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Proc. nº 610/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. M... (ora reclamante) inconformada com o despacho de que lhe indeferiu o recurso que pretende interpor para o Tribunal Constitucional, apresentou, em 5 de Março de 1999 (fls. 2 e 3 dos presentes autos), reclamação para este mesmo Tribunal.
Apresentou, no mesmo momento, um requerimento com o seguinte teor:
“Atento o facto de interpor a presente reclamação no prazo suplementar previsto no art. 145º, nº 5 do CPC, vem requerer a V. Exªs se dignem dispensar a requerente do pagamento da respectiva multa ou, caso assim não se entenda, se digne reduzir ao mínimo possível o seu montante, atenta a situação de carência económica em que se encontra, tal como alegou na P.I. e se mantém”.
2. Por parte do Relator do processo no Tribunal da Relação de Coimbra, foi então proferido despacho com o seguinte teor:
“Desde que, a fls. 55 e 70 dos autos, a requerente pagou as multas liquidadas por procedimento congénere ao que ora reitera, nenhum dos respectivos pressupostos se alterou, resultando, pois, absolutamente indemonstrada a ora alegada situação de carência económica susceptível de viabilizar a requerida dispensa ou redução ao mínimo da montante da multa devida. Vai indeferido tal requerimento, devendo proceder-se em conformidade”.
3. Reclamou, então, a requerente para a conferência, que, por acórdão de 27 de Maio de 1999, indeferiu a reclamação com base na seguinte fundamentação:
“Já se explicitou, sobejamente, noutros lugares, mas em processos da mesma natureza e patrocinados pelo mesmo Exmº mandatário, a diferente natureza dos pressupostos e escopo do beneficio do apoio judiciário relativamente à pretendida dispensa ou redução da multa a que aludem os nºs 5 e 6 do artigo 145º do CPC. A redução ou dispensa de multa, prevista no nº 7 do mesmo normativo, pressupõe a demonstração (autónoma, vs. Pressupostos do deferimento do apoio judiciário) da manifesta carência económica. Pelo exposto sucintamente, vai desatendida a reclamação, com custas pelo requerente”.
4. Desta decisão recorreu a ora reclamante para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor (fls. 16):
“M..., recorrente nos autos de recurso acima e à margem referenciados, tendo sido notificada do douto Acórdão de fls... dos autos, vem interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos facultados pelo disposto no art.
70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15.2, pelo que se requer se dignem admiti-lo nos termos legais”.
5. Em face deste requerimento, o Relator do processo no Tribunal da Relação de Coimbra proferiu o seguinte despacho:
“O requerimento de fls. 16 carece manifestamente de fundamento. Só pode recorrer-se para o Tribunal Constitucional de decisão «que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (previsão invocada pelo recorrente, na qual não cabe a situação sub judicio) art. 70º, nº
1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Por outro lado, conforme decorre do disposto no nº 2 da mesma norma, o recurso previsto na aludida alínea b) «apenas cabe de decisão que não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam...» o que também não se verifica. Pelo exposto, não se admite o recurso”.
6 - Contra este despacho de não admissão do recurso apresentou o requerente, em
12 de Julho de 1999, a reclamação de fls. 19 e 20 dos autos.
Na mesma data requereu ainda a Reclamante que:
“Atento o facto de interpor a presente reclamação no prazo suplementar previsto no art. 145º, nº 5 do CPC, vem requerer a V. Exªs se dignem dispensar a requerente do pagamento da respectiva multa ou, caso assim não se entenda, se digne reduzir ao mínimo possível o seu montante, atenta a situação de carência económica em que se encontra, tal como alegou na P.I. e se mantém”.
7 - Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido do “indeferimento do pedido formulado no requerimento de fls.
19” para que a reclamante fosse dispensada do pagamento da respectiva multa ou, em alternativa, para que fosse reduzido ao mínimo possível o seu montante, atenta a situação de carência económica. Pronunciou-se ainda o Ministério Público no sentido da improcedência da reclamação apresentada, porquanto, no seu entender, a reclamante não suscitou nas alegações que produziu perante o Supremo Tribunal Administrativo qualquer questão de constitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso de fiscalização concreta que pretendeu interpor.
8 – Na sequência, foi proferido pelo Relator o seguinte despacho:
“Indefere-se o requerimento junto com a reclamação, por não ter base legal. A requerente não demonstrou a insuficiência económica.”.
9. É deste despacho que vem interposta a reclamação que agora se aprecia, fundamentada nos seguintes termos:
“1 – O requerimento da interessada foi indeferido «por não ter base legal» e por não ter alegadamente demonstrado a insuficiência económica.
2 – Salvo o devido respeito e que é muito, tais fundamentos revelam-se improcedentes.
3 – Com efeito, a pretensão do requerente estriba-se no disposto no art. 145º, nº 7 do CPC, que dispõe: «o juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revelar manifestamente desproporcionado».
4 – Ora, atenta a sua situação de carência económica, foi-lhe concedido o benefício do apoio judiciário nos termos previstos nos art.s 1º e ss. do DL
387-B/87, de 29.12.
5 – Assim sendo, conforme constitui jurisprudência dos tribunais superiores, o apoio judiciário pode abranger a dispensa do pagamento imediato da multa prevista no art. 145º, nº 5 do CPC em virtude de corresponder a uma regra de direito natural e por estar em harmonia com o disposto nos art.s 13º nº 2 e 20º, nº 1 da CRP (v. nesse sentido o Ac. do STA de 07.05.92, in rec. Nº 30.171) e no citado art. 145º, nº 7 do CPC.
6 – Se a recorrente, em vez de estar representada por patrono nomeado, estivesse representada pelo MP nos termos do disposto no art. 8º, al. a) do CPT, estava sem mais isenta do pagamento da multa em causa (v. Ac. da RL de 23.06.93, in BMJ
428º/669).
7 – Em homenagem ao princípio da igualdade, não se vislumbra razão plausível para que in casu a recorrente não possa beneficiar da dispensa de pagamento da multa em causa, independentemente de ter ou não demonstrado a insuficiência económica.
8 – Seja como for, o certo é que a interessada expressamente alegou, ainda que por remissão para a P.I., a situação de carência económica em que se encontra e se mantém.
9 – Qualquer outra interpretação da normas legais aplicadas in casu, designadamente das normas contidas nos art.s 145º, nº 7 do CPC, revela-se ilegal por não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, por não estar de harmonia com a unidade do sistema jurídico e por não ter em consideração os casos que mereçam tratamento análogo ex vi art.s 8º, nº 3 e 9º, nºs 1 e 2 do CC e revela-se inconstitucional por violar de forma injustificada e desproporcionada os direitos e princípios fundamentais da recorrente à igualdade, à não denegação de justiça por insuficiência económica e ao apoio judiciário de que se encontra carecida ínsito nos art.s 2º, 13º, nº 2 e 20º, nº
1 da CRP”.
10. Foram de novo os autos ao Ministério Público, agora ao abrigo do disposto no art. 700º, nº 3 do CPC, que se pronunciou no sentido da improcedência da reclamação.
11. Em 22 de Fevereiro de 2000 foi proferido o acórdão nº 106/2000 (fls. 35 a 40 dos autos), notificado às partes em 24 do mesmo mês e ano, em que se decidiu indeferir a reclamação.
12. Em 23 de Março de 2000 proferiu o Relator um despacho com o seguinte teor:
“Não tendo a reclamante pago a multa a que se refere o artigo 145º, nº 5 do CPC, de que não foi dispensada, em face do acórdão de fls. 35, perdeu o direito de reclamar para o Tribunal Constitucional da decisão do Tribunal a quo que não lhe admitiu o recurso, pelo que julgo extinta a instância por causa diversa do julgamento (art. 78º-B da LTC)”.
13. Contra este despacho apresentou a requerente, em 5 de Maio de 2000, a reclamação de fls. 47 e 48 dos autos, que fundamentou nos seguintes termos:
“1- Com a notificação do douto Acórdão de fls. 35 dos autos a interessada não foi notificada pela secretaria do processo para proceder ao pagamento da multa então devida nos termos prescritos no artigo 145º, nº 5 do CPC.
2 – Nem após o trânsito em julgado dessa decisão foi feita qualquer notificação com vista ao cumprimento pela interessada do disposto no artigo 145º, nº 5 ou 6 do CPC.
3 – Assim sendo, só depois de notificada a interessada pela secretaria do processo para o efeito, maxime nos termos e para os efeitos previstos no artigo
145º, nºs 5 e 6, é que seria legalmente possível julgar extinta a instância com fundamento na falta de pagamento da multa em causa, o que não se verificou in casu.
4 – Porém, atento o facto do prazo para a apresentação da reclamação em causa «é de natureza peremptória, dilatável por mais três dias (...), só se extinguindo o direito de praticar o acto se o recorrente for notificado com a cominação prescrita naquele nº 6. Se não se efectuou tal notificação e as alegações foram apresentadas fora do prazo, mas dentro dos três dias subsequentes, a falta ficou sanada», tal como foi decidido no acórdão do STJ de 11.05.88, in BMJ 377/272, ao contrário do considerado, mutatis mutandis, no douto despacho sob reclamação.
5 – Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, sempre a omissão da secretaria de proceder à notificação da interessada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 145º, nº 5 ou 6 do CPC constitui nulidade processual capaz de influir, tal como influi, no exame e decisão da causa, nos termos precistos nos artigos 160º, nº 6 e 201º do CPC, o que se vem arguir”.
6 – Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, mais requer a V. Exªs se dignem dar provimento à presente reclamação, revogando o douto despacho sob reclamação, julgando procedente a arguida nulidade processual e, em consequência, ordenando à secretaria a passagem das necessárias guias de depósito e notificação da interessada para que proceda ao pagamento da multa devida nos termos previstos no art. 145º, nº 5 do CPC, face ao decidido no douto acórdão de fls. 35 dos autos, ou, em alternativa, ordenando o cumprimento do exposto no art. 145º, nº 6 do CPC, com todas as legais consequências”.
Na mesma data requereu ainda que:
“Atento o facto de interpor a presente reclamação no prazo suplementar previsto no art. 145º, nº 5 do CPC, vem requerer a V. Exªs se dignem dispensar a requerente do pagamento da respectiva multa ou, caso assim não se entenda, se digne reduzir ao mínimo possível o seu montante, atenta a situação de carência económica em que se encontra, tal como alegou na P.I. e se mantém, cujo teor, nessa parte, aqui dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”.
14. Por parte do Relator foi proferido despacho com o seguinte teor:
“É manifesta a má-fé do reclamante, que volta a requerer dispensa do pagamento da multa pela prática de acto fora do prazo – e tem-no feito sistematicamente de modo a impedir que transite decisão sobre a reclamação anterior – com o mesmo fundamento com que já lhe foi negado por decisão da Conferência. A decisão sobre a má-fé compete à Conferência, pelo que para já não cabe notificar o reclamante para sobre ela se pronunciar. Agora apenas se indefere o requerimento junto com a reclamação, por não Ter base legal. O requerente continua a não demonstrar a insuficiência económica”.
15. Foram de seguida os autos ao Ministério Público, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, para que se pronunciasse sobre a reclamação de fls. 47 e 48, o que foi feito nos termos seguintes:
“1º - A reclamação deduzida é manifestamente infundada, persistindo o ora reclamante num comportamento processual enquadrável na litigância de má-fé, por traduzir uso abusivo e dilatório dos meios processuais.
2º - Na verdade, na específica situação dos autos, carecia manifestamente de sentido e utilidade a notificação oficiosa do reclamante para pagar a multa agravada, prevista no nº 6 do art. 145º do CPC.
3º - É que tal notificação só tem obviamente razão de ser quando a parte pratica o acto nos três dias subsequentes do prazo peremptório, sem notar ou referir tal extemporaneidade – devendo facultar-se-lhe oportunidade processual para, querendo, suprir a omissão que inicialmente cometeu, de modo a poder aproveitar-se ainda dos efeitos do acto.
4º - Porém, no caso dos autos, a questão do pagamento da multa já havia sido expressamente colocada à apreciação do Tribunal – e por este decidida – valendo obviamente, a notificação do acórdão proferido (que dirimiu definitivamente a questão suscitada precisamente sobre a exigibilidade de tal multa) para pagar a multa devida e liquidada pelas guias logo emitidas pela secção.
5º O que, apesar do teor de tal notificação, não fez – apesar de bem saber que a mesma é inquestionavelmente devida – dado o teor da decisão jurisdicional proferida – como conditio da tempestividade do acto processual praticado.
6º Ora, neste circunstancialismo – estando já o reclamante advertido expressamente, na sequência de decisão jurisdicional definitiva, do ónus do pagamento da multa devida – e deixando culposamente de a pagar – constituiria solução aberrante a necessidade de reiterar tal obrigação de pagamento, lembrando ao reclamante o que já resultava inteiramente do teor da decisão jurisdicional proferida e devidamente notificada à parte”.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação.
16 – A reclamação apresentada é, como se verá já de seguida, manifestamente improcedente.
Apresentada a reclamação de fls. 19 e 20 no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, e tendo sido indeferido o requerimento que o reclamante apresentou junto com a mesma para que fosse dispensado do pagamento da multa a que se refere o art. 145º, nº 5 do CPC, foi o reclamante notificado, nos termos e para os efeitos deste último preceito, para pagar a multa devida e liquidada pelas guias então emitidas pela secção.
Nessa altura optou por reclamar da decisão do Relator que não o havia dispensado da multa, tendo essa reclamação sido indeferida pelo acórdão de fls. 35 a 40, do qual foi regularmente notificado.
Ora, em face desta sequência processual, é por demais evidente que estando já o reclamante advertido expressamente do ónus de pagamento da multa, na sequência da notificação do acórdão que (em definitivo) lhe indeferiu a reclamação da decisão que não o havia dispensado do seu pagamento, constituiria – para utilizarmos as palavras expressivas do Ministério Público – “situação aberrante” a que impusesse a necessidade de reiterar tal notificação, (re)lembrando ao reclamante o que já resultava inteiramente do teor da decisão jurisdicional proferida e de que foi regularmente notificado”.
Que é assim resulta, aliás, do disposto no nº 3 do artigo 64º do Código das Custas Judiciais, aqui aplicável por força do nº 1 do artigo 99º do mesmo diploma, que manda contar o prazo para pagamento da multa da notificação da decisão definitiva que não atendeu a reclamação.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, é efectivamente de indeferir a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada que havia julgado extinta a instância por causa diversa do julgamento.
III – Decisão
Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC.
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida