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Processo nº 914/05
 
 1ª Secção
 Relatora: Conselheira Maria João Antunes
 
  
 
  
 
  
 Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
 
  
 
   
 
  
 I. Relatório
 
 1. Nos presentes autos de recurso, vindos do Tribunal de Trabalho de Bragança e 
 em que é recorrente o Ministério Público, foi interposto recurso para o Tribunal 
 Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei da 
 Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da 
 sentença daquele Tribunal, de 15 de Julho de 2005.
 
 2. O Tribunal de Trabalho de Bragança indeferiu pedido de remição obrigatória da 
 pensão anual fixada ao sinistrado A., recusando a aplicação da norma resultante 
 do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando 
 interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é 
 independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes superiores a 30% ou por morte, por violação do artigo 59º, 
 nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.
 
 É o seguinte o teor da decisão recorrida:
 
  
 
    “Veio a seguradora responsável, a fls. 68, requerer a remição da pensão 
 devida ao sinistrado A., invocando o art. 74° do D.L. 143/99, de 30/4.
 
    A Digna Magistrada do M.ºP.º emitiu parecer desfavorável à pretensão da 
 requerente, conforme douta promoção de fls. 80, invocando, em abono da sua tese, 
 a jurisprudência do Tribunal Constitucional fixada no Ac. n° 56/2005 in D.R. II 
 Série de 3/5/2005.
 
    Notificado para se pronunciar, o sinistrado declarou que não aceita a remição 
 da sua pensão, pretendendo que esta lhe seja paga mensalmente.
 
    Cumpre decidir.
 
    Nos termos dos artigos 33° n.º 1 da Lei 100/97 de 13/9 e 56° n.º 1 als. a) e 
 b) do D.L. 143/99 de 30/4, aplicável às pensões resultantes de acidentes 
 ocorridos antes da sua entrada em vigor, por força do disposto no artigos 410 
 n.º 2 al. a) da Lei, passaram a ser obrigatoriamente remíveis as pensões anuais 
 devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não 
 sejam superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à 
 data da fixação da pensão e as devidas a sinistrados, independentemente do valor 
 da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
 
    Alinhamos com a posição expressa no Ac. do STJ de 13/7/2004 (n.º convencional 
 JSTJ000, in http://www.dgsi.pt), no sentido de que a data da fixação da pensão 
 não pode ser entendida como a data da decisão judicial que a fixou, mas antes a 
 data a partir da qual a pensão é devida. Esta tese não colide, salvo melhor 
 entendimento, com a uniformização de jurisprudência fixada pelo STJ no seu 
 Acórdão n° 4/2005, publicado no DR I-A de 2/5/2005.
 
    Ora, o sinistrado está afectado de incapacidade permanente parcial para o 
 trabalho de 51%, sendo a pensão em causa devida desde 24/5/1988. Por sua vez, o 
 seu valor era de 110.976$00 (€ 553,55), ou seja, era inferior a seis vezes a 
 remuneração mínima mensal garantida mais elevada estabelecida pelo D.L. 411/87 
 de 31/12, que era de 27.200$00 (€ 135,67).
 
    Estariam, pois, à partida, reunidos os pressupostos necessários à remição 
 obrigatória da pensão.
 
    Contudo, como vem sendo entendido pelo Tribunal Constitucional, as normas dos 
 artigos 56° nº 1 al. a) e 74° do D.L. 143/99 de 30/4 são inconstitucionais por 
 violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho ou doença 
 profissional, consagrado no art. 59° nº1 al. f) da Constituição, quando 
 interpretadas no sentido de imporem a remição obrigatória total de pensões 
 vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que 
 estas excedam 30%.
 
    Transcreve-se, por elucidativa, parte da fundamentação do Acórdão n° 56/2005 
 do Tribunal Constitucional publicado no Diário da República, II Série, nº 44 de 
 
 3/5/2005, doutamente relatado pelo Exmº Conselheiro Paulo Mota Pinto, no qual se 
 apreciou a inconstitucionalidade material do citado art. 74° do D.L. 143/99, 
 quando interpretado no sentido de abranger no conceito de pensões de reduzido 
 montante todas as pensões infortunísticas laborais, incluindo nelas as situações 
 de total ou elevada incapacidade permanente:
 
    «(...).
 
    5- No Acórdão n.º 379/2002 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 
 vol. 54, págs. 313-321) escreveu-se, a propósito, então, do artigo 56° do 
 Decreto-Lei n.º 143/99, que a “filosofia subjacente” à remição obrigatória de 
 pensões prevista no seu n.º 1, segundo dois diferentes critérios – o do montante 
 diminuto da pensão, segundo a alínea a), e o do grau de incapacidade laboral, 
 nos termos da alínea b) – e à remição facultativa de pensões, prevista no seu 
 n.º 2, era:
 
    “[...] a de permitir que a compensação correspondente à pensão fixada ao 
 trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, não 
 impeditivos de posterior exercício da sua actividade, possa converter-se em 
 capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a 
 permitida pela mera percepção de uma renda anual.
 
    Se a via que o legislador encontrou é válida perante uma incapacidade 
 diminuta, a que corresponda montante de pensão reduzido, já não o será em casos 
 de maior gravidade, de modo a colocar, porventura, em causa, dada a álea 
 inerente, a aplicação do capital. Daí o não se aceitar que, nos casos de 
 incapacidade de trabalho fixada em maior percentagem, com natural repercussão no 
 montante da pensão, se estabeleça uma limitação ao poder de o trabalhador pedir 
 ou não a remição, reflectida na obrigatoriedade de a esta se proceder.”
 
    Tal interpretação da teleologia das normas é corroborada pela salvaguarda, no 
 n.º 2 do artigo 33° da Lei n.º 100/97 , de 13 de Setembro, de um limite máximo à 
 remição parcial em situações de “incapacidade igual ou superior a 30%” (“desde 
 que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração 
 mínima mensal garantida mais elevada”), e pela inexistência de previsão de “um 
 capital de remição”, no artigo 17° da Lei n.º 100/97, para situações em que a 
 incapacidade fosse superior a 30%. (...).
 
    Em todo o caso, o argumento mais relevante apresentado pela decisão recorrida 
 contra a conformidade constitucional da norma do artigo 74° do Decreto-Lei n.º 
 
 143/99 (na redacção dada pelo artigo 2°, do Decreto-Lei n.º 382-A/99, e na 
 interpretação que foi efectuada pela decisão recorrida, que o Tribunal 
 Constitucional tem de aceitar como um dado no presente recurso) foi, justamente, 
 o dos limites à teleologia da remição: nesses casos de incapacidade elevada, “só 
 a subsistência de uma pensão vitalícia poderá precaver o sinistrado contra o 
 destino, eventualmente aleatório, do capital resultante da remição obrigatória, 
 em casos como o sub judice”.
 
    Neste ponto, a decisão recorrida foi também ao encontro da ponderação 
 reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 302/99 (publicado em Acórdãos 
 do Tribunal Constitucional, vol. 43, págs. 597-603), no qual se pode ler:
 
    “o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação 
 pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de 
 que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor.
 
    E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais 
 acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença 
 profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte 
 do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na 
 retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não 
 apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação 
 correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o 
 montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se 
 degrada com o passar do tempo - possa ser 'transformada' em capital, a fim de 
 ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que 
 a mera percepção de uma 'renda' anual cujo quantitativo não pode permitir 
 qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
 
    Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade 
 responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da 
 própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o 
 montante da pensão for reduzido.
 
    Outrotanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho 
 ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente 
 diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de 
 auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas 
 situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, 
 servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em 
 consequência da reduzida capacidade de trabalho.
 
    Se o montante dessas pensões se perspectivar como algo que actua (ou actuaria 
 desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então 
 compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral 
 Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de 
 aplicação do capital de remição”.
 
    Efectivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa 
 intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser 
 aleatória, comporta riscos.
 
    E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em 
 maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, 
 para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize 
 a remição das respectivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao 
 poder do trabalhador de pedir ou não a remição.”
 
    Neste acórdão n.º 302/99 (bem como no Acórdão n.º 482/99, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a 
 conformidade constitucional de disposições que vedam a remição de certas pensões 
 
 “a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis”, e julgou-as 
 inconstitucionais por violação das disposições conjugadas dos artigos 13°, n.º 
 
 1, 59°, n.º 1, alínea f), e 63°, n.º 3, da Constituição.
 
