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Processo n.º 901/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 27/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao abrigo da qual foi interposto o presente recurso, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo, cabendo ao recorrente indicar tal norma no requerimento de interposição de recurso (artigo 75.º-A, n.º 1, segunda parte, da LTC).
1. Em cumprimento deste ónus, o recorrente começa por indicar o princípio “in dubio pro reo” e o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, quando interpretados no sentido em que os factos dados como provados e transcritos no douto Acórdão são suficientes para concluir que se encontram devidamente precisadas as circunstâncias modeladoras da atividade criminal do arguido.
É, porém, manifesto que não se pode tomar conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC). O recurso de constitucionalidade interposto não pode ter como objeto normas constitucionais. E tão-pouco pode ter como objeto princípios gerais de direito. A norma que pode ser objeto do recurso de constitucionalidade interposto tem de se reportar a determinado preceito legal.
2. De acordo com o requerimento de interposição do recurso, o recorrente pretende ainda a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, quando interpretada no sentido em que aos arguidos acusados pelos mesmos factos e pelo mesmo tipo de crime, produzida a mesma prova quanto a todos, sejam aplicadas penas manifestamente discrepantes em termos de medida da pena e possibilidade de suspensão da mesma, com base em discricionariedade, em situações meramente subjetivas, materialmente infundadas e à revelia de critérios de valor objetivos e constitucionalmente relevantes.
É, porém, manifesto que não se pode tomar conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC). O recurso de constitucionalidade interposto não pode ter como objeto normas constitucionais».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«Aquando da interposição do recurso, requereu o arguido que, após a admissão do recurso lhe seja concedido prazo para a apresentação das alegações, de acordo com o disposto no art.º 79º nº 1 e 2 da Lei 28/82 de 15.11.
E (seria) em sede de tais alegações que o arguido/recorrente explanaria a sua motivação para o que alega, bem como as normas violadas que implicam as inconstitucionalidades suscitadas.
A suscitada inconstitucionalidade do princípio “in dúbio pro reo” é um princípio geral de direito probatório invocado no restrito âmbito dos factos, fornecendo a dúvida ao julgador, não firmando a certeza bastante para condenar, por se estar no domínio da matéria de facto, não exerce qualquer sindicância ou poder de controle, mas já o faz, no controle que exerce sobre a legalidade dos meios de meios de prova usados – art. 125.º do CPP – e, particularmente, sempre que dos termos da sentença ressalta que tribunal decidiu contra o arguido ou só não concluiu em seu favor porque, do texto daquela, resulta que incorreu no vicio do erro notório da apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2. al. c), o que se suscitou.
Na verdade, é entendimento do recorrente que a Douta decisão recorrida enferma de violação dos preceitos constitucionais.
No que diz respeito ao princípio da igualdade, previsto na Constituição da República Portuguesa, tratando-se de um princípio constitucional, em que se assegura a todos os cidadãos o mesmo tratamento perante a lei, suscita-se a questão da inconstitucionalidade da interpretação da norma no sentido em que foi interpretada e aplicada a medida da pena, com violação do disposto no artº 71º e 40º do C.P.P.
Era em sede de alegações que o arguido iria expor a sua motivação e as normas violadas que levaram às suscitadas inconstitucionalidade.
O arguido tem o direito constitucional de apresentar a quem de direito – Venerando Tribunal Constitucional – a sua argumentação expressa nas alegações de recurso que pretende apresentar, sendo após essa apresentação e sucessiva análise, que se deve ter verificar se de deve tomar ou não conhecimento do objeto do recurso.
Salvo o devido respeito, decisão contrária, implica a violação dos direitos fundamentais do arguido previstos nos artigos 18º, n.º 2, 32º, n.º 1 e 8 e 34º n,º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, o que implica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Por essa razão e sempre como devido respeito por opinião contrária, tem o arguido, aqui reclamante, o direito de ver o recurso apresentado admitido e apreciado pela mais alta instância judicial do nosso País, devendo qualquer interpretação em sentido contrário, ser considerada inconstitucional».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu veio dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 27/2013, não se tomou conhecimento do recurso porque o recorrente, no requerimento, indicava como objeto do recurso normas constitucionais e princípios gerais de direito.
2º
Parece, pois, evidente, que não vem indicada “norma” que possa constituir objeto idóneo do recurso constitucional interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
A reclamação apresentada em nada abala os fundamentos da decisão reclamada, limitando-se o recorrente a insistir no que afirmou no requerimento e a adiantar que nas alegações que apresentasse explanaria a sua motivação para o que alegava.
4º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objeto do recurso, por o recorrente ter requerido a apreciação de normas constitucionais (dos artigos 13.º e 32.º, n.º 2, da Constituição, quando interpretados em determinado sentido) e do princípio “in dubio pro reo”.
O reclamante argumenta agora, invocando o artigo 79.º, n.ºs 1 e 2, da LTC, que em sede de alegações explanaria as normas violadas, sendo este o momento para verificar se se deve tomar ou não conhecimento do objeto do recurso. Sem qualquer razão.
De acordo com o artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC, do requerimento de interposição do recurso deve constar a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, correspondendo à não satisfação deste requisito decisão de indeferimento ou de não conhecimento do objeto do recurso (artigos 76.º, n.º 2, e 78.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC). Por outro lado, segundo o estatuído no artigo 78.º-A da LTC o relator pode, em exame preliminar, decidir-se pelo não conhecimento do objeto do recurso, proferindo decisão sumária, de harmonia com os poderes que são conferidos ao juiz a quem o recurso de apelação for distribuído (artigos 700.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil e 69.º da LTC). Devendo até dizer-se que a notificação para produzir alegações pressupõe um juízo prévio no sentido de nada obstar ao conhecimento do objeto do recurso, ou seja, ao julgamento da questão de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) posta no respetivo requerimento de interposição. Só assim se justificando que as partes sejam ouvidas, se, após a produção de alegações, se entender que não pode conhecer-se do objeto do recurso (artigos 704.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 69.º da LTC).
E não se vê como é que o acabado de expor pode acarretar a “violação dos direitos fundamentais do arguido previstos nos artigos 18º, n.º 2, 32º, n.º 1 e 8 e 34º n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, o que implica a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa». Tanto mais que o recorrente poderá sempre reclamar para a conferência da decisão sumária de não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC).
Em suma, reiterando que o recurso de constitucionalidade interposto não pode ter como objeto normas constitucionais e um princípio geral de processo penal sem qualquer suporte num preceito legal, há que confirmar a decisão que é objeto de reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de fevereiro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.