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Processo n.º 95/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, o Supremo Tribunal Administrativo não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do seu acórdão de 25 de outubro de 2012 pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública em representação do seu associado A., nos termos do seguinte despacho (fls. 250 e 251):
« 1. O recorrente veio apresentar requerimento com o seguinte teor:
“SINDICATO DOS TRABALHADORES DA FUNÇÃO PÚBLICA DO NORTE Recorrente em representação do seu associado A., ambos com sinais nos autos supra e à margem identificados, não se conformando com o teor do douto Acórdão proferido nos mesmos, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 69º, da alínea b) e n.ºs 2 a 5, do artigo 70º e ainda do artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
As normas cuja fiscalização concreta se pretende são as constantes do art. 2º e do nº 2, do art. 3º, ambos do Decreto-Lei nº 229/2005, de 29 de Dezembro, na interpretação e aplicação que delas foi feita no douto Acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo que as aplicou com fundamento na sua constitucionalidade com a interpretação dada, em violação do disposto nos artigos 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa, violação essa e ilegalidade, que já tinham sido apontadas pelo aqui recorrente em sede da sua petição inicial e em sede de alegações, estas apresentadas, quer ao abrigo do art. 91º, nº 4, quer ao abrigo do art. 145º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Seguem agora as respetivas motivações do Recurso:
Na realidade, e salvo o devido respeito, o STA interpretou e aplicou os referidos normativos, de forma inconstitucional.
Em especial, violou o Princípio da Proteção da Confiança dos Cidadãos nas normas e no Estado de Direito, previsto no art. 2º da CRP, quando afasta a devida aplicação e interpretação, do nº 2, do art. 3º do Decreto-Lei nº 229/2005, de 29 de Dezembro - aliás a única consentânea com a CRP.
O STA e os Tribunais que anteriormente se debruçaram sobre a situação sub judicio, teriam de ter interpretado tal norma, no sentido de que...
“O pessoal referido no número anterior [leia-se nº 1, do art. 3º do Decreto-Lei nº229/2005, de 29 de Dezembro], beneficia de um acréscimo de 15% de tempo de serviço para efeitos de aposentação em relação ao serviço prestado naquelas carreiras e organismos.”
Ora, o organismo IGAE não existia em 01/01/2006, o que deita por terra, de forma evidente os argumentos expendidos no douto Acórdão recorrido do STA.
Por outro lado, foi vontade do legislador que aquele acréscimo de 15% se verificasse para
“…efeitos de aposentação em relação ao serviço prestado naquelas carreiras e organismos.”
E, salvo o devido respeito, a carreira é una.
Não tem qualquer correspondência, sequer com a letra da lei, uma interpretação de aplicação daquele acréscimo apenas para o futuro (de 01/01/2006 em diante).
Aliás, tal posição, é ainda violadora de outras normas não plasmadas Constitucionalmente, tais como sejam os arts. 5º e 12º do Código Civil, donde resulta a violação concreta, uma vez mais, dos arts. 2º e 13º da CRP.
Nestes moldes, requer-se seja declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral da norma do nº 2, do art. 3º do Decreto-Lei nº 229/2005, de 29 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que o predito acréscimo de 15% de tempo de serviço para efeitos de aposentação em relação ao serviço prestado naquelas carreiras e organismos (por referência aos organismos e carreiras mencionados do nº 1 do mesmo preceito legal) apenas seja contado pela Caixa Geral de Aposentações após 01/01/2006.
Termos em que se requer a admissão do presente recurso, aguardando-se a ulterior tramitação”.
2. Vejamos. Para sustentar o pedido o recorrente indicou o artigo 69º, alínea b) e nºs 2 a 5 do artigo 70º e o artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que regula a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
O referido artigo 69º diz-nos que «À tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação».
Ora, vê-se no art. 676º do CPC que «As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos» e no art. 685º-A que o recorrente tem o ónus de alegar e formular conclusões. Finalmente, o nº 3 do art. 686º dispõe que «Nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso». Do exposto resulta que o Tribunal Constitucional só poderá ser chamado a pronunciar-se, nos termos pretendidos, sobre uma inconstitucionalidade imputada a uma decisão que aprecie a questão jurídica pela 3ª vez desde que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo, mas, para além disso, desde que tenha sido mantida na alegação deduzida para este último tribunal e tenha sido incluída nas respetivas conclusões.
Basta ver as conclusões da alegação que o recorrente apresentou neste STA para se concluir que nenhum vício dessa natureza foi imputado ao acórdão então recorrido (e o agora impugnado também não foi arguido de nulo por omissão de pronúncia). O que só pode significar o abandono de uma tal ilegalidade. O preceito contido na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC há-de ser entendido nos termos propostos.
Assim sendo, tendo em consideração o disposto no art. 76º, nº 2, da referida Lei, não admito o recurso.
Sem custas».
2. Inconformado, o recorrente reclamou ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”; cfr. fls. 257 e ss.).
3. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do não provimento da reclamação, invocando os seguintes fundamentos (fls. 271 e ss., em especial, fls. 273 e 277-278):
«[…]
7. Novamente inconformado, o Autor veio interpor, deste acórdão [do Tribunal Central Administrativo Norte], recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 177-192 dos autos).
Nas alegações, então apresentadas, porém, a única referência a questões de constitucionalidade, que aí se encontra, é, apenas, a fls. 180, referência, essa, retomada nas conclusões, nos seguintes termos (cfr. fls. 186 dos autos):
“C. Ainda que se admitisse que vigora o princípio geral de que a lei vale apenas para o futuro, haveria a dizer que, ressalvados os casos em que a retroactividade é proibida por preceitos constitucionais – como sucede com a lei que criminaliza uma conduta que, até á sua entrada em vigor, era penalmente inócua (cfr. art. 29/1 da Constituição da República) e da lei restritiva de direitos, liberdades e garantias (idem, art. 18/3) – nada impede o legislador de poder versar sobre situações passadas.”
[…]
12. Não se crê, porém, que o seu recurso de constitucionalidade esteja, minimamente, em condições de ser apreciado por este Tribunal Constitucional.
Com efeito, conforme anteriormente salientado (cfr. supra nº 7 do presente Parecer), o Autor não suscitou, nas alegações de recurso interposto perante o Supremo Tribunal Administrativo – tribunal agora recorrido –, nenhuma questão de constitucionalidade normativa, pelo menos, na aceção constantemente exigida por este Tribunal Constitucional.
Basta atentar no que, então, escreveu, para se chegar, facilmente, a uma tal conclusão.
13. É certo que, posteriormente (cfr. supra nº 9 do presente Parecer), mais exatamente no seu requerimento de recurso de constitucionalidade, o Autor veio – embora sem o conseguir inteiramente – procurar enunciar uma dimensão normativa para a questão de constitucionalidade que o afligia.
Esse momento, porém, já não era o momento processualmente adequado para o fazer, uma vez que o Supremo Tribunal Administrativo já não estava em condições de, sobre tal questão, se poder pronunciar.
Não se deu, assim, seguimento ao determinado no art. 72º, nº 2, da LTC, que dispõe que «os recursos previstos nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de constitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
14. Por este motivo, não tendo sido apresentada, perante o Supremo Tribunal Administrativo, pelo ora Reclamante, uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, que este tribunal superior devesse apreciar, falece um dos pressupostos de constitucionalidade indispensáveis para permitir a intervenção deste Tribunal Constitucional.
Crê-se, por isso, que a presente reclamação não deverá merecer provimento».
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
4. Em sede de reclamações de despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade proferidos pelo tribunal recorrido, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se se encontram reunidos os pressupostos necessários à admissão e conhecimento desses recursos.
No caso dos presentes autos, a reclamação é manifestamente improcedente, pois verifica-se a omissão de suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido, conforme é justamente salientado pelo despacho reclamado e pelo Ministério Público junto deste Tribunal. Tal suscitação corresponde a um ónus cujo cumprimento, relativamente aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, como sucede in casu, é não só um requisito de legitimidade do recorrente (cfr. o disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC), como um requisito da própria recorribilidade da decisão em causa para o Tribunal Constitucional. Carecendo o requerente de legitimidade para o recurso de constitucionalidade ou não sendo aquela decisão sequer recorrível para este Tribunal, o tribunal recorrido só poderia, em relação a um recurso de constitucionalidade entretanto interposto, proferir – como sucedeu in casu - uma decisão de indeferimento do requerimento de interposição do recurso (cfr. o artigo 76.º, n.º 2, da LTC).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal n.º 560/94 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e constitui jurisprudência uniforme e constante -,
« [7.] O recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica (ou de um seu segmento ou de certa interpretação dela) e que, não obstante a acusação de ilegitimidade constitucional que lhe foi feita, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso.
[…]
De facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.
A exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é, pois – […]-, uma 'mera questão de forma secundária'. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão.»
5. O ora reclamante alega ter invocado uma questão de inconstitucionalidade normativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e junto do Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. as referências no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade à petição inicial e aos artigos 91.º, n.º 4, e 145.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Porém, o que foi alegado junto da primeira instância respeitou diretamente à decisão impugnada contenciosamente, e não às normas que esta aplicou ou devia ter aplicado. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto decidiu a tal propósito (sentença de fls. 81 e seguintes, em especial, fls. 83-86):
«III - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Questões a apreciar.
Os vícios assacados ao ato impugnado.
O vício de violação de lei por contradição com os arts. 3º nsº 1 e 2 e alínea b) do nº 3 do art. 5º do D.L. nº 229/05, de 29 de Dezembro, bem como dos arts. 6º, 9º e 12º do Código Civil.
Referiu o A. que o ato impugnado violou a primeira das normas supra referidas dado que, na deliberação impugnada, foi olvidado o preceituado no nº 1 do art. 3º do D.L. nº 229/05, de 29 de Dezembro, preceito que passamos a transcrever:
“Artigo 3º
Condições de aposentação.
1 – Sem prejuízo das modalidades previstas no Estatuto da Aposentação, a partir de 1 de Janeiro de 2015, aposenta-se obrigatoriamente quando atinge os 65 anos de idade ou voluntariamente quando completa 60 anos de idade e o prazo de garantia geral da segurança social:
(...)
e) O pessoal das carreiras de inspeção da IGAE ou do organismo que lhe suceda, desde que conte, pelo menos, cinco anos de serviço efetivo nas carreiras de inspeção”.
Invocou o A. que a violação assacada ao ato impugnado se centra na expressão “sem prejuízo das modalidades previstas no Estatuto da Aposentação”, mormente a prevista no art. 37-A do Estatuto da Aposentação, norma de acordo com a qual “os subscritores da Caixa Geral de Aposentações que contem, pelo menos 36 anos de serviço, podem, independentemente da submissão a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, requerer a aposentação antecipada.”
Apreciando:
Importa começar por referir que com a entrada em vigor da Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro – diploma que estabelece mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões – o referido tempo de serviço foi alterado, sendo progressivamente aumentado até atingir 40 anos de idade em 2013.
Foi consagrado no entanto um regime transitório, sendo que, de acordo com tal regime, o tempo de serviço mínimo para a aposentação antecipada era, para quem pretendia aposentar-se antecipadamente no ano de 2007, de 37 anos – cfr. anexo II da referida Lei nº 60/2005, de 29 de Dezembro.
A questão está assim em saber se o representado do A.. quando foi proferida a deliberação revogada, tinha 37 anos de serviço.
A questão está em saber como deve ser interpretado o art. 3º nº 2 do D.L. nº 229/2005, de 29 de Dezembro, preceito de acordo com o qual “o pessoal referido no número anterior beneficia de um acréscimo de 15% de tempo de serviço para efeitos de aposentação em relação ao serviço prestado naquelas carreiras e organismos.”
Sustentou o A. que o referido acréscimo deve ser aplicado retroativamente, aplicando-se ao tempo de serviço prestado desde 14 de Outubro de 1977 até 31 de Dezembro de 2005, sendo que dúvidas não existem que o mesmo se aplica desde 1 de Janeiro de 2006 até 30 de Abril de 2007 – data da deliberação revogada pelo ato posto em crise autos.
Contudo não lhe assiste razão dado que não só o princípio, consagrado no nº 1 do art. 12º do C. Civil segundo o qual a lei só dispõe para o futuro não permitir acolher a tese do A. como também por recurso as circunstâncias em que a lei foi elaborada – cfr art. 9º nº 1 do C.Civil, isto é, se o diploma em apreço – D.L. nº 229/2005, de 29 de Dezembro – foi elaborado tendo em vista “…reforçar a convergência e a equidade entre os subscritores da Caixa Geral de Aposentações e os contribuintes da segurança social e a garantir a sustentabilidade dos sistemas de proteção social…” nenhum sentido faria que a norma invocada pelo A. fosse entendida no sentido de a mesma consagrar retroativamente um beneficio de que os seus destinatários não usufruíam anteriormente.
Assim, bem andou a deliberação impugnada ao não bonificar com a percentagem de 15% o tempo de serviço prestado entre 14 de Outubro de 1997 e 31 de Dezembro de 2005, o que a suceder implicaria uma bonificação de tempo de serviço, no referido período de 4 anos, dois meses e 23 dias – cfr cálculos efetuados a fls. 10 dos autos.
Assim, descontando aquela bonificação que não encontra abrigo na lei, o representado do A. em 30 de Abril de 2007 não tinha os invocados 40 anos seis meses e 15 dias de serviço, não tendo os 37 anos de serviço necessários para se aposentar ao abrigo do art. 37-A do Estatuto da Aposentação, não padecendo, assim o ato impugnado, do vício de violação de lei que é assacado, quer por não contrariar as normas supra analisadas, quer por não violar os arts. 6º, 9º e 12º do Código Civil dado a deliberação impugnada não violar as referidas normas relativas à interpretação e aplicação das leis no tempo.
A violação dos arts. 2º, 13º, 53º, 59º e 63º nº 4 da C.R.P. e do art. 5º do C.P.A.
Referiu o A., de modo genérico, que a deliberação impugnada violou os supra mencionados preceitos da Lei Fundamental, alegação na qual não lhe assiste razão, dado não terem sido violados os princípios do Estado de Direito Democrático – a deliberação em apreço sustenta-se em correta interpretação da lei - bem como o princípio igualdade – consagrado no art. 13º da C.R.P. e 5º do C.P.A. - dado que mesmo que estejam na situação de aposentados colegas do representado do A. que se encontras em situação exatamente igual à do representado tal não acarreta a violação do princípio em apreço dado que se assim for, e o A. não alegou factos que permitiam concluir pela existência de total similitude, sempre padeceriam os atos que, alegadamente, concederam a aposentação aos colegas do representado de vícios de violação de lei o que afasta a procedência da alegação em apreço.
Também não violou a deliberação em apreço o art. 53º da C.R.P. dado a mesma não violar a garantia da segurança ao emprego, dado que a deliberação impugnada não afeta o vínculo do representado do A. como inspetor da A.S.A.E., nem o art. 59 da Lei Fundamental dado a mesma não afetar nenhum dos direitos dos trabalhadores consagrados no preceito em apreço, não contrariando, por último, o ato posto em crise o nº 4 do art. 64º, também da C.R.P. dado ter sido contabilizado, na contagem de tempo de serviço que esteve subjacente ao ato impugnado, todo o tempo de serviço prestado pelo representado do A., nos termos consagrados na lei, mormente o artº 3º nº 2 do D.L. no 229/2005, de 29 de Dezembro.»
Nas alegações do recurso interposto desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Norte, o ora reclamante retoma o «argumento da aplicação da lei no tempo» nas conclusões A. a G. (cfr. fls. 106-107):
«Termos em que se formulam as seguintes CONCLUSÕES:
A. A decisão aqui posta em crise não cuidou de tratar, adequadamente a questão de saber se o DL n.º 229/2005, de 29.12, é aplicável a toda a carreira do representado do recorrente;
B. Pois, ainda que se admitisse que vigora o princípio geral de que a lei vale apenas para o futuro, haveria a dizer que, ressalvados os casos em que a retroatividade é proibida por preceitos constitucionais – como sucede com a lei que criminaliza uma conduta que, até à sua entrada em vigor, era penalmente inócua (cf. art. 29/1 da Constituição da República) e da lei restritiva de direitos, liberdades e garantias (idem, art. 18/3) – nada impede o legislador de poder versar sobre situações passadas;
C. Aliás, teleologicamente, foi o que manifestamente, pretendeu o legislador fazer com o DL n.º 229/2005, de 29.12;
D. Tal como o representado do recorrente já deixou dito ao Tribunal “a quo”, os bons cânones de interpretação da lei apenas permitem concluir que o acréscimo de 15% se aplica a todo o tempo de serviço prestado na carreira do funcionário requerente da aposentação, e nunca extrair as conclusões que extraiu a recorrida e nas quais logrou induzir em erro o Tribunal a quo;
E. Uma interpretação contrária – designadamente no sentido de que o legislador apenas teve em vista o tempo de serviço prestado desde a data de entrada em vigor da lei (l de janeiro de 2006: art. 7.º), tal como foi feito na decisão posta em crise – não tem qualquer suporte no texto legal e é contrária ao princípio geral de interpretação das normas expresso no brocardo ubi lex non distinguit nec nos disrtinguire debemos (onde a lei não faz distinção, também o intérprete a não deve fazer);
F. Aliás, sem entrarmos aqui em considerações dogmáticas acerca do direito transitório, sempre diremos que, na falta de declaração do legislador, a lei nova é aplicável às situações jurídicas constituídas no domínio da lei antiga e que subsistam aquando da sua entrada em vigor;
G. Tal postulado, é o que decorre do art. 12º, nº 2, parte final, do Código Civil, norma transversal a todo o nosso ordenamento jurídico;»
Todavia, como é bem de ver, a questão em apreço respeita exclusivamente à interpretação do direito infraconstitucional, não configurando qualquer problema de inconstitucionalidade normativa.
Não obstante, é justamente a propósito dessa questão que é feita a única referência à Constituição nas alegações do recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo - justamente o ponto destacado no n.º 7 do parecer do Ministério Público acima transcrito.
Fica, deste modo, comprovado, o acerto da decisão reclamada: uma vez que o ora reclamante não colocou nas suas alegações do recurso de revista qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ao Supremo Tribunal Administrativo, este último não decidiu uma questão dessa natureza, isto é, não aplicou qualquer norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Consequentemente, o acórdão que decidiu a revista não é recorrível para o Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC e a respetiva interpretação feita no citado Acórdão n.º 590/94).
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.