    No presente caso, o problema é de certa forma inverso, pois não está em causa 
 a limitação ao poder de o trabalhador ponderar se, atento o diminuto 
 quantitativo da pensão, não seria mais compensador a efectivação da remição {que 
 redundava – disse-se –, “verdadeiramente, na consagração de uma discriminação 
 materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança 
 social proteja adequadamente [...] o direito dos trabalhadores à justa 
 reparação, quando vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional 
 
 [artigo 59°, n° 1, alínea f), do diploma básico]”}, mas antes a limitação a 
 continuar a receber a pensão, pela imposição de uma remição obrigatória, para 
 todas as pensões infortunísticas laborais, mesmo que por incapacidades parciais 
 permanentes que excedam 30%.
 
    Todavia, também no presente caso a interpretação em causa redunda numa 
 limitação do poder de o trabalhador ponderar se é menos arriscado continuar a 
 receber a pensão e recusar a remição – numa imposição do risco do capital a 
 receber –, a qual, com a extensão que a dimensão normativa admite, tomaria 
 precário e limitaria o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional.
 
    (…)
 
    Pode, assim, concluir-se, como nos acórdãos citados, que a remição total 
 obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma 
 pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 
 
 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de 
 trabalho ou doença profissional, consagrado no artigo 59°, n.º 1, alínea f), da 
 Constituição.
 
    (...).»
 
    Os ensinamentos resultantes da jurisprudência constitucional citada valem 
 igualmente para o art. 56° nº 1 al. a) quando interpretado no sentido de impor a 
 remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte, na medida em que, ao impor uma limitação ao direito do sinistrado ou 
 do beneficiário legal poder optar, ou pela remição, ou, antes, pelo recebimento 
 da sua pensão sob a forma de renda anual, tal interpretação põe em causa o 
 principio constitucional do direito à justa reparação por acidente de trabalho 
 ou doença profissional estabelecido no art. 59° nº 1 al. f) da Constituição.
 
    Pelo exposto, considerando que o sinistrado nestes autos declarou não aceitar 
 a remição da sua pensão, decide-se não aplicar, por inconstitucional, por 
 violação do art. 59° n° 1 al. f) da Constituição, a norma resultante do art. 56° 
 nº1 al. a) do D.L. 143/99 de 30/4, quando interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total, isto é independentemente da vontade do titular, de 
 pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou 
 por morte, e, consequentemente, indeferir a requerida remição obrigatória da 
 pensão fixada nestes autos ao sinistrado A.”.
 
  
 
 3. Notificado para alegar, o Ministério Público formulou as seguintes 
 conclusões:
 
  
 
    «1 – Face à firme corrente jurisprudencial, formada na esteira do decidido no 
 acórdão n° 56/05, não se conforma com o princípio constitucional da justa 
 reparação dos danos emergentes de acidentes laborais, estabelecido no artigo 
 
 59°, n° 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa o regime que se 
 traduz em impor ao trabalhador/sinistrado – contra a sua vontade expressa no 
 processo – a obrigatória remição das pensões vitalícias que – independentemente 
 do seu montante pecuniário – visam compensar graus elevados – superiores a 30% – 
 de incapacidade laboral.
 
    2 – Tal entendimento tanto se justifica quanto às pensões fixadas 
 anteriormente à vigência do Decreto-Lei n° 143/99 (previstas no artigo 74°), 
 como às pensões decorrentes de acidentes já ocorridos após vigorar este diploma 
 legal, cuja remição obrigatória está prevista e regulada no artigo 56°.
 
    3 – Não viola o princípio da igualdade a circunstância de – em consequência 
 da remição da pensão – certos trabalhadores receberem um capital indemnizatório, 
 que passam a administrar livremente, enquanto os restantes continuam a receber 
 uma indemnização expressa em pensão ou renda vitalícia, não objecto de remição.
 
    4 – Porém, a norma constante do artigo 56°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 
 
 143/99, ao impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição 
 obrigatória total de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes 
 superiores a 30%, ofende o princípio constitucional da justa reparação de danos 
 causados por acidentes laborais.
 
    5 – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade 
 constante da decisão recorrida».
 
  
 II. Fundamentação
 
  
 Sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do presente recurso, pode 
 ler-se no Acórdão o Tribunal Constitucional nº 58/2006 (não publicado) o 
 seguinte:
 
  
 
 «Conforme se refere nas alegações do Ministério Público, era sustentável – face 
 
 à situação de facto subjacente à decisão recorrida, reportada a acidente de 
 trabalho ocorrido em 18 de Junho de 1975 – que se considerasse aplicável o 
 disposto no artigo 74.º, e não directamente o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, 
 alínea a), do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
 
    No entanto, foi esta última a norma cuja aplicação foi expressamente 
 recusada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, pela decisão recorrida, 
 pelo que é a questão da sua conformidade constitucional que constitui objecto do 
 presente recurso, embora circunscrita à dimensão susceptível de aplicação ao 
 caso concreto, isto é, enquanto determina a remição obrigatória de pensões 
 anuais devidas a sinistrados de acidentes de trabalho que não sejam superiores 
 a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da 
 fixação da pensão, em casos em que do acidente resultou incapacidade parcial 
 permanente do sinistrado superior a 30%. Ficam, assim, excluídas as dimensões 
 normativas reportadas a situações em que o beneficiário da pensão não seja o 
 sinistrado e/ou aos casos em que ocorreu a morte do sinistrado.
 
    Relativamente à dimensão que constitui objecto do presente recurso, há apenas 
 que reconhecer que são para aqui inteiramente transponíveis as considerações que 
 levaram à emissão de juízos de inconstitucionalidade, por violação do artigo 
 
 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, da norma do 
 artigo 74.º do Decreto‑Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo 
 Decreto‑Lei n.º 382‑A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%, constantes do Acórdão n.º 56/2005 (cuja fundamentação 
 foi transcrita na sentença recorrida, em passagem reproduzida no precedente 
 relatório) e das Decisões Sumárias n.ºs 234/2005 e 247/2005, e que culminaram 
 com a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade dessa 
 norma constante do Acórdão n.º 34/2006.
 
    Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a 
 compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a 
 infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor, 
 compreende‑se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não 
 afecta significativamente a continuação do desempenho da sua actividade 
 laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi 
 fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar 
 do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em 
 finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera 
 percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer 
 subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem 
 acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade 
 laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário 
 condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de 
 complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da 
 reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no 
 momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto 
 proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à 
 percepção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta 
 riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição 
 significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos 
 arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo‑lhe a 
 assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna 
 precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando 
 vítimas de acidente de trabalho.
 
    Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do 
 beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial 
 permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa 
 reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea 
 f), da Constituição.
 
    Resta consignar, relativamente aos Acórdãos n.ºs 379/2002, 21/2003 e 60/2003, 
 citados na alegação do Ministério Público, que os juízos de não 
 inconstitucionalidade da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‑Lei 
 n.º 143/99, neles emitidos, se reportaram apenas à alegada violação do princípio 
 da igualdade, tendo o Acórdão n.º 60/2003 reproduzido a fundamentação do Acórdão 
 n.º 379/2002, que, tal como o Acórdão n.º 21/2003, incidiu sobre caso em que 
 ocorrera a morte do sinistrado e o beneficiário da pensão era um seu familiar, 
 constituindo, assim situação diversa da ora em apreço».
 
  
 
 É esta jurisprudência – para cuja fundamentação se remete – que agora se 
 reitera, sendo certo que, também nestes autos, o sinistrado se opôs à remição da 
 pensão.
 
  
 III. Decisão
 
    Em face do exposto, decide-se:
 
    a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 59º, nº 1, alínea f), da 
 Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), 
 do Decreto‑Lei nº 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor a 
 remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades 
 parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas 
 incapacidades excedam 30%; 
 
    b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz 
 respeito ao juízo de inconstitucionalidade.
 
    Sem custas.
 
  
 Lisboa, 8 de Fevereiro de 2006
 Maria João Antunes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria Helena Brito
 Rui Manuel Moura Ramos
 Artur Maurício