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Processo n.º 355/01
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I. Relatório Em Abril de 1998, A – com um grau de incapacidade de 31%, homologado em 2 de Abril de 1981 pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, considerado incapaz para o serviço activo em 11 de Outubro de 1985 e qualificado como Deficiente das Forças Armadas na vigência do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro – interpôs, junto do Tribunal Central Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Estado-Maior da Armada que indeferiu o requerimento em que pedia a revisão da pensão de reforma, nos termos do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio. Por Acórdão de 28 de Setembro de 2000, o Tribunal Central Administrativo concedeu provimento ao recurso nos seguintes termos:
'O DL 43/76, de 30 de Janeiro, nos termos do artº 18º, n.º 3, revogou expressamente o DL 210/73 (excepto os seus artºs 1º e 7º), com efeitos a partir de ‘1 de Setembro de 1975’. Donde resulta que o recorrente adquiriu a doença que determinou a sua qualificação como DFA ainda na plena vigência do DL 210/73 pelo que, se o recorrente podia ter sido qualificado DFA ao abrigo deste diploma, em vigor no momento em que ocorreram ou se verificaram os pressupostos determinantes dessa qualificação então terá de se concluir que o recorrente foi, podia ou devia ter sido qualificado DFA ao abrigo desse diploma. Ora, como resulta do respectivo preâmbulo, o DL 210/73, visou precisamente, a sua aplicação ‘a todos os militares do quadro permanente...que se tornem deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha’, nomeadamente naquelas que tiveram lugar nas ex-províncias ultramarinas portuguesas, como foi o caso do ora recorrente. O DL 210/73, como refere expressamente o seu artº 17º ‘aplica-se aos militares que se tenham tornado inválidos pelos motivos indicados no artº 1º (disposição esta mantida em vigor pelo artº 18º n.º 3 do DL 43/76), a partir de 1 de Janeiro de 1961’. Assim a doença contraída pelo recorrente (na vigência do DL 210/73) era determinante, ao abrigo desse diploma, para que ao recorrente fosse reconhecida a condição de DFA (cfr. art. 1º e 2º). Donde resulta que, na vigência do DL
210/73, já o recorrente era deficiente, embora essa condição só posteriormente tenha sido reconhecida por despacho. Como se escreveu no Ac. deste TCA de 30/03/00, Rec. 1567/98 ‘a circunstância de já estar em vigor o DL 43/76, no momento em que o recorrente foi considerado DFA não altera em nada as condições em que se deu o acidente (ou a doença). Pensamos, assim, que o que é relevante, para efeitos de integração de um militar no âmbito do artº 18º, n.º 2, al. c) do DL 43/76, é o ter sofrido acidente (ou doença) nas condições em que o DL 210/73, considerava bastante para a qualificação de DFA’. Concordando com o assim decidido naquele recurso, temos de concluir que ao recorrente assiste o direito a beneficiar da pretendida promoção, prevista no artº 1º do DL 134/97, de 31 de Maio e daí a procedência do recurso'. Deste Acórdão interpôs recurso o Chefe do Estado-Maior da Armada, alegando, em síntese, que 'é o momento da qualificação como DFA que determina o regime aplicável e a inerente produção de efeitos e não o momento em que se verificaram os pressupostos da qualificação, como emerge aliás das próprias normas do DL
43/76, que criou o conceito específico de Deficiente das Forças Armadas, com características e regime próprios, acarretando um novo enquadramento à situação, mais vasto, mas igualmente distinto do que resultava das disposições do DL
210/73.' Nas contra-alegações apresentadas, o requerente alegou que:
'negar ao recorrente os direitos previstos no Decreto-Lei n.º 134/97 de 31 de Maio seria atribuir-lhe um tratamento desigual relativamente aqueles que em situação idêntica vêm a gozar de tais direitos, apenas pela circunstância de a decisão de qualificação de DFA ter sido proferida após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76 de 20 de Janeiro, o que equivale a uma interpretação contrária ao princípio da igualdade consagrado pelo artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Além disso, a aplicabilidade do princípio da igualdade a situações discriminatórias relativas aos Deficientes das Forças Armadas foi analisada no Acórdão que declarou a inconstitucionalidade da alínea a) do artigo 7º da Portaria 162/76, de 24 de Março, onde se diz que ‘o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual, o que pressupõe averiguação e valoração casuística da diferença, de modo que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situação semelhante e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras de diferenciação’- vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 563/96, publicado no DR, I Série-A, de 16 de Maio de 1996'. O Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 6 de Março de 2001, concedeu provimento ao recurso, revogando o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo e julgando em sua substituição improcedente o recurso contencioso, nos seguintes termos:
' (...) os militares deficientes nos termos das als. b) e c) do n.º 1 do artº 18 do DL n.º 43/76 são [al. b)] ‘os militares no activo que foram contemplados pelo DL n.º 44995, de 24/4/63 e que pelo n.º 18 da Portaria n.º 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no DL n.º 210/73, de 9/5’ e [al. c)] os militares ‘considerados deficientes ao abrigo do disposto no DL n.º 210/73, de 9/5’. Só que a situação do recorrente contencioso (ora recorrido) não é subsumível em qualquer destas duas transcritas alíneas. Não o é na primeira delas [citada al. b)] porque, como se disse já, o mesmo foi considerado DFA já no domínio do DL n.º 43/76. E não o é na segunda delas
[referida al. c)], uma vez que ele não foi considerado deficiente ao abrigo do disposto no DL 210/73, nem, como se referiu, daquele DL n.º 43/76. Aliás, diga-se até que a interpretação do alcance desta al. c) do n.º 1 do artº
18º do DL n.º 43/76 foi objecto da atenção deste Supremo Tribunal, o qual nos seus acs. de 14/6/85 e 10/7/86, recs. n.ºs 20417 e 19361, aquele último confirmado pelo Tribunal Pleno no seu acórdão de 14/7/88 (cfr. o ac. de 29/9/88, rec. n.º 24843, publicado no ‘Apêndice’ ao DR, de 30/10/93, p. 4481 e segs.), sempre entendeu que tal al. c) do n.º 1 do artº 18º do DL n.º 43/76 apenas contempla as situações estabelecidas e qualificadas (de DFA) no passado e juridicamente definidas por acto ou diploma concreto, enquanto as não qualificadas e não definidas que venham a ocorrer no futuro são contempladas nos n.ºs 2 e 3 do mesmo art. 18º'.
3. Inconformado, o requerente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional alegando a 'violação do princípio constitucional da igualdade na não aplicação do n.º 1 do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio', encerrando deste modo as suas alegações:
'1. Interpretar o n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio de forma a não abranger os Deficientes do quadro permanente das Forças Armadas com incapacidade igual ou superior a 30%, e que foram julgados incapazes para o serviço activo, sendo os mais prejudicados em consequência da deficiência, mas que foram classificados Deficientes após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º
43/76, de 210 de Janeiro, viola o princípio constitucional de igualdade estatuído no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, porquanto, os Deficientes do quadro permanente das Forças Armadas nas mesmas condições, mas que foram classificados como Deficientes antes da entrada em vigor do citado diploma legislativo, são abrangidos pelo disposto no n.º 1 do Decreto-Lei n.º
134/97, pois, em ambos os casos, o momento do acidente que originou a deficiência seja anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76 e a classificação como Deficientes da Forças Armadas seja automática por satisfazer os requisitos do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio, antes de 1 de Setembro de
1975 e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76, por satisfazer os mesmos requisitos do Decreto-Lei n.º 210/73, após
312 de Agosto de 1975.
2. Se assim se não entender, há desigualdade resultante da aplicação do n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio em relação aos Deficientes das Forças Armadas, do quadro permanente, que puderam optar pelo serviço activo, antes e depois entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, porquanto a referida norma faz uma divisão entre os militares do quadro permanente que foram classificados deficientes antes e depois entrada em vigor do citado diploma legislativo, permitindo a promoção e revisão da pensão de reforma dos primeiros e impedindo a promoção e revisão da pensão de reforma dos segundos, o que viola o princípio de igualdade disciplinado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. O acto contenciosamente sindicado fez aplicação de uma norma contrária à Lei Fundamental. Tal situação viola flagrantemente o princípio de igualdade, traduzindo um verdadeiro retrocesso relativamente à visão igualitária que caracteriza o Acórdão n.º 563/96, do Tribunal Constitucional, pois não pode optar pelo serviço activo quando em 28 de Janeiro de 1986 passou a situação de reforma.' Na sua resposta, o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada formulou as seguintes conclusões:
'1. O artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15/11, na redacção dada pelas Lei 85/89, de 7/9 e 13-A/98, de 26/2, define os pressupostos de admissibilidade dos recursos para o Tribunal Constitucional, das decisões dos tribunais;
2. O Recorrente invoca como base do presente recurso o disposto na alínea b) do n.º 1 da referida norma, segundo a qual cabe recurso das referidas decisões que recusem a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
3. Alegando que o Acórdão do STA, ora impugnado, faz uma interpretação do art.
1º do DL 134/97, que viola o princípio da igualdade definido no art.º 13º da CRP;
4. No entanto, carece o Recorrente inteiramente de razão;
5. Pois a não aplicação ao seu caso do art.º 1º do DL 134/97 não traduz qualquer violação do princípio da igualdade;
6. Ensina esse Venerando Tribunal que tal princípio não proíbe as diferenças para o tratamento de casos diferentes, apenas proíbe o arbítrio ou a discriminação infundada;
7. Mais, tendo em conta o princípio tempus regit actum, a legalidade do acto administrativo afere-se pela situação de facto e de direito existente à data da sua prolação, no caso de acto expresso;
8. Se o recorrente foi qualificado DFA à luz do DL 43/76, de 20/1, não lhe são aplicáveis as alíneas b) e c) do n.º 1 do artº 18º daquele diploma, não sendo destinatário do DL 134/97.' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
É a seguinte a redacção da norma impugnada (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97, de 31 de Maio):
'Os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos.' Por sua vez, as normas das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, para que remete, estão assim redigidas:
'Artigo 18º Disposições finais O presente diploma é aplicável aos:
1. Cidadãos considerados, automaticamente, DFA: a) (...) b) Os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei n.º 44995, de
24 de Abril de 1963, e que pelo n.º 18 da Portaria n.º 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio; c) Os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio;
(...)' Quanto aos 'militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei n.º
44995', eram os militares dos quadros permanentes das forças armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes directamente produzidos em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública ou em serviço directamente relacionado – que, pela primeira vez na legislação portuguesa, tiveram a possibilidade de optar por permanecer no serviço activo, embora a sua capacidade física já lhes não permitisse o desempenho de cargos ou funções que requeressem plena validez. Os que pelo n.º 18 da Portaria n.º 619/73 'foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio', eram os militares que, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 44995, de 24 de Abril de 1963, foram considerados aptos para os serviços condicionados e foram equiparados aos militares deficientes que optaram pela continuação na situação de activo em regime que dispense plena validez, nos termos do Decreto-Lei n.º 210/73 e da Portaria n.º 619/73. E os 'considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 210/73' eram todos os militares do quadro permanente e do quadro de complemento do Exército e pessoal militar não permanente da Armada e da Força Aérea que se tornaram deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública. O enquadramento das sucessivas alterações legislativas ao regime da atribuição de reforma extraordinária ou pensão de invalidez aos militares considerados Deficientes das Forças Armadas, ou da sua manutenção ou regresso ao serviço activo, foi minuciosamente exposto no Acórdão n.º 563/96 deste Tribunal
(publicado no Diário da República [DR], I Série-A, de 16 de Maio de 1996), em termos que foram retomados, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 414/01 e 63/02
(publicados no DR, II série, respectivamente de 27 de Novembro de 2001, e de 11 de Março de 2002). Para o que ora importa, bastará reter que:
– '(...) o Decreto-Lei n.º 295/73, de 9 de Junho, passou a contemplar o problema das graduações dos militares dos quadros permanentes na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 210/73, determinando-lhes a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação (artigo 1º), logo a seguir se prescrevendo, no entanto, não conferir a atribuição da graduação ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação. É a norma do artigo 4º, ora sob sindicância, e que permanece em vigor, como veremos a seguir.' (por força da declaração da 2ª rectificação ao texto do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Fevereiro, publicada na I Série do Diário do Governo de 16 de Março).
(...)
– '(...) não parece que a norma do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 295/73, em si considerada, mereça censura na perspectiva constitucional do princípio da igualdade ou do princípio da proporcionalidade: integrada em diploma que contempla a situação dos militares deficientes que, por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 210/73, optaram pela reforma extraordinária, a norma mais não será, afinal, do que uma mera expressão do que na disciplina geral em matéria de aposentação se dispõe relativamente ao momento da fixação do respectivo regime (cfr. o artigo 43º do Estatuto da Aposentação).' E, sobre a aplicação do artigo 43º do Estatuto da Aposentação numa situação em que um deficiente das Forças Armadas recorria de um despacho do órgão directivo da Caixa Nacional de Previdência quanto à fixação do valor da pensão de reforma extraordinária, escreveu-se no Acórdão n.º 330/93 deste Tribunal (publicado no DR, II Série, de 30 de Julho de 1993):
'Nos termos do disposto no artigo 43º, n.º 1, alínea b) do EA, ‘o regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que [...] seja declarada a incapacidade pela competente junta médica, ou homologado o parecer desta quando a lei especial o exija.’ Assim, o regime de aposentação do requerente tem de considerar-se fixado na data em que foi considerado deficiente das Forças Armadas [...], tendo-se, nessa data, subjectivado o seu direito a uma pensão extraordinária de aposentação. Mas o recorrente usou, voluntariamente, da opção de se manter no serviço activo, usufruindo de todas as regalias daí resultantes [...] Mantendo-se ao serviço activo, a situação jurídica do recorrente passou a ser, tal como a de qualquer funcionário ou militar, no respeitante ao cálculo do montante da sua pensão de reforma, uma situação jurídica objectiva, livremente modificável por lei nova. Assim, tendo-se subjectivado o direito do recorrente a uma pensão de reforma, não se subjectivou qualquer direito ao montante da pensão calculada de acordo com as normas vigentes na data do seu reconhecimento como deficiente das Forças Armadas.' A questão de igualdade de que, no presente recurso, o recorrente se queixa é, porém, de alguma forma, inversa da referida, e tem a ver com a delimitação do
âmbito de aplicação, introduzida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 134/97, de
31 de Maio, do seu artigo 2º:
'Os militares nas condições referidas no artigo 1º passam a ter direito à pensão de reforma correspondente ao posto a que forem promovidos, e no escalão vencido
à data de entrada em vigor do presente diploma, não havendo lugar a quaisquer efeitos retroactivos, mas ficando isentos do encargo do pagamento das quotas e diferenças de quotas devidas à Caixa Geral de Aposentações referentes aos postos a que entretanto foram sendo graduados, após a sua passagem inicial à reforma extraordinária.' Numa primeira análise, poder-se-ia dizer que, se no caso resolvido pelo Acórdão n.º 330/93 se concluiu que modificações desfavoráveis no regime de determinação do montante da pensão de reforma, supervenientes ao momento do reconhecimento como deficiente das Forças Armadas, não lesam o princípio da igualdade, se poderia concluir, por análogas razões, que modificações favoráveis nesse regime também o não lesa. Seja como for, porém, é certo que a indicada norma do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 134/97 não faz parte do objecto do presente recurso, e que só é aqui invocada para esclarecer do que está em causa: a distinção, pelo artigo 1º, entre o universo dos que, sendo militares dos quadros permanentes e tendo sido considerados deficientes das Forças Armadas o foram na vigência do Decreto-Lei n.º 43/76 (ficando excluídos da aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 134/97) ou o foram antes do início da vigência desse diploma de 1976 (ficando abrangidos pela aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 134/97). Pode, todavia, prosseguir-se a análise retomando a argumentação do referido Acórdão n.º 330/93 sobre o princípio da igualdade:
«A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio vem sendo adoptada pelo Tribunal Constitucional (num entendimento que remonta já à Comissão Constitucional), citando-se como meros exemplos os Acórdãos ns. 39/88
(in Diário da República, 1ª Série, de 3 de Março de 1988) e 157/88 (in Diário da República, 1ª Série, de 26 de Julho de 1988). Mas, como se refere neste último aresto, esta interpretação do princípio da igualdade dá-nos o sentido e alcance deste princípio 'na sua função negativa de princípio de ‘controlo’', dimensão esta importante, mas que hoje se considera insuficiente para extrair do princípio da igualdade todas as potencialidades que nele se contêm.
(...) este direito fundamental [à igualdade] é sobretudo violado se um grupo de destinatários da norma é tratado de modo diferente, sem que existam entre os dois grupos diferenças de tal natureza (Art) e tal peso (Gewicht) que possam justificar o tratamento desigual.» (aqui citando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, p. 425). Como se salientou no acórdão recorrido, a promoção dos militares, prevista na norma impugnada, ao posto a que teriam ascendido, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1º) que o militar pertença 'aos quadros permanentes';
2º) que esse militar tenha sido declarado Deficiente das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Decreto n.º 43/76, de 20 de Janeiro;
3º) que esse militar esteja na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade de ganho igual ou superior a 30%;
4º) que o militar não tenha optado pelo serviço activo. Estes elementos diferenciam a situação dos militares abrangidos pela norma impugnada, e, nessa medida, em relação a cada um se poderia fazer, na expressão do Acórdão n.º 563/96, 'a aferição jurídico-constitucional da diferença de parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade.' Ora, em relação à distinção entre deficientes das Forças Armadas dos quadros permanentes e dos quadros de complemento, já este Tribunal foi chamado a pronunciar-se nos Acórdãos n.ºs 319/00 e 378/00 (publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 18 de Outubro e de 16 de Novembro de 2000), em ambos tendo concluído que tal distinção introduzida pelo legislador não viola o princípio da igualdade. A averiguação tornar-se-ia, porém, puramente académica quanto aos restantes requisitos que foram dados como verificados no caso, havendo apenas que apurar se, a essa luz, se justifica o critério usado para excluir o recorrente do acesso aos benefícios previstos no Decreto-Lei n.º 134/97, que se indicou supra como 2º requisito, ou seja, a diferenciação entre os militares qualificados como deficientes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, e os que só o vieram a ser mais tarde. Foi objectivo confesso do legislador 'reconstruir' a situação dos 'deficientes das Forças Armadas nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, que já poderiam ter podido usufruir do direito de opção nos termos da legislação em vigor anteriormente ao Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro' e aos quais 'não era reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço efectivo', por força da norma constante da alínea a) do n.º
7 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 563/96. Há-de, pois, reconhecer-se que a diferenciação entre os militares qualificados como deficientes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, e os que só o vieram a ser mais tarde, tem inteira justificação – só a eles se referindo a norma proibitiva da referida Portaria, só em relação a eles fazia sentido 'a intervenção do poder legislativo em execução de um acórdão do Tribunal Constitucional', como se escreveu no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º
134/97. Assim entendido, como o foi no Acórdão recorrido, o 2º requisito supra referido
(ter sido declarado deficiente das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 43/76) encontra plena justificação. Uma vez que tal exigência não é de julgar inconstitucional (no mesmo sentido, vejam-se os citados Acórdãos deste Tribunal n.ºs 414/01 e 63/02), o facto de ter sido julgado que o recorrente não preenchia tal requisito – juízo, em si, não controlável pelo Tribunal Constitucional – inviabiliza logo que uma qualquer outra eventual desconformidade constitucional do impugnado artigo 1º do Decreto-Lei n.º 134/97 se possa repercutir na solução do caso. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida no respeitante à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, com 15 ( quinze ) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 17 de Abril de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa