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Processo nº 831/01 Plenário Relator: Sousa e Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional :
I
1. Partido Social Democrata (P.P.D./P.S.D.), recorrente neste processo através do seu mandatário no círculo eleitoral do município de Lamego, A , vem agora através do seu mandatário no distrito de Viseu para as mesmas eleições, B, depois de lhe ter sido indeferido o pedido de aclaração do Acórdão nº 19/2002, de 18 de Janeiro, que negou provimento ao recurso, suscitar a reforma do mesmo Acórdão. Invoca para tanto os artigos 669º, nº 3 e 668º nº 4 do Código do Processo Civil e conclui o seu requerimento dizendo que deve 'reparar-se o decidido e ordenar-se a votação para o órgão Câmara Municipal de Lamego, nas seguintes freguesias: Britiande; Cepões; Ferreirim; Figueira; Lalim; Melcões; Penajóia; Penude; Pretarouca; Valdigem; Várzea Abrunhais; e Vila Nova de Souto d’El Rei.' Aduz os seguintes fundamentos :
' 1º Verificou-se, apenas a posteriori que o número de eleitores inscritos para o concelho de Lamego era de 25.873, enquanto que o número que consta dos dados oficiais do STAPE é de 25.771 para qualquer dos órgãos autárquicos.
2º Tendo o Partido Socialista vencido as Eleições para a Câmara Municipal por escassos 38 votos, significa que o acréscimo de 102 eleitores inscritos contendem objectivamente na influência do resultado geral para a eleição daquele
órgão.
3º Vossas Excelências entenderam, no cumprimento restritivo da lei, que aquela questão não foi protestada.
4º Resulta, desde logo, que a própria Assembleia Geral de Apuramento não deu conta do ajuizado desfasamento.
5º O número de eleitores inscritos, que figuram no Edital de Apuramento, foram fornecidos pela Câmara Municipal através das comissões de recenseamento eleitoral que, no caso, são as Juntas de Freguesia (cfr. Art. 22.0 da Lei nº
13/99 de 22/03 - Regime Jurídico do Recenseamento Eleitoral, R.E. ).
6º E tudo isto porque a ninguém, naquele momento, ou antes, vislumbraria qualquer desconformidade, até pela boa-fé dos procedimentos processados pelas Instituições Democráticas ( no caso, as Comissões de Recenseamento e a Câmara Municipal).
7º Cotejando as disposições dos Arts. 56º, 57º, 58º e 59º da Lei do R.E., extrai-se com meridiana clareza que os cadernos eleitorais se encontram
'fechados' no dia 1 de Dezembro de 2001.
8º Nesta data, o STAPE, recolhendo em definitivo todos os dados recenseadores, bloqueia o sistema.
9º e fornece às comissões recenseadoras os cadernos eleitorais, sob forma de CD-Rom,
10º e onde constam, em definitivo, o número de eleitores inscritos.
11º Entre o 1º de Dezembro e 16 do mesmo mês, dia das Eleições, nem uma ponta de escrita pode ser aposta nos cadernos eleitorais.
12º É o chamado período de inalterabilidade (Art. 59.0 R.E.).
13º Período esse que, embora podendo ser 'aberto' aos cidadãos para consulta - o que se sabe não acontecer na prática, porque alguns Presidentes de Junta de Freguesia estão sempre 'indisponíveis' para a confiança e consulta dos cadernos
-,
14º já não podem ser objecto de qualquer reclamação,
15º e mais importante: reflectem todos os dados fornecidos pelo ST APE e que se crêem credíveis,
16º servindo as Comissões Recenseadoras de fiéis depositários daqueles ou daquela Entidade.
17º O princípio da acreditação e boa-fé nas Instituições Democráticas não permitiriam leitura diversa.
18º A própria Assembleia Geral de Apuramento também assim o entendeu, e a priori não tinha razões para colocar em causa os dados fornecidos.
19º E ninguém vai munido para a Assembleia com certidões do STAPE com o número de inscritos...
20º Significa isto que ao recorrente, através do seu Delegado, era impossível processar qualquer protesto da desconformidade do número de inscritos.
21º e muito menos a certificação documental daquela, e muito menos ainda a impossibilidade de alegação de anexar documento comprovativo, quer no decorrer dos trabalhos, quer mesmo em sede de recurso.
22º O sobredito desfasamento é apenas detectado após a proclamação dos resultados pela Assembleia.
23º E é só a partir daqui que se verifica a desconformidade através da consulta ao site do STAPE (vide anexo VIII da Petição).
24º Mesmo assim, por se tratar de documento informático, resolveu o recorrente certificar o facto através desta entidade, que o confirmou com o documento que se encontra atravessado nos autos.
25º Quer uns, quer outro, são supervenientes à proclamação dos resultados .
26º Como seria sempre superveniente a sua detecção, pelas razões já aduzidas.
27º Note-se, Excelências, que a nova Lei do Recenseamento Eleitoral só nestas Eleições foi pela primeira vez posta em prática.
28º E as suas vicissitudes foram detectadas através do simples manuseio dos CD-Rom entregues às Juntas de Freguesia,
29º que, não vindo bloqueados, poderiam (e foram-no) ser manietados [sic].
30º Assim, os 102 eleitores acrescidos, apareceram no período de inalterabilidade (quiçá, na própria véspera do acto eleitoral!).
31º Os documentos em referência mostram notoriamente que a verificação desta irregularidade ( ou ilegalidade) está fora dos momentos clássicos de protesto - v .g. da votação, dos apuramentos local e geral -;
32º os quais são pressuposto do conhecimento pelo Tribunal Constitucional.
33º E da mesma forma, não se pode entender que é um acto adquirido em processo eleitoral, ex ante,
34º pois, como se viu, a própria Lei do R.E. não permite tal conclusão.
35º O documento emanado do STAPE é autêntico; contra ele não pode opôr-se a infidelidade do seu conteúdo.
36º E a sua avaliação pelo Tribunal Constitucional é determinante para o julgamento da regularidade da eleição.
37º Significa tudo isto, em suma, que o atinente protesto da desconformidade era impossível de ser feito nos Apuramentos, e muito menos na votação.
38º O acórdão decisório milita, assim, em erro de julgamento.
39º A verificação de um pressuposto estritamente formal, não leva 'in casu', inelutávelmente, à obliteração da verdade material,
40º sendo certo que a mesma é suportada por documento formal que/ suporta esta.
[...]
42º No vertente caso, ocorre manifesto lapso do Tribunal da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, por omissão de aplicação de lei expressa (Lei do R.E.; al. a) do Art. 669º, nº 2 do Cód. Proc. Civ .).
43º E ao mesmo tempo, constam do processo documentos, cuja autenticidade não pode ser posta em causa, demonstráveis de um facto percepcionável supervenientemente, que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida ( al. b) da disposição citada.'
Notificados os representantes dos partidos políticos, coligações e grupos de cidadãos intervenientes na eleição para responderem, respondeu o Partido Socialista, dizendo que não se verificam os fundamentos legais da reforma do acórdão, chamando a atenção para a mudança do pedido do recorrente, por na petição inicial pretender novas eleições em todas as assembleias de voto para todos os órgãos do município de Lamego e no requerimento de reforma pedir a repetição de eleições em apenas metade das freguesias e dizendo que qualquer ilícito do recenseamento eleitoral não pode ser conhecido neste processo. Cumpre decidir.
II
É manifesto que não houve qualquer lapso manifesto do Tribunal, nem na determinação da norma aplicável, nem na qualificação jurídica dos factos, nem na falta de consideração de documentos ou quaisquer elementos constantes do processo que, por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, que são os únicos fundamentos de reforma segundo o artigo 669º do nº 2 do CPC. Nomeadamente os documentos que provam que o número de eleitores inscritos no município apurado pela Assembleia de Apuramento Geral em resultado da soma dos inscritos nos cadernos eleitorais utilizados em cada assembleia ou secção de voto diverge do número de eleitores inscritos na área do município que é indicado no site do STAPE não implicam necessariamente decisão diversa da proferida. Com efeito, o recenseamento eleitoral é efectuado por comissões recenseadoras, tendo o STAPE funções de organização e coordenação e apoio geral das operações de recenseamento eleitoral e as câmaras municipais funções de coordenação e apoio das operações de recenseamento eleitoral na área do respectivo município
(artigos 21º, 30º e 31º da Lei nº 13/99 de 22 de Março). São as comissões recenseadoras que extraem cópias fieis dos cadernos para utilização no acto eleitoral, cabendo apenas ao STAPE fazê-lo quanto às inscrições efectuadas no estrangeiro (artigo 58º, nº 2 da Lei nº 13/99). As divergências entre os cadernos eleitorais das comissões do recenseamento e os dados da base de dados do recenseamento eleitoral (BDRE) podem resultar da falta de actualização da BDRE, por falta de comunicação ao STAPE de alterações introduzidas pelas comissões recenseadoras em cada freguesia, ou por falta de introdução nos cadernos das alterações resultantes das comunicações do STAPE, nomeadamente de eliminações oficiosas da inscrição (artigos 49º a 51º da Lei nº 13/99). Mas essas divergências não estão previstas na lei como fundamento de anulação da eleição em toda a área de município. Além disso, não resultam necessariamente de inscrições introduzidas no período de inalterabilidade dos cadernos, como pretende o requerimento. E eram susceptíveis de conhecimento por parte do recorrente antes da Assembleia de Apuramento Geral através de consulta do BDRE. Só que, como resulta da lei que o requerente devia conhecer, as Comissões Recenseadoras não são 'fieis depositárias' de cadernos eleitorais do STAPE, são elas que têm competência para os elaborar. Eventuais irregularidades do recenseamento eleitoral não são invocáveis neste processo, pelas razões que o acórdão aqui questionado, explicou. Também não se entende porque motivo o requerente reduz o pedido de anulação de toda a eleição a um pedido de anulação da eleição em 12 das 24 freguesias do município.
III
Nestes termos, indefere-se o requerimento. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2002 José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Bravo Serra Artur Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa