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Processo n.º 447/2012
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Santarém e confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, através de decisão entretanto transitada em julgado, foi A. condenado a dois anos de prisão como autor material de um crime de homicídio negligente, com negligência grosseira.
Ao abrigo do disposto no artigo 449.º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Penal, pediu A. revisão de sentença ao Supremo Tribunal de Justiça, alegando a superveniente descoberta de novos meios de prova que punham em causa a condenação.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 29 de março de 2012, negou, porém, o pedido de revisão. Interesse
Reclamou então A. do Acórdão proferido pelo Supremo, requerendo ainda a sua reforma ao abrigo do disposto no artigo 669.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Na reclamação formulavam-se principalmente dois pedidos.
Primeiro, que fosse declarado o impedimento do juiz de 1ª instância que, durante a tramitação do processo de revisão, inquirira a nova testemunha nos termos do artigo 453.º do CPP, e proferira a informação a que alude o artigo 454.º, por ser o mesmo juiz que presidira ao julgamento de que, nessa instância, resultara a condenação do arguido ( e consequentemente, que fosse declarada a nulidade de todos os atos por aquele juiz praticados e dos restantes que deles dependessem).
Segundo, que fosse, nos termos do artigo 123.º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, declarada a irregularidade do processo, por não ter sido o arguido notificado dos pareceres emitidos, na 1ª instância, pelo juiz e pelo Ministério Público, e, no Supremo, pelo Ministério Público.
A propósito destas questões formulou o reclamante questões de constitucionalidade, referentes a certas “dimensões interpretativas” de normas contidas nos artigos 40.º, alínea c), 41.º, nº2, e 455.º, nº 1 do Código de Processo Penal. Fê-lo nos seguintes termos:
24. Sendo certo que em qualquer interpretação do artigo 40º/ alínea c) diferente da agora explanada, designadamente a de que a participação do juiz do julgamento na fase rescindente do recurso de revisão não contende com o disposto no artigo 40º/ alínea c) do CPP, para além de não se conter nem na letra nem no espírito da norma em questão, sempre se revelará inconstitucional à luz do já referido artigo 32º/1 da CRP, inconstitucionalidade que à cautela deste já se invocava.
(…)
26. Aliás, atenta a gravidade desta situação e as consequências previstas por lei para a sancionar – a nulidade dos atos praticados pelo juiz impedido (art.º 41º/3 do CPP) -, nem se poderia interpretar diferentemente o disposto no artigo 41º/2 do CPP, sob pena de estar ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 32º/1 da CRP.
(…)
44. Pelo que qualquer outra interpretação do artigo 455º/1 do CPP distinta da ora enunciada, que não imponha a notificação ao Recorrente do Parecer do MP junto do STJ e a possibilidade de resposta aos pareceres do tribunal e do MP, sempre atentaria contra o disposto nos artigos 32º/1 e 5 e 29º/6 da CRP, pelo que seria inconstitucional, inconstitucionalidade que, à cautela, desde já se invoca.
A 17 de maio de 2012 o Supremo Tribunal indeferiu a reclamação, respondendo da seguinte maneira às questões de constitucionalidade que haviam sido colocadas:
2. A reclamação assenta em dois pontos: o impedimento do juiz de 1ª instância, que participou no julgamento, para intervir no recurso de revisão, e a violação do princípio do contraditório por falta de notificação ao recorrente das intervenções processuais produzidas pelo Ministério Público e pelo juiz no recurso de revisão, por forma a sobre elas se pronunciar.
Nos dois aspetos objeto de reclamação não parece que o recorrente atenda à tramitação especial própria do recurso extraordinário de revisão normativamente prevista no artigo 449.º e ss. do Código de Processo Penal.
2.1. O IMPEDIMENTO DO JUIZ DE 1.ª INSTÂNCIA
2.1.1. Neste ponto, o requerente suscita a declaração de impedimento, nos termos do artigo 40.º, alínea c), do CPP, do juiz que, na 1.ª Instância, proferiu a sentença condenatória, para a prática dos atos processuais normativamente regulados nos artigos 452.º a 454.º do CPP, arguindo, com esse fundamento, a nulidade de todo o processado, incluindo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sob a invocação do disposto no artigo 41.º, n.º 3, do CPP.
Adiantando que qualquer interpretação do artigo 40.º, alínea c), no sentido «de que a participação do juiz de julgamento na fase rescindente do recurso de revisão não contende com o disposto no artigo 40.°, alínea c), do CPP, para além de não se conter nem na letra nem no espírito da norma em questão, sempre se revelará inconstitucional à luz do (...) artigo 32.º, n.º 1, da Constituição», inconstitucionalidade que, à cautela, invocou.
2.1.2. O impedimento do juiz por participação em processo, constante da alínea c), do artigo 40.º do CPP, prende-se (como, aliás, todos os restantes impedimentos previstos no mesmo artigo) com a necessidade de acautelar a imparcialidade do juiz de modo a que a sua intervenção em julgamento, recurso ou pedido de revisão não corra o risco de ser contaminada por um pré-juízo adquirido na participação em julgamento anterior.
Esse risco só poderia verificar-se se o juiz que participou no julgamento anterior tivesse intervenção no julgamento do pedido de revisão.
Ora, a intervenção do juiz do julgamento no recurso de revisão está limitada, nos termos dos artigos 452.° a 454.° do CPP, à mera instrução do recurso extraordinário de revisão. Ou seja, embora prestando uma informação sobre o mérito do pedido, o juiz do tribunal que proferiu a sentença que deve ser revista, nada decide sobre o pedido de revisão.
A competência material para autorizar ou negar a revisão cabe, exclusivamente, ao Supremo Tribunal de Justiça.
Não participando o juiz da 1.ª instância na decisão do pedido de revisão, a intervenção no julgamento da causa, na sequência do qual foi proferida a sentença cuja revisão é pedida, não constitui impedimento para a prática dos atos que, nos termos da lei, lhe competem, no quadro da tramitação do pedido de revisão, na fase anterior ao julgamento do recurso extraordinário.
A intervenção do juiz do julgamento na tramitação processual prevista nos artigos 452.º a 454.º do CPP não implica, pois, violação do disposto no artigo 40.º, alínea c), do CPP, não sendo, consequentemente, nulos os atos, por ele, praticados.
E, no âmbito da limitada intervenção que o juiz de julgamento tem na fase de instrução do recurso de revisão, não há suporte bastante para se pretender que, com ela, as garantias de defesa do recorrente (artigo 32.°, n.º 1, da Constituição) resultem vulneradas.
2.1.2. Ainda que outro fosse o nosso entendimento - que não é -, sempre a suscitação do impedimento seria intempestiva.
2.1.2.1. Nos termos do n.º 2 do artigo 41.º do CPP, a declaração de impedimento do juiz pode ser requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis “logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste”.
A expressão “logo que” só pode significar que o sujeito processual, com legitimidade para o efeito, deve requerer o impedimento do juiz, no prazo geral de 10 dias (artigo 105.° do CPP), a partir do momento em que tenha intervenção no processo, no caso de o impedimento já se verificar, ou, quando o impedimento só for conhecido posteriormente, no mesmo prazo, após o conhecimento.
Destaca, a propósito, o Exm.º Procurador-geral-adjunto:
«Uma interpretação da norma que permitisse às partes requerer o impedimento do juiz em qualquer altura do processo, independentemente do momento em que tivessem adquirido conhecimento do impedimento, abriria as portas a estratégias perversas, contrárias à boa fé, que são intoleráveis em processo penal. Como se escreveu no Acórdão n.º 429/95 do Tribunal Constitucional; “[…] no processo penal existem outros valores relevantes, para além do direito da defesa a obtenção de uma sentença absolutória; […] O dever de boa fé processual, que impedirá que possam - arguido e defensor - ser tentados a aproveitar-se de alguma omissão ou irregularidade porventura cometidas ao longo dos atos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um “trunfo” para, em fase ulterior do processo, se e quando lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado. Ou, como diz Paulo Albuquerque: [...] seria inaceitável que os sujeitos processuais deixassem prolongar a atuação do juiz visado para só fazer valer o impedimento do juiz depois de ela ter cessado, atuando com reserva mental em relação ao juiz e esperando o recurso da sentença para então atacar a sua imparcialidade. Seria o próprio princípio da lealdade processual que estaria em causa.
2.1.2.2. O requerente, representado pelo seu atual mandatário, teve conhecimento de quem foi o juiz do julgamento a partir do momento em que apresentou o recurso de revisão, o qual instruiu com certidão da decisão condenatória a rever, da qual consta - além da assinatura -, bem visível o nome do juiz que a proferiu.
Esteve presente, representado pelo seu atual mandatário, nas diligências de inquirição das testemunhas, ouvidas nos termos do n.º 1 do artigo 453.º do CPP presididas pelo juiz do julgamento.
Ademais, foi notificado, na pessoa do seu atual mandatário, da informação prestada nos termos do artigo 454.° do CPP, pelo juiz do julgamento.
Teve, pois, oportunidade de verificar que era o juiz do julgamento quem procedia às diligências e quem prestou a informação, nos termos previstos nos artigos 453.º e 454.ºdo CPP. Por isso, a afirmação de que só com a leitura do acórdão, deste Tribunal, é que disso se apercebeu, é surpreendente e abusiva tanto mais que não se alcança - nem o requerente o esclarece - de que forma é que o acórdão deste Tribunal lhe permitiria esse conhecimento porque, bem vistas as coisas, o acórdão deste Tribunal nada contém que o elucidasse sobre ter sido o juiz do julgamento quem interveio nos atos previstos nos artigos 453.º e 454.º do CPP, que o requerente já não soubesse.
2.2. A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
2.2.1. Vem o requerente, nos termos do artigo 123.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, arguir a irregularidade consistente em, após a produção de prova na 1.ª instância, apenas ao tribunal e ao Ministério Público, em 1.ª instância, e ao Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de Justiça, ter sido permitido tecer considerações, não tendo sido dada oportunidade ao requerente de responder a tais pareceres.
Pretendendo que a si deveria ter cabido a última palavra, antes da prolação do acórdão, vê, na omissão deste Tribunal o notificar para se pronunciar sobre os pareceres do tribunal e do Ministério Público nas duas instâncias, o desrespeito pelo princípio do contraditório a implicar a irregularidade do ato e dos termos subsequentes por ela afetados.
Adiantando que «qualquer interpretação do artigo 455°/1 do CPP (...) que não imponha a notificação ao Recorrente do Parecer do MP junto do STJ e a possibilidade de resposta aos pareceres do tribunal e do MP, sempre atentaria contra o disposto nos artigos 32º/1 e 5 e 29º/6 da CRP, pelo que seria inconstitucional», inconstitucionalidade que, à cautela, invocou.
2.2.2. Na regulamentação legal especifica do recurso de revisão não há previsão do exercício do contraditório na sequência da notificação ao requerente da resposta dos sujeitos processuais ao recurso, da informação prestada pelo juiz, antes da remessa do processo ao Supremo Tribunal de Justiça, e nem mesmo do parecer do Ministério Público, após a receção do processo no Supremo Tribunal de Justiça.
Ou, dito de outro modo, dessa regulamentação, não decorre que ao requerente deva ser facultado o exercício do contraditório, para que tome posição sobre a resposta, sobre a informação e sobre o parecer.
Por outro lado, no Capítulo II “Dos recursos extraordinários (Título II do Livro IX do CPP) não há norma paralela à do artigo 448.º do CPP que determina a aplicação subsidiária das disposições que regulam os recursos ordinários aos recursos extraordinários de fixação de jurisprudência.
2.2.3. Mas, mesmo na perspetiva de aplicação subsidiária das normas que regulam os recursos ordinários, a notificação da resposta dos sujeitos processuais ao recurso de revisão, no caso, a resposta do Ministério Público, na tramitação anterior à remessa do processo Supremo Tribunal de Justiça, não abriria um espaço contraditório de “resposta à resposta”, uma vez que o mesmo não está previsto nas disposições que regulam os recursos ordinários (cfr. artigos 413.° e 414.° do CPP).
Não obstante, deve recordar-se ao requerente que ele, notificado da resposta do Ministério Público, na fase da tramitação prevista nos artigos 452.º a 454.º do CPP, veio pronunciar-se sobre ela, em requerimento que apresentou neste Tribunal.
E, quanto à informação prestada sobre o mérito do pedido (artigo 454.ºdo CPP), é evidente que ela, pela sua natureza própria e exclusiva do recurso extraordinário de revisão, não tem paralelo nos recursos ordinários.
2.2.4. Nos termos do artigo 451.º, n.º 1, do CPP, está, ainda, excluída, a notificação do parecer do Ministério Público, no Supremo Tribunal de Justiça, para que o requerente do recurso extraordinário de revisão sobre ele se pronuncie, uma vez que, indo o processo com vista ao Ministério Público, por 10 dias, é, depois, imediatamente concluso ao relator.
É sabido que há quem sustente que uma interpretação constitucional do artigo 451.º, n.º 1, do CPP, impõe a notificação do parecer do Ministério Público a exemplo do já consagrado para os recursos ordinários, no artigo 417.º, n.º 2.
Mas outros autores divergem deste entendimento. Como, v.g., destaca o Exm.° Procurador-geral-adjunto, convocando a anotação de MAIA GONÇALVES, in Código de Processo Penal Anotado, 15.ª Edição, 2005, pág. 934, no sentido de que: «[A]pós a vista ao MP nos termos do n.º 1 [do art. 455.º], porque aqui o MP, em respeito pelo contraditório exerce somente o direito de resposta à petição, não tem o requerente da revisão que ser notificado para responder quando a posição assumida pelo MP constitua unicamente resposta ao pedido. Trata-se manifestamente de caso diferente do n.º 2 do art. 417.º, pois que neste caso são os sujeitos processuais a responder a questão sobre que não tinham sido ouvidos».
De referir, por último que o Tribunal Constitucional já decidiu que não é inconstitucional o n.º 1 do artigo 451.º, quando entendido como não devendo ser notificada ao requerente a posição do Ministério Público exarada no âmbito de um recurso de revisão e constituindo unicamente resposta àquele pedido. Assim, no acórdão n.º 376/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de dezembro de 2000.
2. Desta decisão recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC), A..
No requerimento de interposição do recurso pedia que o Tribunal se pronunciasse sobre quatro questões:
(a) a inconstitucionalidade do artigo 40.º, alínea c), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a participação do juiz do julgamento na fase rescindente do recurso de revisão (artigos 452.º a 454.º) não contende com o disposto neste artigo;
(b) a inconstitucionalidade do artigo 41.º, nº 2 do CPP, na interpretação segundo a qual a declaração de impedimento tem que ser requerida pela parte no prazo geral de dez dias a partir do momento em que aquela tenha intervenção no processo, no caso de o impedimento já se verificar, ou, quando o impedimento só for conhecido posteriormente, no mesmo prazo, após o conhecimento;
(c) a inconstitucionalidade do artigo 455.º do CPP, na interpretação segundo a qual o tribunal não está obrigado, em estrita observância do princípio do contraditório (artigo 3.º, nº 3, do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal), a ordenar, antes de proferir o acórdão, a notificação do recorrente para, em prazo que lhe for notificado ou em prazo supletivo de dez dias (artigo 105.º, nº 1, do CPP), se pronunciar sobre os pareceres do tribunal e do Ministério Público (em 1ª instância e junto do Supremo);
(d) a inconstitucionalidade do artigo 380.º do CPP, na interpretação segundo a qual o regime processual penal de esclarecimento ou reforma da sentença, do artigo 669.º do Código de Processo Civil, não tem aplicação no âmbito do processo penal, em face da específica previsão do artigo 380.º.
Em relação a todas estas questões foi alegada violação do artigo 32.º, nº 1, da CRP. Além disso, quanto à primeira, invocou-se ainda violação do artigo 6.º, nº 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, e, quanto à terceira, violação do mesmo artigo (desta vez, no disposto pelo seu §3, alínea b)), bem como do nº 5 do artigo 32.º da CRP.
Disse-se ainda, quanto à “norma” identificada em quarto lugar, que, por não ter havido oportunidade para tanto, se não suscitara antes [de proferida a decisão recorrida] a questão da sua constitucionalidade.
3. Ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A da LTC, decidiu a relatora no Tribunal Constitucional não conhecer do objeto do recurso, através da Decisão Sumária nº 425/2012, por, em relação às quatro questões nele colocadas, não estarem reunidos os respetivos pressupostos de admissibilidade. Quanto às questões enunciadas em (a) e em (c), entendeu-se que não tinha havido suscitação prévia do problema de constitucionalidade, por não serem os incidentes pós-decisórios momento idóneo para suscitar perante o tribunal a quo o referido problema; quanto à questão enunciada em (b), por a colocação da questão, perante o tribunal a quo, não ter correspondido às exigências decorrentes do disposto no nº 2 do artigo 72.º da LTC; quanto à questão enunciada em (d), por não ter havido, pura e simplesmente, suscitação de qualquer questão durante o processo.
É desta decisão que vem agora reclamar A., nos termos do disposto pelo nº 3 do artigo 78.º-A da LTC, concluindo da seguinte forma:
A) O Reclamante é parte legítima.
B) Quanto às alíneas a) e c) do requerimento de interposição não pode o Recorrente conformar-se com a decisão sumária, pois, basta consultar o processo, para constatar que o Recorrente não teve qualquer outra hipótese de invocar a inconstitucionalidade que não fosse na sua Reclamação.
C) Com efeito, se o acórdão de 29/3/2012 foi proferido sem que o Recorrente tivesse sido sequer notificado do parecer do MP junto do STJ, qual era o meio idóneo e atempado para suscitar a questão da inconstitucionalidade, se não lhe foi dada qualquer oportunidade de o fazer?
D) Vejamos: a prova foi produzida no Tribunal Judicial de Santarém, o Ministério Público deu parecer, o juiz da 1ª instância deu parecer, o Procurador no Supremo Tribunal de Justiça deu parecer e os juízes conselheiros proferiram o acórdão, sem notificar sequer o Recorrente do parecer do Ex.mo Procurador no Supremo Tribunal de Justiça, como se o Recorrente não fosse visto, nem achado neste processo.
E) Se o acórdão do STJ não admite recurso, como pode dizer-se que a reclamação e o pedido de reforma do acórdão de 29/3/2012 não são meio idóneo e atempado para suscitar a questão da inconstitucionalidade, em termos de o Tribunal Constitucional dela poder conhecer?
F) Tem por conseguinte de conhecer-se do recurso, quanto às alíneas a) e c) do seu requerimento de interposição de recurso.
G) Quanto à alínea b) do requerimento de interposição, impõe-se também conhecer do recurso nesta parte.
H) Com efeito, o facto de a questão da inconstitucionalidade não ter, é um facto, sido efetuada na Reclamação com o rigor com que o Recorrente fez no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, tal não pode ser um obstáculo ao seu conhecimento por este tribunal.
l) No caso sub judice, só por um excesso de formalismo, absolutamente contrário à essência dos valores que a Constituição visa preservar, se pode exigir que, num momento anterior à decisão que se considera ferida de inconstitucionalidade, a questão da inconstitucionalidade seja suscitada com o mesmo rigor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não lhe bastando a simples invocação da inconstitucionalidade, caso a decisão seja proferida nesse sentido.
J) Quanto à alínea d) do requerimento, basta ler o pedido de reforma do acórdão e o requerimento de interposição de recurso para este tribunal para se constatar que o Recorrente foi apanhado completamente de surpresa com a interpretação que o STJ fez da norma em questão, pelo que a única oportunidade que teve para suscitar a questão da inconstitucionalidade foi no requerimento de interposição do recurso para este tribunal.
K) No caso sub judice, do confronto entre o alegado no pedido de reforma e o teor da decisão que sobre ela recaiu, é por demais evidente que não era exigível ao Recorrente que antecipasse a interpretação adotada pelo tribunal de recurso, tanto mais que não era de todo previsível para o Recorrente.
L) O que o Recorrente apenas tem de demonstrar é a impossibilidade que, no caso, é notária de invocação prévia da inconstitucionalidade.
M) A lei não exige nem pode exigir que o Recorrente adivinhe qual irá ser a interpretação do tribunal quanto a determinada questão, sendo certo que se exigisse no caso sub judice, tal seria completamente surreal e absurdo, pois estar-se-ia a exigir que, à cautela, o Requerente da reforma adiantasse uma interpretação da norma contrária ao seu interesse processual e que levaria, caso a mesma fosse seguida, ao não conhecimento do seu pedido.
N) Ora, que lei seria essa que obrigaria o cidadão a elucidar o tribunal das interpretações, ainda que inconstitucionais, em voga contra o pedido que formula?
O) Tal lei não pode existir e, se ela existe, a mesma só pode ser inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.°/1 da CRP.
P) Tem por isso necessariamente que se conhecer também desta questão.
Q) Devia, por isso, o recurso interposto a fls. ter sido totalmente admitido.
R) Não o sendo, foi violado, designadamente, o artigo 70.º/1 al b), 72.º/2 e 78.º-A da LTC.
S) O Recorrente encontra-se preso e tem perfeita noção que seja qual for a decisão proferida nestes autos, ela já não chegará a tempo de evitar o cumprimento da pena de prisão.
T) O recurso de revisão não foi admitido pelo STJ com base em factos que não são verdadeiros e em conclusões erradas, que ao Recorrente não foi dada a possibilidade de contraditar.
U) O parecer do MP junto do STJ, acompanhado pelo Tribunal, é disso o melhor exemplo.
V) O Tribunal Constitucional não pode refugiar-se em formalismos legais e em interpretações contra o senso comum, inacessíveis ao comum cidadão, para não conhecer do presente recurso, impedindo o alcance da justiça pelo Recorrente e consentindo que os preceitos constitucionais sejam sistematicamente violados pelos tribunais.
O Ministério Público no Tribunal Constitucional, por seu turno, foi também de entendimento que em relação a nenhuma das quatro questões enunciadas pelo reclamante no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade merecia deferimento a reclamação. Mas apresentou para tanto outros fundamentos, que não aqueles invocados pela decisão sumária reclamada. Foram eles os seguintes:
7°
Comecemos pela segunda questão de inconstitucionalidade (“b)”)
8°
O recorrente informa, na reclamação, que só tomou contacto com o processo após o aparecimento da nova testemunha, “pelo que só agora, da leitura do Acórdão, se apercebe de que o Juiz que presidiu à inquirição da nova testemunha, em fase de recurso de revisão, e elaborou o parecer em que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros fundam o seu o Acórdão é precisamente o mesmo Juiz que presidiu ao julgamento em 1.ª instância”
9°
Por sua vez nos n.ºs 25 e 26 daquela peça processual diz:
“25. O Recorrente está em tempo para invocar o referido impedimento, pois o mesmo pode ser invocado a todo o tempo, em qualquer estado do processo (41.º, n.º 2, do CPP)
26. Aliás, atenta a gravidade desta situação e as consequências previstas por lei para sancionar - a nulidade dos atos praticados pelo juiz impedido (art.º 41.º/3 do CPP) -, nem se poderia interpretar diferentemente o disposto no artigo 41.°/2 do CPP, sob pena de estar ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 32.°/1 da CRP”.
10º
Ora, como muito bem se considerou na Decisão Sumária, as afirmações do recorrente não traduzem a suscitação adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
11º
A própria decisão recorrida quando apreciou da tempestividade do pedido não o fez - e bem - numa perspetiva de constitucionalidade.
12º
Por outro lado, a dimensão normativa que o recorrente identifica como objeto do recurso nem sequer corresponde ao que afirma naquele pedido de reforma.
13º
Como se demonstra de forma clara e inequívoca no Acórdão recorrido, o recorrente teve todas as possibilidades de levantar o incidente no prazo legal, apenas o fazendo, contudo, de forma insólita, acrescentaríamos, quando foi notificado do Acórdão que negou a revisão.
14º
Ou seja, conjugando o afirmado pelo recorrente com as circunstâncias do caso, se o recorrente pretendia suscitar uma questão de inconstitucionalidade nesta matéria, teria de invocar a inconstitucionalidade da interpretação que não lhe permitisse invocar o impedimento a todo o tempo, mesmo após ser proferido o Acórdão do Supremo que negou a revisão.
15º
Ora, não foi esse o procedimento seguido, sendo certo que a forma como enunciou a questão no requerimento recursório até poderia sugerir que a inconstitucionalidade residiria na eventual exiguidade do prazo de 10 dias, o que, como se viu, não tem qualquer correspondência com a situação e com o que anteriormente afirmara.
16º
Acresce que, mesmo que o recorrente suscitasse a questão pela forma atrás referida, sempre ela seria de considerar, como nos parece evidente, manifestamente infundada.
17º
Passemos a apreciar a primeira questão de inconstitucionalidade ( “a)”).
18º
O recorrente entende que é inconstitucional, o Juiz que presidiu ao julgamento e proferiu a sentença condenatória ser o mesmo que intervém na fase instrutória do processo de revisão.
19º
O Acórdão recorrido apreciou a questão, considerando que esse Juiz apenas está impedido de participar na fase de julgamento do pedido de revisão que ocorre no Supremo Tribunal de Justiça, justificando-se fundamentadamente porquê e considerando que as garantias de defesa não são dessa forma afetadas.
20º
Acrescenta-se seguidamente no Acórdão:
“Ainda que fosse outro o nosso entendimento - que não é - sempre a suscitação do impedimento seria intempestiva”.
21º
Demonstra-se, seguidamente, a evidente intempestividade.
22º
Ora, assim sendo, estamos perante um fundamento alternativo, que tornaria inútil qualquer pronunciamento do Tribunal Constitucional sobre esta questão de inconstitucionalidade.
23º
É certo que o recorrente, na segunda questão de inconstitucionalidade que enuncia, também invoca uma inconstitucionalidade reportada ao prazo de impugnação.
24º
No entanto, essa mesma questão foi por nós tratada na primeira parte dessa resposta (artigos 7° a 16°), tendo nós concluído, pela evidente falta de pressuposto para dela conhecer a sua natureza manifestamente infundada.
25º
Aliás, foi precisamente por entendermos que na lógica da decisão a questão da tempestividade deve preceder esta, que começámos por apreciá-la.
26º
A terceira questão de inconstitucionalidade (“c)”).
27º
A tramitação do processo sofreu algumas incorreções como se pode ver pela promoção do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 236).
28º
A notificação que é feita ao Ministério Público (e ao assistente) é precisamente para lhes dar a possibilidade de responder ao pedido de revisão, exercendo, querendo, quanto a ele o contraditório, sendo certo que em condições normais essas respostas precedem a informação a prestar pelo Juiz (artigo 454.° do CPP).
29º
Como se diz no Acórdão recorrido, o recorrente não tem de ser notificado para exercer o contraditório do contraditório.
30º
De qualquer forma, como sublinhou a Relação, no caso concreto, o parecer do Ministério Público foi notificado ao recorrente e, como afirma este, não pode deixar de responder, e respondeu, ficando a resposta a constar dos autos antes de ter sido proferido o Acórdão a negar a revisão.
31º
Quanto à informação prestada pelo Senhor Juiz da 1.ª instância, ela foi notificada ao recorrente (fls. 1 82), nada dizendo, contudo, diferentemente do que fez quanto ao parecer do Ministério Público atrás referido.
32º
Quanto à não notificação do parecer do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça, a questão já foi tratada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, que proferiu um juízo de não inconstitucionalidade.
33º
Aliás, se a não notificação daquele parecer ao recorrente não se mostra violador da Constituição, por maioria de razão também não ocorre qualquer inconstitucionalidade na inexistência da possibilidade de o recorrente se pronunciar sobre a informação prestada pelo Juiz, ao abrigo do disposto no artigo 454° do CPP.
34º
Estar-se-ia, assim, perante uma questão simples, o que sempre justificaria a prolação de uma decisão sumária.
35º
A quarta questão de inconstitucionalidade, (“d)”).
36º
Nesta parte concorda-se integralmente com a Decisão Sumária.
37º
Efetivamente, não tendo a interpretação acolhida no Acórdão recorrido nada de insólito ou surpreendente, bem pelo contrário, o recorrente não estava dispensado do ónus de suscitação prévia, nem cumpriu o ónus da demostração da natureza insólita dessa interpretação.
38º
Para além disso, tal como a questão vem enunciada no requerimento de interposição do recurso, trata-se apenas de uma afirmação genérica.
39º
Para sustentar a aplicação subsidiária do regime vigente em processo civil, o recorrente teria de explicitar qual o vício que não está previsto no artigo 380.º do CPP e enunciar uma dimensão normativa, em conformidade.
40º
Por tudo o exposto, ainda que em alguns casos com uma fundamentação diferente, deve indeferir-se a reclamação.
Tendo sido notificado para se pronunciar sobre estes novos fundamentos, o reclamante reiterou, no essencial, os argumentos apresentados na reclamação.
Importa apreciar e decidir.
II - Fundamentação
4. Comecemos, à semelhança do que faz o representante do Ministério Público no Tribunal, pela análise da questão de constitucionalidade colocada, no requerimento de interposição do recurso, em segundo lugar (questão “b”).
Foi decidido, sumariamente, não conhecer desta questão por ela não ter sido suscitada, conforme o exige o nº 2 do artigo 72.º da LTC, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Entende pelo contrário o reclamante que se não pode exigir (sob pena de “formalismo” sem sentido) que a questão de constitucionalidade seja colocada, durante o processo, exatamente nos mesmos termos e com o mesmo rigor com que é colocada ao Tribunal no requerimento de interposição do recurso; e que, por isso mesmo, se deve quanto a este ponto conhecer de mérito, por estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade da questão. Mas não é assim.
Recorde-se o que aqui estava em causa.
Pretendia o reclamante que o Tribunal apreciasse a inconstitucionalidade, por violação, i.a., do nº 1 do artigo 32.º da CRP, da norma contida no artigo 41.º, nº 2, do CPP, na interpretação segundo a qual a declaração de impedimento tem de ser requerida pela parte no prazo geral de 10 dias a partir do momento em que tenha intervenção no processo, no caso de o impedimento já se verificar, ou, quando o impedimento só for conhecido posteriormente, no mesmo prazo, após o conhecimento.
Para sustentar esta questão disse o reclamante perante o Tribunal a quo: (i) que “só agora da leitura do acórdão se apercebeu de que o juiz que presidiu à inquirição da nova testemunha, em face do recurso de revisão, e elaborou o parecer em que os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros fundaram o seu acórdão é precisamente o mesmo juiz que presidiu ao julgamento em 1ª instância” (fls. 327 dos autos); (ii), que, por isso, “o recorrente está em tempo para invocar o referido impedimento, pois o mesmo pode ser invocado a todo o tempo, em qualquer estado do processo”, sendo certo que (iii) “atenta a gravidade desta situação e as consequências previstas pela lei para a sancionar – a nulidade dos atos praticados pelo juiz impedido – nem se poderia interpretar diferentemente o disposto no artigo 41.º/2 do CPP, sob pena de estar ferida de inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º/1 da CRP.” (fls. 331 dos autos”)
É manifesto que a colocação da questão não cumpre as exigências constantes do nº 2 do artigo 72.º da LTC. Por esta via não se colocou ao Tribunal recorrido, em termos processualmente adequados, a questão de constitucionalidade normativa que se veio a recortar no requerimento do recurso. E tanto assim foi que aquele Tribunal respondeu ao problema de direito infraconstitucional sem nenhuma abordagem da questão de constitucionalidade. Na realidade, o que a este propósito disse o acórdão recorrido foi, retranscreva-se, o seguinte:
O requerente, representado pelo seu atual mandatário, teve conhecimento de quem foi o juiz do julgamento a partir do momento em que apresentou o recurso de revisão, o qual instruiu com certidão da decisão condenatória a rever, da qual consta - além da assinatura -, bem visível o nome do juiz que a proferiu.
Esteve presente, representado pelo seu atual mandatário, nas diligências de inquirição das testemunhas, ouvidas nos termos do n.º 1 do artigo 453.º do CPP presididas pelo juiz do julgamento.
Ademais, foi notificado, na pessoa do seu atual mandatário, da informação prestada nos termos do artigo 454.º do CPP, pelo juiz do julgamento.
Teve, pois, oportunidade de verificar que era o juiz do julgamento quem procedia às diligências e quem prestou a informação, nos termos previstos nos artigos 453.º e 454.ºdo CPP. Por isso, a afirmação de que só com a leitura do acórdão, deste Tribunal, é que disso se apercebeu, é surpreendente e abusiva tanto mais que não se alcança - nem o requerente o esclarece - de que forma é que o acórdão deste Tribunal lhe permitiria esse conhecimento porque, bem vistas as coisas, o acórdão deste Tribunal nada contém que o elucidasse sobre ter sido o juiz do julgamento quem interveio nos atos previstos nos artigos 453.º e 454.º do CPP, que o requerente já não soubesse.
É assim patente que não pode estar aberta, in casu, a via de recurso para o Tribunal Constitucional. Na verdade, não há aqui nenhuma decisão de aplicação de norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, como o exige a Constituição (artigo 280.º, nº 1, alínea b))e a lei (artigo 70.º, nº1 alínea b) da LTC).
5. Passemos agora à análise da questão colocada em primeiro lugar (questão “a”).
Como atrás se disse, respeita ela à interpretação que, segundo o reclamante, terá sido dada pelo Supremo ao artigo 40.º, alínea c), do CPP, segundo a qual a “participação do juiz de julgamento na fase rescindente do recurso de revisão (artigos 452.º a 454.º) não contende com o disposto neste artigo.”
O Tribunal recorrido apreciou a questão. No entanto, fê-lo (recorde-se) nos seguintes termos:
A competência material para autorizar ou negar a revisão cabe, exclusivamente, ao Supremo Tribunal de Justiça.
Não participando o juiz da 1.ª instância na decisão do pedido de revisão, a intervenção no julgamento da causa, na sequência do qual foi proferida a sentença cuja revisão é pedida, não constitui impedimento para a prática dos atos que, nos termos da lei, lhe competem, no quadro da tramitação do pedido de revisão, na fase anterior ao julgamento do recurso extraordinário.
A intervenção do juiz do julgamento na tramitação processual prevista nos artigos 452.º a 454.º do CPP não implica, pois, violação do disposto no artigo 40.º, alínea c), do CPP, não sendo, consequentemente, nulos os atos, por ele, praticados.
Ainda que outro fosse o nosso entendimento – que não é -, sempre a suscitação do impedimento seria intempestiva.
Deste excerto pode concluir-se que o Supremo não aplicou a norma cuja (in)constitucionalidade se pretendia que o Tribunal apreciasse. Disse o acórdão recorrido, de forma clara e inequívoca, que, no caso, não fora violado o disposto na alínea c) do artigo 40.º do CPP (e que, mesmo que assim se não entendesse, sempre seria de considerar intempestiva a suscitação do impedimento).
Visto que o Tribunal Constitucional decide, em processo de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, de recursos interpostos de decisões proferidas pelos tribunais comuns, os juízos que emita não podem deixar de ter efeitos sobre as decisões recorridas: estas últimas deverão ser reformadas ou mandadas reformar “em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade” (artigo 80.º. nº 2. da LTC). Nenhum efeito poderá ter, contudo, a decisão do Tribunal, caso julgue sobre a constitucionalidade de uma norma que não foi sequer aplicada pelo tribunal a quo – ou, tendo-o sido, não forneceu no entanto a razão da sua decisão. Sempre que estas circunstâncias ocorrem deve entender-se que não está aberta a via de recurso para o Tribunal Constitucional. É que, caso assim não fosse, o Tribunal proferiria decisões inúteis, porque não incidentes sobre a norma aplicada no caso concreto.
Sendo, quanto a este ponto, precisamente essa a situação dos autos, também aqui se não conhecerá da questão.
6. Em terceiro lugar, colocou o reclamante ao Tribunal a questão da inconstitucionalidade (por violação do artigo 32.º, nºs 1 e 5 da CRP) do artigo 455.º, nº 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o tribunal a que o artigo se reporta não está obrigado, em estrita observância do princípio do contraditório, a ordenar, antes de proferir o acórdão, a notificação do recorrente para, em prazo que lhe for fixado ou no prazo supletivo de dez dias (artigo 105.º, nº 1 do CPP), se pronunciar sobre os pareceres do tribunal e do Ministério Público (em 1ª instância e junto desse tribunal).
No entanto – e mais uma vez – o que ficou demonstrado foi que o recorrente, ora reclamante, foi notificado quer do parecer do Ministério Público (em 1ª instância), quer da informação prestada pelo juiz de 1ª instância. É o que decorre da decisão recorrida (“não obstante, deve recordar-se ao requerente que ele, notificado da resposta do Ministério Público, na fase de tramitação prevista nos artigos 452.º a 455.º do CPP, veio pronunciar-se sobre ela, em requerimento que apresentou ao Tribunal”) e dos próprios autos (fls. 182).
Assim sendo, a questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal no requerimento de interposição do recurso incide sobre uma norma que uma vez mais não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Não foi nem podia ter sido: pois se decorre dos autos que o recorrente, ora reclamante, veio a ser notificado quer do parecer do Ministério Público, quer da informação do juiz na 1ª instância, é evidente que a “dimensão interpretativa” com que foi aplicada a “norma do caso” não coincide com aquela cuja inconstitucionalidade se pediu que o Tribunal apreciasse. Valem assim, também quanto a este ponto, todas as considerações feitas anteriormente quanto à utilidade do recurso de constitucionalidade.
É certo que há uma certa “dimensão” da norma sindicanda que resiste ao que acaba de ser dito. Dos autos não consta que o reclamante tenha sido notificado do parecer proferido no Supremo Tribunal de Justiça pelo Ministério Público. Tal facto foi, aliás, expressamente reconhecido pela decisão recorrida, que sufragou a interpretação segundo a qual do teor do artigo 451.º, nº1, do CPP não decorre a necessária notificação de tal parecer: a questão, é, como se sabe, alheia à competência própria do Tribunal Constitucional, que não dirime divergências de entendimento quanto à correta interpretação do direito ordinário. Ao Tribunal cabe apenas decidir se a adoção, pelo tribunal a quo, desta interpretação (quanto à norma decorrente do nº 1 do artigo 451.º do CPP) é ou não contrária à Constituição. E a verdade – como aliás o sublinhou o Supremo – é que o Tribunal já disse que não era: no Acórdão nº 376/2000, expressamente referido pela decisão recorrida, não se julgou inconstitucional a norma do artigo 455.º, nº1, do Código de Processo Penal, se interpretada como não devendo ser notificada ao recorrente a posição do Ministério Público que constitua unicamente uma resposta ao pedido de revisão.
Assim, nos termos do disposto pelo nº 1 do artigo 78.º-A da LTC, pode entender-se que, quanto a este preciso ponto, é simples a questão a decidir.
7. Finalmente, quanto à questão colocada em quarto lugar (questão “d”).
É o próprio reclamante que afirma não a ter suscitado antes, durante o processo, por ter sido surpreendido com o seu teor absolutamente inesperado.
No entanto, não tendo a decisão recorrida nada de inesperado, insólito ou absolutamente surpreendente, não fica o reclamante dispensado de arguir, durante o processo, e em termos adequados, a questão da inconstitucionalidade da(s) norma(s) que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. A necessária suscitação do problema de constitucionalidade durante o processo é um pressuposto fundamental do recebimento dos recursos para o Tribunal Constitucional que são interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC. A sua exigência não é um “formalismo”. É antes a consequência lógica do sistema português de justiça constitucional, tal como ele é definido pelo artigo 280.º, nº1, alínea b) da Constituição.
III – Decisão
Assim, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Não conhecer em parte do objeto do recurso;
b) Não conceder provimento à questão que dele se conhece; e, consequentemente,
c) Indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixadas em vinte (20) unidades de conta da taxa de justiça.
Lisboa, 27 de fevereiro de 2013.- Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.