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Processo n.º 824/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral, no âmbito do processo comum colectivo n.º 492/09.2 JALRA, o arguido A. foi condenado:
- pela prática, como autor material, de um crime de homicídio simples previsto e punido pelo artigo 131.º do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 14 anos de prisão;
- pela prática, como autor material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.º, n.º 1, alíneas p), ae a az e n.º 2, alínea p) e n.º 3, alínea a), 3.º, n.º 4, alínea a), 6.º, n.ºs 1 e 2, e 86.º, n.º 1, alínea c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 06/05, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 14 anos e 9 meses de prisão.
Foi ainda condenado na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 7 meses, nos termos do artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e no pagamento de várias indemnizações.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso.
Desta decisão o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que julgou improcedente o recurso.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:
“1- Contrariando a ideia da “Justiça que tarda” como preconizava D. Pedro I. “o Cruel” “aqueles que tarde vencem ficam vencidos” ... foi Voltaire que vulgarizou o aforismo romano da Justiça “rápida”: “sentença pronta, raro é justa”
2- Em maio 2006 um Alto Magistrado alertava para o problema da matéria de facto não ser devidamente julgada no Tribunal Superior: “AS RELAÇÕES ESTÃO A TER MUITA DIFICULDADE PARA APRECIAR A MATÉRIA de FACTO. HÁ UMA REBELDIA... - dixit Sr. Juiz Conselheiro Simas Santos, in Jornal Público 28-Maio2006 - Tertúlia no Café Majestic, Porto.”
3- In casu constata-se que o arguido foi julgado, e condenado mas mal; não só o STJ ostracizou os argumentos da defesa como a fls. 15 do Acórdão prescreve que,
“... é verdade que o Juiz deve ordenar, mesmo oficiosamente, a produção de todos os meios de prova para a descoberta da verdade, mas são os que se lhe afigurem necessários para essa descoberta (art 340 do CPP). Se, nesse caso, o Juiz não ordenou a realização da perícia que o recorrente agora reclama é porque não a achou necessária. E a confirmá-lo está o facto de o próprio recorrente, assistido pelo seu advogado, nada ter requerido a tal propósito” fls. 15
4- Lê-se e não se concebe tais argumentos. Se o Tribunal não quer, ou porque o Juiz tem poder discricionário, fica sem defesa!!!! Se o advogado nada requer, mais indefeso fica o arguido! E é o STJ que o diz e assim decide!!!!
5- A JUSTIÇA PORTUGUESA NÃO PODE SER ASSIM SOB PENA DE ERRO GRAVE! Já em 1960 alertava o Mestre CUNHA GONÇALVES para o seguinte:
“... os Juízes têm e devem ter a faculdade de julgar segundo os ditames da sua consciência, que se presume inflexível e reta, conforme o critério da sua razão, que se supõe lúcida e esclarecida e as diretivas da sua inteligência, que mercê de prévios estudos se reputa culta e abarrotada de ciência jurídica. Podem estes postulados falhar na prática; mas os erros da justiça esgotados todos os recursos, devem ser tidos por mazelas incuráveis, que os litigantes vencidos hão de suportar como suportariam o cancro ou um terramoto…” Cunha Gonçalves In Tratado - Volume XIII – pág. 492.
6- Os arts. 151, 340 e 351 do CPP na interpretação do STJ violam os arts 29-1 e 32-1 da Lei Fundamental.
7- Os arts. 127 e 152 CPP quando entendidos que o recorrente não pode ser submetido a perícia rigorosa exaustiva com vista a determinar se padecia de distúrbio temporário, determinante na prática dos factos e o arguido é inimputável ou padece de imputabilidade diminuída, violam os arts. 29-1 e 32-1/5 - CRP e traduzem INDEFESA!!!!
8- À Justiça Portuguesa não pode ser assim: ao acolher Tribunais de Recurso deve julgar de facto e de direito e nunca ostracizar a apreciação da matéria de facto, impondo pena desajustada e violadora do Principio da Proporcionalidade. E deve ordenar a realização de PERICIA, mesmo que o arguido não suscite tal questão.
9- À inexistência de julgamento neste Alto Tribunal da matéria de facto traduz NULIDADE do processado à face dos arts. 32 e 205 da Lei Fundamental e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
10- O arguido tem direito a que a causa seja apreciada por um Tribunal Superior e não pode ver ostracizado o Principio da Presunção de Inocência pelo facto de o sistema de recursos ter sido alterado entre a data dos factos, março 2002 e 2011…
11- O Juiz deve basear-se apenas em provas concretas, diretas ou indiretas mas suficientemente fortes aos olhos da Lei para estabelecer a culpabilidade e não deve partir da convicção ou da suposição de que o acusado é culpado sem ordenar a produção de prova - Perícia - que pode ser favorável ao arguido:
- Casos Barberá, Messegué e Jabardo / Áustria / Itália de 30-3-1963, Ann. Conv. VI, pág. 783 - Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
- Caso Engel A 22, pag 38 §90, Dewer, A 35, pag 30 TEDH”
O Conselheiro Relator proferiu decisão de não admissão do recurso, com a seguinte fundamentação:
“1. O recorrente alega que os artigos 151.º, 340.º e 351.º do Código de Processo Penal (CPP) violam os artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 do Constituição da República Portuguesa, mas não explicita e nunca explicitou qual o entendimento subjacente à interpretação que diz conflituar com aquelas normas. Pura e simplesmente alegou, na motivação de recurso para este Tribunal, que se impunha realizar a perícia às suas faculdades mentais, face aos elementos constantes dos autos, e no requerimento de interposição recurso para o Tribunal Constitucional (TC) limitou-se a dizer que os artigos 151.º, 340.º e 351.º do CPP, na interpretação do STJ, violam os arts. 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da CRP. Mas que interpretação do STJ, afinal? E como é que essa tal interpretação ofende as referidas normas da CRP?
Por conseguinte, o que o recorrente pretende é a reanálise da própria decisão proferida, numa pretensa dimensão de inconstitucionalidade de que esta enfermaria.
2. Em segundo lugar, o recorrente alega que os artigos 127.º e 152.º do CPP violam as mesmas normas constitucionais, quando entendidos no sentido de que «o recorrente não pode ser submetido a perícia rigorosa exaustiva, com vista a determinar se padecia de distúrbio temporário, determinante na prática dos factos, e se o arguido é inimputável ou padece de imputabilidade diminuída.»
Porém, como já se teve oportunidade de dizer no acórdão recorrido, este pressuposto factual é fantasioso, pois a questão nunca se colocou, nem foi colocada ao tribunal nesses termos.
Este Tribunal, não teve o entendimento acima assinalado. Nunca afirmou que o recorrente não podia ser submetido a perícia rigorosa e exaustiva sobre as suas faculdades mentais. O que disse foi coisa completamente diversa, e o recorrente também aqui não explicita o segmento da decisão relevante para o julgamento da constitucionalidade, nem como o entendimento aí expresso conflitua com as referidas normas constitucionais.
Por isso, também aqui o que está em causa é a impugnação da própria decisão em si e não propriamente uma questão de constitucionalidade. Para que seja suscitada de forma adequada a questão da constitucionalidade, é necessário «identificar expressamente a interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal em caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada com tal sentido (Lopes do Rego, O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade (...), Jurisprudência Constitucional, n.º 3, Julho-Setembro de 2004, p. 8).
Não foi esse o caminho seguido pelo recorrente.
3. Por último, o facto de não haver um duplo grau de recurso em matéria de facto em nada colide com as normas e princípios constitucionais relativos ao processo criminal, como o TC repetidamente tem afirmado.”
O arguido reclamou desta decisão alegando o seguinte:
“Parece ao reclamante que o requerimento de recurso está devidamente fundamentado e pode proceder neste Colendo Tribunal Constitucional !!!!!
A não admissão do recurso e a condenação à morte do arguido com 76 anos de idade - a cumprir, eventualmente, uma pena de 13 anos e 6 meses (76 + 13,6= 89 anos e 6 meses...) sem que o Estado de Direito, que organiza Tribunais de segunda instância ou de revista, não assegure, aos que recorrem à Justiça, o respeito pelas garantias fundamentais perante a omissão de um advogado ou mesmo do Tribunal de Julgamento - que não requereu, em tempo, ou não ordenou - a realização de uma perícia Médico Psiquiátrica - traduz indefesa e nulidade do processado e ostensiva violação das garantias de defesa!
Pelo exposto deve o recurso ser admitido pois só se cumpre o art 32 da CRP e se respeita o Estado de Direito in totum.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
A competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas (hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
O Recorrente no ponto 6 do requerimento de interposição de recurso invocou que os artigos 151.º, 340.º e 351.º, do Código de Processo Penal, na interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, violam os artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição, mas não explicitou qual foi essa interpretação.
E no ponto 7 do mesmo requerimento alegou que os artigos 127.º e 152.º, do Código de Processo Penal, quando entendidos que o recorrente não pode ser submetido a perícia rigorosa e exaustiva com vista a determinar se padecia de distúrbio temporário, determinante na prática dos factos e o arguido é inimputável ou padece de imputabilidade diminuída, violam os artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1/5, da Constituição. O acórdão recorrido não subscreveu de modo algum esta interpretação, antes tendo negado que o Tribunal da Relação a tenha alguma vez enunciado.
Assim, não tendo o Recorrente indicado no ponto 6. qualquer norma suscetível de fiscalização de constitucionalidade e não se integrando a norma indicada no ponto 7. na ratio decidendi do acórdão recorrido, não é possível conhecer do recurso interposto, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas da reclamação pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de janeiro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.