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Proc. nº 707/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do 2º Juízo Criminal de Cascais, de 14 de Julho de 2000, foi o ora recorrente, F... (juntamente com mais 18 co-arguidos) condenado na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes qualificado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al. c) do Decreto-Lei nº 15/93.
2. Inconformado com esta decisão o ora recorrente pretendeu recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 6046 a 6067). A concluir as alegações que então apresentou disse o recorrente, designadamente, o seguinte:
“(...)
38º A sentença em apreço violou os preceitos constitucionais no que respeita às garantias de defesa do processo criminal previstos no art. 32º da CRP, nomeadamente no seu nº 2, presumindo a culpa, ao invés da inocência.
39º Da forma como fundamentou a prova, impede, nos diferentes aspectos supra referenciados, uma efectiva fiscalização pelo Tribunal de Recurso, violando desta forma o estatuído no nº 1 do art. 32º da CRP”.
3. Por parte do relator do processo foi proferido despacho a admitir o recurso interposto (fls. 6089 e 6090), mas para ser julgado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual foi ordenada a remessa dos autos, por ser o Tribunal competente para conhecer do respectivo objecto.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 16 de Janeiro de 2001 (fls.
6206 a 6256), decidiu negar provimento ao recurso.
5. Inconformado com esta decisão o ora recorrente veio arguir a sua nulidade
(fls. 6263 a 6265), requerimento que foi indeferido pelo acórdão de 13 de Março de 2001 (fls. 6312).
6. Novamente inconformado o recorrente pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional, o que fez através de um requerimento com o seguinte teor (fls.
6317):
“F..., arguido nos autos supra referenciados, notificado dos doutos acórdãos, o primeiro que conheceu do recurso e o segundo que indeferiu o pedido de declaração de nulidade do primeiro, vem destes mesmos acórdãos interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da lei nº 28/82, de 15/11, nos termos seguintes:
- As decisões ora recorridas não são susceptíveis de recurso ordinário.
- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art.
127º do CPP, com a interpretação que lhe foi aplicada na decisão recorrida;
- Tal aplicação, do modo como foi feita, viola os nºs 1 e 2 do art. 32º da CRP;
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada na motivação do recurso e no requerimento onde o arguido requereu a declaração de nulidade do acórdão que dele conheceu”.
7. O recurso não foi, porém, admitido, por ter sido admitido o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça interposto a fls. 6293 por um outro co-arguido (fls.
6323, v.).
8. Subiram, então, os autos ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de
18 de Outubro de 2001, veio a negar provimento àquele recurso (fls. 6249 a
6363).
9. Foi desta decisão que foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade, para apreciação da constitucionalidade dos artigos 127º e 133º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhes deu a decisão recorrida, por alegada violação do disposto no artigo 32º, nºs 1 e 2 da Constituição.
10. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 6375 a 6378).
É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“Nos termos do artigo 72º, nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º do mesmo diploma “só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade
(...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”. Ora, como vai sumariamente ver-se, o ora recorrente não suscitou perante o Supremo Tribunal de Justiça - Tribunal que proferiu a decisão recorrida -, em termos de este Tribunal estar obrigado a dela conhecer, a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada. Vejamos. Refere o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, que terá suscitado a questão de constitucionalidade na alegação do recurso que interpôs da decisão do Tribunal Judicial de Cascais para o Supremo Tribunal de Justiça. A verdade, porém, é que aquele recurso foi considerado mal interposto para aquele Supremo Tribunal, considerando-se competente para conhecer do seu objecto - o que efectivamente aconteceu - o Tribunal da Relação de Lisboa, a quem foram remetidos os autos. Dessa forma, as questões de constitucionalidade suscitadas naquela peça processual foram-no não perante o Supremo Tribunal de Justiça, considerado incompetente para conhecer do recurso a que se referia aquela alegação, mas perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que sobre elas se pronunciou no sentido da sua improcedência. E, desta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, não foi interposto pelo ora recorrente - mas apenas por um seu co-arguido - recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Em face do exposto torna-se evidente que o ora recorrente nunca suscitou perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Supremo Tribunal de Justiça), em termos de este Tribunal estar obrigado a dela conhecer, a questão de constitucionalidade que agora pretende ver apreciada, pelo que, de acordo com o disposto no artigo 72º, nº 2, da LTC, não pode conhecer-se do objecto do recurso, por falta de legitimidade do recorrente”.
11. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº
3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante conclui da seguinte forma:
“I - O Reclamante suscitou oportuna e devidamente a questão de constitucionalidade do preceituado no art. 127º e 133º do CPP, na interpretação efectuada nos acórdãos recorridos. II – O recurso de fls. 6046 a 6067, interposto pelo ora Reclamante para o Tribunal Constitucional não subiu imediatamente, porquanto fora recebido o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça pelo co-arguido João Carlos Esteves. III – A decisão, ora em recurso, para o Tribunal Constitucional será aquela que o ora reclamante pretendeu ver apreciada pela interposição do recurso de fls.
6064 a 6067 e que apenas poderia ser admitida após a prolação do acórdão do STJ relativamente ao recurso interposto para esse Tribunal pelo co-arguido João Carlos Esteves. IV – Os direitos do reclamante não podem ser negados pelo recurso do co-arguido João Carlos Esteves. V – A interpretação do art. 72º da LTC, não se compadece com a interpretação agora dada. VI – O não recebimento do recurso sobre a constitucionalidade violaria o direito do ora reclamante, consagrado na alínea b) do nº 1 do art. 280º da Constituição”.
12. Notificado para responder, querendo, à reclamação do recorrente, o Ministério Público veio aos autos para, em suma, sustentar a sua improcedência por duas razões: porque a decisão recorrida – o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça – não aplicou a norma a que se reporta o recurso de fiscalização concreta interposto e porque o ora reclamante não suscitou, em termos procedimentalmente adequados, perante o Tribunal que proferiu a decisão impugnada, qualquer questão de constitucionalidade.
Cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
13. Na decisão sumária de fls. 6375 a 6378, ora reclamada, decidiu o Relator não ser possível conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, através do requerimento de fls. 6366 a 6369, por não ter aquele suscitado perante o Tribunal que proferiu a decisão impugnada (o Supremo Tribunal de Justiça), em termos de este Tribunal estar obrigado a dela conhecer, a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada.
Com a presente reclamação o recorrente vem contestar o assim decidido alegando, fundamentalmente, que suscitou “oportuna e devidamente” a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada, reportada a uma determinada interpretação dos artigos 127º e 133º do Código de Processo Penal.
A verdade, porém, é que – como se demonstrou já na decisão reclamada – não tem razão.
Importa, antes de mais, deixar claro que em causa nos presentes autos está apenas o recurso de constitucionalidade a que se reporta o requerimento de fls.
6366 a 6369, que vem interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 6349 a 6363 - e não um outro recurso de constitucionalidade que o requerente pretendeu interpor, a fls. 6137 e 6318, da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 6206 a 6256, que não foi admitido por despacho do Relator do processo nesse Tribunal (fls. 6323, v.), não tendo então o recorrente impugnado essa decisão.
Em suma: a decisão impugnada pelo recurso que foi admitido é, pois, a do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 6366 a 6369. E, sendo assim, é efectivamente manifesto que não pode conhecer-se do seu objecto. Não só porque, como se demonstrou já na decisão reclamada - para cuja fundamentação, nesta parte, se remete - o recorrente nunca suscitou perante o Supremo Tribunal de Justiça, em termos de esse Tribunal estar obrigado a dela conhecer, qualquer questão de constitucionalidade normativa, como - como, bem, nota o Ministério Público - porque também aquela decisão não aplicou as normas cuja constitucionalidade o ora reclamante pretendia ver apreciada.
Tanto basta, pois, para que não se possa conhecer do objecto do recurso.
Refira-se, porém, a concluir, que - contrariamente ao alegado - nesta interpretação do artigo 72º da LTC não vai implicada qualquer denegação do direito ao recurso do ora reclamante. É que, agora apenas se conclui que o ora reclamante não poderia recorrer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça - uma vez que não colocou perante este Tribunal a questão de constitucionalidade que pretendia ver apreciada - mas já não que não era admissível o recurso que antes pretendera interpor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e que - como bem, nota o Ministério Público – “abandonou” ao não reclamar para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 76º, nº 4, da LTC, da decisão que não o admitiu.
III – Decisão
Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2001 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida