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Processo n.º 884/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 884/12, veio a arguida A. recorrer do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença que a condenou pela prática de um crime de difamação e de um crime de injúria, em pena única de multa, e bem assim no pagamento de indemnização.
2. Pela decisão sumária n.º 7/2013, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
Entendeu-se nessa decisão, no essencial:
“(...)
6. No caso em apreço, a recorrente não indica no requerimento de interposição de recurso - peça processual em que lhe incumbe delimitar o objeto do recurso, nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC - qualquer norma, ou dimensão normativa, a que seja imputada desconformidade constitucional.
Na verdade, ao colimar o recurso ao “entendimento vertido no douto acórdão”, o recorrente denota a imputação de inconstitucionalidade ao ato de julgamento, em si mesmo considerado, o que não cabe, como se disse, no recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
7. Acresce que, tomando o “entendimento” apontado, de consideração de caso julgado formal relativo a alegada nulidade por ausência notificação da arguida da acusação particular, verificamos que esse fundamento decisório não corresponde ao efetivamente acolhido no acórdão recorrido.
Na verdade, e como resulta com nitidez de fls. 442 verso e 443, o Tribunal da Relação considerou que a recorrente foi notificada da acusação particular contra si deduzida, o que constitui ratio decidendi para a conclusão de improcedência da nulidade invocada. Assim resulta, nomeadamente, do segmento onde se diz:
“Ora, numa leitura do processado de fls. 109-111, 116, 118 a 159, facilmente se enxerga que a arguida/recorrente ao que tudo indica terá sido notificada da acusação particular contra si deduzida pela referida assistente simultaneamente com a notificação do despacho do Ministério Público junto a fls. 104-106, pelo que não se terá realmente omitido a realização desse ato e, consequentemente, não terá visto a aludida arguida/recorrente diminuída as suas garantias de defesa.”
8. É certo que a decisão recorrida prossegue e elabora sobre a natureza do vício que resultaria da hipotética falta de notificação da acusação particular (o que apelida de “putativa vicissitude”) e também sobre a formação de caso julgado formal, em resposta à suscitação na motivação de recurso de violação do direito constitucional ao recurso, mas esses fundamentos assumem função meramente acessória, secundária. Assim, qualquer que fosse a posição a esse propósito, no plano da conformidade constitucional, sempre subsistiria, impondo-se a este Tribunal Constitucional como um dado, o juízo de efetiva notificação da acusação particular à arguida.
9. Face ao exposto, por não estarem reunidos os pressupostos exigidos pela alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, não pode o recurso interposto ser conhecido.”
3. Inconformada, a recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, com o seguinte remate conclusivo:
“a) Vem a Reclamação interposta de douta decisão sumária proferida a fls. no passado dia 9 de janeiro de 2013, com a qual, com o devido respeito que é muito, a arguida não pode concordar.
b) Efetivamente, como mui doutamente vem referido na douta decisão sumária, no Direito Português não se encontra consagrado o Recurso de Amparo.
c) Efetivamente, como mui doutamente vem referido na douta decisão sumária, no Direito Português não se encontra consagrado o Recurso de Amparo.
d) No entanto, considera a arguida que para salvaguarda dos seus direitos, liberdades e garantias não podem ser tomadas decisões que violem, em concreto, a Constituição da República Portuguesa.
e) No nosso ordenamento jurídico está prevista a fiscalização difusa da constitucionalidade, no entanto, no entender da arguida cabe, em ultimo grau, ao Tribunal Constitucional garantir que não existe a violação da mesma.
f) Salvo devido respeito, entende a arguida que ao longo do processo não foi respeitado o seu mais elementar direito de ser notificada da acusação.
g) A figura jurídica do caso julgado não se encontra prevista na Legislação Penal.
h) Na mui douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, não é invocada a norma sob a qual é aplicada a figura do caso julgado.
i) Sendo que em direito penal entende a recorrente que existem duas fontes diferentes para essa aplicação, ou seja, o nº 5 do artigo 29º da própria Constituição da República Portuguesa e o artigo 671º do Código Processo Civil.
j) Efetivamente, concordamos que da aplicação das duas normas resulta que os Tribunais não podem em resumo “decidir novamente o que já foi decidido”.
k) No entanto, a arguida vislumbra correto que quanto à questão da nulidade invocada e decidida em sede de instrução, nunca foi a mesma objeto de decisão por parte dos Tribunais Superiores.
l) Está apenas a decidir que não pode decidir.
m) Sendo que a Arguida não concorda que no diga-se, mui douto Acórdão Recorrido, tenha ficado decidido que a Arguida foi notificada, visto que usa a expressão ao que tudo indica
n) Assim, reitera a arguida que na douta decisão objeto de Recurso para este Venerando Tribunal viola o nº 1 do artigo 20º da CRP que consagra “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente (...)”.
o) Bem como o nº 1 do artigo 32º da CRP, o qual consagra o direito ao recurso.
p) Assim sendo, a arguida delimitou a decisão que aplica uma norma e invocou a inconstitucionalidade ao longo do processo, tanto em sede de Recurso da decisão instrutória que não foi admitido, como perante o Recurso da decisão final para o Tribunal da Relação.
q) Ou seja, salvo devido respeito, não permanecem duvidas que a inconstitucionalidade foi invocada ao longo do processo, bem como a arguida delimitou, dentro do possível, o que considera inconstitucional.
r) Não pode a Arguida ver o seu direito à análise da respetiva inconstitucionalidade ser retirado pelo facto de na decisão objeto de recurso não estar definida a norma que aplica mas sim o respetivo princípio (caso julgado).
s) Assim sendo, salvo devido respeito, deverá a Conferência do Venerando Tribunal da Relação decidir se a arguida tem, ou não, razão nos argumentos por si invocados, devendo o Recurso ser doutamente decidido.”
4. O Ministério Público pronuncia-se pelo indeferimento da reclamação, considerando manterem-se intocados os fundamentos da decisão sumária reclamada.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Vem a recorrente A. reclamar para a conferência da decisão sumária que decidiu não conhecer do recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
Manifesta, para tanto, discordância quanto à consideração de que foi apreciada e decidida no Acórdão recorrido, no sentido positivo, a questão da sua notificação da acusação particular e diz, ao mesmo tempo, que “delimitou a decisão que aplica uma norma” e que “não poderia a Arguida identificar a norma que não é identificada na própria decisão objeto do recurso”.
6. No que concerne ao primeiro argumento, encontramo-nos no domínio da interpretação do Acórdão recorrido. A recorrente, ora reclamante, lê a expressão “[a]o que tudo indica”, constante do segmento transcrito na Decisão Sumária reclamada, como indicação de que a Relação de Lisboa nada decidiu.
Sem razão. Em construção frásica que se inicia pela referência às folhas do processado ponderadas e reputa a conclusão formada sobre o problema como dotado do grau de certeza contido na asserção “facilmente se enxerga”, a subsequente locução “ao que tudo indica” não sinaliza reserva de análise, ou apreciação meramente indiciária, mas sim a reiteração do sentido de evidência manifesta formado sobre a questão da efetiva notificação da acusação particular.
Não existem, então, motivos para contrariar o entendimento de que a ratio decidendi da decisão recorrida assentou no pressuposto (de facto) inverso do considerado pela recorrente.
7. Porém, não foi esse o fundamento principal para a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade firmada na Decisão Sumária reclamada. Entendeu-se que a recorrente não questionou qualquer norma ou interpretação normativa, pretendendo, sim, sindicar o ato de julgamento no plano aplicativo do direito infraconstitucional e os termos da reclamação vêm confirmar esse entendimento.
Na verdade, como admite na parte final do requerimento, a recorrente não indicou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade de qualquer norma ou interpretação normativa, o que não se reduz à referência ao preceituado em diploma. O conceito de caso julgado encontra autonomia na ordem jurídico-processual em termos de, quando articulado como determinante judicativa, poder a correspondente interpretação normativa – e não a sua aplicação às especificidades do caso concreto – ser questionada no plano da constitucionalidade.
Ora, o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal é bem claro quando imputa a inconstitucionalidade ao Acórdão recorrido, em si mesmo, e à aplicação que, na leitura da recorrente, teria feito in casu do conceito de caso julgado. Assim decorre, com evidência, do propósito de ver apreciado por este Tribunal Constitucional o entendimento de “que existe caso julgado formal relativ[o] à invocada nulidade processual”.
8. É, pois, de confirmar a decisão sumária que, com fundamento em ausência de questão normativa de constitucionalidade, não conheceu do respetivo objeto.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 7/2013.
10. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Notifique.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.