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Processo nº 649/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
“1. A ..., com os sinais identificadores dos autos, veio ‘interpor recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade (...) nos termos e ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro na sua actual redacção’, do despacho ‘de 23 de Julho de 2001 do Supremo Tribunal de Justiça’, proferido pelo seu Vice-Presidente, que ‘desatendeu a sua reclamação por não admissão de recurso interposto nesse Alto Tribunal’, tendo ‘como desiderato que o douto acórdão de 14 de Março de 2001 do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fosse reapreciado em recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça’.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invoca o recorrente que no ‘recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tal como resulta da respectiva motivação, de modo explícito ou implícito’ arguiu ‘as seguintes inconstitucionalidades’ (e passa a indicá-las, não interessando aqui fazer a sua transcrição).
2. Acontece, porém, que tal arguição não foi feita na reclamação que o recorrente apresentou ‘ao abrigo do disposto no artº 405º do Cód. Proc. Penal’, dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apesar de aí dizer que não pode ‘conformar-se com a interpretação extraída do disposto no artº 400º, nº
1-f)’, pretendendo demonstrar que no caso ‘e fazendo o devido cúmulo jurídico, verifica-se que a moldura penal aplicável pode ir até aos 10 (dez) anos de prisão’, mas sem suscitar nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, nomeadamente quanto ao apontado preceito do Código de Processo Penal (só o fez no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade).
Tanto assim que o despacho recorrido não apreciou nenhuma questão desse tipo e limitou-se a aplicar o citado artigo 400º, nº 1, al. f), para concluir deste modo:
‘Para efeitos da alínea f) do n.º 1 do art.º 400 do CPP o que releva é a pena abstracta aplicável a cada um dos crimes em concurso.
Se, como acontece no caso presente, a pena aplicável a qualquer dos crimes em concurso é de prisão não superior a oito anos, o acórdão da Relação que confirmou o da 1ª instância é irrecorrível ‘mesmo em caso de concurso de infracções’, porque os acórdãos proferidos em ambas as instâncias respeitam a crimes individualmente puníveis com penas não superiores a 8 anos e até mesmo não superiores a cinco anos.
Por isso, o acórdão da Relação seria ainda irrecorrível com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artº 400 do CPP porquanto os crimes a que ele se reporta são puníveis com penas que individualmente não excedem os 5 anos.
Verifica-se assim a irrecorribilidade do acórdão’.
Assim, tem de concluir-se que falta um pressuposto processual específico do tipo de recurso de constitucionalidade em causa, o da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa, em termos processualmente adequados para obrigar o tribunal a quo a pronunciar-se sobre ela (artigo 72º, nº 2, da Lei nº
28/82).
Com o que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada seis unidades de conta”.
B. Dela veio o recorrente “reclamar para a conferência, nos termos e para os efeitos do nº 3 do artº 78º-A da Lei do tribunal Constitucional (redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro)”, insistindo que “interpôs recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, invocando para o efeito que no recurso interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, tal como resulta da respectiva motivação, de modo explícito, arguiu as seguintes inconstitucionalidades” (segue-se a indicação delas), embora reconhecendo que
“tais inconstitucionalidades não foram arguidas na reclamação que o recorrente apresentou ‘ao abrigo do disposto no art. 405º do Cód. Proc. Penal’ dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça”, mas “não tinham que o ser...” (“A verdade é que a questão da inconstitucionalidade das várias normas invocadas foi levantada durante a pendência da causa em conformidade com o que preceitua a al. b) do artº 70º da LTC (redacção da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro) ex vi nº
1, al. b) conjugado com o nº 4, ambos do artº 280º da C.R.P.”, aliás, “conforme, de modo expresso, consta dos seus recursos para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente para o Supremo Tribunal de Justiça” – acrescenta ainda o reclamante).
C. Na sua resposta, o “representante do Ministério Público junto deste Tribunal” veio dizer o seguinte:
“1 – Como decorre explicitamente da actual redacção do n° 2 do artigo 72° da Lei do Tribunal Constitucional., a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade normativa, pelo recorrente que se funde na alínea b) do n° 1 do artigo 70°, pressupõe a respectiva suscitação perante o órgão jurisdicional que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
2 - No caso dos autos - e como reconhece o reclamante - abandonou, no âmbito da reclamação que interpôs, a questão de constitucionalidade que havia suscitado em precedentes fases processuais.
3 - Deixando - deste modo - e apesar de para tal ter tido obviamente oportunidade processual - de colocar explicitamente tal questão à apreciação da entidade a que competia proferir a 'última palavra', no âmbito dos tribunais judiciais, sobre a situação controvertida.
4 - E sendo manifesto que o incumprimento de tal ónus determina a falta de um pressuposto processual do recurso interposto”.
D. Cumpre decidir.
Pouco mais pode adiantar-se ao que consta da Decisão reclamada, que não sai minimamente beliscada com a presente reclamação.
Na verdade, o reclamante esquece que na decisão recorrida, inscrita num processo de “reclamação que o recorrente apresentou ‘ao abrigo do disposto no artº 405º do Cód. Proc. Penal’, dirigido ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça”, apenas se ponderou se era ou não recorrível o acórdão do tribunal de relação e isso foi feito à luz da norma do artigo 400º, nºs 1 e) e f), do Código de Processo Penal, a única que foi aplicada.
Ora, ela também serviu para fundar a dita reclamação, porque o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não fora admitido, na base da “interpretação extraída do disposto no artº 400º, nº 1, f)”, conforme se expressou o reclamante.
Para ele, todavia, uma “mera interpretação literal, isto é, a apreensão do sentido puramente gramatical ou textual da norma, parece, salvo melhor opinião e o sempre devido respeito, conduzir-nos em sentido em contrário ao tirado pelo tribunal a quo” (o tribunal de relação), mas nada adiantou quanto à conformidade com a Constituição de uma tal interpretação, não havendo nenhuma referência a normas ou princípios constitucionais (e o certo é que, para este efeito, é irrelevante o que o reclamante havia sustentado e fizera constar “dos seus recursos para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e posteriormente para o Supremo Tribunal de Justiça”).
Era no processado da reclamação apresentada “ao abrigo do disposto no artº 405º do Cód. Proc. Penal” que o reclamante tinha que suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa, como diz na sua resposta o Ministério Público.
E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação do não conhecimento do recurso e condena-se o reclamante nas custas com a taxa de justiça fixada em
15 unidades de conta.
Lisboa,5 de Fevereiro de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa