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Processo n.º 717/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 563/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 12 de julho de 2012 (fls. 1738 a 1756), para que seja apreciada a “constitucionalidade da interpretação dada à aplicação do artigo 673º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal”, por violação do direito fundamental ao recurso em processo penal, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 04 de outubro de 2012 (cfr. fls. 1764), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. A título prévio, importar notar que o requerimento de interposição de recurso não especifica qual a concreta interpretação normativa extraída do artigo 673º do Código de Processo Civil (CPC), “ex vi” artigo 4º do Código de Processo Penal (CPP), que padeceria de inconstitucionalidade. Evidentemente, caso outras razões não obstassem ao conhecimento do objeto do recurso, a Relatora teria procedido a convite ao aperfeiçoamento, nos termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC, de modo a que o recorrente esclarecesse e precisasse qual a concreta interpretação normativa que reputa de inconstitucional.
Sucede porém que, quer a evidente falta de aplicação normativa do preceito legal, pela decisão recorrida, quer a notória falta de suscitação prévia da inconstitucionalidade seriam sempre insupríveis, ainda que o requerimento de interposição de recurso viesse a ser aperfeiçoado. Por conseguinte, em função da evidente falta de interesse processual de tal diligência, optou-se por não proceder a qualquer convite, passando-se a avaliar da possibilidade de conhecimento do objeto do recurso.
4. Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional só pode conhecer de questões de inconstitucionalidade normativa que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos (artigo 79º-C da LTC). Mediante uma leitura atenta da decisão recorrida, constata-se que a mesma nem referiu, nem nunca sequer aplicou, implicitamente que fosse, a norma constante do artigo 673º do CPC, “ex vi” artigo 4º do CPP. E, aliás, não se vislumbra de que modo poderia tê-lo feito, visto que, da mera leitura do preceito legal em causa, resulta que o mesmo não regula, de modo algum, a questão do recurso de prazo prescricional.
Só por esta razão, já se imporia uma decisão de não conhecimento do objeto do presente recurso.
Em segundo lugar, nem sequer se pode dar por verificado o cumprimento do ónus de prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade, que decorre do n.º 2 do artigo 72º da LTC. Bem pelo contrário, das conclusões do recurso interposto do despacho de 12 de março de 2012, para o Tribunal da Relação de Lisboa, decorre que o recorrente fixou o objeto daquele recurso ordinário nos seguintes moldes:
«(…)
IV – Ao não agir assim violou os direitos constitucionais do Recorrente mormente o artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa porquanto não foram asseguradas todas as garantias de defesa do mesmo;
(…)
VIII – Assim, fazer a interpretação no sentido de não poder declarar a prescrição do procedimento criminal, suscitada pelo arguido após o trânsito em julgado de uma decisão ainda não cumprida, como é a do caso sub judice, é inconstitucional por violação dos direitos de defesa do arguido, artigo 32º da CRP;
IX – Pelo que deveria o Tribunal a quo nos termos do artigo 673º do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal ter declarado a prescrição dos crimes de furto simples, furto na forma tentada e falsas declarações” (fls. 1710).
Desta atuação processual nos autos recorridos decorre que: 1º) o recorrente começou por alegar que teria sido a própria conduta (ou a decisão jurisdicional) do tribunal recorrido a atentar contra a Lei Fundamental; 2º) o recorrente esboça arguir a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação normativa, mas nem sequer associa essa inconstitucionalidade – já de si genérica e pouco precisa – a um concreto preceito legal; 3º) o recorrente acaba por sustentar que o tribunal recorrido deveria aplicar o artigo 673º do CPC, de onde se extrai que o mesmo reputa tal preceito legal como constitucionalmente conforme, ou não teria sustentado a sua aplicação.
Em suma, o recorrente nunca chegou a suscitar a inconstitucionalidade de uma precisa interpretação normativa do artigo 673º do CPC, antes tendo pugnado pela sua aplicação. Ora, ao arrepio do que sustentou, a decisão recorrida entendeu não aplicar aquele preceito legal ao caso em apreço nos autos recorridos, pelo que não pode agora vir o recorrente pretender que o Tribunal sindique uma interpretação dele extraída, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC quando, no fundo, não está em causa uma decisão de aplicação de tal norma.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Notificado da decisão, o recorrente apresentou reclamação, nos seguintes termos:
«Considerou a decisão sumária em não conhecer do objeto do recurso com o fundamento que não estaria em causa a aplicação da norma que o recorrente refere.
Dir-se-á antes de mais, que considera a mesma decisão como questão prévia, que o requerimento de recurso não especifica qual a concreta interpretação normativa extraída do artigo 673° do Código de Processo Civil ex vi artigo 40 do Código de Processo Penal.
Apesar disso, o Venerando Conselheiro Relator não tem rebuço em concluir sem mais delongas que tal norma não foi aplicada na decisão recorrida.
Ora, entende o recorrente que o Tribunal e antes de proferir a decisão, deverá notificar o recorrente para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso nessa parte, nos termos do artigo 75°A, n° 6 do LTC, de modo a que o recorrente esclareça e precise qual a concreta interpretação normativa que reputa inconstitucional.
Só após tal interpretação é que se poderá concluir com rigor da aplicabilidade ou não da norma na decisão recorrida.
Pelo exposto, deve ser admitida a presente reclamação para a conferência, devendo a mesma ser julgada procedente.» (fls. 1781 e 1782)
3. Devidamente notificada para o efeito, o Ministério Público apresentou a seguinte resposta à reclamação:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 563/2012, não se conheceu do objeto do recurso com base numa dupla fundamentação: falta de aplicação, pela decisão recorrida, do preceito legal indicado no requerimento de interposição do recurso; não suscitação “durante o processo” de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
2º
Ora, parece-nos evidente a inverificação daqueles dois requisitos de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
Aliás, na reclamação agora apresentada, o recorrente não impugna os fundamentos que levaram ao não conhecimento do objeto do recurso, antes afirma que deveria ter sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 75.º-A, da LTC.
4º
As razões porque o recorrente não foi convidado a suprir a deficiência formal de que o requerimento de interposição do recurso padecia – não especificação da concreta interpretação normativa extraída do artigo 673º do Código de Processo Civil - já constam expressamente do ponto 3 da douta Decisão Sumária, tendo a nossa inteira concordância.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação deduzida resume-se à afirmação de que a Relator deveria ter procedido a um convite ao aperfeiçoamento, nos termos do artigo 75º-A, n.º 6, da LTC, antes de ter proferido decisão sumária, com fundamento na falta de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade e na falta de aplicação efetiva da mesma, pelo tribunal recorrido.
Ora, conforme já devidamente fundamentado na decisão reclamada, o convite para aperfeiçoamento só não foi formulado porque a falta de preenchimento dos pressupostos processuais para conhecimento do objeto do recurso seria sempre insuprível, por via de aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso. Com efeito, os fundamentos de interposição de recurso dizem respeito a uma falta de suscitação processual, perante o tribunal recorrido, que o recorrente já não poderia colmatar nesta fase processual, ou seja, em sede de recurso de constitucionalidade. Por conseguinte, o referido convite ao aperfeiçoamento configuraria um “ato processual inútil”, que apenas faria tardar a administração da Justiça Constitucional.
É certo que poderia equacionar-se (e até duvidar-se) se poderia concluir-se pela falta de suscitação processual de uma questão de inconstitucionalidade normativa, sem que o recorrente pudesse ter procedido a uma expressa delimitação do conteúdo dessa interpretação. Mas essa dúvida não abrange o caso em apreço nos autos. Visto que não subsiste qualquer incerteza quanto à manifesta e absoluta ausência de invocação de qualquer inconstitucionalidade normativa. Não se trata, portanto, de um problema de discernir se o recorrente suscitou uma ou outra interpretação normativa. Pelo contrário, nos presentes autos, o recorrente não suscitou nenhuma inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido.
De onde se conclui pela falta de cumprimento do ónus imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC e, como tal, pela dispensa de convite ao aperfeiçoamento, que não poderia colmatar essa falha, na fase processual que decorreu perante o tribunal recorrido. Por último, o recorrente não impugna sequer os fundamentos de não conhecimento, limitando-se a expressar a sua discordância face à ausência de convite ao aperfeiçoamento. Em suma, confirma-se integralmente o teor da decisão reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelo reclamante em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 31 de janeiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro