despacho proferido em 20 de novembro de 2012 (fls. 176), para que se pronunciassem sobre os novos fundamentos de não conhecimento do objeto do recurso. Respondendo ao convite, vieram as mesmas aduzir o seguinte:
«I. Quanto à primeira e terceira questões.
1.º
Em 16 de março de 2011, as Reclamantes foram notificadas da douta acusação pública contra elas deduzida pelo Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia.
2.º
Em 05 de abril de 2011, dentro do prazo de vinte dias a contar da notificação do referido douto despacho de acusação, as Reclamantes dirigiram ao Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Seção dos Serviços do Ministério Público Vila Nova de Gaia, Requerimento de suspensão provisória do processo por considerar que no caso dos autos se verificavam os condicionalismos dos quais o argo 281.° do Código de Processo Penal faz depender a aplicação do instituto.
3.º
Na sequência da apresentação desse Requerimento, foi proferido, em 14 de abril de 2011, pelo Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, douto despacho com a referência eletrónica 13317602, através do qual foi indeferido o Requerimento das Reclamantes, por alegada falta de fundamento legal e ainda atendendo ao teor do douto despacho de acusação.
4.º
Notificada deste despacho, a Mandatária das Reclamantes, aqui signatária, apercebeu-se do lapso cometido no Requerimento apresentado em representação das suas Constituintes em 05 de abril de 2011 consistente tal lapso em ter endereçado o Requerimento em causa ao Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Seção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia em lugar de, ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução, ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito competente para a realização do julgamento.
5.º
No intuito de reparar este lapso, apenas a ela imputável, apresentou, em 02 de maio de 2011, Requerimento dirigido ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz com competência para a prática de atos no Processo, no qual reconhecia o lapso cometido, requeria que o mesmo fosse relevado e pedia que fosse apreciado e deferido o Requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelas Reclamantes.
6.º
Por douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos, o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, rejeitou, com fundamento em extemporaneidade, o aludido Requerimento apresentado pelas Reclamantes pugnando pela suspensão provisória do processo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 281.° do Código de Processo Penal, tendo sido ainda considerado que o dito Requerimento seria sempre indeferido pela impossibilidade de suspensão do processo pelo período de trinta e seis meses requerida pelas Reclamantes.
7.º
Uma atenta leitura do referido douto despacho de fis. 290 e 291 dos autos, proferido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, permite concluir, sem margem para dúvidas, que os fundamentos de rejeição do Requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelas ora Reclamantes foram:
a) A sua alegada extemporaneidade; e
b) A também alegada impossibilidade de suspensão do Processo pelo período de trinta e seis meses requerido pelas Reclamantes.
8.º
Do aludido douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos proferido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, foi interposto recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto, formulado nos termos o ao abrigo do disposto nos artigos 399.°, 400º a contraio, 401 .°, n.º 1 alínea b), 407.°, n.º 1 e n.º 2, alínea h), 406º, n.º 2 e 408.°, n.º 3, in fine, 41 l .°, n.º 1, alínea a) e 427.°, todos do Código de Processo Penal, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo da decisão recorrida.
9.º
No Requerimento de interposição de Recurso, aludido no artigo precedente, devidamente acompanhado da Motivação e Conclusões as Reclamantes suscitaram as questões de inconstitucionalidade que pretendiam (e pretendem) ver apreciadas por este Colendo Tribunal Constitucional, a saber:
- A questão da inconstitucionalidade dos argos 281°, 287.°, n.º e 307.°, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do requerimento de suspensão provisória do processo apresentado por arguido acusado da prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.°, n.º 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, dentro do prazo de vinte dias previsto no artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, em requerimento dirigido, por lapso, ao Ministério Público, lapso que foi corrigido através do envio de requerimento, fora do prazo de vinte dias previsto no referido artiga 287.°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, dirigido ao Juiz de Instrução, tendo a suspensão do processo como fundamento a celebração de acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos l 96.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento tenha dado origem ao processo-crime cuja suspensão provisória tinha sido requerida; e
- A questão da inconstitucionalidade dos artigas 281.º e 282.º, n.ºs 1 e 5, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar do pedido de suspensão provisória do processo apresentado pelo arguido acusado pela prática de crime fiscal por um período de trinta e seis meses (correspondente ao prazo pelo qual foi celebrado acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento deu origem ao processo-crime no âmbito da qual o arguido foi acusado), sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento fundada apenas e só no argumento de o prazo máximo de suspensão provisória do processo ser de vinte e quatro meses.
10.º
Consideram as Reclamantes, e defenderam no Requerimento de interposição de Recurso, devidamente acompanhado da Motivação e Conclusões:
10.º.1. Não existir qualquer preceito do Código de Processo Penal que permita a defesa de tese no sentido de o arguido ter um prazo de apenas vinte dias, a contar da notificação do despacho de acusação, para requerer a suspensão provisória do processo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 281.° do Código de Processo Penal.
10.º.2. Em verdade, atendendo à finalidade do instituto jurídico em causa, e de acordo com a letra do referido artiga 281.° e do artigo 307.°, n.º 2, ambas da lei adjetiva penal, deve ser permitido aos arguidos requerer a suspensão provisória do processo enquanto não for realizado o julgamento, podendo este requerimento, em dependência da fase processual em que se encone o Processo ser dirigido ou ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público, ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito competente para a realização do julgamento.
10.º.3. Que já em 05 de abril de 2011 tinham requerido a suspensão provisória do processo.
Recorda-se que:
10.º.3.1. Em 05 de abril de 2011, dentro do prazo de vinte dias a contar da notificação do douto despacho de acusação, as Reclamantes dirigiram ao Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, Requerimento com essa finalidade, ou seja, no intuito de que fosse ordenada a suspensão provisória do processo por considerar que no caso dos autos verificavam-se os condicionalismos dos quais o artigo 281.° do Código de Processo Penal faz depender a aplicação do instituto.
10.º.3.2. Na sequência da apresentação desse Requerimento, foi proferido, em 14 de abril de 2011, pelo Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, douto despacho com a referência eletrónica 13317602, através do qual foi indeferido o Requerimento das Reclamantes, por alegada falta de fundamento legal e ainda atendendo ao teor do douto despacho de acusação.
10.º.3.3. Notificada deste despacho, a Mandatária das Reclamantes, aqui signatária, apercebeu-se do lapso cometido no Requerimento apresentado em representação das suas Constituintes em 05 de abril de 2011 consistente tal lapso em ter endereçado o Requerimento em causa ao Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia em lugar de, ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução, ou ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito competente para a realização do julgamento.
10.°.3.4. No intuito de reparar este lapso, apenas a ela imputável, apresentou em 02 de maio de 2011 (e não em 04 de maio de 2011), Requerimento dirigido ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz com competência para a prática de atos no Processo, no qual reconhecia o lapso cometido, requeria que o mesmo fosse relevado e pedia que fosse apreciado e deferido o Requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelas Reclamantes.
10.º.4. De acordo com a mais elementar lógica jurídica e em respeito pelo princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso aa Direito e à tutela jurisdicional efetiva, do direito a um processo equitativo e das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3.°, n.º 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.°, n.º l da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro, no poderá deixar de entender-se que as Reclamantes requereram a suspensão provisória do processo em 05 de abril de 2011,
10.º.5. Aconteceu apenas que por lapso da sua Mandatária, quem descurou que com a prolação do douto despacho de acusação e consequente encerramento da fase de inquérito, tinha cessado a competência do Digníssimo Magistrado do Ministério do Público para se pronunciar sobre o Requerimento das Reclamantes, o Requerimento em causa foi mal endereçado.
Ora, assim sendo,
10.º.6. Resulta contrário aos referidos princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, contrário ao direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e á tutela jurisdicional efetiva, ao direito a um processo equitativo e às garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, que o Requerimento das Reclamantes datado de 02 de maio de 2011, endereçado ao Meritíssimo Senhor Dr. Juiz com competência para a prática de atos no Processo, no qual foi integralmente reproduzido o Requerimento de 05 de abril de 2011, fosse indeferido com fundamento em extemporaneidade.
10.°.7. Através desta causa de indeferimento liminar de requerimentos, petições ou outros pedidos, pretende-se penalizar os sujeitos processuais que por desleixo ou outras razões (não importa quais), não pratiquem os atos processuais nos prazos legalmente previstos, não aqueles outros que, por lapso dos seus Mandatários, apresentando os Requerimentos que corporizem os ditos atos processuais dentro dos prazos legalmente previstos, enderecem erradamente os Requerimentos em causa.
10.°8. Na sequência da apresentação do Requerimento das Reclamantes de 05 de abril de 2011, o Exmo. Senhor Procurador da República da 4ª Secção dos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, que devia saber não lhe assistir competência para a apreciação e decisão do pedido formulado no Requerimento em questão, devia ter assumido uma de duas atitudes, ou remeter diretamente o dito Requerimento à autoridade com competência para a sua apreciação, ou ordenar a notificação da Mandatária das Reclamantes para reparar o lapso cometido requerendo que o Requerimento em causa, tempestivamente apresentado, fosse dirigido à autoridade competente para a sua apreciação, nunca se tendo pronunciado sobre o pedido das Reclamantes, indeferindo-o;
10°.9. Não o tendo feito, e tendo a Mandatária das Reclamantes reparado o lapso em que incorreu, não podia o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução indeferir desde logo, o Requerimento datado de 02 de maio de 2011, com o fundamento de ter sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 287.°, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, com total desconsideração do ato processual praticado pelas Reclamantes em 05 de abril de 2011.
10.º.10. Caso o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução entendesse que a suspenso provisória do processo não podia ser deferida pelo prazo de trinta e seis meses requerido pelas Reclamantes, devia - em respeito pelo principio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, e ainda das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3.°, n.º 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.º da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.°, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65178, de 13 de outubro - ordenar a prévia notificação das Reclamantes para se pronunciarem quanto a intenção de indeferimento do seu Requerimento ao abrigo do dito argumento, concedendo-se lhes a possibilidade de, querendo, propor à Administração Fiscal o encurtamento do prazo de pagamento da dívida exequenda para vinte e quatro meses e consequente reformulação do requerimento de suspensão provisória do processo por um período de dois anos.
11.º
Por tudo o exposto, não pode concordar-se com o entendimento de que exista falta de identidade normativa entre as interpretações normativas identificadas pelas Reclamantes nos pontos I. e 2. do Requerimento de interposição de Recurso e as interpretações normativas efetivamente aplicadas no supra referido douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos proferido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
12.º
As questões cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelas Reclamantes e que estas pretendem ver apreciadas por este Colendo Tribunal Constitucional prendem-se clara e inquestionavelmente com os fundamentos que motivaram a prolação do douto despacho de fls. 290 e 291 dos autos proferido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto.
13.º
O mesmo se diga quanto ao douto Acórdão de 01 de fevereiro de 2012, proferido na 4ª Secção do Venerando Tribunal da Relação do Porto.
II. Quanto à segunda questão
14.°
Sem prejuízo do que já se deixou supra exposto sobre esta matéria, consideram as Reclamantes se, discutível que a previsão do artigo 282.°, n.ºs e 5 do Código de Processo Penal obrigue a perfilhar o entendimento de que a suspensão provisória do processo, fora dos casos previstos no referido n.º 5, apenas possa protelar-se por um prazo de vinte e quatro meses.
15.°
Atendendo às finalidades da instituto da suspensão provisória do processo, entende-se que, de verificar- se os condicionalismos dos quais o artigo 281.° do Código de Processo Penal faz depender a sua aplicação, poderá o aplicador da lei, realizar uma interpretação no restritiva e apenas literal da mesma e decidir pela suspensão par período superior a vinte e quatro meses se as atipicidades do caso concreto o justificarem, como consideram as Reclamantes que devia ter acontecido in casu.
Em todo caso,
16.°
Mesmo que assim não se entendesse, não devia o invocado fundamento defendido pelo Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução do 3° Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, confirmado na 4ª Secção do Venerando Tribunal da Relação do Porto, ter determinado o indeferimento liminar do pedido de suspensão provisória do processo, devendo antes ter sido ordenada a prévia notificação das Reclamantes para se pronunciarem quanto a intenção de indeferimento do seu Requerimento ao abrigo do dito argumento, concedendo-se-lhes a possibilidade de, querendo, propor à Administração Fiscal o encurtamento do prazo de pagamento da divida exequenda para vinte e quatro meses e consequente reformulação do requerimento de suspensão provisória do processo por um período de dois anos.
Quer parecer às Reclamantes ser esta a solução mais consentânea com as garantias que o legislador quis atribuir aos arguidos com a consagração do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direita e à tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, dos princípios do contraditório e da igualdade, e ainda das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3.°, n.º 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.°, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.
Quanto ao mais, conclui-se como na Reclamação apresentada par este Colendo Tribunal Constitucional, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 76.°, n.º 4 e 77.°, ambos da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.» (fls. 189 a 197)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Importa começar por notar que assiste plena razão às reclamantes quanto à decidida falta de suscitação processualmente adequada das questões de inconstitucionalidade normativa que pretendiam ver agora apreciadas pelo Tribunal Constitucional, a saber:
i) “A questão da inconstitucionalidade dos artigos 281.°, 287.°, nº 3 e 307.°, nº 2, todos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do requerimento de suspensão provisória do processo apresentado por arguido acusado da prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido peio artigo 103.°, nº 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, dentro do prazo de vinte dias previsto no artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, em requerimento dirigido, por lapso, ao Ministério Público, lapso que foi corrigido através do envio de requerimento, fora do prazo de vinte dias previsto no referido artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, dirigido ao Juiz de Instrução, tendo a suspensão do processo como fundamento a celebração de acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento tenha dado origem ao processo-crime cuja suspensão provisória tinha sido requerida; e ;
ii) “A questão da inconstitucionalidade dos artigos 281.° e 282.°, n.ºs 1 e 5, ambos do Código de Processo Penal, quando interpretados em sentido que permita o indeferimento liminar do pedido de suspensão provisória do processo apresentado pelo arguido acusado pela prática de crime fiscal, por um período de trinta e seis meses (correspondente ao prazo pelo qual foi celebrado acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento deu origem ao processo-crime no âmbito do qual o arguido foi acusado), sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento fundada apenas e só no argumento de o prazo máximo de suspensão provisória do processo ser de vinte e quatro meses.”
Em primeiro lugar, não existe qualquer ónus processual de prévia suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal de primeira instância, desde que, por força do mecanismo de recurso aplicável ao caso concreto, ainda seja possível conhecer dessa decisão, por parte de um tribunal de recurso. Assim sendo, cabe apenas à parte processual interessada ponderar se a suscitação da questão de inconstitucionalidade deve ter lugar logo perante o tribunal de primeira instância ou apenas perante o tribunal de recurso.
Em segundo lugar, acresce que, nos autos recorridos, a única intervenção processual das recorrentes perante o tribunal de primeira instância limitou-se ao requerimento de suspensão provisória do processo que – como é óbvio e forçoso, por via da sequência cronológica necessária a uma correta tramitação processual – foi deduzido em momento anterior ao despacho que indeferiu essa suspensão provisória (fls. 290 e 291). Como tal, a suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa apenas era exigida após a prolação deste último, ou seja, em sede de requerimento de interposição de recurso ordinário para o Tribunal da Relação do Porto.
Em terceiro e último lugar, as recorrentes suscitaram, de modo a que o tribunal recorrido delas pudesse conhecer, as questões de inconstitucionalidade que agora pretendem ver apreciadas, em sede de motivações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto. Fizeram-no quanto à primeira interpretação normativa:
«Os artigos 281. °, 287. °, nº3 e 307. °, n.º 2, todos do Código de Processo Penal e qualquer outra norma legal que possa ter justificado a decisão do Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução no sentido do indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do Requerimento de suspensão provisória do processo apresentado pelas Arguidas, são inconstitucionais, quando interpretados em sentido que permita a adoção da decisão objeto de recurso, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, do direito a um processo equitativo e das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2. °, 3. °, nº 2, 18. 0, 20. °, 32. ° e 202.º da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6. °, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.» (fls. 152)
E fizeram-no igualmente quanto à segunda interpretação normativa:
«Apesar de não se conseguir descortinar ao abrigo de que normativo poderá o Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Instrução ter defendido o entendimento que decorre do douto despacho em crise e que ora se questiona, não poderá deixar de arguir-se, à cautela e desde logo, a inconstitucionalidade de qualquer norma legal eventualmente legitimante da decisão de indeferimento liminar dum pedido de suspensão provisória do processo por um prazo de trinta e seis meses sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento apenas e só com esse argumento, por violação do princípio do Estado de Direito democrático e da proporcionalidade que lhe é inerente e, bem assim, do direito fundamental, do tipo direitos, liberdades e garantias, de acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, dos princípios da proibição da indefesa e do processo equitativo, subordinado a princípios e garantias fundamentais, como sejam os princípios do contraditório e da igualdade, e ainda das garantias que em sede de processo criminal são constitucionalmente reconhecidas aos arguidos, consagrados nos artigos 2.°, 3.°, n.º 2, 18.°, 20.°, 32.° e 202.° da Constituição da República Portuguesa e ainda no artigo 6.°, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada por Portugal através da Lei n.º 65/78, de 13 de outubro.» (fls. 155)
Em suma, as recorrentes colocaram, de modo tempestivo e perante o tribunal competente – i.e., o Tribunal da Relação do Porto –, as questões de inconstitucionalidade normativa que, mais tarde, pretenderam incluir como objeto do recurso de constitucionalidade cuja subida foi sustada, por despacho de rejeição proferido pelo Juiz-Relator junto daquele Tribunal. Dando-se por cumprido o ónus processual decorrente do artigo 72º, n.º 2, da LTC, ficaria assim comprometida a decisão ora reclamada.
6. Sucede porém que, conforme notou o Ministério Público, em sede de parecer exigido pelo n.º 2 do artigo 77º da LTC – que foi devidamente notificado às recorrentes, para que estas pudessem, como puderam, contestar os seus fundamentos –, subsistem outras razões que sempre imporiam a não admissão do recurso de constitucionalidade interposto. Ainda que não coincida com a fundamentação do despacho reclamado, a constatação do não preenchimento de outros pressupostos legalmente exigidos impede o conhecimento do objeto do presente recurso.
Começando pela primeira interpretação normativa, deve notar-se que a mesma não goza de uma identidade substantiva plena face à interpretação normativa que foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Com efeito, o modo como as reclamantes configuraram o objeto do recurso, quanto a esta parte, implicaria que as normas extraídas dos artigos 281º, 287º, n.º 3, e 307º, n.º 2, todos do CPP, tivessem sido interpretadas no sentido de sustentar “o indeferimento liminar, com fundamento em extemporaneidade, do requerimento de suspensão provisória do processo apresentado por arguido acusado da prática do crime de fraude fiscal, previsto e punido peio artigo 103.°, nº 1, alínea a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, dentro do prazo de vinte dias previsto no artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, em requerimento dirigido, por lapso, ao Ministério Público, lapso que foi corrigido através do envio de requerimento, fora do prazo de vinte dias previsto no referido artigo 287.°, n.° 1, alínea a) do Código de Processo Penal, dirigido ao Juiz de Instrução (…)”. Como é evidente, tal interpretação normativa pressuporia que o referido requerimento de suspensão provisória tivesse sido deduzido dentro do prazo legal fixado pelo artigo 287º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Ora, a decisão recorrida nunca sufragou este entendimento. Bem pelo contrário, antes entendeu que só poderia ser deduzido um pedido de suspensão provisória do processo dentro do prazo fixado para o requerimento da abertura de instrução. É que, com efeito, as recorrentes foram notificadas do despacho de acusação em 16 de março de 2011, tendo endereçado o pedido de suspensão provisória ao Ministério Público em 05 de abril de 2011. Porém, na medida em que o 307º, n.º 2, do CPP, apenas atribui competência para decidir sobre tal pedido ao juiz de instrução, as recorrentes endereçaram novo pedido em 02 de maio de 2011 ao juiz de instrução. Portanto, fora do prazo de 20 dias para requerer abertura de instrução. Perante esta conduta, o Tribunal da Relação entendeu que a suspensão provisória apenas poderia ter sido pedida dentro do prazo do requerimento de abertura de instrução, que já se encontrava esgotado à data do segundo requerimento.
Sucede que as recorrentes nem sequer abordam o tema, não incluindo qualquer referência à interpretação que, na realidade, constituiu o fulcro central da decisão recorrida: ou seja, a apresentação de um pedido de suspensão provisória fora do prazo legal para requerimento de abertura de instrução. Além disso, a primeira interpretação normativa funda-se ainda na constatação de que o requerimento só foi endereçado ao Ministério Público por mero lapso, enquanto o Tribunal da Relação do Porto nunca adotou tal interpretação, por ter entendido – juízo que não cabe ao Tribunal Constitucional corroborar ou infirmar – que não foi produzida prova cabal desse lapso.
Visto que o Tribunal Constitucional só pode conhecer, em sede de recurso, da inconstitucionalidade de questões normativas que correspondam, integralmente, à “ratio decidendi” acolhida pelos tribunais recorridos (cfr. artigo 79º-C da LTC), mais não resta que rejeitar o recurso interposto, sem necessidade de subida ao Tribunal Constitucional, por impossibilidade de conhecimento do seu objeto, quanto a esta parte.
Ainda a propósito da primeira interpretação normativa, deve notar-se que a decisão recorrida adotou uma fundamentação alternativa, que sempre conduziria ao indeferimento do pedido de suspensão provisória, independentemente da decisão que pudesse vir a tomar-se quanto à alegada inconstitucionalidade da interpretação normativa supra identificada. É que, se bem atentarmos na decisão recorrida, esta considera que o pedido de suspensão provisória do processo padece de inadmissibilidade legal, visto que não admite um prolongamento por 36 meses, tal como requerido pelas reclamantes. Deste modo, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar em sentido favorável às reclamantes, tal juízo positivo de inconstitucionalidade jamais se repercutiria sobre o sentido final da decisão recorrida, pois sempre persistiria um fundamento alternativo de indeferimento do pedido de suspensão provisória. Aliás, deve notar-se que as reclamantes nem sequer suscitaram a inconstitucionalidade dessa interpretação normativa – segundo a qual não seria possível reduzir o prazo de 36 meses para o prazo legalmente fixado em 24 meses –, nem tão pouco a incluíram no objeto do presente recurso.
Como tal, o recurso de constitucionalidade interposto também incorre numa incontornável falta de interesse processual, razão acrescida para obstar ao conhecimento do seu objeto.
7. Quanto à segunda interpretação normativa, importa reiterar que as reclamantes apenas atribuem uma inconstitucionalidade ao juízo interpretativo que conduziu a que não lhes fosse concedido um prazo para se pronunciarem sobre o indeferimento do pedido de suspensão provisória, com fundamento na circunstância de ter sido requerido um prazo de suspensão superior ao legalmente fixado. Frisa-se bem, porém, que as reclamantes apenas atacam o juízo acerca da sua não audição, mas nunca o juízo interpretativo segundo o qual um pedido de suspensão provisória do processo, por um prazo de 36 meses, não possa ser reduzido ao prazo máximo legalmente fixado de 24 meses.
Esta afirmação afigura-se decisiva. Isto porque, mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar inconstitucional a segunda interpretação normativa, a única consequência que desse juízo adviria seria a necessidade de prévia audição das reclamantes sobre a decisão de indeferimento do pedido de suspensão provisória. Porém, na medida em que aquelas não impugnaram a constitucionalidade do juízo interpretativo que norteou a decisão de fundo sobre a questão decidida – ou seja, a impossibilidade de redução do prazo de suspensão provisória requerido, para o prazo máximo legalmente previsto –, essa eventual decisão favorável a tomar pelo Tribunal Constitucional nunca seria apta a modificar o sentido da decisão recorrida, pois sempre subsistiria um fundamento alternativo.
Por conseguinte, por exclusiva opção das reclamantes, um eventual conhecimento acerca da inconstitucionalidade da segunda interpretação normativa também redundaria num ato jurisdicional inútil, pois não lograria alterar o sentido final da decisão já tomada pelo tribunal recorrido, o que implica igualmente o não conhecimento do objeto do recurso, quanto à segunda interpretação normativa.
Além disso, mesmo que assim não fosse – o que por mera exaustão de fundamentação se pondera –, a segunda interpretação normativa, nos termos da qual se permitiria “o indeferimento liminar do pedido de suspensão provisória do processo apresentado pelo arguido acusado pela prática de crime fiscal, por um período de trinta e seis meses (correspondente ao prazo pelo qual foi celebrado acordo de pagamento em prestações entre o arguido e a Administração Tributária, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 196.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para efeitos de liquidação do imposto cuja falta de pagamento deu origem ao processo-crime no âmbito do qual o arguido foi acusado), sem conceder-se antes ao arguido a possibilidade de se pronunciar quanto à intenção de indeferimento fundada apenas e só no argumento de o prazo máximo de suspensão provisória do processo ser de vinte e quatro meses”, nem sequer corresponde à dimensão normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida.
Desde logo porque a decisão recorrida não se limitou a afirmar, sem mais, que não se concedia às reclamantes a possibilidade de exercício de contraditório sobre o indeferimento fundado no pedido de suspensão por um prazo superior ao legalmente previsto. Pelo contrário, a decisão recorrida faz eco das próprias contra-alegações proferidas pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, que sustentara não haver violação do direito ao contraditório porque foram as reclamantes quem negociou o acordo de pagamento com a administração tributária pelo prazo de 36 meses, sabendo, à partida que o prazo máximo da suspensão provisória era de apenas 24 meses. Cabia-lhes assim ter antevisto a possibilidade de recusa e ter argumentado em sentido contrário quando requereram a suspensão provisória pelo prazo de 36 meses (fls. 120). Nesse sentido, a decisão recorrida considerou que a injunção a cumprir, em troca da suspensão provisória, ter sido proposta pelas reclamantes conduziria a que aquelas já tivessem tido oportunidade de exercer esse direito ao contraditório, no respetivo requerimento, pois foi sua a iniciativa de propor uma injunção cujo prazo de cumprimento – de 36 meses – era superior ao legalmente fixado – de 24 meses (cfr. fls. 123). Ora, em momento algum, as reclamantes fizeram refletir no objeto do presente recurso – no que diz respeito à segunda interpretação normativa – esta fundamentação interpretativa seguida pela decisão recorrida.
Como tal, também por este motivo acrescido, deveria ter-se concluído pela rejeição do recurso interposto, em função da manifesta ausência de identidade entre a segunda interpretação normativa e a interpretação normativa efetivamente acolhida pela decisão recorrida (cfr. artigo 79º-C da LTC).
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.