Imprimir acórdão
Processo n.º 568/01
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório O presente recurso, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Janeiro de 2001, que, no seguimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
172/2000, procedeu à reforma de anterior aresto daquele Tribunal, proferido no presente processo, vem interposto pela A., ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade 'da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas [CIRC] à luz da interpretação preconizada pelo Tribunal a quo de acordo com a qual é consagrada posição idêntica à adoptada por via legislativa através do disposto no n.º 7 do n.º 1 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março.' Naquele Acórdão n.º 172/2000, recorde-se, o Tribunal Constitucional decidiu
'julgar inconstitucional o artigo 28º, n.º 7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, por violação do artigo 103º, n.º 3, da Constituição, determinando, consequentemente a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade'. Esta decisão foi tomada por maioria, com duas declarações de voto no sentido da não inconstitucionalidade e uma declaração de voto quanto à questão prévia, no sentido de que, em face da decisão recorrida, se podia concluir que, mesmo 'sem a lei interpretativa – ou sem consideração da sua eficácia dita ‘retroactiva’ – o tribunal a quo, e a jurisprudência que perfilha a orientação da decisão recorrida (ao contrário da da decisão de 1ª instância), chegaria[m] à mesma solução, de não dedutibilidade das derramas', pelo que, 'atenta a função instrumental do recurso de constitucionalidade, e considerando (...) que a decisão deste, qualquer que seja, não ter[ia] a virtualidade de alterar a decisão recorrida, com a fundamentação que nela ficou expressa, não teria tomado conhecimento do (...) recurso.' Nos fundamentos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo ora recorrido, de
17 de Janeiro de 2001, proferido na sequência do citado Acórdão n.º 172/2000, do Tribunal Constitucional, pode ler-se, designadamente:
'A observância deste juízo judicativo de inconstitucionalidade demanda que este tribunal deva expurgar, dentre os fundamentos em que se estribou o acórdão que foi sindicado pelo Tribunal Constitucional, aquele fundamento que respeita ao apuramento e aplicação do sentido normativo da norma interpretada, ou seja, o art.º 41º n.º 1 al. a) do CIRC, na sua versão originária, com recurso à norma interpretativa – o n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março –, que foi julgada inconstitucional, e que faça discorrer a solução da causa apenas de outras razões.' E, sobre a anterior decisão daquele Supremo Tribunal, diz-se que:
'examinando essa decisão, conclui-se que ela assenta, também, e como não podia, lógico-juridicamente, deixar de ser, no indissociável e implicado pressuposto lógico-jurídico de que o sentido da norma interpretada, sobre o qual a jurisprudência se havia dividido, se postava no sentido de que a derrama era um imposto indedutível, como era solicitado pela sua natureza de imposto sobre o rendimento, pese, embora, ela não estivesse mencionada na versão originária daquele preceito do art.º 41º n.º 1 al. a) do CIRC, como resultava imediatamente da sua exegese literal. Só entendido nestes termos o sentido da fundamentação da decisão se compreende que o aresto não tenha rejeitado a aplicação da norma interpretativa sob o pretexto da sua falsa qualificação jurídica e, consequentemente, da existência de uma oculta, enviezada e inconstitucional intenção legislativa de aplicação de normas retroactivas respeitantes a matéria de incidência dos impostos, como a recorrente sustentara nas suas alegações, antes aceitando, – o que deixou externado, a propósito da bondade da interpretação legal feita –, aquele sentido de indedutibilidade como sendo aquele que melhor se coaduna com o fenómeno económico financeiro que a mesma traduziria. De qualquer forma, tal é, de facto, – acrescente-se –, a solução (a da indedutibilidade) que, segundo a correcta hermenêutica jurídica, decorre do preceito interpretado (o art. 41º n.º 1 al. a) do CIRC), na sua versão original, visto este à luz dos seus elementos singulares e do seu entrosamento no conjunto de valores do sistema jurídico, adequadamente convocáveis para a apreensão do seu sentido normativo. A este propósito cabe aqui deixar registado que apenas um acórdão deste Supremo Tribunal se havia pronunciado até então, – e assim continua a ser até aos dias de hoje, não obstante os inúmeros casos paralelos que apreciou –, pela dedutibilidade da derrama ou pela sua consideração como custo fiscal.' Assim, depois se reproduzir a argumentação de outro aresto do Supremo Tribunal Administrativo no sentido da não dedutibilidade das derramas, já em face do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC antes de 1996, concluiu o Tribunal a quo, decidindo
'na reforma do seu acórdão de fls. 91 e 92 dos autos de acordo com a referida decisão de inconstitucionalidade, manter a sua decisão anterior de negar provimento ao recurso'. Em face do requerimento de recurso, o relator no Tribunal Constitucional, entendendo poderem suscitar-se dúvidas sobre a verificação dos pressupostos para se poder tomar conhecimento dos recursos, proferiu em 25 de Outubro de 2001 o despacho seguinte:
'(...) Assim, quanto ao recurso da citada alínea g) do n.º 1 do artigo 70º, questiona-se se a decisão recorrida na verdade aplicou ‘norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional’, não parecendo que seja o caso, designadamente, da norma julgada inconstitucional neste processo, pelo Acórdão n.º 172/2000 (que foi a do artigo 28º, n.º 7, da referida Lei n.º 10-B/96), uma vez que a decisão recorrida se terá fundamentado exclusivamente na alínea a) do n.º 1 do artigo 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção anterior a esse diploma de 1996. Por outro lado, quanto ao recurso da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, não se detecta, quer nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, quer na arguição de nulidade da decisão recorrida, a suscitação da inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção anterior à Lei
10-B/96 (e independentemente desta), interpretada no sentido de as derramas não serem dedutíveis à matéria colectável (antes sempre esteve em questão a redacção interpretativa desta lei de 1996 e a violação do princípio da confiança e da proibição da retroactividade da lei fiscal). Poderá, porém, levantar-se a questão de saber se, para vir a interpor recurso ao abrigo de tal alínea b), o recorrente não tinha o ónus de suscitar tal inconstitucionalidade durante o processo – isto é, antes da decisão recorrida –, ou, pelo menos, ao ter arguido a nulidade do acórdão recorrido (...). E, por último, também não se afigura ao ora relator que a decisão recorrida tenha incorrido em violação do caso julgado formado sobre a questão de constitucionalidade no presente processo, pelo Acórdão n.º 172/2000.
2. Reconhece-se, porém, que a questão se não afigura simples, para efeito de se proferir decisão sumária ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, e que há conveniência em ouvir as partes sobre o ponto.
3. Assim, e não deixando de ter em consideração a questão prévia relativa ao conhecimento do recurso – sobre a qual recorrente e recorrido ficam também notificados para, querendo, se pronunciarem –, prossiga o processo para alegações.' Apenas a recorrente alegou, concluindo, quer quanto à questão prévia da admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea b) e da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, quer quanto à questão de fundo da inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC na interpretação 'que consagra a indedutibilidade da derrama enquanto custo fiscal.' Diz-se nessas conclusões:
'I – O presente recurso deve ser admitido à luz da alínea b) do art. 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, porquanto: a) a recorrente suscitou, ainda que implicitamente, a questão de inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades; b) o modo como a questão de inconstitucionalidade foi suscitada cumpre com o desiderato legal e constitucional à luz do prescrito no art. 20º da CRP e do mecanismo de funcionamento da judicial review consagrado, no nosso Ordenamento Jurídico, no art. 204º da CRP; c) o Tribunal a quo, aquando do julgamento das nulidades arguidas, teve presente a questão de inconstitucionalidade que, aliás, consistiu (ainda que com decisão de rejeição) num dos fundamentos da decisão; d) não admitir o recurso de inconstitucionalidade importa violação do direito fundamental de acesso aos tribunais e ao direito e da tutela jurisdicional efectiva - art. 20º da CRP. e) não admitir o recurso contraria o mecanismo de fiscalização difusa da inconstitucionalidade consagrado no art. 204º da CRP .
2 – O presente recurso também seria sempre admissível à luz da alínea g) do art.
70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, porquanto: a) No acórdão reformado e no recurso que do mesmo foi interposto para o Tribunal Constitucional esteve sempre em causa a apreciação da constitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na interpretação introduzida pelo n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96; b) Não faria sentido apreciar e resolver a questão da inconstitucionalidade exclusivamente em relação ao n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96 porquanto esta norma não tem autonomia relativamente à referida disposição do CIRC; c) Ao ser julgada inconstitucional a norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, inconstitucional será também a interpretação segundo a qual, antes da entrada em vigor daquele diploma, a alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC consagrava a indedutibilidade das derramas enquanto custo fiscal; Ou seja, d) Ao ser julgada inconstitucional a norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, quando mandada aplicar a situações pretéritas,
‘inconstitucionalizaram-se’ todas e quaisquer interpretações da alínea a) do n.º
1 do art. 41º do CIRC que, por portas travessas, inutilizem aquele julgamento; e) Assim, o presente recurso também se fundamenta da aplicação de uma norma – a da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC – anteriormente (Acórdão T.C., n.º
172/2000) julgada inconstitucional quando interpretada – pela norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96 – no sentido de consagrar a indedutibilidade das derramas; f) Em face do exposto, também pela alínea g) do art. 70º da LOFPTC, deve o presente recurso ser admitido.
3 – A norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo, segundo a qual consagra a indedutibilidade da derrama enquanto custo fiscal, padece das inconstitucionalidades materiais que, de seguida, são alegadas, umas a título principal e outras a título subsidiário.
4 – Desde logo, o Tribunal Constitucional ao julgar, no Acórdão n.º 172/2000, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º
10-B/96, consagrou também o entendimento de que, antes da entrada em vigor daquele diploma legal, a alínea a) do n° 1 do art. 41º do CIRC não podia ser interpretada no sentido de consagrar a indedutibilidade das derramas como custo fiscal.
5 – É que do julgamento pela inconstitucionalidade da citada norma legal decorreu a obrigação para o tribunal a quo de desaplicar aquela norma do caso concreto. Consequentemente,
6 – O tribunal a quo não podia fazer vingar a interpretação de que a citada norma do CIRC consagrava a indedutibilidade das derramas, porquanto tal significaria, na prática, a aplicação ao caso concreto da norma julgada inconstitucional.
7 – O cumprimento do D. Acórdão do Tribunal Constitucional impunha ao Tribunal a quo o dever de desaplicar a norma julgada inconstitucional e, consequentemente, o dever de não interpretar a norma da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC nos mesmos termos em é interpretada pela norma julgada inconstitucional.
8 – É que, se é inconstitucional a aplicação retroactiva da aludida norma da Lei do Orçamento, inconstitucional será também utilizar, com efeitos pretéritos, a interpretação pela mesma preconizada.
9 – Utilizar a mesma interpretação importa, na prática, a aplicação da norma julgada inconstitucional, inutilizando o julgamento que dela fez o Tribunal Constitucional.
10 – Em face do exposto, o Acórdão recorrido (acórdão reformador) contraria o que previamente havia sido decidido pelo Tribunal Constitucional e, como tal, a interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, segundo a qual está consagrada a indedutibilidade das derramas, ofende o princípio da intangibilidade do caso julgado enquanto corolário do princípio do Estado de Direito.
11 – Assim, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na lhe
é emprestada pelo Tribunal a quo, padece de inconstitucionalidade material.
12 – Ainda que se entenda que o princípio da intangibilidade do caso julgado não
é ofendido pela interpretação dada à alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, sempre se entenderá que a norma em apreço, na interpretação que lhe é dada pelo Tribunal a quo, viola o princípio constitucional da primazia ou supremacia do Tribunal Constitucional no conhecimento e julgamento de questões de natureza jurídico-constitucional. Na verdade,
13 – Tendo o Tribunal Constitucional, pelo d. Acórdão n.º 172/2000, julgado inconstitucional a norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n° 10-B/96, deve a mesma ser desaplicada do caso concreto; Ora,
14 – A desaplicação daquela norma do caso concreto impede que a interpretação que da mesma consta seja aplicada à alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC.
15 – O correcto e cabal cumprimento, pelo Tribunal a quo, do decidido pelo Tribunal Constitucional impõe que o mesmo se abstenha de interpretar a citada disposição do CIRC nos mesmos termos em que é interpretada pela norma desaplicada, pois só assim dará integral cumprimento ao decidido por aquele Tribunal.
16 – A permitir-se que o Tribunal a quo mantenha a interpretação constante da norma julgada inconstitucional está-se, por essa via, a possibilitar, na prática, a aplicação ao caso concreto daquela norma.
17 – Face ao exposto, o Tribunal a quo, ao interpretar a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC como consagradora da indedutibilidade das derramas, incumpriu as imposições resultantes do D. Acordão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, assim violando, com aquela interpretação, o princípio da supremacia do Tribunal Constitucional no conhecimento e julgamento de questões de natureza jurídico-constitucional, consagrado no arts. 221º e 223º da CRP .
18 – Assim, pelo exposto, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na interpretação dada pelo Tribunal a quo, padece de inconstitucionalidade material. Ademais,
19 – Em conformidade com o decidido pelo Tribunal Constitucional no seu Acordão n.º 172/2000, a alteração introduzida na alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC pelo citado n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, de 23/03, vale, apenas para o futuro, pelo que a derrama só não poderá aceitar-se como custo fiscal após a data da entrada em vigor daquele diploma.
20 – Significa que, até à data da entrada em vigor daquele diploma, a derrama é um encargo fiscal para efeitos de determinação da matéria colectável em IRC, porquanto a regra, naquele imposto, é a da dedutibilidade de todos os encargos fiscais como custos – alínea f) do art. 23º do CIRC;
21 – Se assim não fosse, o Legislador não teria sentido necessidade de proceder
à referida alteração daquele normativo legal de natureza excepcional.
22 – De igual modo, a derrama e o IRC são conceitos distintos, nomeadamente, quanto ao destino da receita, à normalidade ou excepcionalidade da incidência e aos sujeitos tributários activos. Assim,
23 – A norma constante da alínea a) do n° 1 do art. 41 ° do CIRC, antes da entrada em vigor da já citada norma interpretativa, não podia consagrar o princípio da indedutibilidade das derramas. Pelo que,
24 – O Acordão reformador ao interpretar aquele preceito legal como sendo consagrador da indedutibilidade das derramas, faz com que o mesmo ofenda frontalmente os princípio da legalidade tributária consagrado no n.º 3, in fine, do art. 103º da CRP , porquanto consagra um mecanismo de liquidação do IRC – proibindo a dedução das derramas – não previsto na lei.
25 – Consequentemente, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na interpretação dada pelo Tribunal a quo, padece de inconstitucionalidade material. Termos em que deve o presente recurso ser admitido e, em consequência, a norma constante da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC, na interpretação preconizada pelo Tribunal a quo que é consagradora da indedutibilidade das derramas, deve ser julgada inconstitucional com os devidos efeitos legais, pois só assim será feita JUSTIÇA!' II. Fundamentos Há que começar por tratar a questão prévia do conhecimento do recurso, suscitada no referido despacho que ordenou a produção de alegações. Verifica-se, antes do mais, que a decisão recorrida não incorreu em violação do caso julgado formado sobre a questão de constitucionalidade no presente processo, pelo Acórdão n.º 172/2000. Na verdade, o que na decisão recorrida se fez foi justamente proceder à reforma da anterior decisão, em observância daquele Acórdão n.º 172/2000, expurgando dos fundamentos dessa anterior decisão o 'apuramento e aplicação do sentido normativo da norma interpretada, ou seja, o art.º 41º n.º 1 al. a) do CIRC, na sua versão originária, com recurso à norma interpretativa – o n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março –, que foi julgada inconstitucional'. Consequentemente, manteve-se o teor da decisão anterior, com o outro fundamento em que assentava, no entendimento do Supremo Tribunal Administrativo já por si bastante como ratio decidendi, que era a interpretação do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC, sem consideração ('anteriormente' a ele) daquele diploma de
1996. A possibilidade de manutenção da mesma decisão anterior reflecte apenas a circunstância de que, no entendimento do tribunal recorrido, a lei interpretada
(o CIRC), por si só, foi considerada bastante para chegar à decisão recorrida, de teor idêntico à anterior. Entende-se, assim, que não se verificou qualquer violação do caso julgado formado, sobre a questão de constitucionalidade, pelo Acórdão n.º 172/2000. O que acontece, isso sim, é que o tribunal recorrido sustentou a sua decisão noutro fundamento, não apreciado neste aresto. Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, há que notar que na decisão ora recorrida se afirma expressis verbis, e justamente em cumprimento do citado Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, que o seu fundamento é a redacção do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC sem consideração da sua interpretação fixada pelo n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março. E, por outro lado, que aquele Acórdão n.º 172/2000 julgou inconstitucional 'o artigo 28º, n.º
7, da Lei n.º 10-B/96, de 23 de Março, por violação do artigo 103º, n.º 3, da Constituição.' Não se vê, pois, como poderá dar-se por verificada a identidade normativa que é pressuposto necessário do recurso de constitucionalidade previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – recurso de decisões
'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional' (itálico aditado). Antes – mesmo 'fechando os olhos' à falta de uma identidade formal de normas, que sempre pareceria de exigir (e só um raciocínio baseado numa identidade tão-só substancial de sentido poderia pretender fundar solução diversa) –, cumpre reconhecer que é justamente a razão aludida no n.º anterior que obsta decisivamente à conclusão, a que a recorrente chega para sustentar a admissibilidade do recurso fundado na referida alínea g), segundo a qual, ao
'ser julgada inconstitucional a norma do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96 quando mandada aplicar a situações pretéritas, ‘inconstitucionalizaram-se’ todas e quaisquer interpretações da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do CIRC que, por portas travessas, inutilizem aquele julgamento'. Na verdade, não só esse julgamento não é inutilizado (pois se referiu apenas à norma interpretativa), como não faria qualquer sentido que, por força da própria lei interpretativa, o tribunal deixasse de poder, como já podia fazer anteriormente a ela, aplicar apenas, para factos anteriores àquela lei, a norma interpretada, com sentido coincidente ao que veio a ser fixado pela norma interpretativa, sendo essa, com base nos cânones gerais, aquela que tem por melhor solução (tal como não ficou impedido de, para esses factos, optar pelo sentido contrário). Tem, pois, de rejeitar-se a afirmação (da recorrente), de que 'o Tribunal Constitucional ao julgar, no Acórdão n.º 172/2000, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, [tenha consagrado] também o entendimento de que, antes da entrada em vigor daquele diploma legal, a alínea a) do n° 1 do art. 41º do CIRC não podia ser interpretada no sentido de consagrar a indedutibilidade das derramas como custo fiscal.' Não pode, antes, dizer-se que a norma do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC, entendida, sem qualquer referência à norma do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º
10-B/96, no sentido de não se considerarem as derramas como custos dedutíveis, tenha sido julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 172/2000, o qual se pronunciou pela inconstitucionalidade, sim, desse n.º 7 do art. 28º da Lei n.º
10-B/96. E não pode, portanto, tomar-se conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Resta o recurso interposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º do referido diploma. Como é sabido, são requisitos específicos deste tipo de recurso, além do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a aplicação, pelo tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna, e a suscitação da inconstitucionalidade de tal(is) norma(s) durante o processo. A norma aplicada pela decisão do Supremo Tribunal Administrativo sob recurso foi
– e em cumprimento do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000 – a norma do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC, na interpretação segundo a qual as derramas não são consideradas custos dedutíveis, sem qualquer referência à norma do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96 ou ao sentido por esta imposto. Ou, por outras palavras: a norma do artigo 41º, n.º 1, alínea a) do CIRC, na interpretação anterior à norma do n.º 7 do art. 28º da Lei n.º 10-B/96, interpretação, essa, segundo a qual as derramas não são de considerar como custos dedutíveis. Ora, a verdade é que, como se referiu no despacho em que se suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, 'não se detecta, quer nas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo, quer na arguição de nulidade da decisão recorrida, a suscitação da inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção anterior à Lei 10-B/96 (e independentemente desta), interpretada no sentido de as derramas não serem dedutíveis à matéria colectável (antes sempre esteve em questão a redacção interpretativa desta lei de 1996 e a violação do princípio da confiança e da proibição da retroactividade da lei fiscal).' E não se detecta, nem uma suscitação expressa da inconstitucionalidade de tal norma do CIRC, anteriormente à lei interpretiva de 1996, nem uma referência implícita, suficientemente clara para poder se considerar a questão da inconstitucionalidade dessa norma efectuada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida' (como exige o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Por outro lado, à questão de saber se, para vir a interpor recurso ao abrigo de tal alínea b), o recorrente tinha o ónus de suscitar tal inconstitucionalidade durante o processo – isto é, antes da decisão recorrida –, isto é, antes de ser esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo, há que responder positivamente, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal a respeito deste ponto. Tal suscitação da inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do art.
41º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, na redacção anterior à Lei 10-B/96 deveria, no presente caso, ter ocorrido logo antes da primeira decisão do tribunal recorrido, não se afigurando o cumprimento de tal
ónus desproporcionado ou excessivo, considerando que estava em causa já a norma que este diploma de 1996 veio interpretar, cuja aplicação ao caso não podia deixar de ser considerada previsível. Na verdade, se a recorrente defendia a inconstitucionalidade de uma aplicação para o passado da lei interpretativa de
1996, então, coerentemente não podia deixar de contar já com a aplicação da lei anterior, a qual era, aliás, já interpretada, pela jurisprudência administrativa largamente dominante, no sentido da não dedutibilidade das derramas (como se mostra na decisão recorrida). Assim, também não pode tomar-se conhecimento do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional. III. Decisão Com estes fundamentos, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso. Custas pela recorrente, com 15 ( quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 6 de Maio de 2002 Paulo Mota Pinto (sem prejuízo de entender que a situação em causa neste recurso e o sentido da presente decisão não só não contrariam, como confirmam a posição que expendi na declaração de voto que juntei ao Acórdão nº 172/2000, no sentido da inutilidade dessa decisão) Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma (vencida quanto ao conhecimento nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b) do Tribunal Constitucional, conforme declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto
Votei vencida quanto ao não conhecimento da questão de constitucionalidade reportada ao artigo 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, por não ter sido suscitada durante o processo nos termos da alínea b) do artigo 70º, nº
1, da LTC, na medida em que entendo que sobre o recorrente não impendia qualquer
ónus de suscitação prévia da constitucionalidade de tal norma, já que a decisão recorrida, conforme a própria decisão do Tribunal Constitucional, não fez aplicação da lei interpretada, mas apenas da lei interpretativa, e seria um ónus excessivo a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade relativamente a uma interpretação possível da lei interpretada, mas que o recorrente não tinha que configurar como exclusiva e necessária.
Por outro lado, a exigência dessa suscitação prévia implicaria que tal questão de constitucionalidade (a ser suscitada) não poderia coincidir com a ratio decidendi (a norma interpretativa) do acórdão recorrido. Consequentemente, não se verificariam os pressupostos para o conhecimento daquela questão pelo Tribunal Constitucional, caso o recorrente tivesse cumprido a exigência que agora é feita.
Deste modo, é excessivo e relativamente circular ter-se decidido, nestas circunstâncias, não tomar conhecimento do recurso. A única posição coerente com a decisão proferida no Acórdão nº 172/2000 seria a tomada de conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada em face do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Janeiro de 2001.
Maria Fernanda Palma