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Processo n.º 750/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial de Torres Vedras, em que é recorrente A. e recorrido o Instituto da Segurança Social, I.P., foi interposto recurso de constitucionalidade do despacho de 18 de maio de 2011 que indeferiu a reclamação da conta de custas elaborada nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro (adiante referido abreviadamente como “Código das Custas Judiciais”). O recurso foi interposto, a título principal, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”), com referência ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 255/2007, publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 101, de 25.5.2007, e, a título subsidiário, ao abrigo da alínea b) do mesmo número daquele preceito legal (cfr. fls. 114 e 115).
2. A ora recorrente requereu em 13 de abril de 2004 a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa ou redução parcial do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. Por decisão do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa foi o pedido por ela formulado indeferido, com fundamento na ausência de insuficiência económica. Inconformada, a ora recorrente interpôs recurso para o tribunal ora recorrido, que, por sentença de 16 de maio de 2005, negou provimento ao mesmo. No dispositivo da sentença pode ler-se o seguinte (fls. 86):
“Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, nos termos do art. 446.º, n.º 1, do CPC, atendendo-se, para esse efeito, ao valor da ação principal, nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. o), do CCJ”.
Uma vez elaborada a conta de custas n.º 987000013292011 de fls. 92, e com ela não se conformando, a ora recorrente, reclamou da mesma mediante requerimento que parcialmente se transcreve (fls. 98 e ss.):
“ […]
B - ERRO SOBRE O MONTANTE LIQUIDADO:
Independentemente da pessoa/parte a quem vier a ser imputada a responsabilidade pelas custas do incidente em causa, importa salientar que o montante liquidado não está correto, porquanto o art.º 6º n.º 1 al. o) do C.C.J. na versão introduzida pelo D.L. n.º 324/2003 de 27/12, (disposição para que a Mmª Juiz no douto despacho de fls. 86 remeteu), numa interpretação meramente literal como a que terá sido feita pelo Sr. Contador, ou seja com o sentido de que o valor do incidente de apoio judiciário, para efeitos de custas, é o valor da causa, conduz, sobretudo nas causas de elevado valor, como é a dos autos, (220.967,72 €) a situações de atribuição de um valor tributário desproporcionado em relação ao benefício económico que se pretende obter, constituindo assim um fator inibitório do direito de impugnação, e sendo, por esse motivo, inconstitucional por violação dos art.º 20.º n.º 1 conjugado com o art.º 18.º n.º 1 à ambos da Constituição da República Portuguesa.
Inconstitucionalidade aliás já repetidamente declarada conforme, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de número 255/2007 publicado no Diário da República II Série de 25/05/2007 e 43/2011 de 25/01/2011 disponível na página da internet do Tribunal Constitucional.
Acrescentando-se que a irracionalidade da referida disposição legal, quando interpretada com o sentido e alcance supra-referidos, resulta também de uma breve análise da sucessão de leis no tempo, relativamente à tributação do incidente de apoio judiciário.
Efetivamente, no regime imediatamente anterior ao C.C.J. aprovado pelo DL n.º 224-A/96 de 26/11, o incidente, (que então tramitava nos próprios autos) era tributado com base no valor da causa mas, não havendo oposição, como foi o caso, o valor das custas era reduzido a 1/8, conforme artigo 8º n.º 1 al. v) e art.º 43.º n.º 1 desse Código.
E, no regime atual – o atual R.C.J. aprovado pelo DL. 34/2008 de 26/02, o incidente é tributado nos termos do artigo 12º nº 1 al. a), ou seja com base no valor de 2.000,00 € ao que corresponde, em regra, custas no valor de metade de uma UC.
Ora, não se vislumbram razões conexionadas com a substância ou com a tramitação do incidente que possam justificar a sua tributação de forma tão exorbitante no período em que esteve em vigor o C.C.J. na versão aprovada pelo DL n.º 324/2003 de 27/2, quando comparada quer com o regime anterior quer com o posterior.
E temos assim mais uma achega para demonstrar a aberração que é a aplicação do art.º 6º n.º 1 al. o) do C.C.J., com a interpretação à letra, que se recusa.
Pelo contrário, deverá ser interpretado com o sentido de que a expressão “valor da causa” serve apenas como referência para, de forma indireta, determinar, através deste elemento, o valor das custas devidas em face do valor da ação principal, sendo o valor destas custas o que deve ser considerado para efeitos de tributação do incidente.
Tudo em perfeita conformidade com o entendimento perfilhado pelo Tribunal da Relação do Porto no seu acórdão de 07/10/2010 disponível em www.trp.pt, no qual se decidiu que o artigo 6º nº 1 al. o) deve ser interpretado com o sentido de que o valor do incidente para efeitos de custas será o benefício económico que através do pedido o requerente pretende alcançar, ou seja, o valor das custas devidas na ação principal, com o limite mínimo da alçada do Tribunal de lª instância.
Termos em que se requer a V. Exa.
a) […]
Ou
b) caso assim se não entenda, ordene a reformulação da referida conta, por forma a que a base de tributação seja o valor das custas da ação principal, ou seja o valor de 4.272,00 € referido no aludido despacho de fls. 80 a 86, visto ser este o benefício económico máximo que a reclamante poderia obter se o pedido tivesse sido deferido. Entretanto, para o caso de o Tribunal não perfilhar este entendimento, desde já se deixa suscitada a questão da inconstitucionalidade do referido art.º 6º n.º 1 al. o) do C.C.J., por violação dos art.ºs 20.º n.º 1 conjugado com o 18.º n.º 1 da C.R.P., com fundamento nas razões supra-expostas”.
Nas respetivas pronúncias ao abrigo do artigo 61.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, o contador e o Ministério Público disseram não assistir razão à então reclamante (cfr. fls. 108 e 109). Seguidamente, foi proferido o despacho recorrido, que tem o seguinte o teor (fls. 110):
“ Veio a recorrente requerer a reformulação da conta de custas, porquanto existe erro sobre a pessoa do responsável pelas custas e sobre o montante liquidado.
Nestes autos o incidente em apreço respeita exclusivamente à recorrente Rosaria Silvestre, tendo o mesmo sido julgado improcedente, com custas da sua responsabilidade.
Aliás, sobre tal decisão não foi deduzido recurso, reclamação ou solicitada a reforma da decisão quanto a custas, pelo que o aí decidido já transitou em julgado.
Neste incidente não tem qualquer intervenção os demais sujeitos processuais da ação principal e nem esta é aqui apreciada.
Por outro lado, a informação prestada aplicou a norma legal determinada judicialmente.
Assim, concordando com a promoção que antecede e com a Sra. Contadora, indefere-se o requerido.”
Novamente inconformada, veio a ora recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional que foi admitido no tribunal recorrido (cfr., respetivamente fls. 114-115 e fls. 117).
3. Notificada para o efeito, a recorrente apresentou alegações junto deste Tribunal, tendo concluído nos seguintes termos:
“ a) A ação principal tem o valor de 220.967,72€, tem por objeto os danos emergentes de um acidente de viação ocorrido em 17/08/2001 e nela foram demandados o Fundo de Garantia Automóvel, a B., S.A. e a aqui recorrente, sua mãe e irmãos, todos na qualidade de herdeiros de seu pai C..
b) Sendo que, quanto a estes herdeiros de C., a causa de pedir consistiu, única e exclusivamente, no facto de os AA. terem apurado que a chapa de matrícula de um motociclo envolvido nesse acidente correspondia a uma inscrição do mesmo, na Câmara Municipal de Torres Vedras, em nome do dito C..
c) O qual falecera cerca de 2 anos antes do acidente, ou seja, 14/11/1999 conforme escritura de habilitação de fls. 27.
d) Não tendo os AA. tido o cuidado de averiguar se à data da morte o motociclo efetivamente lhe pertencia.
e) Conforme requerimento de fls. 552 e despacho de fls. 583/584, a ação terminou por transação, na qual o lesante, o Fundo de Garantia e a B. assumiram a responsabilidade pelo pagamento dos danos que acordaram.
f) Tendo os herdeiros de C. ficado isentos de qualquer responsabilidade e tendo, quanto a eles, os AA., pura e simplesmente, desistido do pedido.
g) Não constam dos autos – nem tinham que constar – as razões desta desistência, mas o facto de as demais partes, designadamente o Fundo de Garantia e a Seguradora terem concordado em fazer acordo nessas condições, é suficientemente indicativo de que, no decurso do processo, todas as outras partes se convenceram de que estes RR. haviam sido demandados sem fundamento.
h) Acontece que, não obstante isso, viram-se na necessidade de contestar, para obstar ao efeito cominatório previsto no artigo 484º do C.P.Civil.
i) A mãe e os irmãos da aqui recorrente apresentaram conjuntamente uma contestação e pagaram, quanto a ela, a taxa de justiça devida de 1.068,00€, conforme fls. 69 a 75.
j) Contudo, por razões que não vêm ao caso, a ora recorrente teve interesse em apresentar uma contestação autónoma, o que implicava o pagamento de uma taxa de justiça inicial do mesmo valor de 1.068,00€.
k) Perante a dificuldade em fazer o pagamento, requereu o benefício do apoio judiciário, que lhe foi indeferido.
l) Posto o que interpôs o recurso de impugnação judicial, no qual decaiu, tendo sido condenada nas custas do incidente, conforme fls. 81 e 86.
m) Na sequência do que teve que proceder ao pagamento de taxa de justiça inicial, no valor de 1.068,00€, conforme fls.218 e 219
n) O advogado signatário interpretou a decisão de condenação em custas no apenso do incidente, com o sentido de que a expressão “valor da causa” serviu apenas como referência indireta, ou seja, para através dela se determinar o valor das custas da ação principal e sendo este o valor a considerar para efeitos de tributação do incidente.
o) Interpretação que tem que se considerar plausível e lógica e que aliás veio a ser assumida pelo Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão de 7/10/2010 disponível em www.trp.pt, no qual decidiu que, “o art.º 6.º n.º 1 al. o) do Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL n.º 224A/96 de 26/11 na redação dada pelo DL. N.º 324/2003 de 27/02, deve ser interpretado com o sentido de que o valor do incidente para efeitos de custas será o benefício económico que, através do pedido, o requerente pretende alcançar, ou seja, o valor das custas devidas na ação principal, com o limite mínimo da alçada do Tribunal de 1ª Instância”.
p) Acontece que a Secretaria, ao elaborar a conta de custas do incidente de recurso, tomou como base, diretamente, o valor da causa principal, ou seja, 220.967,72€ e notificou para pagar a quantia de 2.349,60 € conforme fls. 92 e 95.
q) Através do seu requerimento de fls. 98 a 101, a ora recorrente reclamou desta conta tendo alegado que o artigo 6º nº 1 al. o) do C.C.J. aprovado pelo D.L. n.º 224A/96 de 26/11 na redação dada pelo DL. N.º 324/2003 de 27/02, quando interpretado com o sentido de que o valor do incidente de recurso de apoio judiciário, para efeito de custas, é o valor da causa, conduz, sobretudo nas causas de valor elevado, a um valor tributário desproporcionado em relação ao benefício que se pretende obter, constituindo por isso um fator inibitório do direito de impugnação.
r) E sendo por isso inconstitucional por violação dos artigos 20º nº 1 e 18º nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, tendo aliás essa inconstitucionalidade sido declarada pelos Acórdãos nºs 255/2007 publicado no Diário da República da II Série de 25/05/2007 e nº 43/2011 de 25/01/2011, disponível na página da internet do Tribunal Constitucional.
s) Que a irracionalidade da interpretação que aqui se questiona extrai-se também da análise da sucessão no tempo das normas sobre custas judiciais.
t) Isto porque, no regime anterior, a mesma situação seria tributada pelo valor da ação mas reduzidas as custas a 1/8 quando não houvesse oposição, como foi o caso.
u) E no regime do atual Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo D.L. 34/2008 de 26/2, o mesmo incidente é tributado nos termos do artigo 12º nº 1 al. a), ou seja, com base no valor de 2.000,00 € ao que corresponde, em regra, custas no valor de metade de 1 UC.
v) Acontece que a Mª Juiz a quo, não obstante a invocação da inconstitucionalidade, indeferiu a reclamação, conforme fls. 110 e confirmou a conta elaborada com base na interposição do artigo 6º nº1 al. o) do C.C.J. que o Tribunal Constitucional, através dos ditos Acórdãos, já havia declarado inconstitucional.
w) O ato processual de elaboração, pela secretaria, da conta de custas, (o verdadeiro ato ofensivo dos direitos da recorrente) e a prolação do douto despacho que, indeferindo a reclamação, confirmou aquela conta, violam as disposições dos art.ºs 20.º n.º 1 e 18.º da Constituição da República Portuguesa.
x) E violam, concomitantemente, o art.º 204.º do mesmo diploma já que, através de qualquer desses atos, o Tribunal fez a aplicação de normas que infringem o disposto na Constituição.
y) Deve por isso o Venerando Tribunal Constitucional, reafirmando a sua jurisprudência anterior sobre a matéria, declarar, no caso concreto, a inconstitucionalidade do citado art.º 6º n.º 1 al. o) do C.C.J., quando interpretado com o sentido supra-referido.
z) A fim de que o Tribunal a quo, retirando daí consequências, ordene a reforma da conta por forma a que ela seja elaborada com base no valor das custas da ação principal, salvaguardando, naturalmente, como limite mínimo, o valor da alçada do Tribunal de 1ª Instância,
Assim fazendo V. Exas., Senhores Juízes do Tribunal constitucional, a costumada Justiça!'
4. Notificado para contra-alegar, o recorrido nada disse.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O presente recurso de constitucionalidade vem interposto, a título principal, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Neste tipo de recursos exige-se, conforme referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 568/2008 (disponível, assim como os demais adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ), uma dupla relação de identidade:
“ - Em primeiro lugar, exige-se que a norma que o recorrente quer ver apreciada tenha sido efetivamente aplicada pela decisão recorrida, como sua ratio decidendi;
- Em segundo lugar – e aqui reside o pressuposto específico desta abertura de recurso para o Tribunal Constitucional – tem de haver identidade entre a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Não basta que possa ser sustentado que as mesmas razões que levaram a julgar inconstitucional determinada norma justificariam que juízo de igual sentido fosse formulado a propósito da norma aplicada na decisão recorrida (cfr., quanto ao âmbito, aos pressupostos e à razão de ser deste recurso, por exemplo, o acórdão n.º 586/98, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1999)”.
In casu o acórdão invocado como fundamento do recurso de constitucionalidade interposto a título principal – o Acórdão deste Tribunal n.º 255/2007 – “julgou inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o artigo 18.º, um e outro da Lei Fundamental, a norma vertida na alínea o) do n.º 1 do art.º 6.º do vigente Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário” (itálico adicionado; no n.º 6 do mesmo aresto é expressamente mencionado que a conta em causa nesses autos foi efetuada de acordo com o “Código das Custas Judiciais [– aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro -] emergente da redação dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro).
Verifica-se, portanto, que a norma cuja constitucionalidade a recorrente pretende sindicar corresponde àquela que anteriormente foi julgada inconstitucional por este Tribunal. Porém, atento o teor do despacho recorrido, nomeadamente a referência, como base da expressão de concordância com a promoção do Ministério Público e com a posição assumida pela contadora, ambas no sentido de ser indeferida a reclamação da conta apresentada pela ora recorrente, de que a “informação prestada aplicou a norma legal determinada judicialmente”, pode perguntar-se se a aludida norma constituiu a ratio decidendi desse mesmo despacho.
6. Segundo o artigo 1.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos. Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 13.º (“Base de cálculo da taxa de justiça”) do mesmo diploma, “a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo I, sendo calculada sobre o valor das ações” e a “taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte”. A tabela em causa fixa o valor destas duas taxas em unidades de conta ou “UC” em função do “valor da ação, incidente ou recurso” e estabelece uma série de escalões até ao valor de € 250 000,00; para além deste valor, “à taxa de justiça do processo acresce, por cada € 25 000,00 ou fração, 5 UC, a final”. Por outro lado, de acordo com o n.º 1, alínea o), do artigo 6.º do mesmo diploma (epigrafado “Regras especiais”, por referência à regra geral quanto ao valor da causa para efeito de custas fixado no artigo 5.º), “na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, [considera-se como valor, para efeito de custas,] o da respetiva ação ou, subsidiariamente, o resultante da alínea a)” [- o fixado pelo juiz, tendo em atenção a repercussão económica da ação para o responsável pelas custas ou, subsidiariamente, a situação económica deste, com o limite mínimo da alçada do tribunal de 1.ª instância].
A elaboração da conta – que, nos termos do artigo 50.º do citado Código das Custas Judiciais, ocorre necessariamente após o trânsito em julgado da decisão final da causa – compreende, deste modo, a liquidação da taxa de justiça, ou seja o apuramento das UC a pagar por cada sujeito processual condenado em custas, de acordo com os critérios fixados na aludida tabela, e que implica também a aplicação dos critérios normativos quanto à fixação do valor da causa para efeito de custas; e, bem assim, o apuramento dos encargos previstos no artigo 32.º daquele Código a suportar pela parte responsável pelo pagamento das custas.
Importa, por conseguinte, distinguir duas realidades: a condenação no pagamento das custas – que ocorre na decisão final da ação ou incidente (mas que, em qualquer caso, não faz aplicação nem dos artigos 5.º e 6.º do Código das Custas Judiciais, na medida em que o valor da causa esteja previsto na lei, nem do artigo 13.º do mesmo código nem da tabela constante do anexo I ao mesmo diploma); e a elaboração da conta de custas, com a inerente liquidação da taxa de justiça.
Esta última implica, assim, a aplicação de todos os critérios normativos necessários ao apuramento do número de UC a pagar pelo responsável pelas custas, nomeadamente o critério relativo ao valor da causa e o critério que fixa a taxa de justiça correspondente a esse valor, tal como determinado pelos artigos 5.º e 6.º do Código das Custas Judiciais e, bem assim, pelo artigo 13.º do mesmo diploma e da tabela que integra o seu anexo I. E, se a conta é impugnada com fundamento na inconstitucionalidade de algum dos critérios normativos que presidem à sua elaboração, deve considerar-se suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa que o tribunal competente para a decisão da impugnação tem de decidir no exercício do seu poder-dever de não aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. o artigo 204.º da Constituição).
Tais questões dessa natureza, uma vez suscitadas - ou mesmo independentemente da sua suscitação - integram sempre os poderes de cognição do tribunal, em termos de, no caso de ter havido suscitação pelas partes, a decisão do caso proferida pelo tribunal implicar um juízo positivo ou negativo de inconstitucionalidade, ainda que implícito. Aliás, por isso mesmo, é que a Constituição se basta com a suscitação da inconstitucionalidade de norma aplicada num dado caso concreto para abrir a via recursória para o Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição).
7. No despacho recorrido refere-se que a norma legal sindicada no presente recurso foi aplicada na elaboração da conta por anterior determinação judicial, já que, segundo a informação prestada pela contadora a fls. 108, nos termos do artigo 61.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, “a elaboração da conta foi efetuada de harmonia com a sentença de fls. 80 a 86 «Custas pela recorrente, nos termos do art. 446.º, n.º 1 do CPC, atendendo-se para esse efeito, ao valor da ação principal nos termos do art. 6.º, n.º 1, al. o), do CCJ»”. Implicitamente o tribunal recorrido invoca a força de caso julgado formal da parte do dispositivo da aludida sentença quanto à condenação em custas para indeferir a reclamação da conta oportunamente apresentada e não apreciar a questão de inconstitucionalidade nela suscitada.
Todavia, sem razão.
Em primeiro lugar, porque ordenar a elaboração da conta de harmonia com a lei aplicável – sendo para o efeito irrelevante se a referência à lei é genérica ou, como sucedeu no caso vertente, individualizada - não significa aplicar tal lei: como referido, a decisão sobre custas – ou seja, a definição da responsabilidade pelas custas, para que é competente o juiz da causa e que se encontra, no essencial, disciplinada no artigo 446.º e seguintes do Código de Processo Civil – não se confunde com o ato de contagem – a elaboração da conta propriamente dita, que é da competência dos funcionários judiciais e segue a disciplina própria contida no Código das Custas Judiciais. Ora, somente na elaboração da conta é que o contador – e não o juiz – procede à aplicação dos critérios normativos a que deve obedecer o ato de contagem, e, entre eles, também o critério previsto no artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do citado Código. Deste modo, a referência no dispositivo da sentença de fls. 80 e seguintes ao modo como deve ser apurado o valor da causa para efeito de custas – a ordem dada ao contador para no ato de contagem atender a uma dada interpretação de certo preceito legal aplicável –, não tem por objeto nem a relação material controvertida nem a própria relação processual, mas apenas a relação funcional com o contador. Como tal, não é suscetível de adquirir força de caso julgado formal (cfr. os artigos 671.º e 672.º, ambos do Código de Processo Civil).
Acresce, em segundo lugar, que a questão da inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais é uma questão de direito que foi suscitada na reclamação da conta deduzida a fls. 98 e seguintes dos autos, e que a aplicação de tal preceito é necessária para a elaboração da conta em apreço. Consequentemente, em virtude do aludido poder-dever estatuído no artigo 204.º da Constituição, não podia o juiz abster-se de decidir sobre ela. Aliás, o não conhecimento expresso de tal questão corresponde a um juízo implícito de não inconstitucionalidade do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais, que abre a via de recurso para o Tribunal Constitucional. Com efeito, se no ato de contagem foi aplicado o mencionado artigo 6.º, n.º 1, alínea o), o indeferimento da reclamação de tal ato, fundada na inconstitucionalidade desse preceito, e a consequente confirmação do mesmo ato, corresponde a uma «decisão que aplica norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo» e, simultaneamente, desde que se verifique o pressuposto específico, uma «decisão que aplica norma anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional» (cfr. o artigo 280.º, n.os 1, alínea b), e 5, da Constituição e o artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC).
Finalmente, é incontroverso que a aplicação implícita pelo tribunal recorrido de norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional é relevante para efeitos do disposto na alínea g) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC. Nesse sentido, refere Lopes do Rego:
“ Tanto releva, por outro lado, a expressa aplicação da norma já anteriormente julgada ou declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional – e patente face ao enunciado verbal da sentença – como uma aplicação implícita, em que o tribunal «a quo» acaba, em termos substanciais (e analisada a estrutura lógico-jurídica da solução dada ao litígio), por fazer inelutavelmente apelo ao regime jurídico consagrado na norma já inconstitucionalizada – não respeitando ou não tendo em conta o sentido e alcance do anterior juízo de inconstitucionalidade emitido pelo Tribunal Constitucional.
[…]
[C]omo se considera no Acórdão n.º 519/98, [vale igualmente] para os casos em que o «acórdão-fundamento», invocado como base do recurso da alínea g), é uma decisão de inconstitucionalidade proferida no domínio da fiscalização concreta, [a solução de cumprir] ao Tribunal Constitucional fixar o sentido e alcance do precedente julgamento de inconstitucionalidade (naquilo que na precedente decisão se não deixou expresso) à luz de todo o discurso fundamentador que antecede tal decisão.
No mesmo sentido, admitindo a procedência do recurso, fundado na alínea g), quando a decisão recorrida, «de modo objetivo» seja de considerar «como não sendo respeitadora do sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade» levado a efeito em precedente acórdão, proferido em fiscalização concreta, cfr. o Acórdão n.º 150/01” (v. Autor cit., Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 149).
8. Em suma, verifica-se no presente caso a dupla relação de identidade a que se refere o Acórdão deste Tribunal n.º 568/2008: a norma contida no artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais que, na impugnação judicial de decisão sobre a concessão de apoio judiciário, manda atender, para efeito de custas, ao valor da ação principal é a mesma cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada no presente recurso e idêntica à que foi aplicada (ainda que implicitamente) como critério normativo pelo despacho recorrido; e, por outro lado, tal norma já foi julgada inconstitucional pelo acórdão fundamento (o citado Acórdão deste Tribunal n.º 255/2007).
E, pelas razões que constam deste último, é de reiterar tal juízo de inconstitucionalidade.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma vertida na alínea o) do nº 1 do artigo 6º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, e com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, na parte em que tributa em função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário.
E, em consequência,
b) Conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma do despacho recorrido de harmonia com aquele juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Pedro Machete – Ana Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.