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Processo n.º 604/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., notificada do Acórdão n.º 558/12 que indeferiu a sua reclamação sobre a Decisão Sumária que não admitiu o recurso que pretendia ver interposto para o Tribunal Constitucional, veio ao abrigo do disposto no artigo 669.º do Código de Processo Civil:
(…)
1) Requer de V. Ex.ª a reforma do acórdão de modo a que defira a reclamação apresentada conhecendo, de mérito, do objeto do recurso ordenando o seu prosseguimento.
2) Subsidiariamente, requer o esclarecimento do teor do acórdão proferido, explicitando as razões de índole formal em que se fundamenta para denegar justiça material constitucional e de mérito ã recorrente, “rectius”, à questão jurídico-constitucional de relevo objeto do recurso.
(…).
Tal requerimento de 'reclamação/reforma' mostra-se formulado com os seguintes fundamentos:
(…)
1º
Refere o TC em conferência e no douto acórdão que a decisão de não conhecimento do objeto de recurso foi tomada com pleno acerto.
2º
O douto acórdão indefere a reclamação e confirma a decisão sumária reclamada.
3º
Fá-lo porque, afirma que de um lado que a questão suscitada pela recorrente não tem conteúdo normativo, isto é, a recorrente no apresenta um verdadeiro recurso de inconstitucionalidade normativa.
4º
E por outro lado, inexiste coincidência entre a questão que o Tribunal recorrido (STJ) foi chamado a apreciar e a questão do foro constitucional, trazida a recurso.
5º
O TC, em súmula, reitera o juízo de que a recorrente pretende tão só - que um conjunto de factos - (a destruição do soalho e da sua estrutura de suporte, a putrefação do pavimento, entre outros) - integrem o conceito de deteriorações consideráveis do artigo 64º do DL 321/B/90 de 15/10.
6º
Nos termos do artigo 669º do CPC qualquer das partes pode requerer ao Tribunal que proferiu sentença o esclarecimento de obscuridade ou ambiguidade que a mesma contenha, e a sua reforma, com proferição de decisão diversa.
7º
É consabido que o TC tem recebido a crítica, bem merecida, de sobrestimar a forma, menosprezando o mérito e a justiça material.
8º
É prática corrente, nesse TC usar e abusar de recusa liminar quanto ao conhecimento de mérito das concretas questões de constitucionalidade veiculadas através dos recursos de fiscalização concreta.
9º
O caso dos autos é disso paradigma e a decisão sumária proferida ao abrigo do artigo 78º, A, nº 1 da LTC é um expediente, estatisticamente confirmado, de que o TC se socorre para denegar a realização de justiça material.
10º
É consabido também, que as reclamações de decisões sumárias, para a conferência, estão antecipadamente condenadas ao fracasso e o caso dos autos não fugiu à regra.
11º
E sem apelo nem agravo, mais não restando, à parte prejudicada que não seja reagir, através dos já de si fragilizados meios impugnatórios acessórios da nulidade do acórdão (artº 668º CPC) ou do esclarecimento ou reforma (artº 668º do CPC).
12º
Resta a convicção da recorrente de que trouxe e traz à apreciação do TC de uma questão jurídico constitucional e de relevo e tem consciência que a mesma é merecedora de apreciação substancial e de mérito.
13º
A questão trazida assume relevo jurídico e social, e o TC ao recusar a apreciação de mérito, recusa justiça material rechaçando a fiscalização concreta e a justiça constitucional com argumentos de índole meramente formal.
14º
Assim, deixa de cumprir a sua missão e função que é de dar solução e resolução às questões jurídico-constitucionais que lhe são colocadas, como decorre do estatuído no artigo 221º da C. R. Portuguesa que para tanto o vocaciona.
15º
Reitera a recorrente que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 4º e 64º do DL 321/B/90 de 15/10, interpretadas no sentido de que obras levadas a cabo em parte de um imóvel locado da tipologia daquelas que vêm referenciadas nos autos, possam integrar o conceito de deteriorações consideráveis, facultando a extinção de relação locativa, primordialmente habitacional, com a consequente resolução do contrato de arrendamento urbano.
16º
A recorrente, no recurso que instaurou, pretende questionar a inconstitucionalidade das normas citadas com a interpretação de que foram alvo e ao nível do conteúdo intrínseco das mesmas, num piano de generalidade e abstração independentemente da sua aplicação ao caso concreto.
17º
Na medida em que, na sua ótica a interpretação sufragada viola claramente direitos, liberdades e garantias fundamentais.
18º
Refugiando-se o TC em argumentos de índole meramente formal, e deixando de conhecer de mérito, afasta-se da sua matriz vocacional bem vincada no artigo 221º da C. R. Port.
19º
A recorrente, na sua cidadania, sendo portadora de direitos fundamentais que a Constituição lhe assegura, vê recusada pela justiça constitucional a apreciação de mérito quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma questão jurídico - constitucional de relevo, no âmbito do direito à habitação, o que é intolerável num Estado, dito de Direito.
(…).
2. Os recorridos, notificados que foram de tal requerimento, vieram responder-lhe, pugnando pela sua improcedência « … por falta de fundamentação legal, … » e, bem assim, requereram a condenação da «... recorrente, por litigância de má-fé, na indeminização julgada material e equitativamente justa...», nos seguintes termos:
(…)
1 - Em 13 de dezembro de 2012 foi a Recorrida notificada de Requerimento apresentado pela Recorrente em que, ao abrigo do disposto no art 669º do Código de Processo Civil, requer reforma do acórdão, supra identificado de modo a que defira a reclamação apresentada, conhecendo, de mérito, do objeto do recurso, ordenando o seu prosseguimento. Subsidiariamente requer o esclarecimento do- ter do acórdão nº 558/2012, explicitando as razões de índole formal em que se fundamenta para denegar justiça material e de mérito recorrente.
2 - Acontece que, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 669º do CPC, «não cabendo recurso da decisão, (como acontece in casu), é ainda lícito a qualquer das partes requerer reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.»
3 - Ora, da análise do requerimento que ora se responde, ao abrigo do princípio do contraditório, não se descortina que a Recorrente tenha alegado qualquer erro na determinação da norma aplicável, identificando-o e determinado qual a norma que devera ter servido de fundamento à decisão, e bem assim qualquer erro na qualificação jurídica dos factos, que tenha ocorrido por manifesto lapso dos Venerandos Juízes que proferiram o acórdão sub iudicio.
4 - Acresce que, a al. a) do nº 1 do predito art. 669º também estabelece que «pode qualquer das partes requer no tribunal que proferiu a sentença o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
5 - No entanto, mais uma vez, no seu requerimento a Recorrente não invoca qualquer ambiguidade ou obscuridade que mereça ser esclarecida,
6 - limitando-se a criticar, desconstrutivamente, a atuação do Tribunal Constitucional, que, na sua opinião, sobrestimou a forma, menosprezando o mérito e a justiça material (cfr. ponto 7º do requerimento), usa e abusa da recusa liminar quanto ao conhecimento de mérito das questões concretas da constitucionalidade veiculadas através dos recursos de fiscalização concreta (cfr. ponto 8º do requerimento), considerando que a decisão sumária proferida nestes autos, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A nº 1 da LTC é um expediente, estatisticamente confirmado, de que o TC se socorre, para denegar a realização de justiça material (cfr. ponto 9º do requerimento).
7- Em suma, a Recorrente não alegou qualquer razão legalmente prevista que lhe permitisse fazer uso do pedido de reforma do acórdão sub iudicio, e bem assim qualquer fundamento legal que lhe permitisse alicerçar um pedido de esclarecimentos,
8 - tendo claramente utilizando os instrumentos processuais previstos no art. 669º do CPC como mero expediente dilatório, facilitado, pelo facto de usufruir do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento das taxas de justiça e demais custas do processo, que não dos honorários do seu Ilustre Mandatário, tentando fazer perigar a ação da justiça e litigando de má fé,
9 - pelo que se requer, desde já, a sua condenação em indemnização julgada justa por este tribunal.
(…).
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. De acordo com os pedidos formulados, quer pela recorrente quer pela recorrida (esta na sua resposta ao pedido que veio a ser formulado pela recorrente), são três as questões a apreciar e decidir, como sejam: reforma do Acórdão n.º 558/12; subsidiariamente, o seu esclarecimento; condenação da recorrente em indemnização como litigante de má fé.
Vejamos de cada um deles.
4. Relativamente à recorrente
4.1 – Quanto ao pedido de reforma
A recorrente pretende que o Acórdão n.º 558/2012 seja reformado por forma a que «... defira a reclamação apresentada conhecendo, de mérito, do objeto do recurso ordenando o seu prosseguimento».
Não subsistem dúvidas que de acordo com o disposto no artigo 669.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC é « … lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) [t]enha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) [c]onstem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida».
Ora, relendo o acórdão em causa, dele se depreende com toda a clareza e facilidade de apreensão, que foram, essencialmente, duas as razões que determinaram a confirmação da decisão sumária, oportunamente, proferida e conduziram ao indeferimento da reclamação, então, formulada e que se encontrava em apreço, como sejam: a primeira consistia no facto de a questão suscitada junto do tribunal recorrido não corresponder à que tinha sido indicada como objeto do recurso de constitucionalidade; a segunda consistia numa interpretação que, sob a capa de uma dimensão de tipo 'normativo', verdadeiramente não questionava uma dimensão da norma, com caráter de generalidade e abstração, mas sim o resultado da aplicação, pelo tribunal recorrido, do direito ao caso concreto, através do preenchimento de um conceito indeterminado ('deteriorações consideráveis').
Sucede que da simples leitura da decisão sumária proferida como do acórdão, que apreciou e decidiu a reclamação que sobre aquela recaiu, ressaltam tais razões e, bem assim, os fundamentos subjacentes que determinaram as respetivas decisões, sendo que se não vislumbra que delas resultem, designadamente por lapso manifesto, que ocorra qualquer erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e, menos ainda, que nos autos possa existir qualquer documento ou outro meio de prova plena.
Aliás, do arrazoado vertido pela recorrente, no requerimento ora em apreço, não se descortina a invocação de qualquer argumento ou fundamento suscetível de ser ponderado em sede de 'reforma' do acórdão, sendo, pelo contrário, eloquente o seu silêncio a tal propósito; efetivamente, se algo de útil se encontra em tal requerimento é o que vem vertido sob o seu n.º 15 que sufraga totalmente o que veio de ser afirmado em sede de decisão sumária e, bem assim, do acórdão que se pretende ver em crise.
4.2 - Quanto ao pedido de esclarecimento
Afastada, assim, a possibilidade de existir qualquer situação que justifique a pretendida 'reforma' do Acórdão n.º 558/12, o mesmo se verifica quanto à necessidade de se operar ao esclarecimento de qualquer dos seus pontos, por ambiguidade e/ou obscuridade, que, diga-se, a recorrente não indica, o que se compreende, porquanto da simples leitura do mesmo não subsiste qualquer obstáculo à compreensão da fundamentação e sentido da decisão nele proferida.
Em suma, não basta discordar do decidido para que se verifique, desde logo, uma situação justificadora de um pedido de 'reforma' e/ou de 'esclarecimento' de acórdão.
Assim, improcede a peticionada reforma ou esclarecimento do acórdão em causa.
III. Decisão
5. Nos termos supra expostos, o Tribunal decide:
Indeferir o pedido de reforma e, bem assim, de esclarecimento do Acórdão n.º 558/12, que se mantém na íntegra;
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 (quinze) Ucs, sem prejuízo da existência de apoio judiciário que haja sido concedido nos autos.
Lisboa, 29 de janeiro de 2013.- José Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro